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Comissão de Valores Mobiliários pode abrir investigação sobre divulgação de troca na Petrobras

Mudança anunciada por Bolsonaro em rede social levou empresa a perder R$ 28 bilhões em valor de mercado no Brasil.

A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) analisa a abertura de um processo administrativo para investigar a nomeação do general Joaquim Silva e Luna para o comando da Petrobras, que teve forte impacto sobre o valor das ações da estatal.

O objetivo é avaliar se o anúncio seguiu as regras de divulgação de fatos relevantes que possam ter impacto no valor das ações das companhias. O anúncio da troca foi feito oficialmente no fim da tarde de sexta (19), mas na quinta (18), o presidente Jair Bolsonaro já havia sinalizado a mudança.

Entre as primeiras declarações de Bolsonaro sobre “mudar alguma coisa” na estatal e o anúncio oficial, o valor de mercado da Petrobras despencou R$ 28 bilhões na bolsa de valores de São Paulo. Após a divulgação do novo nome, os papéis continuaram caindo em Nova York.

Oficialmente, a CVM diz apenas que não comenta casos específicos e “acompanha e analisa informações envolvendo companhias abertas, tomando as medidas cabíveis, sempre que necessário”.

Mas a abertura de processos em casos como esses é um procedimento usual para avaliar o cumprimento das regras que combatem possíveis abusos e assimetria de informações entre os diversos participantes do mercado.

No artigo segundo da Instrução CVM 358, a autarquia define como fato relevante informações que possam influir “na cotação dos valores mobiliários [ações]” e na “decisão de comprar, vender ou manter tais títulos”.

“Para assegurar o acesso ordenado e equitativo do mercado a tais informações, a Instrução CVM 358 imputa ao DRI [diretor de relações com investidores] das companhias abertas o dever de divulgá-las, de modo claro e preciso, pelos canais oficiais de comunicação, além de zelar pela sua ampla e imediata disseminação”, escreveu a autarquia em comunicado de 2016 sobre o tema.

No comunicado, a CVM diz que é atribuição do diretor responsável averiguar de forma proativa a ocorrência de divulgações que não sigam os procedimentos estabelecidos.

Na quinta, o presidente sinalizou a mudança durante sua live semanal em redes sociais. Reclamou de reajustes nos preços da gasolina e do diesel feitos no dia anterior e afirmou que “alguma coisa vai acontecer na Petrobras nos próximos dias”.

“Tem que mudar alguma coisa, vai acontecer”, repetiu.

Na sexta, em evento em Pernambuco, voltou a tocar no tema, repetindo que não tinha o interesse em interferir na gestão dos preços mas repetiu que promoveria mudanças na estatal. “Anuncio que teremos mudança sim na Petrobras”, disse.

Naquele momento, as ações já derretiam nas Bolsas, com investidores temendo intervenções na política de preços criticada por Bolsonaro. O presidente da República confirmou a mudança em sua página do Facebook às 20h21. A Petrobras arquivou comunicado sobre o tema na CVM às 21h01.

No texto, dizia que recebeu ofício do MME (Ministério de Minas e Energia) solicitando a convocação de uma assembleia de acionistas para nomear Silva e Luna na presidência do conselho de administração da empresa, que é a instância responsável por aprovar o nome do presidente da companhia.

Silva e Luna vai substituir Roberto Castello Branco, economista indicado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes para comandar a estatal desde o início do governo Bolsonaro. O mercado esperava que o executivo fosse reconduzido para novo mandato de dois anos em reunião do conselho desta terça (23).

Bolsonaro decidiu pela troca após se irritar com declarações recentes de Castello Branco, que disse que a insatisfação dos caminhoneiros não era problema da Petrobras. Neste sábado, o presidente da República afirmou que precisa “trocar as peças que porventura não estejam dando certo”.

Afirmou ainda que fará novas trocas no governo e que pretende “meter o dedo” também no setor elétrico, diante das altas tarifas de energia no país.

*Nicola Pamplona/Folha

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Guedes é “sócio oculto de empresas e fundos beneficiados pelo governo”, acusa deputado

Ministro da Economia é suspeito de ser sócio oculto de empresas e de lotear cargos públicos por interesses privados.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, voltou de férias na segunda-feira 13 e já fará as malas de novo. Entre os dias 21 e 24 estará em Davos, na Suíça, para o convescote anual da elite global. Essa turma evitou o Brasil em 2019. O fluxo cambial no País ficou negativo em 44 bilhões de dólares, um recorde. A Bolsa atingiu níveis inéditos, graças à queda dos juros básicos do Banco Central, não ao crescimento do PIB, mas os gringos escaparam dela. Não importa. Guedes deve se sentir em casa nos Alpes suíços, ele que enriqueceu no “mercado”, sócio de empresas e fundos. No governo, sua gestão é do jeito que o diabo financeiro gosta. “É um infiltrado na máquina pública. Fez uma aliança com o capital e tem desenvolvido políticas públicas para essas alianças que construiu em seus negócios privados durante a vida”, afirma o deputado Paulo Ramos, do PDT do Rio de Janeiro.

Veterano da Assembleia Constituinte, Ramos, de 77 anos, colocou Guedes na mira, por considerá-lo o pilar de sustentação de Jair Bolsonaro. Ao longo de 2019, vasculhou a Junta Comercial do Rio, foi atrás de uma investigação do Ministério Público Federal sobre fundos de pensão, reuniu reportagens e terminou o ano com um presente natalino para o ministro. Pediu à Procuradoria-Geral da República, que remeteu o caso à Procuradoria no Distrito Federal, ao Tribunal de Contas da União e à Comissão de Ética Pública uma investigação sobre o “Posto Ipiranga”, a fim de provar que o ministro é sócio oculto de empresas e fundos beneficiados por decisões do governo. Promete acionar o Supremo Tribunal Federal também, quando a corte voltar de férias em fevereiro.

Guedes seria um caso para a Lei de Conflito de Interesses, a 12.813, de 2013. O ministro, segundo a denúncia de Ramos, “integra, seja como administrador ou sócio – inclusive possivelmente oculto – uma vasta rede composta por bancos e fundos de investimentos” que “possuem íntimas relações com entes estatais de mesmo gênero, notadamente o BNDES”. Ao examinar dados de empresas às quais Guedes era, ou é, ligado, o deputado identificou uma “curiosa coincidência”: outros sócios ou cotistas “se revezam não apenas na mesma sociedade, como também em várias outras, coligadas ou não, formando uma espécie de teia societária”, a fim de “ocultar seu verdadeiro controlador”. Tradução: laranjal. Mais: “tudo aponta” que Guedes, após aderir à campanha de Bolsonaro, comandou “uma série de reestruturações societárias nas empresas, fundos e todo tipo de investimento em que tivesse participação, a fim de se ocultar”.

Ramos tentou aproveitar a CPI do BNDES, que funcionou em 2019 na Câmara, para saber mais sobre os negócios do ministro. E esbarrou no presidente do banco. Compreensível. Gustavo Montezano é homem de Guedes. Antes de assumir o BNDES, era secretário-especial-adjunto do ministro para privatizações. Seu pai, Roberto, trabalhou em priscas eras com Guedes no Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais, o Ibmec, criado pelo ministro. Em agosto de 2019, a CPI pediu a Montezano informação sobre os financiamentos do banco a empresas e fundos nos quais houvesse digitais de Guedes. A resposta, segundo Ramos, chegou quando a CPI tinha terminado. Não citava empresas, só setores. E continha uma incomum recomendação: manter tudo em sigilo. O deputado nunca conseguiu uma cópia do documento, pode apenas olhar e fazer anotações.

Rastro: o deputado Paulo Ramos, do PDT, quer entender melhor os negócios e as motivações do ministro.

Montezano passou por outra cria de Guedes, o BTG Pactual. Foi sócio e diretor do banco de 2008 até entrar no gasoduto no Amazonas. Parece que valeu a pena um dos sócios do banco, André Esteves, esforçar-se para estar na ala vip na posse de Guedes, de quem havia sido estagiário. Em janeiro de 2019, Esteves tinha acabado de voltar à ativa no BTG, após ser inocentado por falta de provas em um caso da Operação Lava Jato que o levara à cadeia em 2015.

O BTG deve ter ficado feliz com uma decisão de dezembro do ministério de Guedes. O órgão anunciou os vencedores de um processo seletivo de escolha de empresas que, em troca do acesso aos valiosos dados pessoais de 1,2 milhão de servidores federais, aposentados incluídos, arranjam descontos para o funcionalismo em compras de bens e serviços. A seleção foi acusada de “práticas imorais” por uma empresa competidora, a Markt, autora de uma ação judicial, e sofreu uma tentativa de impugnação por parte da federacão dos policiais federais, conforme revelado pelo site de CartaCapital em setembro. Em uma audiência pública com deputados, a federação fez coro à suspeita de que tudo foi feito para favorecer o BTG. Uma das concorrentes da seleção era uma star-tup na qual o banco havia decidido botar fé, a Allya, semanas antes do anúncio do processo seletivo. A Allya foi, de fato, escolhida.

A exemplo do próprio “Posto Ipiranga”, Montezano é egresso do setor privado. Entrou no governo graças ao ministro e, um dia, provavelmente voltará aos negócios privados cheio de informações. É o tipo de situação descrita pelo economista americano Joseph Stiglitz como “porta giratória”, aquele vai e vem de profissionais entre cargos públicos e privados, que configuraria uma espécie de… deixa pra lá. Um caso similar é citado por Ramos na denúncia contra Guedes. É o do engenheiro Eudes de Gouveia Varela, de 66 anos. Este foi sócio de Guedes em uma empresa que não chegou a iniciar as atividades, o Centro de Estudos e Pesquisas Minerais Capitão Felizardo. Varela foi nomeado por Guedes para o conselho de administração de duas estatais, o Banco do Nordeste e a Embrapa.

O deputado não mencionou, mas podia, Daniella Marques Consentino. Aos 40 anos, ela é formada em administração de empresas e trabalhou com Guedes no setor privado por uma década. Desde o início de 2019, é chefe da assessoria especial de Assuntos Estratégicos do Ministério da Economia. É uma das figuras mais próximas e da maior confiança do “Posto Ipiranga”. Acompanha-o em reuniões, eventos e audiências públicas no Congresso. Uma dessas audiências, em abril de 2019, terminou em confusão depois que o deputado Zeca Dirceu, do PT do Paraná, disse que Guedes era “tchutchuca” com banqueiros e “tigrão” com os pobres”, e o ministro devolveu: “Tchutchuca é a mãe, é a avó”. Consentino aconselhou o chefe a ir embora e foi detida por alguns instantes pela polícia legislativa, acusada de agressão pela deputada Maria do Rosário, do PT gaúcho.

Até a quarta-feira 8, a assessora constava nos registros da Receita Federal como diretora da empresa Mercatto A2 Participações e como representante legal da Crescera Investimentos em outra empresa, a BP Venture Capital. A Crescera é o nome atual da Bozano Investimentos, empresa da qual Guedes era sócio (ainda seria, de forma oculta?) até entrar no governo. A lei dos servidores, a 8.112, de 1990, proíbe-os de “participar de gerência ou administração de sociedade privada, personificada ou não personificada, exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditário”. Um veto destinado a evitar que um funcionário público defenda, no governo, interesses particulares. Consentino diz ter saído de todas as empresas antes de ingressar no ministério e que deve ter havido alguma falha de atualização cadastral.

Em 22 de abril de 2019, ela reuniu- -se no ministério com um dos sócios da Crescera, e, portanto, seu chefe quando ela era representante legal da empresa na BP Venture Capital, o bilionário Elie Horn. Em seguida, com dirigentes de uma filantrópica criada pelo empresário, o Instituto Liberta, de combate ao abuso sexual infantil. Teriam sido reuniões sobre o programa de incentivo ao voluntariado que o governo lançaria dali a alguns meses. Horn e a Liberta são nomes que correm na CPI das Fake News. Chegou a integrantes da comissão a informação de que o bilionário teria sugerido usar o Liberta como canal de financiamento das milícias digitais bolsonaristas na eleição. Grana empresarial entraria no instituto e este contrataria uma agência de marketing, a Cucumber, para pagar o submundo na internet. A agência é da esposa do secretário de Comunicação Social da Presidência, Fabio Wajngarten, de origem judia, como Horn. Será que Guedes, rico e experiente em arquitetura financeira, teria auxiliado a financiar essas milícias? É uma dúvida de Ramos.

Consentino foi convocada a depor em novembro de 2018 pelo Ministério Público em Brasília em uma investigação aberta um mês antes contra o “Posto Ipiranga” por suspeita de fraude em investimentos em educação feitos por um fundo do ministro, o BR Educacional, com dinheiro obtido em fundações de pensão estatais. É uma apuração no âmbito da Operação Greenfield, uma das cumbucas em que Ramos meteu a mão. Começou com seu conteúdo tornado público pelo chefe da força-tarefa da Greenfield, o procurador Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, mas depois se tornou sigilosa, a pedido do procurador Henrique de Sá Valadão, atual responsável pelo caso.

Gustavo Guedes, irmão do ministro, também é investigado pela Greenfield e chegou a depor. Contou, conforme relatado por CartaCapital, que o investimento suspeito foi idealizado para ajudar as Organizações Globo, o que talvez explique por que o inquérito agora corre em segredo. Gustavo mostra como a biosfera do irmão é, digamos, tóxica. Em 2007, ele foi condenado pela Comissão de Valores Mobiliários, a CVM, “xerife” do mercado acionário, por uso de informação privilegiada. Em 1999, a família Guedes era sócia em um fundo, o JPG, que decidira comprar ações de uma empresa, a Cambuci, depois que um analista a serviço do fundo descobriu que a companhia renegociaria dívidas bancárias. Paulo Guedes só não foi condenado por Gustavo ter dito à CVM que tinha feito tudo sozinho. A punição não doeu. Uma advertência, apenas.

Outra sociedade dos irmãos, o fundo GPG, beneficiou-se de coisa mais pesada. Fraudes e ilícitos. É o que diz uma sentença de julho de 2018 do juiz Tiago Pereira Macaciel, da 5a Vara Criminal do Rio. O fundo ganhou cerca de 600 mil reais graças a um prejuízo imposto ao fundo de pensão dos funcionários do BNDES, o Fapes, por uma corretora, a Dimarco, que, em 2004, intermediar negócios feitos com dinheiro das duas partes, em operações conhecidas como day trade. Macaciel condenou dirigentes da corretora, hoje extinta, a quatro anos de prisão, por gestão fraudulenta. Esse episódio é citado na portaria da força- -tarefa da Greenfield, que abriu a investigação contra os irmãos Guedes. A propósito: a irmã deles, Elizabeth, comanda desde abril de 2019 a associação das universidades particulares. Os filiados da Anup beneficiam-se de dinheiro da Caixa Econômica Federal nas bolsas do Fies e do ProUni. O presidente da Caixa, Pedro Guimarães, está no cargo por escolha de Guedes.

Dois meses antes da sentença do juiz Macaciel, a biosfera do ministro tinha sido atingida por outra operação, a Câmbio, Desligo, que desbaratou uma megarrede ilegal de doleiros. Um dos presos, Oswaldo Prado Sanchez, era colaborador antigo de um bilionário, Julio Bozano, de quem Guedes foi sócio (ainda seria, de forma oculta?) na Bozano Investimentos até chegar ao governo. Foi denunciado pelo Ministério Público à Justiça fluminense por lavagem de dinheiro, evasão de divisas e organização criminosa. Fechou uma delação, sobre a qual não se sabe nada. Sanchez fornecia dólares ao esquema, obtidos inclusive em contas pessoais de Julio Bozano. Este es- tava fora do “mercado” desde 2000, por causa de fraudes financeiras descobertas pelo Banco Central. O BC queria banir o bilionário do sistema financeiro. Ele recolheu-se por um tempo. Voltou à praça em 2013, em sociedade com Paulo Guedes, na Bozano Investimentos, hoje rebatizada de Crescera.

Internamente, Guedes diz ter se afastado de todos os seus negócios antes de assumir o cargo. CartaCapital questionou-o, via assessoria de imprensa, sobre as acusações do deputado Ramos, mas não obteve resposta até a conclusão desta reportagem, na quinta-feira 9.

 

 

*Da Carta Capital