Há cerca de um mês, o especialista canadense em contenção de derramamentos de óleo, Gerald Graham, adquiriu o costume de abrir o Google News para acompanhar as notícias sobre o crime ambiental que se espalha há 54 dias pelas praias do Nordeste. Ele vem observando as imagens e vídeos, além de notícias, e afirma estar espantado com a falta de respostas sobre a origem do vazamento.
“É muito estranho, até hoje tudo é muito estranho porque não se sabe de onde o óleo está vindo. É uma surpresa o óleo continuar chegando às praias. Parece que continua vindo da fonte original e ainda não se sabe de onde vem”.
A surpresa não se resume ao mistério da origem do óleo. Para o especialista, o mais chocante é o perigo a que voluntários estão se submetendo ao limpar as praias sem que o Governo Federal cumpra seu papel e assuma a retirada do óleo da costa. “Quando eu vi pela primeira vez essas notícias do vazamento, cerca de um mês atrás, eu falei com um jornalista e vi algumas imagens e pensei: ‘isso parece ruim!’”, lembra.
Graham é presidente da Worldocean Consulting, empresa especializada em planejar o uso de tecnologia no processo de limpeza em episódios de derramamento de óleo. Recentemente, deu uma série de entrevistas para apresentar softwares que permitem a visualização de cenários de derramamento de óleo, apontando os métodos mais rápidos e baratos de limpeza.
O extenso currículo de Gerald Graham inclui consultorias para o Banco Mundial, OCDE, Unesco, FAO, União Europeia, Agência de Desenvolvimento do Canadá e alemã GTZ. O expert conversou com a reportagem da Marco Zero por Skype sobre o que considera serem os pontos críticos da limpeza das praias no Nordeste brasileiro e comentou a ação das autoridades responsáveis. Confira abaixo os principais trechos da entrevista.
Resposta desorganizada ao vazamento
A partir das imagens que eu vi e venho vendo há semanas, há uma resposta desorganizada aos vazamentos. Não há sinal de ninguém no comando, nem soldados. Eles não estão sequer devidamente equipados para a tarefa.
Governo não sabe fazer e não pede ajuda
A última imagem que vi tinha uma mulher dentro da água, sentada na água, tentando limpar o óleo. É ridículo.
Eu esperaria mais do Brasil. Não é um país da Europa ocidental, nem os Estados Unidos, mas não é um país subdesenvolvido. Eu escutei que parte da costa que o óleo atingiu é uma região mais pobre, me corrija se estiver errado.
Eu não tenho visto imagens que mostram manchas na superfície, o material parece ficar nas praias, preso. Por isso a dificuldade de observar com imagens aéreas e satélites.
E a resposta do governo, para mim, é totalmente patética. É um segundo desastre. Primeiro o óleo, depois as respostas são um outro desastre.
As consequências do contato com o óleo
As pessoas são afetadas pelo óleo, elas podem não sentir no começo, mas estão inalando. O óleo pode entrar pela pele, também pode ir para o cérebro.
As pessoas precisariam de um treinamento. Eu não vi nenhuma evidência de que isso está acontecendo. Também não vi equipamentos de limpeza nas praias ou no mar. Onde estão as máquinas que poderiam fazer a limpeza das praias?
A questão é: se a autoridade federal não tem um plano de contingência do óleo não deveria deixar voluntários fazerem isso.
As autoridades regionais e locais, com as autoridades políticas, deveriam manter as pessoas afastadas da praia, evitando que as pessoas sofram as consequências da exposição ao óleo.
Eu não vi nenhuma evidência de um plano. E eu entendo as pessoas estarem tentando dar o seu melhor para limpar as praias, mas elas não deveriam estar fazendo isso. As pessoas vão acabar ficando doentes.
Dificuldade em mensurar o desastre
Algumas imagens mostram barris de óleo. É realmente muito difícil mensurar a extensão do vazamento e afirmar se é uma catástrofe ou não. Eu não posso realmente dizer o que é a partir do que eu vi. Mas, duas semanas atrás, eu vi um vídeo feito de um avião ou drone mostrando a costa e mostrava uma longa mancha de óleo, de cerca de 5 quilômetros. Você via uma foto antes e depois.
A mysterious oil spill has contaminated beaches and the coastline in Brazil according to this @ReutersWorld piece: https://t.co/MQEK0YrWSs
Here's before and after imagery captured by Planet SkySats on September 10th and September 27th. pic.twitter.com/LFASZmfC2s
— Planet (@planet) October 1, 2019
É bastante chocante, eu franzi as sobrancelhas e fiquei sem acreditar. Parece que é pior em algumas áreas, do que em outras.
Eu não diria que é um pequeno desastre. Mas quando se tem a visão do óleo parece ser relativamente uma quantidade pequena na costa, comparada a outros vazamentos.
Você precisa colocar em perspectiva. Mas ao mesmo tempo, continua espalhando, continua chegando nas praias e isso causa muitos estragos.
Não seria difícil limpar tudo
Tem apenas uma comparação que eu poderia fazer, com o caso do vazamento em Nakhodka, na Rússia. Naquele vazamento, houve 1,2 milhão de voluntários, mais de 1 milhão envolvidos na limpeza. Houve uma forte resposta voluntária. Em casos como esses, com uma extensão grande de costa – eu não sei quantas pessoas estão envolvidas – não se compara nesse sentido, mas a questão é que o volume do óleo parece pequeno. Mas acho que é subestimado. Eu vi notícias que afirmam que 600 toneladas foram coletadas, eu ficaria bastante cético com essa contagem porque contando 200 comunidades, seriam apenas 3 toneladas por praia.
E o óleo, quando você recolher, vai estar misturado com areia. É relativamente um volume pequeno espalhado por uma área enorme. É incrivelmente não usual fazer essa comparação.
Falando de um modo geral, parece uma quantidade pequena nas praias. Focos de óleo aqui e ali, então não parece um grande desafio limpar tudo. Não é como um massivo vazamento de óleo, como o que ocorreu no Alaska em 1989. Não deveria ser tão difícil de limpar.
Parece que ninguém sabe o que está fazendo
Obviamente, você não consegue conter quando chega na costa, mas você consegue evitar que chegue na costa. Não vi evidência alguma de que isso foi feito.
Normalmente, muitos países têm barreiras em pontos estratégicos da costa, caso algo aconteça. E no Brasil isso não aconteceu.
Uma vez que o óleo chega na costa, você precisa de pessoas treinadas – e não precisam ser profissionais, voluntários poderiam receber um treinamento básico da Marinha para saber como limpar. Poderia ser um curso de dois dias. E qualquer pessoa que não estiver limpando precisaria ficar afastada.
Você precisaria tirar as pessoas, pois é uma zona perigosa. Depois você forneceria o equipamento, técnicas e máquinas para coletar e retirar o óleo.
Esse seria o centro da operação, mas parece que ninguém sabe o que está fazendo e estão tentando ajudar, mas é uma operação extremamente amadora.
*Com informações do Marco Zero