Categorias
Uncategorized

Mais um crime da Lava Jato: Deltan pede, e Moro topa, dinheiro da 13º Vara para campanha publicitária

Por Reinaldo Azevedo

Diálogos inéditos mantidos entre o então juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol — oficialmente ao menos, coordenador da Lava Jato — evidenciam que nunca existiu uma distinção entre a atuação do magistrado, a dos procuradores da força-tarefa e, pasmem!, a da própria Polícia Federal. As conversas revelam que a promiscuidade era de tal sorte que não poupava nem mesmo recursos — dinheiro! — recolhidos à 13ª Vara Federal de Curitiba, onde Moro se comportava, vê-se agora, não como juiz, mas como imperador absolutista.

Moro — aquele que deveria, quando magistrado, ter recebido os elementos dos autos para, então, ouvir com igual atenção os argumentos da acusação e da defesa para formar o seu convencimento — participava do planejamento das operações.

Os diálogos ora divulgados integram arquivos — mensagens de texto, gravações em áudio, vídeos, fotos, documentos judiciais e outros itens — enviados por uma fonte anônima ao site The Intercept Brasil. Eles vêm sendo publicados pelo próprio TIB, pela Folha, pela Veja e por este blog, em divulgação simultânea com o programa “O É da Coisa”, da BandNews FM.

Cumpre reiterar que tanto Moro como os procuradores dizem não reconhecer como autêntico o material que vem a público, mas também não negam a sua veracidade, criando, assim, uma categoria nova: a das coisas que são e que não são ao mesmo tempo. Têm repetido essa resposta padrão. E ela vale, pois, também para os diálogos de agora. Havendo esclarecimentos novos — ou respostas novas —, serão publicados nesta página e divulgados no programa de rádio.

Abaixo, vocês vão se deparar com um conjunto de eventos que violam a lei, a ética e o decoro.

O DINHEIRO DA 13ª VARA FEDERAL DE CURITIBA

No dia 16 de janeiro de 2016, Deltan envia uma mensagem a Moro com um pedido realmente inusitado. Segue o diálogo, conforme o original:

13:32:56 Deltan – Vc acha que seria possível a destinação de valores da Vara, daqueles mais antigos, se estiverem disponíveis, para um vídeo contra a corrupção, pelas 10 medidas, que será veiculado na globo?? A produtora está cobrando apenas custos de terceiros, o que daria uns 38 mil. Se achar ruim em algum aspecto, há alternativas que estamos avaliando, como crowdfunding e cotização entre as pessoas envolvidas na campanha.

13:32:56: Deltan – Segue o roteiro e o orçamento, caso queria [buscou escrever “queira”] olhar. O roteiro sofrerá alguma alteração ainda

13:32:56: Deltan – Avalie de modo absolutamente livre e se achar que pode de qq modo arranhar a imagem da LJ de alguma for.

13:35:00: Deltan – pdf

13:35:28: Deltan – pdf

No dia seguinte, 17 de janeiro de 2016, Moro responde:

10:20:56 Moro – Se for so uns 38 mil achi [quis escrever “acho”] que é possível. Deixe ver na terça e te respondo

NOTA DA REDAÇÃO:

– A sequência de mensagens de Deltan Dallagnol tem a mesma hora de envio porque retransmitidas ao mesmo tempo de um outro grupo ou interlocutor para Sergio Moro. – Vejam em outro post os arquivos de PDF enviados pelo procurador para aprovação prévia do então juiz.

SOMA DE ABSURDOS

A soma de despropósitos que vai acima impressiona em diálogo tão curto. De saída, destaque-se que uma vara federal, qualquer uma, não dispõe de recursos destinados a atos publicitários de nenhuma.

O Conselho da Justiça Federal, subordinado ao Superior Tribunal de Justiça — e o presidente do STJ comanda os dois entes —, distribui os recursos aos cinco Tribunais Regionais Federais, e cada um deles, às respectivas varas federais. Inexiste verba para gastos com publicidade.

Observem, no entanto, que Deltan se refere a valores específicos, de que ele e Moro têm conhecimento — “daqueles mais antigos” — e que, sem margem para interpretação alternativa, serão aplicados ao arrepio da lei.

Como uma vara federal não gera recursos, mas os recebe do TRF — que, por sua vez, tem a dotação orçamentária definida pelo Conselho da Justiça Federal —, ou o dinheiro teria de sair do caixa para despesas correntes, e não parece ser o caso, ou decorreria de depósitos judiciais ou multas decorrentes das sentenças aplicadas pelo juiz. Em qualquer hipótese, trata-se de uma ilegalidade.

As tais 10 medidas, que chegaram ao Congresso na forma de uma emenda de iniciativa popular, saíram da cabeça de Deltan e amigos, como é público e notório.

E, como se lê acima, ele não teve dúvida: resolveu avançar no cofre da 13ª Vara Federal de Curitiba, com o que concordou Sergio Moro.

Se ainda não ficou claro: o então juiz estava dizendo “sim” a um pedido para usar, de modo ilegal, recursos sob a guarda da 13ª Vara Federal de Curitiba. “Ah, mas era para uma campanha contra a corrupção!” E daí? A função de um juiz é aplicar a lei, não burlá-la.

Cumpre lembrar, adicionalmente, que ao menos quatro das dez medidas eram francamente fascistoides:

– virtual abolição do habeas corpus;

– ampliação absurda das possibilidades de prisão preventiva;

– teste de honestidade aplicado a servidores;

– admissão em juízo de provas ilegais — desde que colhidas de boa-fé.

Cumpre que se façam aqui alguns esclarecimentos. Em outra conversa com Deltan, o próprio Moro chegou a classificar o teste de honestidade de “entrapment” (armadilha). A Súmula 145 do Supremo exclui a hipótese de crime em caso de flagrante preparado. A admissão em juízo de provas ilegais para agravar a situação do réu viola o Inciso LVI do Artigo 5º da Constituição, que é cláusula pétrea (segundo definição do Artigo 60 da Carta), não podendo ser alterado nem por emenda Constitucional. Da mesma sorte, os embaraços propostos pela força-tarefa para a concessão de habeas corpus violariam as garantias individuais, que não estão sujeitas nem mesmo a emendas. Assim, procurador e juiz discutem o uso de dinheiro público para financiar uma campanha que propõe ilegalidades escancaradas.

E AGORA, HUMBERTO MARTINS?

Humberto Martins, corregedor do Conselho Nacional de Justiça, resolveu arquivar um pedido para investigar a atuação de Sergio Moro sob o argumento de que ele não é mais juiz.

A resposta de Martins já parecia fraca e improcedente antes da divulgação deste diálogo. Não se trata de o Conselho investigar a pessoa do magistrado, mas seus atos à frente de uma vara federal. Desde já, cumpre fazer uma auditoria sobre o uso dos recursos que ficavam sob a guarda da 13ª Vara Federal de Curitiba, gerenciados por Moro.

Nem importa saber se o dinheiro foi usado ou não, se a propaganda foi ao ar ou não. O que se tem é o titular da vara condescendendo com o uso ilegal de um dinheiro que, por óbvio, não lhe pertence.

O SIMPLES PEDIDO JÁ É UM ASSOMBRO

Ora, Deltan não deveria nem mesmo ter se atrevido a fazer tal pedido ao juiz. Nas boas democracias do mundo, mereceria voz de prisão. Exagero? Como um procurador tem a ousadia de pedir que um juiz dê destinação ilegal a um dinheiro que está sob a sua guarda? Que licenciosidade é essa? Por que tamanho despropósito?

Se olharmos, no entanto, a trajetória da Lava Jato, tudo faz sentido.

Este é o mesmo Deltan que costurou com autoridades americanas (!?) a criação de uma fundação de direito privado, que seria formada com metade dos R$ 2,5 bilhões de multa devida pela Petrobras nos EUA, mas que acabou sendo recolhida no Brasil. Os outros 50% também ficariam sob gerenciamento de tal ente para eventuais reparações judiciais.

A dita fundação, contra a qual se insurgiu a Procuradoria-Geral da República, que nem consultada fora a respeito, foi homologada pela juíza Gabriela Hardt, que assumiu como interina a 13º Vara Federal de Curitiba quando Moro a deixou porque aceitou o cargo de ministro da Justiça de Jair Bolsonaro.

A doutora escreveu em seu despacho alguns absurdos a indicar que as personagens que se envolvem com a Lava Jato entendem como privados (pertencentes à própria operação) recursos que decorrem de ações desfechadas por entes públicos. Lá se pode ler:

“A outra metade será utilizada à constituição de uma fundação permanente, na forma de “endowment”, e destina-se remédio dos efeitos da corrupção e ao fomento de atividades voltadas à implementação de uma agenda anticorrupção. Isso é especialmente importante já que os investimentos públicos, notoriamente escassos, para a implementação de medidas de combate à corrupção estão usualmente sujeitos a contingenciamentos orçamentários. Assim, na análise deste Juízo, não há dúvida que o acordo atende ao interesse público.”

Como se vê, a juíza entende que a multa paga pela Petrobras deveria servir como uma espécie de compensação para o que considera “investimentos públicos escassos” no combate à corrupção. Também ela avalia que um magistrado pode decidir, por sua conta, como resolver os problemas de orçamento da Justiça e do Ministério Público. Ainda que rasgando a lei.

Foi adiante:

“Cumpre observar o protagonismo do MPF e da Petrobrás na obtenção da concessão no acordo desta com as autoridades dos Estados Unidos. Sem a intervenção do MPF e da Petrobrás, muito provavelmente não seria possível a amortização de 80% da multa milionária pactuada no acordo com as autoridades daquele país, mediante pagamentos e investimentos de interesse coletivo no território nacional”.

A juíza tratava, nessa hora, a força-tarefa como um grupo de caçadores de recompensa, que mereceriam, então, ficar com os frutos do que rendeu a luta contra a corrupção.

Não parece que fosse outra a concepção de Moro. Pela porteira por onde podem sair, violando a ordem legal, R$ 38 mil, podem sair R$ 2,5 bilhões. O ministro Alexandre de Moraes pôs fim à farra, depois de provocado pela Procuradoria-Geral da República, concedendo uma liminar suspendendo a homologação. A força-tarefa acabou desistindo da estrovenga ilegal.

NOTA NECESSÁRIA: Hardt é a juíza que se tornou célebre entre militantes de extrema-direita por ter dado um pito estridente no ex-presidente Lula por ocasião de uma audiência no processo sobre o sítio de Atibaia. Quando o petista sugeriu que o PT deveria ter recorrido à Justiça contra o PowerPoint de Deltan, ela o acusou, com agressividade, de estar intimidando o Ministério Público: “Não vou permitir isso!”. Reitere-se: Lula falava em ação judicial — e apresentar petições ao poder público é um direito em todas as democracias. Ele não propôs invadir o tribunal. Seria um colega da juíza Hardt a julgar eventual ação impetrada pelo partido. A reação da doutora foi um despropósito. Agradou à plateia antipetista, mas desmereceu o estado de direito.

Hardt condenou Lula a 12 anos e 11 meses de prisão. Trechos de sua sentença são cópia daquela redigida por Sergio Moro no caso do apartamento de Guarujá. Ela esqueceu até de substituir a palavra “apartamento” por “sítio”. O rigor furioso da audiência não se verificou na hora de escrever a sentença. A juíza afirma, por exemplo, que Léo Pinheiro e José Adelmário atestam a conduta irregular do ex-presidente. Não poderia ser. Os dois são a mesma pessoa. “Léo Pinheiro” é o apelido de “José Adelmário”.

A doutora se justificou afirmando ser comum um juiz utilizar trechos da sentença de outros. Ainda que fosse assim, certamente é incomum que nem mesmo revisem aquilo que foi copiado ou que tomem uma pessoa e seu apelido como indivíduos distintos, irmanados, não por acaso, na acusação contra o réu.

Rigor técnico e propensão para a fúria ou para o insulto não são sinônimos, como evidencia o conjunto da obra.

O uso de recursos públicos como se privados fossem é uma das aberrações que vêm agora à luz.

 

Reinaldo Azevedo/Uol