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BRICS deve liderar reconstrução de Gaza junto com palestinos, diz presidente da Federação Palestina do Brasil

Ualid Rabah destaca papel do Brasil e do Sul Global no apoio à Palestina e condena Israel: ‘pior genocídio da história’.

Uma futura reconstrução da Faixa de Gaza – arrasada por Israel desde o dia 7 de outubro de 2023 – deve ser liderada pelos países do BRICS e pelos próprios palestinos, sem participação de potências ocidentais. Essa é a opinião de Ualid Rabah, presidente da Federação Árabe-Palestina do Brasil.

Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Rabah classificou positivamente a atuação do Brasil diante do massacre cometido pelas forças israelenses em Gaza e destaca o papel ativo que o país pode ter nos esforços para reconstruir o enclave palestino.

“A reconstrução de Gaza não pode ficar sob o monopólio ocidental. Isso não é mais possível. Nada que diga respeito à Palestina pode ser liderado pelo Ocidente, especialmente pelos Estados Unidos. Então, o nosso esforço é para que o Brasil lidere nos Brics ou faça um esforço nesse sentido”, afirmou.

Desde o início do massacre recente, iniciado em outubro do ano passado após ataques do Hamas, mais de 42 mil palestinos já foram mortos por Israel em Gaza, que também destruiu diversos locais cruciais de infraestrutura e importantes para a manutenção da vida no território.

“É uma tentativa de causar o colapso da capacidade reprodutiva de uma sociedade inteira. Esse é o genocídio de novo tipo, nunca foi visto”, afirmou Rabah.

O presidente da Fepal ainda mencionou o papel ativo da diplomacia chinesa, que mediou um acordo histórico entre Hamas, Fatah e outras 12 organizações palestinas em busca de unidade. “É preciso haver uma unidade Palestina e aí entra o papel da China. A Palestina e os palestinos devem encontrar um meio de reconciliação de todas as forças políticas e sociais. E das organizações não apenas partidárias ou daquilo que nós designamos como resistência”, disse.

Em termos financeiros, Rabah menciona os números citados pela União Europeia, que já disse ser necessário um investimento de US$ 90 bilhões (mais de R$ meio trilhão) para reconstruir Gaza. Para ele, deveria existir apoio da ONU e de uma comunidade de países do chamado Sul Global, mas sem a participação do Ocidente.

“É preciso reconstruir Gaza plenamente e é preciso acabar com o bloqueio a Gaza. É preciso que tudo isso aconteça em um processo de reconhecimento do Estado da Palestina, dentro de um consenso interno palestino e dentro de um consenso internacional, com base nas regras estipuladas. Deve haver, dentre essas regras, o direito de retorno dos palestinos. Sem isso, não haverá paz, nem para palestinos, nem para os que se tornaram israelenses”, disse.

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Israel força, de novo, deslocamento de dezenas de milhares de palestinos em Gaza

Israel expandiu as ordens de evacuação em Khan Younis, no sul da Faixa de Gaza. “Estamos correndo da morte para a morte”, relata um palestino.

Reuters – Israel expandiu as ordens de evacuação em Khan Younis, no sul da Faixa de Gaza, durante a noite, forçando dezenas de milhares de residentes palestinos e famílias deslocadas a sair no escuro enquanto as explosões de disparos de tanques reverberavam ao redor. O exército israelense afirmou que estava atacando militantes do grupo Hamas – que administrava Gaza antes da guerra – que estavam usando essas áreas para lançar ataques e disparar foguetes.

No sábado, um ataque aéreo israelense a uma escola onde palestinos deslocados estavam abrigados na Cidade de Gaza matou pelo menos 90 pessoas, segundo o serviço de defesa civil, provocando indignação internacional. O exército israelense afirmou que havia atacado um posto de comando de militantes do Hamas e da Jihad Islâmica, uma alegação que os dois grupos rejeitaram como pretexto, e matou 19 militantes.

Em Khan Younis, no sul da Faixa de Gaza, a instrução de evacuação cobria distritos no centro, leste e oeste, tornando-se uma das maiores ordens desse tipo no conflito de 10 meses, dois dias após os tanques retornarem ao leste da cidade. O anúncio foi publicado no X e em mensagens de texto e áudio para os celulares dos residentes: “Para sua própria segurança, você deve evacuar imediatamente para a nova zona humanitária criada. A área em que você está é considerada uma zona de combate perigosa.”

Philippe Lazzarini, chefe da agência das Nações Unidas para refugiados palestinos UNRWA, disse que as pessoas em Gaza estavam presas e não tinham para onde ir. “Alguns só conseguem carregar seus filhos, alguns carregam toda a sua vida em uma pequena bolsa. Eles estão indo para lugares superlotados, onde os abrigos já estão transbordando de famílias. Eles perderam tudo e precisam de tudo”, disse ele.

O exército israelense afirmou ter atingido cerca de 30 alvos militares do Hamas nas últimas 24 horas, incluindo estruturas militares, postos de lançamento de mísseis antitanque e instalações de armazenamento de armas. A ala armada da Jihad Islâmica disse que seus combatentes dispararam bombas de morteiro contra as forças israelenses que se aglomeravam nas áreas orientais de Khan Younis.

Mais tarde, no domingo, um ataque aéreo israelense perto do mercado de Khan Younis, no centro da cidade, matou quatro palestinos e feriu vários outros, disseram os médicos. Linhas de fumaça se ergueram de áreas onde aviões israelenses realizaram ataques nas partes leste e oeste da cidade. Os residentes disseram que dois prédios de vários andares foram bombardeados.

Quase 40.000 palestinos foram mortos na ofensiva israelense em Gaza desde que a guerra começou em outubro passado, e o número de mortos aumenta a cada dia, segundo o ministério da saúde de Gaza. Funcionários de saúde de Gaza dizem que a maioria das vítimas eram civis, mas Israel afirma que pelo menos um terço eram combatentes. Israel diz que perdeu 329 soldados em Gaza.

Israel iniciou seu ataque a Gaza depois que combatentes do Hamas invadiram o sul de Israel em 7 de outubro, matando 1.200 pessoas, principalmente civis, e capturando mais de 250 reféns, de acordo com os cálculos israelenses.

Dezenas de milhares forçados a partir durante a noite
A maioria dos 2,3 milhões de habitantes de Gaza foi deslocada de suas casas, segundo as Nações Unidas, enquanto sua estreita faixa de terra foi em grande parte reduzida a um deserto de escombros. Autoridades palestinas e das Nações Unidas dizem que não há áreas seguras no enclave. Áreas designadas como zonas humanitárias, como Al-Mawasi, no oeste de Khan Younis, onde os residentes estavam sendo enviados, foram bombardeadas várias vezes pelas forças israelenses.

Dezenas de milhares deixaram suas casas e abrigos no meio da noite, dirigindo-se para o oeste em direção a Mawasi e para o norte em direção a Deir Al-Balah, já superlotado com centenas de milhares de pessoas deslocadas. “Estamos exaustos. Esta é a décima vez que eu e minha família temos que deixar nosso abrigo”, disse Zaki Mohammad, 28, que mora no projeto habitacional Hamad, no oeste de Khan Younis, onde os ocupantes de dois prédios de vários andares foram obrigados a sair.

“As pessoas estão carregando seus pertences, seus filhos, suas esperanças e seus medos, e correndo em direção ao desconhecido, porque não há lugar seguro”, disse ele à Reuters por meio de um aplicativo de mensagens. “Estamos correndo da morte para a morte.”

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Palestinos realizam greve na Cisjordânia em protesto contra brutalidade de Israel

Palestinos realizaram uma greve geral neste domingo (21/04) na Cisjordânia para protestar contra a brutalidade das Forças de Defesa de Israel (IDF) após um ataque em um campo de refugiados no qual pelo menos 14 pessoas foram mortas.

Sindicatos e organizações sociais da Cisjordânia aderiram a paralisação. Segundo a agência de notícias Wafa, a greve “paralisou todos os aspectos da vida”, incluindo escolas, universidades, lojas comerciais, bancos e fábricas fechadas. O transporte público também está paralisado.

Ainda de acordo com a Wafa, a greve ocorre após apoio do Fatah, que pediu união de todos os palestinos neste momento que a região “enfrentam uma brutal agressão israelense”.

O ataque israelense ocorreu por horas no sábado (20/04) no campo de Nour Shams, na província de Tulkarm. Soldados realizaram uma agressão contra o local, uma ofensiva que impactou infraestruturas, como redes de eletricidade, fontes de água e internet.

A operação em Nur Shams também resultou na destruição de propriedades de palestinos e ainda no impedimento de ambulâncias transportarem os feridos para unidades hospitalares.

O ataque deste final de semana é mais um episódio de violência de Israel contra os palestinos. Uma contagem do Ministério da Saúde da Palestina aponta que cerca de 500 palestinos foram mortos pelas forças israelenses na Cisjordânia desde o início da guerra de Israel contra o Hamas.

Na Faixa de Gaza, um ataque efetuado pelas forças israelenses em Rafah, no sul, matou pelo menos 22 pessoas.

Segundo a Xinhua, as ruas das aldeias, vilas e cidades da Cisjordânia estão praticamente vazias.

De acordo com a Wafa, entre as vítimas do bombardeio que atingiu várias casas da cidade do enclave estão 18 menores de idade. O Ministério da Saúde de Gaza afirmou que pouco mais de 34 mil pessoas foram mortas na região desde o início das operações israelenses.

*Opera Mundi

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Carta aos que não sepultei

Não sairemos iguais após o horror em Gaza. Seremos assombrados pelos rostos palestinos que vimos sucumbir e pelo gozo perverso dos sionistas. E se alguém não está cheio de hematomas internos, é porque não olhou nos olhos das crianças palestinas

Por Berenice Bento*, na Cult

Em uma sala iluminada precariamente, um palestino dava uma entrevista. A calvície, os óculos, a barba por fazer revelam uma pessoa cansada, de noites insones.

Enquanto durava a entrevista, o som das bombas lá fora não arrefecia. Ele olhava para a câmera e dizia: Não sei se vou sobreviver.

Não gritava. Não pedia socorro. Não, ele não olhava para a câmera. Olhava diretamente nos meus olhos. E me perguntava: você pode me salvar? Eu o escutava em desespero.

Eu não podia acreditar. Ele vai sobreviver, desejava. Ele sabia que não. Foi a última vez que o vi. Foi daquela casa que, minutos depois, seria seu túmulo e de sua família, que o poeta palestino expôs uma nova forma de denunciar o genocídio em curso.

Logo depois da entrevista, Refaat al-Areer, de 44 anos, professor de literatura, tradutor e poeta, sucumbia vítima de um bombardeio de Israel. Ele morreu no dia 7 de dezembro de 2023.

Durante a Guerra do Golfo, em 1990, aconteceu algo inédito. Pela primeira vez, os combates e os bombardeios eram mostrados ao vivo. Estava sendo inaugurada ali o chamado “jornalismo 24 horas” e a transmissão da guerra se dava ao vivo.

A guerra tornou-se um espetáculo midiático como nunca antes se havia visto. As pessoas passaram a sentar-se diante da televisão, com pipocas e refrigerantes, para assistir aos bombardeios.

Agora, algo novo está acontecendo e ainda não temos léxico suficiente para alcançar o que estamos testemunhando.

Não são apenas vídeos panorâmicos. Imagens de bombardeios. Pela primeira vez na história da humanidade, acompanhamos o anúncio da morte. Um anúncio feito diretamente aos nossos olhos.

Somos levados, pelos rostos e olhares, ao momento do sacrifício. Assistimos ao sacrífico de um povo, mas este povo, agora, olha diretamente para mim. É isso que chamam de testemunhar?

Testemunhar não é uma atitude passiva, mas um ato que me torna parte, um gesto que me convoca. Quando eu digo: “eu vi ou eu escutei”, já faço parte da história.

Os meios de comunicação sionistas sabem disso. Sabem que precisam controlar com precisão cirúrgica o fluxo de imagens, sons e textos que são exibidos. Não é uma narrativa da guerra, mas uma guerra de narrativa, uma operação bélica construída nos detalhes.

E quando digo detalhes não é uma figura de retórica. É na miudeza do olhar de uma criança que olha diretamente nos meus olhos que está o perigo.

A estratégia de humanização, da produção da empatia, foi amplamente acionada pela imprensa sionista, chegando à exaustão ao expor as histórias de vida dos reféns israelenses feitos pela resistência palestina.

Em algum momento, começou-se a entrevistar e dar um pouco de visibilidade à dor palestina. Só então, acredito, houve uma mudança na opinião pública.

Diante dessa mudança, o que os meios de comunicação fizeram? Acabaram simbolicamente com o genocídio. Pararam de pautar a questão.

Nada é mais perigoso do que conhecer o nome, a idade, os sonhos de alguém que foi assassinado. Não se trata de uma multidão sem rosto, mas de um ser único.

Nada é mais revolucionário do que o rosto do outro. E este rosto é um perigo. O rosto, aquilo que, ao mesmo tempo que me singulariza, me separa do outro, é também aquilo que me torna parte, que me faz responsável pelo outro.

Diante do rosto, toda a vulnerabilidade é exposta. Mas não são apenas fotografias, como aconteceu durante a Guerra do Golfo. São pessoas que relatam, anunciam, prenunciam suas mortes. Quando, na história da humanidade, vivemos a experiência de escutar alguém relatar sua própria morte?

O rosto nos remete à responsabilidade ética com o Outro. Este é o primeiro momento da relação ética.

Como apontou o filósofo judeu Emmanuel Levinas em Totalidade e infinito, “O rosto é o que não se pode matar ou, pelo menos, aquilo cujo sentido consiste em dizer: ‘tu não matarás’”.

O poeta palestino e tantos rostos de crianças que sumiram da face da terra nos últimos meses seguem comigo. A ausência física não os fez desaparecer. Seguem presentes. Eu não os enterrei. Eles seguem comigo.

O rosto é a representação mais contundente da humanidade, quando a imagem humana se torna visível. A minha identidade se constitui inexoravelmente a partir dessa relação com o Outro, da “responsabilidade” com o Outro.

Durante a Guerra do Golfo, começaram a circular nos jornais estadunidenses fotos com os rostos de crianças iraquianas mortas, o que começou a alterar a opinião pública em relação à guerra.

O Departamento de Defesa proibiu que as fotos circulassem. A orientação era clara: as fotos deveriam ser panorâmicas, de multidões e distantes dos corpos. O rosto é um risco. É um perigo à segurança nacional.

Olhar dentro dos olhos é um gesto que pode mudar uma posição. Os palestinos inventaram outra forma de nos deixar próximos a eles. Ainda não sabemos muito bem qual o efeito dessa nova forma de relatar e antecipar a morte em nossas subjetividades diante da dor do outro.

Agora, nos deparamos com rostos que clamam por ajuda. Como lidar, como elaborar o luto da perda de alguém que me pediu ajuda para, minutos depois, ser assassinado? Chorar basta? Indignar-se, clamar por justiça basta?

É tudo tão pouco, ainda que eu tenha repetido: “eu faço o possível”. Porém, o possível é muito pouco.

Não evitou a morte de 29.313 palestinos (este número pode chegar a 36313 palestinos, se considerarmos os 7 mil desaparecidos sob os escombros), sendo que, desse total, são cerca de 12300 crianças (dados do Ministério da Saúde da Palestina, em 21 de fevereiro de 2024).

Há outros rostos que nos miram diretamente nos olhos. Pequenos vídeos produzidos por soldados israelenses circulam pelo mundo. Eles gravam, em êxtase, a hora em que apertam um botão e jogam pelos ares mesquitas, residências e escolas.

Eu também posso olhá-los, mas não entendo, não alcanço totalmente o que lhes provocam as gargalhadas ou o que os fazem dançar freneticamente diante ou sobre os escombros.

O colonialismo é uma droga poderosa, pesada. Ao testemunhar o gozo perverso daqueles soldados, eu reverbero a pergunta de Primo Levi, outro pensador judeu: “É isto um homem?”.

O colonialismo sionista está convencido de que tem autorização, ou melhor, tem o direito (e o dever) de matar e que nada irá atingi-lo, porque a vida palestina é uma vida matável, está fora do registro do humano, é um corpo sacrificável, sem rosto, sem voz.

Nas paredes do Hospital Alshifa, em Gaza, algum palestino escreveu: “Nós somos todos funerais temporários”.

Aqui está a consciência da não importância da vida palestina, expressada por um palestino que, certamente, já teve seu funeral definitivo.

No fundamental, na relação com o Outro, o colonialismo sionista não se diferencia do colonialismo europeu. Negros, populações originárias nunca tiveram seu estatuto ontológico de gente reconhecido.

E no caso do sionismo, há uma outra camada: eles transformaram os nativos da terra em fantasmas, afinal, ali não existia gente, era uma terra vazia.

Quem se importa com as vidas palestinas? Não apenas se pode matá-las, mas deve-se performatizar o assassinato como um ato de festa, de comunhão coletiva.

Não se trata mais da “banalidade do mal”, conforme formulado por Hannah Arendt em Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal, em que o indivíduo abre mão de sua capacidade de decidir e torna-se um mero cumpridor de ordens, um corpo obediente esvaziado de sua capacidade de questionar as normas.

São seres que antes de tudo zelam pelo cumprimento da ordem, sem refletir sobre o bem ou o mal que podem causar. Não, a banalidade do mal não nos serve para entender o que estamos testemunhando. Não temos apenas obediência. Nada ali é passividade.

O soldado e a soldada orgulham-se, filmam-se, comemoram. Eles foram construídos no registro de vítimas absolutas, o que lhes gerou um crédito infinito que os autoriza a matar sem nenhum dilema ético.

Eles não estão matando, mas cobrando uma dívida que o mundo lhes deve. Querem ser o herói ou a heroína para sua comunidade. E o reconhecimento da comunidade será diretamente proporcional à quantidade de vidas palestinas sacrificadas.

A primeira reação, inevitável, diante do gozo perverso dos sionistas é um desejo profundo de expulsá-los da categoria e da comunidade humano, daí a pergunta “é isto um homem?”.

No entanto, de nada adianta chamá-los de monstros ou aberrações políticas. Precisamos, antes, reconhecer que a pedagogia colonial sionista é exitosa. A pedagogia do ódio venceu em Israel e as poucas vozes divergentes são sufocadas.

Não se trata de uma natureza humana perversa, mas de um projeto político-pedagógico que tem na morte e na guerra suas razões de ser.

Mas também me impressiona, na mesma intensidade, a força de pessoas judias que romperam com esta pedagogia da morte e decidiram pela justiça social, para seguir com a boa tradição judaica, a exemplo do que faz Breno Altman, um homem que, sozinho, tem sido um exército inteiro.

Assim como ele, milhões de pessoas judias em todo mundo gritam: “Não em nosso nome!”.

Eu não tenho dúvida: a tarefa de libertar a judaicidade do sionismo e a luta pela expulsão dos sionistas da Palestina são lutas irmãs.

Acho que não sairemos dessa história iguais. Seja porque fomos e somos perseguidos pelos rostos palestinos que vimos sucumbir, seja pelas novas formas de acompanhar e testemunhar o horror do genocídio.

Se antes o colonialismo fazia parte da minha vida como um tema de estudo e de atuação, agora transformou-se em uma dilacerante experiência de dor. No meu cotidiano, o que tem me acompanhado não são os vídeos macabros sionistas.

Vejo o olhar do pai que tenta juntar, em um saco de plástico, as partes do corpo do filho dilacerado por um bombardeio, para lhe dar os últimos ritos funerários e reinstaurar a humanidade negada.

Sou atravessada pelo olhar da mãe que, depois da ordem de evacuar um hospital, carrega nas costas o corpo do filho envolto em um lençol branco. Onde ela o enterrou?

Choro com o avô que aperta contra seu corpo o miúdo corpo da netinha e olha para o céu, certamente conversando com Allah, para encontrar algum sentido em tudo aquilo.

Lembro agora do olhar esfomeado de uma criança que tentava encontrar alguma grama para comer, depois que a ração dos animais que serviu sua família acabou. A fome como prenúncio da morte, como arma de extermínio. É isso o que eu vejo.

Vejo o olhar da menina de dentes de leite, que me olha e me pergunta: o que fizemos para merecer isso?

Engulo as notícias diárias como se ácido fossem. Algo morre e parece que um campo estéril de tristeza e desesperança brota. A dor do ácido talvez seja outro nome para “luto”.

Sim, eu posso repetir: “vamos resistir”, transformemos o luto em luta…

Mas precisamos dizer, com todas as letras, nos espaços públicos: os malditos sionistas também estão nos matando. Este é outro efeito da palestinização do mundo a que estamos testemunhando.

E se alguém não está cheio de hematomas internos é porque não olhou nos olhos das crianças palestinas.

*Berenice Bento é professora do Departamento de Sociologia da UnB e pesquisadora do CNPq.

*Viomundo

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Num show de horrores, Globo escancara que come nas mãos dos sionistas

Não bastasse toda a manipulação por décadas em que a Globo criava uma ficção sobre o colonialismo dos sionistas na Palestina, nesses últimos 100 dias, inacreditavelmente se superar, deixando claro que ela come literalmente nas mãos dos sionistas.

Não bastasse o fato da Globo ouvir apenas um lado do genocídio em Gaza, ela, simplesmente, convida o soldado do exército terrorista de Israel, André Lajst, para contar uma versão ridícula, não menos macabra que, logicamente, trata os sionistas como vítimas dos palestinos. Isso, em pleno massacre de palestinos que já mais de 17 mil crianças de 10 anos ou 10 dias, claro, sem falar dos adultos, principalmente mulheres, muitas, grávidas.

O maior cinismo de tudo isso, é que o mundo assiste perplexo à filmagens feitas por celulares dos próprios palestinos, massacrados pelos monstros de Israel, sem precisar de legenda, porque, de um lado, são civis inocentes e, do outro, o exército genocida de Israel, fardado.

A coisa soou tão absurda, que um programa cada vez mais decadente, como o Fantástico, manteve desde ontem entre os top trending do Twitter, ou seja, se a inútil tentativa de reverter o repúdio nacional, não só não surtiu qualquer efeito, como aumentou a indignação dos brasileiros contra o Estado sionista de Israel.

Sobre a fala de Camarotti, na GloboNews, criticando a histórica posição de Lula sobre o holocausto dos palestinos por Israel, não tem graça comentar.

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Salem Nasser: 30 mil mortos é o preço que os palestinos estão pagando para serem vistos, ouvidos e reconhecidos!

Por Salem Nasser*, em Cegueira Seletiva

Eu escrevi antes sobre a “fadiga da compaixão” e sobre a nossa tendência natural a cansar do fluxo contínuo de notícias que são de difícil digestão.

A guerra contra Gaza está correndo há tanto tempo que, a despeito da gravidade da situação humanitária e dos crimes de Israel, as pessoas começam a cansar de ouvir falar dela.

Ao mesmo tempo, a gente se perde em meio a tantos detalhes; formar uma imagem abrangente do que está acontecendo se transforma em tarefa quase impossível.

Por essas razões, decidi oferecer minha leitura geral própria da guerra e colocá-la em contexto histórico.

Algumas das coisas que direi não podiam ser ditas antes desta guerra que já dura 130 dias, não sem que se pagasse preços pesados em termos de censura, perseguição e acusações.

Algumas coisas, mesmo que se ousasse dizê-las, não seriam ouvidas por conta dos muitos tipos de muros de proteção erigidos em torno de Israel para repelir as críticas.

Um modo de entender a essência dessa guerra é este: 30.000 mortos é o preço que os palestinos estão pagando para serem vistos, para serem ouvidos, para serem reconhecidos!

1- MUITO ANTES DE 7 DE OUTUBRO

Chegou o tempo de reconhecermos todos, em termos muito claros, que Israel é o resultado de um projeto colonial, mais especificamente um projeto de colonização de assentamento.

Essa conclusão resulta clara da história do movimento sionista e da sua aliança com os interesses imperiais britânicos.

Desde o começo, esse projeto muito específico de colonização de assentamento dependia da atração de imigrantes que pertencessem a uma religião particular para que viessem se assentar no território da Palestina histórica e da expulsão – ou da eliminação por outros meios – da população indígena.

Projetos de colonização de assentamento só foram “bem sucedidos” onde os recém-chegados mataram a maior parte dos habitantes originários e se tornaram a maioria numérica da população. Estados Unidos e Austrália são bons exemplos desse sucesso.

Onde quer que o esforço colonial não consegue ou não quer exterminar a população local, porque, por exemplo, precisa explorar a sua mão de obra, o projeto colonial fracassará em algum momento e os colonizadores se encontrarão diante da opção entre voltar para casa – para a metrópole – ou ficar e viver como uma minoria entre os habitantes originários.

A despeito de seus melhores esforços, e por várias razões, Israel não foi capaz, ainda, de expulsar ou eliminar a maior parte da população palestina.

Enquanto continua a empreender nesse sentido e em direção a esse objetivo, estabeleceu um sistema de Apartheid que, se a História de fato repete a si mesma, talvez determine o fracasso futuro do projeto colonial israelense.

2- IMEDIATAMENTE ANTES DO 7 DE OUTUBRO

Também por várias razões o mundo encampou esse projeto colonial tardio e anacrônico.

Praticamente todos os Estados que fazem parte do que se costuma chamar de “Comunidade Internacional” continuaram a falar, por décadas, da boca para fora, sobre a necessidade de proteger os direitos dos palestinos e sobre a solução dos dois Estados, enquanto Israel continuava livremente a limpar etnicamente a Palestina, aumentar seu domínio sobre territórios ocupados, segregar e discriminar, e violar direitos humanos e direito humanitário.

Esse processo duplo pelo qual, de um lado, progredia no sentido da total liquidação da Questão Palestina, enterrando para sempre a ideia de um Estado palestino e condenando os palestinos ao exílio ou à vida sob segregação, e, de outro lado, acumulava a cumplicidade e/ou o silêncio internacional e dos governos árabes, estava atingindo seu ponto máximo nos últimos poucos anos.

A construção de assentamentos na Cisjordânia e em torno de Jerusalém continuava, o sistema de Apartheid estava posto e era operacional, o bloqueio total a Gaza era contínuo e draconiano, as violações a lugares sagrados do Cristianismo e do Islã aumentavam.

Algumas instituições internacionais relatavam e denunciavam. Grandes ONGs de direitos humanos finalmente criaram a coragem de chamar o Apartheid israelense pelo seu nome. Mas ninguém ouvia ou queria ouvir.

A despeito do crescimento em força militar, claramente identificável, daqueles que na região se opõem ao projeto Israelense – e do Ocidente -, aquilo que se costuma chamar de Comunidade Internacional agia como se o projeto estivesse a caminho do sucesso final e que os resultados estavam dados.

Os que acreditavam em algo diferente eram o Hamas e outros grupos armados da resistência palestina, o Hezbollah no Líbano, Ansar Allah no Iêmen, grupos de resistência iraquianos, a Síria, o Irã, e talvez alguns outros mais.

O que quer que se pense que aconteceu no dia 7 de outubro – e o fato é que a maioria não sabe o que aconteceu de verdade – e como quer que se julgue o que se pensa que aconteceu, os ataques daquele dia decorreram da necessidade de interromper esse curso da história, e foi isso que operaram.

A História não começou no dia 7 de outubro. Ela mudou de curso nesse dia.

3- O QUE ACONTECEU NO DIA 7 DE OUTUBRO

Eu tenho dito que, de quem quer que queira criticar Israel pelos seus crimes contra a população de Gaza e contra os palestinos de modo geral, espera-se, no debate público, que pague um pedágio: fazer referência ao 7 de outubro e condenar o Hamas pelos crimes que teria cometido nesse dia.

E, então, se alguém se incomoda com perguntar e procurar, descobre que o que se sabe com certeza é muito diferente do que os israelenses dizem.

A segunda razão para eu pensar que o pedágio é abusivo é esta: na realidade, se você critica o Hamas pelo que teria feito naquele dia, as pessoas entenderão subconscientemente é que Israel tem suas razões para fazer o que faz; se, por outro lado, você tentar explicar ou justificar o comportamento do Hamas, você perde credibilidade porque se colocou do lado dos “terroristas”.

Finalmente, impor às pessoas a crítica ao Hamas por suas ações “contra os civis” é, ou uma estratégia para nos fazer esquecer o que Israel faz, e sempre fez antes do dia 7 de outubro, diariamente, contra civis palestinos, ou, pior, uma estratégia para nos fazer acreditar que o mal que se faz contra civis israelenses é mais merecedor de críticas do que o mal que se faz contra civis palestinos, porque alguns civis valeriam mais do que outros.

Mais do que as perdas civis e os presos levados, o que realmente assustou Israel e seus apoiadores ocidentais foi a percepção das fragilidades militares de Israel. O ataque do Hamas foi um feito militar e um fracasso enorme da parte de Israel.

A reação de Israel foi inspirada por dois desejos: operar uma vingança, do modo mais brutal, e reafirmar sua superioridade militar e sua capacidade de dissuadir seus inimigos.

A reação do Ocidente foi de correr para a proteção de Israel, que agora tinha se revelado mais frágil do que se poderia pensar.

4- DEPOIS DO 7 DE OUTUBRO

Muitos israelenses podem se sentir vingados pelos massacres contra crianças, mulheres e idosos… palestinos em Gaza, pela destruição das cidades e pelo deslocamento da população, e podem desejar mais do mesmo, mas a vingança não vale muito se não afeta o balanço de poder.

A verdadeira questão, portanto, diz respeito à situação da balança de poder depois do ataque de outubro e dos 130 dias de conflito que se seguiram.

O primeiro fato indiscutível, confirmado por esta guerra, é que Israel tem o poder de jogar bombas do céu e atirar projéteis de longas distâncias, do mar ou da terra, que são suficientes para destruir cidades inteiras e para matar pessoas aos milhares.

Essa capacidade é garantida pelo suprimento ilimitado de armas e munições por parte dos Estados Unidos e alguns outros.

Não obstante essa verdade, está claro agora que, enquanto essa capacidade militar consegue destruir e expulsar a população civil, ela não é suficiente para assegurar vitória contra uma resistência bem treinada, altamente motivada, que luta em seu próprio território.

Depois de ter hesitado, o exército israelense decidiu invadir Gaza por terra, porque de outro modo sua superioridade militar não seria reafirmada.

Os resultados até agora mostram que Israel não consegue vencer uma guerra que se luta em proximidade e que suas perdas são maiores do que pode suportar.

A resistência palestina está relativamente confiante com os resultados da guerra e pode até declarar vitória parcial. O seu ponto fraco, no entanto, é o sofrimento da população civil.

Israel, por outro lado, não conseguindo ferir significativamente a resistência, aumenta suas apostas no ataque aos civis.

A despeito do silêncio da grande mídia, da cumplicidade de países ocidentais e da paralisia vergonhosa dos países árabes, a realidade da trágica situação humanitária veio a ser conhecida pelo mundo todo.

Os crimes de Israel que ninguém parecia poder ver ou ouvir vão se tornando visíveis! E a imagem que se revela é muito feia.

Enquanto escrevo, Israel parece decidido a atacar Rafah, onde 80% da população de Gaza buscou seu último refúgio, e a expulsar os palestinos em direção ao Egito.

Não é certo que consiga realizar isso, mas muitos em Israel veriam nisso uma vitória e um passo em direção ao estabelecimento do Grande Israel.

Até agora, não obstante os discursos politicamente corretos sobre direito humanitário e sobre preservar as vidas de civis, o Establishment ocidental está dando a Israel o tempo para tentar realizar algum tipo de vitória.

Ao mesmo tempo, esforços são empreendidos para trazer de volta do mundo dos mortos a ideia da solução dos dois Estados – apenas a ideia, não a coisa em si – para parar a guerra, convencer a Arábia Saudita a normalizar relações com Israel, e salvar Israel da derrota que sofreu no dia 7 de outubro e desde então.

*Salem Nasser/Viomundo

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Os palestinos de Gaza não têm para onde ir

Após ter deslocado palestinos para o sul de Gaza, Israel agora ataca Rafah, após ter destruído toda a Faixa, deixando os palestinos sem ter para onde fugir.

No dia 9 de fevereiro de 2024, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, declarou que seu exército invadiria Rafah, a última cidade remanescente em Gaza não ocupada pelos israelenses. A maioria dos 2,3 milhões de palestinos que vivem em Gaza fugiram para a sua fronteira sul com o Egito depois de serem informados pelos israelenses, no dia 13 de outubro de 2023, que o norte deveria ser abandonado e que o sul seria uma “zona segura”. Quando os palestinos do norte, especialmente da cidade de Gaza, começaram a marcha para o sul – muitas vezes a pé – foram atacados pelas forças israelenses, que não lhes deram passagem segura. Os israelenses disseram que tudo o que estivesse ao sul de Wadi Gaza, que divide a estreita Faixa de Gaza, seria seguro, mas quando os palestinos se deslocaram para Deir-al-Balah, Khan Younis e Rafah, depararam-se com jatos israelenses os seguindo e com as tropas israelenses os perseguindo. Agora, Netanyahu disse que suas forças entrarão em Rafah para combater o Hamas. Em 11 de fevereiro, Netanyahu disse à NBC News que os israelenses forneceriam “passagem segura para a população civil” e que não haveria “catástrofe”.

Catástrofe

O uso da palavra “catástrofe” é significativo. Essa é a tradução aceita em português da palavra “nakba”, utilizada desde 1948 para descrever a remoção forçada, naquele ano, de metade da população palestina de suas casas. O uso do termo por Netanyahu se dá depois de altos funcionários do governo israelense já terem falado de uma “Nakba de Gaza” ou de uma “Segunda Nakba”. A utilização dessas frases fez parte do requerimento da África do Sul à Corte Internacional de Justiça (CIJ) em 29 de dezembro de 2023, alegando que fazem parte das “expressões de intenção genocida contra o povo palestino por parte de autoridades do Estado israelense”. Um mês depois, a CIJ disse que havia evidências “plausíveis” de genocídio sendo conduzido em Gaza, destacando as palavras das autoridades israelenses. Uma das autoridades, o ministro da Defesa israelense Yoav Gallant, disse: “Eu suspendi todas as restrições [para a ação militar]” (o que foi citado tanto na queixa sul-africana quanto na ordem da CIJ).

Netanyahu disse que não haveria “catástrofe” depois que mais de 28 mil palestinos foram mortos e depois que dois milhões dos 2,3 milhões de palestinos em Gaza foram deslocados, o que é intrigante. Desde a ordem da CIJ, o exército israelense matou quase 2 mil palestinos. O exército israelense já começou a atacar Rafah, uma cidade com uma densidade populacional de 22 mil pessoas por quilômetro quadrado. Em resposta ao anúncio israelense de que entrariam na cidade de Rafah, o Conselho Norueguês para Refugiados (NRC) – um dos poucos grupos que operam na parte sul de Gaza – declarou que essa invasão “poderia levar a resposta humanitária a um colapso”. O NRC avaliou nove dos abrigos existentes em Rafah, que abrigam 27,4 mil civis, e descobriu que os residentes não têm água potável. Como os abrigos estão extenuados, operando com 150% da capacidade, centenas de palestinos estão vivendo nas ruas. Em cada uma das áreas estudadas pelo NRC, os refugiados palestinos foram acometidos por hepatite A, gastroenterite, diarreia, varíola, piolhos e gripe. Devido ao colapso dessa resposta humanitária do NRC e das Nações Unidas – cuja agência UNRWA perdeu seu financiamento e está sob ataque dos israelenses – a situação se deteriorará ainda mais.

Passagem segura

Netanyahu diz que seu governo fornecerá uma “passagem segura” aos palestinos. Essas palavras têm sido ouvidas pelos palestinos desde meados de outubro, quando lhes foi ordenado que continuassem indo para o sul para evitar que fossem mortos pelos bombardeios israelenses. Ninguém acredita em nada do que Netanyahu diz. Saleem, um agente de saúde palestino, me disse que não consegue imaginar nenhum lugar seguro em Gaza. Ele chegou ao bairro de al-Zohour, em Rafah, vindo de Khan Younis, caminhando com a família, desesperado para sair do alcance das armas israelenses. “Para onde vamos agora?”, ele me pergunta. “Não podemos entrar no Egito. A fronteira está fechada. Portanto, não podemos ir para o sul. Não podemos entrar em Israel, porque isso é impossível. Devemos ir para o norte, de volta a Khan Younis e à Cidade de Gaza?”

Saleem se lembra que, quando chegou a al-Zohour, os israelenses atacaram a casa do Dr. Omar Mohammed Harb, matando 22 palestinos (entre eles, cinco crianças). A casa foi destruída. O nome do Dr. Omar Mohammed Harb me marcou porque me lembrei de que há dois anos sua filha Abeer se casaria com Ismail Abdel-Hameed Dweik. Um ataque aéreo israelense ao campo de refugiados de Shouhada havia matado Ismail em agosto de 2022. Abeer foi morta no ataque à casa de seu pai, que era um refúgio para os que fugiam do norte. Saleem mudou-se para essa área de Rafah. Agora ele está inquieto. “Para onde ir?”, ele pergunta.

Domicídio

Em 29 de janeiro de 2024, o relator especial da ONU sobre o direito à moradia adequada, Dr. Balakrishnan Rajagopal, escreveu um forte ensaio no The New York Times intitulado “Domicídio: a destruição em massa de casas deve ser um crime contra a humanidade”. Acompanhando seu artigo, havia um ensaio fotográfico de Yaqeen Baker, cuja casa foi destruída em Jabalia (norte de Gaza) pelo bombardeio israelense. “A destruição de casas em Gaza”, escreveu Baker, “tornou-se comum, assim como o sentimento de que ‘o importante é que você esteja seguro – todo o resto pode ser substituído'”. Essa é uma avaliação compartilhada em Gaza entre aqueles que ainda estão vivos. Mas, como diz o Dr. Rajagopal, a escala da destruição de moradias em Gaza não deve ser considerada um fato natural. Trata-se de uma forma de “domicídio”, um crime contra a humanidade.

O ataque israelense a Gaza, escreve o Dr. Rajagopal, é “muito pior do que o que vimos em Dresden e Roterdã durante a Segunda Guerra Mundial, onde cerca de 25 mil casas foram destruídas em cada cidade”. Em Gaza, segundo ele, mais de 70 mil unidades habitacionais foram totalmente destruídas e 290 mil foram parcialmente danificadas. Nesses três meses sob fogo israelense, ele observa, “um número chocante de 60% a 70% das estruturas em Gaza e até 84% das estruturas no norte de Gaza foram danificadas ou destruídas”. Devido ao domicídio, não há lugar para onde os palestinos de Rafah possam ir caso sigam para o norte. Suas casas foram destruídas. “Essa destruição de Gaza como um lugar”, reflete o Dr. Rajagopal, “apaga o passado, o presente e o futuro de muitos palestinos.” Essa declaração do Dr. Rajagopal é um reconhecimento do genocídio que está ocorrendo em Gaza.

Enquanto falo com Saleem, o som do avanço israelense pode ser ouvido à distância. “Não sei quando poderemos falar em seguida”, diz ele. “Não sei onde estarei.”

(*) Vijay Prashad é um historiador, editor e jornalista indiano. É redator bolsista e correspondente-chefe da Globetrotter. É editor da LeftWord Books e diretor do Tricontinental: Institute for Social Research. Escreveu mais de 20 livros, incluindo The Darker Nations e The Poorer Nations. Seus livros mais recentes são Struggle Makes Us Human: Learning from Movements for Socialism e (com Noam Chomsky) The Withdrawal: Iraq, Libya, Afghanistan, and the Fragility of U.S. Power.

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O único direito que não foi negado aos palestinos é o direito de sonhar

Vijay Prashad*

Queridas amigas e amigos,

Em 26 de janeiro, os juízes da Corte Internacional de Justiça (CIJ) concluíramque é “plausível” que Israel esteja cometendo genocídio contra os palestinos em Gaza. A CIJ pediu a Israel que “tome todas as medidas ao seu alcance para impedir a prática de todos atos” que violem a Convenção das Nações Unidas sobre a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio (1948). Embora a CIJ não tenha solicitado explicitamente um cessar-fogo (como fez em 2022, quando ordenou à Rússia “suspender a operação militar” na Ucrânia), mesmo uma leitura descuidada dessa ordem mostra que, para cumprir a decisão do tribunal, Israel deve pôr fim ao seu ataque a Gaza. Como parte de suas “medidas cautelares”, a CIJ exige que Israel responda ao tribunal em um mês e descreva em um relatório como implementou a ordem.

Embora Israel já tenha rejeitado as conclusões da CIJ, a pressão internacional sobre Tel Aviv está aumentando. A Argélia pediu ao Conselho de Segurança da ONU que obrigue o cumprimento da ordem da CIJ, enquanto a Indonésia e a Eslovênia, separadamente, deram início a procedimentos na mesma Corte – que começará em 19 de fevereiro – para buscar um parecer consultivo sobre o controle e as políticas de Israel nos territórios palestinos ocupados, de acordo com a resolução da Assembleia Geral da ONU adotada em dezembro de 2022. Além disso, o Chile e o México pediram ao Tribunal Penal Internacional (TPI) que investigue os crimes cometidos em Gaza.

A reação de Israel à ordem da CIJ foi, como lhe é comum, de desdém. O ministro da Segurança Nacional do país, Itamar Ben Gvir, chamou a CIJ de “corte antissemita” e afirmou que ela “não busca justiça, mas a perseguição do povo judeu”. Estranhamente, Ben Gvir acusou a CIJ de ter ficado “em silêncio durante o Holocausto”. O Holocausto conduzido pelo regime nazista alemão e seus aliados contra os judeus europeus, os ciganos, os homossexuais e os comunistas ocorreu entre o final de 1941 e maio de 1945, quando o Exército Vermelho soviético libertou os prisioneiros de Ravensbrück, Sachsenhausen e Stutthof. A CIJ foi criada em junho de 1945, um mês após o fim do Holocausto, e iniciou seus trabalhos em abril de 1946. A tentativa de Israel de deslegitimar a Corte alegando seu “silêncio durante o Holocausto” quando, na verdade, ela ainda não existia, seguida da declaração que chamou a CIJ de “tribunal antissemita”, mostra que Israel não tem resposta para os méritos da ordem da CIJ.

Enquanto isso, o bombardeio contra os palestinos em Gaza continua. Meu amigo Na’eem Jeenah, diretor do Afro-Middle East Centre, em Johanesburgo, na África do Sul, tem analisado os dados de vários ministérios do governo em Gaza, bem como as reportagens da mídia, para elaborar um infográfico diário sobre a situação na região. O infográfico de 26 de janeiro, data da determinação da CIJ e o 112º dia do genocídio, detalha que mais de 26 mil palestinos, pelo menos 11 mil deles crianças, foram mortos desde 7 de outubro; 8 mil estão desaparecidos; cerca de 69 mil ficaram feridos; e quase todos os 2,3 milhões de residentes de Gaza foram deslocados. Os números são desconcertantes. Durante esse período, Israel danificou 394 escolas e faculdades, destruindo 99 delas, além de 30 hospitais e matou pelo menos 337 profissionais da área médica. Essa é a realidade que gerou a denúncia de genocídio na CIJ e as medidas provisórias do tribunal; o juiz, Dalveer Bhandari, da Índia, foi além e disse claramente que “todos os combates e hostilidades [devem] cessar imediatamente”.

Entre os mortos estão muitos pintores, poetas, escritores e escultores da Palestina. Uma das características marcantes da vida palestina nos últimos 76 anos, desde a Nakba [Catástrofe] de 1948, tem sido a riqueza contínua da produção cultural palestina. Uma caminhada rápida por qualquer uma das ruas de Jenin ou de Gaza revela a onipresença de estúdios e galerias, locais onde os palestinos insistem em seu direito de sonhar. No final de 1974, o militante e artista sul-africano Barry Vincent Feinberg publicou um artigo na revista afro-asiática Lotus que começa com uma interação em Londres entre Feinberg e um “jovem poeta palestino”. Feinberg estava curioso para saber por que, na Lotus, “um número excepcionalmente grande de poemas provém de poetas palestinos”. O jovem poeta, divertindo-se com a observação de Feinberg, respondeu: “A única coisa que nunca foi negada ao meu povo foi o direito de sonhar”.

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2023: o ano mais sangrento já vivido pelos palestinos da Cisjordânia

Na Cisjordânia, governada pela Autoridade Nacional Palestina, os ataques de colonos e soldados israelenses prosseguem, com o número de crianças mortas duplicando desde 2022.

A segunda Nakba prossegue em ritmo acelerado na Cisjordânia, com níveis de violência sem precedentes perpetrada tanto pelas Forças de Defesa de Israel (IDF) como pelos colonos israelenses. O escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) alertou para o fato de Israel estar impondo um estado de “terror constante” na Cisjordânia em razão da força do Estado israelense e à violência dos colonos.

A Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Próximo (UNRWA) disse que 2023 foi o ano mais mortal para os palestinos na Cisjordânia desde que começou a registrar vítimas em 2005. Cerca de 300 palestinos foram mortos na Cisjordânia entre 7 de outubro e 10 de janeiro. O pior ano da história em termos de mortes de crianças.

O Peace Now, um grupo de defensores israelenses, relatou um “aumento sem precedentes da atividade de colonização na Cisjordânia”, que os colonos realizam geralmente com o apoio das Forças de Defesa de Israel (IDF). Um grande número de assentamentos viola terrenos privados palestinos. Até hoje, foram criados nove novos assentamentos e 18 estradas ilegais foram pavimentadas, além de haver um “novo fenômeno de colonos que fecham as vias de tráfego palestinas contra ordens militares”.

300 ataques de colonos desde 7 de outubro

Desde 7 de outubro, foram registrados mais de 300 ataques de colonos israelenses, nos quais estes “ameaçam palestinos com armas de fogo, vandalizam as suas propriedades, obstruem [o acesso à água potável], arruínam as suas [oliveiras]… roubam os seus pertences”, além de atacá-los fisicamente. A violência dos colonos obrigou mais de 1,2 mil palestinos a abandonar as suas casas.

Embora Israel não tenha aprovado oficialmente estes assentamentos, de acordo com o relatório do ACNUDH divulgado recentemente, os colonos estão expandindo os assentamentos com o apoio político dos principais ministros do governo mais direitista de Israel até hoje. Em 24 de dezembro, o gabinete de Israel aprovou 75 milhões de shekels israelenses (20 milhões de dólares americanos) para fortificar 70 assentamentos na Cisjordânia, apesar de eles serem reconhecidos como ilegais.

Esta medida viola de forma flagrante a Resolução 2334 do Conselho de Segurança da ONU de 2016, que considerou os assentamentos de Israel, já naquela época, como uma “violação flagrante do direito internacional” e exigiu que a expansão fosse interrompida de acordo com as Convenções de Genebra. É evidente que o governo israelense e muitos dos seus cidadãos não se importam nem respeitam quaisquer tratados ou acordos, uma vez que continuam com a limpeza étnica do povo palestino de suas terras.

Drones assassinam jovens

Além disso, as IDF têm realizado constantes incursões, perseguições e ataques a várias cidades, vilas e campos de refugiados da Cisjordânia para atingir preventivamente aquilo que chamam de “células terroristas”. Durante o seu ataque ao campo de refugiados de Balata, as IDF dispararam recentemente diretamente contra ambulâncias, para impedir que chegassem aos civis feridos. No sul da Cisjordânia, as IDF dispararam gás lacrimogêneo contra jovens que resistiam aos ataques ilegais.

As IDF têm como alvo habitual os jovens, e recentemente mataram Yousef Nader Suleiman Idrees, de 16 anos, que estava sentado perto da área onde os confrontos estavam ocorrendo. Os israelenses também realizam ataques com drones contra palestinos inocentes. No dia 7 de janeiro, ataques com drones mataram sete palestinos, quatro deles irmãos, que estavam a caminho do trabalho em Jenin.

Israel também tem como alvo os palestinos nos postos de controle, onde são impostas restrições de movimento sufocantes e discriminatórias. O mesmo se aplica ao direito de culto dos palestinos da Cisjordânia, a quem se nega cada vez mais acesso à mesquita de Al-Aqsa, em Jerusalém Oriental, especialmente para as orações de sexta-feira, onde normalmente 50 mil pessoas comparecem. Recentemente, a polícia israelense atacou os fiéis perto de Al-Aqsa com água de esgoto.

IDF / WikiCommons
Ataque das Forças de Defesa de Israel ao acampamento de Jenin, em janeiro de 2023
O número de crianças vitimadas duplicou e 880 pessoas foram presas

Enquanto enfrentam humilhantes derrotas militares e operacionais em Gaza, as Forças de Defesa de Israel conduzem operações contra os mais vulneráveis na Cisjordânia. A UNICEF informa que o número de crianças mortas duplicou desde 2022, com 83 crianças mortas e 576 feridos e detidos. O Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Türk, afirmou que “as violações documentadas no [relatório do ACNUDH] repetem o padrão e a natureza das violações relatadas no passado no contexto da prolongada ocupação israelense… a intensidade da violência e da repressão é algo que não se via há anos”.

Os terríveis ataques das IDF são complementados pelas suas detenções arbitrárias em massa de palestinos sob acusações forjadas. Muitos são depois detidos em regime de detenção administrativa sem sequer uma acusação. As IDF prendem preventivamente cerca de 60 palestinos por dia, e há atualmente mais de 5.730 detidos. Desde o início de 2024, quase 230 palestinos foram presos na Cisjordânia.

O ACNUDH descreve as detenções: “abusos físicos e psicológicos e humilhações por parte das [IDF], incluindo violência sexual e de gênero contra homens e mulheres”, de modo que o próprio processo de detenção equivale à tortura.

No dia 20 de novembro, as IDF prenderam cerca de 880 crianças palestinas, uma prática brutal tornada possível pela persistente desumanização do povo palestino por parte dos israelenses como “animais”. As condições são tão terríveis que Luay Al-Taweel, de Hebron, recentemente libertado, descreveu a prisão sionista em Negev como uma “cópia exata das prisões de Abu Ghraib e Guantânamo, ambas ‘símbolos notórios’ das violações dos direitos humanos cometidas pelos EUA”.

O povo se defende

Apesar do terror constante e dos ataques devastadores das IDF e dos colonos, os palestinos da Cisjordânia convocaram uma greve geral no começo de janeiro para protestar contra o assassinato do líder do Hamas e das Brigadas Al-Qassam, Saleh Al-Arouri, por parte de Israel. A greve abrangeu empresas, universidades e escritórios públicos e privados, liderada por uma coalizão de facções palestinas. Ismat Shakhshir, membro da Secretaria Geral da União Geral das Mulheres Palestinas, descreveu os assassinatos como “medidas desesperadas” devido à “incapacidade da ocupação de avançar em Gaza”.

Os combatentes da resistência em Nablus, Jenin, Ariha e em outras áreas continuam repelindo a violência israelense, apesar da falta de equipamento militar avançado. O alto oficial político do Hamas, Husam Badran, afirmou que “a resistência em Jenin e em toda a Cisjordânia quebrará a arrogância da ocupação [israelense]”.

Uma agressão israelense-americana

Enquanto as evidência de agressão flagrante e ilegal e as baixas atingem níveis sem precedentes, os EUA continuam dando poder ao governo israelense para levar adiante sua agenda genocida, ao mesmo tempo em que oferecem condenações frouxas para preservarem as aparências. Na ONU, os EUA bloquearam os apelos a um cessar-fogo, mesmo depois de o artigo 99.º da Carta das Nações Unidas, raramente utilizado, ter sido invocado para alertar para uma “catástrofe humana iminente” em Gaza.

Ainda em dezembro, o governo Biden apresentou um projeto de lei sobre segurança nacional, que inclui mais 10,1 bilhões de dólares em ajuda militar incondicional a Israel, e contornou duas vezes o Congresso para enviar imediatamente armas e munições a Israel.

Esta não é apenas uma guerra israelense, é uma guerra israelense-americana. Washington é também um perpetrador de genocídio e totalmente responsável por todos os ferimentos e mortes tornados possíveis pelas armas e pelo apoio político dos EUA.

*SAMEENA RAHMAN/Opera Mundi

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Crise humanitária: palestinos em Gaza comem grama e bebem água suja para tentar sobreviver em meio aos ataques de Israel

Toda população do enclave — cerca de 2,2 milhões de pessoas — enfrenta o risco iminente de morrer por desnutrição.

A situação humanitária em Gaza atingiu níveis alarmantes desde a ofensiva de Israel na região, em 7 de outubro de 2023, com 2,2 milhões de palestinos — a totalidade da população do enclave — enfrentando o risco iminente de morrer por desnutrição. A ofensiva foi uma resposta a um ataque coordenado pelo grupo militante Hamas contra o território israelense.

Em dezembro, a ONG Human Rights Watch (HRW) acusou o governo israelense de submeter civis à fome como parte da guerra e relatos indicam que as restrições impostas por Israel ao fornecimento de alimentos, água e combustível para o território agravaram ainda mais a crise.

Segundo o jornal O Globo, palestinos em Gaza relataram recorrer à ingestão de grama e água suja para sobreviver, enquanto crianças choram e imploram por comida nas ruas. Os escassos suprimentos ainda encontrados em Gaza são comercializados por mais que o dobro de seu valor original.

A escassez de alimentos também impacta as gestantes, com o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) alertando para o aumento do risco de abortos espontâneos, nascimentos prematuros e crianças nascendo abaixo do peso. A situação é especialmente difícil para as 50 mil mulheres grávidas em Gaza.

Hanadi Gamal Saed el-Jamara, mãe de sete filhos, descreve a agonizante realidade de sua família, onde a fome e a sede se tornaram uma ameaça constante. “Estamos morrendo lentamente”, disse ela à CNN. “Acho que é até melhor morrer pelas bombas, pelo menos assim seremos mártires. Mas agora estamos morrendo de fome e sede”, completou. —

A situação é agravada pelo estado de saúde do marido, que sofre de câncer e diabetes. Toda a família também sofre de diarreia e desnutrição.

Os deslocamentos em massa, a destruição de bairros e a perda de vidas tornaram os últimos 100 dias de guerra especialmente difíceis para os habitantes de Gaza. A suspensão do financiamento à UNRWA (agência de assistência humanitária da ONU) por vários países ocidentais piorou a situação ao privar a população de assistência humanitária.

A Unicef alertou para a vulnerabilidade extrema das crianças em Gaza: todas as 350 mil crianças menores de cinco anos enfrentam risco grave de desnutrição. “A organização já havia denunciado que o enclave passou a ser, após a guerra, o lugar ‘mais perigoso do mundo’ para uma criança”, destaca a reportagem. Condições de vida insalubres, falta de eletricidade e a impossibilidade de refrigerar alimentos perecíveis agravam a crise — que não parece ter data para acabar.