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Reinaldo Azevedo: Ação de Deltan arromba porta para intimidar a imprensa

Já tenho as manifestações de solidariedade de que preciso. E as que não tenho, destas não preciso. Há coleguinhas na imprensa que ainda não entenderam a gravidade do processo movido contra mim pelo procurador Deltan Dallagnol. E há tolinhos que querem discutir o conteúdo: “Mas o que foi mesmo que você escreveu que deixou o procurador nervoso?”

Ah, isso é irrelevante. Se há gente que precisa do bê-á-bá, então vamos lá.

Já disse que reconheço — até porque lhe garantem as leis, não eu — o direito de Dallagnol de não gostar disso ou daquilo que escrevem a seu respeito e de recorrer, pois, à Justiça. Uma pesquisa na Internet aponta que coisas muito mais duras foram ditas a seu respeito por aí. E ele, até onde sei, não processou ninguém. Parece que o troço é comigo. Vá lá.

Se eu for malsucedido nos recursos, pagarei a ele R$ 35 mil — ou “35 k”, para ficar na moeda por ele celebrizada. E ele os receberá. Mas esse é só um dano para mim e um bem para ele. O risco para a profissão, no entanto, terá escalado uma altura de que tolinhos não estão se dando conta.

JUSTIÇA ESPECIAL E SUAS CONSEQUÊNCIAS

O procurador não apelou à Justiça comum para me processar. Ele recorreu ao 6º Juizado Especial Cível de Curitiba. A facilidade com que a quase totalidade da imprensa se tornou “adicta” dos vazamentos e peripécias da Lava Jato indica que a profissão entende pouco dos meandros do direito — e menos ainda do que seja direito de defesa. E sei disso faz tempo.

Pois bem. Recorrer a Juizado Especial — novo nome do antigo Tribunal de Pequenas Causas — tem implicações muito objetivas. Havendo a condenação, como se deu, decidida pela juíza Sibele Lustosa, mulher de um colega de trabalho e de grupo de Dallagnol, resta um apelo a uma Câmara Recursal, formada por juízes de primeira instância, colegas daquela que me condenou.

Sim, espero ser bem-sucedido. Mas o fato é que, em não sendo, resta apenas um Recurso Extraordinário ao STF. Nessa hipótese, um caso que diz respeito à liberdade de expressão tem de saltar do antigo Juizado de Pequenas Causas para o Supremo. Admita-se que não é corriqueiro.

Ora, queridos coleguinhas! Em sendo malsucedido nessas duas “portas estreitas”, como diria São Lucas, estarão abertas portas muito mais amplas para o vale-tudo. Mas não apenas contra mim. Estará dada a senha: “Chega de debater essa conversa de liberdade de expressão, liberdade de imprensa, sigilo da fonte, a antiga bobajada, então, de um estado democrático e de direito, onde existe imprensa livre! O papo é outro”.

Homens públicos que se sentirem ofendidos com textos publicados por jornalistas terão um caminho: recorrer à Justiça Especial Cível (JEC) com uma ação por danos morais. Escolhendo a dedo, o querelante obterá o resultado esperado.

Na Justiça Comum, as chances de exercitar a defesa incluem Tribunal de Justiça, com seus respectivas embargos, STJ (idem) e, se preciso, STF, dado o andamento normal do processo. Bem, na JEC, a história é outra. E, não tenham dúvida, o pêndulo irá para o lado oposto ao da liberdade de expressão e liberdade de imprensa.

O ESPECIALISTA

Dallagnol conhece como poucos os caminhos para atingir seus alvos. O que eu estou dizendo é que o perigo para a profissão é muito maior do que o rombo ao bolso que eu eventualmente possa sofrer. Com a ajuda de amigos, se preciso, consigo o dinheiro e, com o tempo, me refaço do desaire.

Mas o dano para a profissão será grande. Estará dada uma senha para toda figura pública que se sentir ofendida por um jornalista: recorrer à Justiça Especial Cível com um processo por danos morais. Como condenar alguém por delito de opinião na Justiça comum é coisa mais rara, até porque o direito de defesa se exerce mais amplamente, por que não encurtar a coisa toda e buscar asfixiar o jornalista economicamente?

Mais: se os querelantes tiverem a esperteza de Dallagnol, só os jornalistas serão acionados, mas não os respectivos veículos em que saiu a crítica — e não estou aqui a dizer que deveriam ter sido processados. Apenas destaco que faz parte da política pessoal do procurador manter boas relações com os meios de comunicação e buscar punir apenas o jornalista que incomoda. Também essa lição outros aprenderão com ele.

Sim, eu incomodo Dallagnol e outros tantos. Mas certamente não sou o único a despertar a ira de pessoas públicas. Muitos profissionais de imprensa que leem agora este post também o fazem. Se Dallagnol for bem-sucedido na sua empreitada, estará no mercado mais um poderoso instrumento de intimidação da imprensa: recorrer à Justiça Especial Cível por danos morais e pedir indenização. Assim, a liberdade de imprensa estará, finalmente, reduzida a uma pequena causa.

Abre-se uma nova frente contra a liberdade de imprensa, como se as já existentes, hoje em dia, não bastassem.

“Ah, mas Dallagnol ou outros procuradores ligados à Lava Jato jamais me processariam…”

Eles, com efeito, não! Mas e os outros, incluindo os adversários deles? Se Dallagnol for bem-sucedido no processo que move contra mim, quem perde é a imprensa. Não porque eu queira me arvorar em voz representativa da categoria. As minhas pretensões são bem mais modestas. Mas porque o procurador terá inaugurado um caminho novo para intimidar jornalistas. E outros se aproveitarão dele e vão trilhá-lo gostosamente.

Não, senhores! Não é só pelos R$ 35 mil. É pelo princípio. Que as entidades que defendem a imprensa livre e os direitos dos jornalistas se deem conta do que está em curso.

Hoje é Dallagnol contra mim na JEC. Amanhã será quem contra quem?

 

*Reinaldo Azevedo/Uol