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Matéria investigativa

Flávio Bolsonaro envolvido em compra de mais uma mansão cinematográfica em Angra dos Reis

Após Flávio se encantar com a casa, seu amigo Willer Tomaz entrou na Justiça contra a empresa do jogador Richarlison pela posse do imóvel.

A reportagem é de Guilherme Amado, do Metrópoles

O senador Flávio Bolsonaro foi arrolado como testemunha numa disputa judicial pela posse de uma mansão de R$ 10 milhões na paradisíaca Ilha Comprida, em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. A casa, que tem 11 suítes, praia privativa, uma cachoeira, piscina, quadra de tênis e heliponto, entre outros luxos, foi vendida em 2020 para a Sport 70, empresa do jogador da Seleção Brasileira Richarlison e de seu empresário. Em maio deste ano, entretanto, uma decisão liminar transferiu a posse do imóvel ao advogado Willer Tomaz, um dos principais amigos de Flávio em Brasília e que, desde que o senador se encantou com a mansão, há dois anos, deu início a uma série de investidas para se tornar seu dono.

Após tentar em 2021 comprar o imóvel, da mesma pessoa de quem a empresa de Richarlison havia adquirido, Tomaz iniciou uma batalha judicial cheia de episódios dramáticos, incluindo uma senhora de 78 anos que diz ter sido enganada para assinar um documento e a expulsão de uma mulher grávida da casa, durante a noite, pela Polícia Militar do Rio de Janeiro, em maio deste ano. A coluna teve acesso a todos os documentos do caso, que corre no Tribunal de Justiça do Rio.

O interesse de Flávio pela mansão da Ilha Comprida começou no último fim de semana de julho de 2020, muito antes de Willer Tomaz ir à Justiça pelo imóvel e quando sua posse ainda pertencia ao empresário Antônio Marcos Pereira Silva, antigo dono e que a venderia naquele mesmo ano para a empresa de Richarlison e de seu empresário e um outro sócio. Em 25 de julho de 2020, uma sexta-feira, Flávio chegou a Angra acompanhado de sua esposa, a dentista Fernanda Bolsonaro, e do então ministro Tarcísio de Freitas, para a cerimônia de começo das obras do aeroporto da cidade.

O casal decidiu passar o fim de semana em Angra e, no sábado, a convite do ex-senador Wilder Morais (PL-GO), que tem casa na região, foi conhecer a mansão, considerada um dos mais luxuosos imóveis da cinematográfica Ilha Comprida. Principalmente pela exclusividade de ter uma cachoeira ao lado da casa e em frente à praia privativa.

Foram recebidos naquele dia por Antônio Marcos, o então dono, que já negociava a venda para a empresa de Richarlison. Flávio ficou deslumbrado com a mansão. A casa da Ilha Comprida tem décadas de história. Pertenceu, até 1983, à cantora Clara Nunes. Em 1986, o compositor Paulo César Pinheiro, viúvo de Clara, vendeu sua posse para uma empresa, a M Locadora. Depois daí, houve dois donos, até a posse ser comprada em 2011 por Antônio Marcos, o empresário que naquele 26 de julho de 2020 abria as portas para receber o filho do presidente.

O uso do termo “posse” aqui não é à toa. Terrenos em ilhas, em qualquer parte do Brasil, pertencem à União, que outorga uma concessão a quem for o dono da posse. Na Secretaria de Patrimônio da União (SPU), porém, o registro de quem estava com a posse não era atualizado desde 1977, quando foi feito por Luiz Fernando Behring, o primeiro dono da outorga. Portanto, nenhum dono posterior a essa data — nem Clara Nunes, nem M Locadora, nem Antônio Marcos, nem Richarlison e seus sócios —, registraram a posse em imóvel na SPU nem no registro de imóvel, tendo a comprovação apenas em contratos firmados de parte a parte.

De volta àquele dia 26 de julho de 2020, após Antônio Marcos, Flávio e os demais passarem o dia entre o mar e a cachoeira, o grupo se encontrou novamente para um jantar na casa de Wilder Morais, e Antônio Marcos contou que aqueles seriam seus últimos meses na mansão da Ilha Comprida, já que o imóvel estava sendo vendido para a empresa de Richarlison.

Cinco meses se passaram e, em 1º de janeiro de 2021, Antônio Marcos recebeu um telefonema informando que Flávio estava em frente à casa, e desta vez acompanhado por um amigo, a quem queria mostrar o imóvel. Era Willer Tomaz. Os dois haviam ancorado uma lancha em frente à propriedade, sem terem sido convidados por Antônio Marcos nem por quem, naquele momento, já eram seus donos: Richarlison e seu empresário.

Segundo Antônio Marcos, Flávio apresentou Tomaz a ele e pediu se seu amigo poderia conhecer a mansão. Antônio Marcos pediu desculpas, explicou que não era mais o dono do imóvel e, por isso, não poderia receber o senador e Tomaz. Tampouco se sentia confortável de pedir aos novos donos para que Flávio e um estranho pudessem conhecer a casa que não mais lhe pertencia.

“Contei a Willer Tomaz e ao Flávio que já tinha negociado (a casa). Willer dizia ‘Ah, será que ele (o novo dono) não vende? Você não consegue cancelar a venda? Como está o contrato, ele tá te pagando ainda ou pagou tudo?’, e eu dizia que não tinha como, porque o negócio já tinha sido feito”, contou Antônio Marcos em entrevista à coluna.

Naquele dia, também sem permissão nem do antigo nem do novo dono do imóvel, Flávio filmou com um drone uma tomada aérea da casa, mostrando sua suntuosidade, e publicou o vídeo em seu perfil no Instagram. “Quantos lugares você conhece em que a cachoeira deságua no mar? Em Angra dos Reis tem! Tomada da Ilha Comprida, localizada há (sic) poucos minutos do aeroporto de Angra”, escreveu Flávio, em tom orgulhoso.

A reintegração de posse

Os meses se passaram, e os novos donos da mansão começaram uma série de obras no imóvel. Reformaram toda a casa, modernizando banheiros, cozinha, uma casa de empregados, e construindo a piscina e a quadra, que até então não existiam. Richarlison e Renato Velasco, que moram na Europa, visitavam a mansão quando vinham ao Brasil. Quando as obras ficaram prontas, Velasco decidiu deixar morando no imóvel sua esposa, que estava grávida e teria o bebê no Brasil. Até que, em 13 de maio deste ano, o empresário estava em Londres quando recebeu um telefonema da mulher.

Chorando, ela contava que um oficial de Justiça e policiais estavam na mansão para retirá-la da propriedade e cumprir uma decisão de reintegração de posse, dada pelo juiz Ivan Pereira, da Segunda Vara Cível da Comarca de Angra. Os vídeos gravados por ela durante a reintegração e enviados em tempo real a Velasco mostram os policiais pondo roupas e pertences da mulher, já de noite, do lado de fora da casa. A ordem judicial atendia a um pedido da M Locadora, que havia comprado a posse do imóvel do marido de Clara Nunes, em 1986 e revendido em 2002. Agora, 20 anos depois, representantes dos espólios dos antigos donos da empresa, já mortos, reivindicavam a posse.

Para convencer o juiz, o advogado da M Locadora, o ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão, também sócio de Tomaz em outro escritório, alegou que, no registro de imóvel, constava que a casa ainda pertencia à M Locadora. E afirmava que os atuais ocupantes eram “esbulhadores”, ou seja, invasores.

Dois dias depois, no domingo, os advogados da empresa de Richarlison conseguiram no plantão judicial reverter a primeira decisão, apresentando a documentação que comprovava que não eram invasores, e retomaram a posse da casa. Willer Tomaz recorreu à Segunda Instância da Justiça do Rio, pedindo a suspensão da decisão do plantão judicial, e ganhou novamente, numa nova decisão liminar, a posse do imóvel.

Para a Justiça, Willer Tomaz contou que sua empresa, a WT Administração, havia pagado R$ 2 milhões de pendências fiscais e administrativas da M Locadora, em troca da transferência do bem. Os pagamentos aconteceram, segundo o advogado, por meio de um “contrato de sub-rogação”, que tornara a WT Administração credora da M Locadora.

Depois de firmar esse contrato com a empresa, a WT conseguiu, em 11 de julho deste ano, a regularização do cadastro do imóvel na Secretaria do Patrimônio da União. Assim, contou Tomaz nos autos, ele conseguiu emitir a Certidão de Autorização para Transferência, documento que autorizava a M Locadora a transferir o bem para a WT Administração. Essa transferência aconteceu já no dia seguinte, em 12 de julho, superando a conhecida burocracia desse tipo de serviço na SPU. Naquele dia, um ano e meio após tentar comprar sem sucesso a casa que encantara seu amigo Flávio, Tomaz obteve o registro de transferência de posse para sua empresa.

A última decisão no processo foi de 5 de agosto, quando o desembargador Adriano Guimarães deu uma nova decisão liminar, a favor de Tomaz, passando novamente o imóvel para as mãos do advogado. Agora, todos esperam a 8ª Câmara Cível do TJ do Rio, formada por Guimarães e outros dois desembargadores, decidir o mérito. Desde então, o imóvel é guardado por seguranças armados.

O pedido para que Flávio Bolsonaro seja ouvido, feito pelos advogados do empresário de Richarlison, tem o objetivo de mostrar à Justiça, com o relato do senador sobre sua visita à mansão, que o imóvel não pertencia a invasores, como acusa Tomaz.

Tomaz é influente em Brasília por ser próximo de dezenas de parlamentares, para os quais seu escritório atua. É amigo de muitos deles, a ponto de ter sido protegido no ano passado na CPI da Pandemia. Durante uma sessão da CPI, foi chamado por Flávio publicamente de “meu amigo”, após Renan Calheiros citar Tomaz ao interrogar um depoente.

“Eu não acho justo ser citado. Assim como eu e meu amigo e advogado Frederick Wassef e meu amigo Willer Tomaz”, disse Flávio aos colegas em 25 de junho do ano passado. Também em 2021, o advogado afirmou em entrevista à Folha de S.Paulo ter cerca de 50 casas no Lago Sul, o endereço mais nobre de Brasília, e que alugava esses imóveis a ministros do Superior Tribunal de Justiça e a parlamentares.

Caso de delegacia

Em 11 de julho deste ano, foi juntada aos autos uma petição da dona de casa Maria Alice Menna, de 78 anos, viúva de um dos antigos donos da M Locadora, em que seus advogados afirmam que ela nunca assinou o contrato que a WT apresentou nos autos. Num registro de ocorrência em junho, ela relatou que foi vítima de um golpe ao ter sido convidada a ir ao cartório assinar documentos para dar baixa no registro da M Locadora. Segundo seu relato, não percebeu que o documento, na verdade, era um endosso à transferência da posse da casa para a WT Administração. O desembargador do caso, Adriano Guimarães, ainda não analisou essa petição.

Nesse meio tempo, o sentimento do empresário de Richarlison, segundo seu empresário, é de tristeza. Renato Velasco, cuja esposa foi internada às pressas no dia da reintegração de posse e teve que antecipar em duas semanas seu parto, se disse desiludido com o Brasil.

“O Ric (Richarlison) ficou chateado com isso. Fomos compradores de boa-fé, pessoas idôneas, não fizemos nada de errado, compramos tudo legalmente, tudo certinho, temos toda a documentação, tudo. Como os caras fazem um negócio desse?”, desabafou.

O que diz Flávio Bolsonaro

Procurado, Flávio Bolsonaro disse não ter relação com o imóvel ou com o processo envolvendo Willer Tomaz. O senador disse manter apenas vínculo de amizade com o advogado.

“Na primeira vez, fui ao local com o senador Wilder Moraes, que tem uma casa ali perto. O antigo dono (Antônio Marcos) era amigo dele. Ele falou: ‘Vamos lá conhecer, é uma casa bonita de um amigo meu’. Fui lá, e ele me apresentou o cara. Só isso. Aí, depois, teve uma vez que passei um fim de semana lá (em Angra). Willer estava comigo. Estão usando a imprensa porque é véspera de eleição, e a discussão do imóvel está na Justiça. As pessoas sabem que o Willer é próximo a mim. Isso não tem nada a ver comigo. Querem usar um negócio desse para atingir o meu pai”, disse.

Flávio afirmou que, na condição de testemunha, não poderá contribuir com a tomada de decisão da Justiça.

“Realmente, conheci o cara (Antônio Marcos) quando tinha posse. Mas não sei se o cara é proprietário, se tem boa-fé, má-fé. Não vou acrescentar nada ao processo”, afirmou.

O que diz o advogado Willer Tomaz

O advogado Willer Tomaz afirmou à coluna que gastou cerca de R$ 5 milhões nos últimos anos para regularizar a situação do terreno. Tomaz negou que tenha conhecido o imóvel por meio de Flávio. Segundo ele, as pessoas que usufruíam da propriedade antes dele, inclusive Richarlison, são “invasores”, que criaram “uma narrativa” para o “coagir e chantagear”.

“Só fui tomar posse quando paguei pelo imóvel. Eles estão me achacando. Criaram a narrativa de que o imóvel é do Flávio Bolsonaro, querendo fazer uso disso durante o período eleitoral. Estou dentro do meu direito, toda a aquisição está comprovada por documento público dentro do processo. Estou absolutamente tranquilo”, disse Tomaz.

O advogado declarou que seria dono de quatro lotes vizinhos “desde 2016” e que todos estão escriturados. “Tudo antes de Flávio Bolsonaro existir”, afirmou. Tomaz disse que buscou o inventário dos proprietários já mortos da M Locadora e adquiriu o imóvel dos inventariantes.

“Obtive a liminar para ser emitida a posse, mas quando isso ocorreu, havia dois posseiros que apresentaram contratos apócrifos, alegando que tinham comprado o terreno desde 2002, quando já existia um distrato desse contrato”, afirmou.

“Você tem esses invasores, que se compraram, compraram da pessoa errada e trouxeram a compra de 2002, sendo que o distrato foi assinado em 2009. A negociação foi absolutamente regular, o imóvel é meu”, acrescentou.

A coluna pediu que Tomaz enviasse o documento e mostrasse onde ele estava no processo. Ele enviou um PDF, mas, ao indicar onde ele estaria nos autos, mostrou outro documento. Ao ser alertado pela coluna que eram documentos diferentes e que o distrato de fato não estava no processo, o advogado deu uma nova versão: “Este documento, estou guardando como surpresa para os bandidos”.

Naquele dia, também sem permissão nem do antigo nem do novo dono do imóvel, Flávio filmou com um drone uma tomada aérea da casa, mostrando sua suntuosidade, e publicou o vídeo em seu perfil no Instagram. “Quantos lugares você conhece em que a cachoeira deságua no mar? Em Angra dos Reis tem! Tomada da Ilha Comprida, localizada há (sic) poucos minutos do aeroporto de Angra”, escreveu Flávio, em tom orgulhoso.

 

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Ex-assessor e planilha implicam Bolsonaro e ministro em caixa dois

Um depoimento dado à Polícia Federal e uma planilha apreendida em uma gráfica sugerem que dinheiro do esquema de candidatas laranjas do PSL em Minas Gerais foi desviado para abastecer, por meio de caixa dois, as campanhas do presidente Jair Bolsonaro e do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, ambos filiados ao partido.

Haissander Souza de Paula, assessor parlamentar de Álvaro Antônio à época e coordenador de sua campanha a deputado federal no Vale do Rio Doce (MG), disse em seu depoimento à PF que “acha que parte dos valores depositados para as campanhas femininas, na verdade, foi usada para pagar material de campanha de Marcelo Álvaro Antônio e de Jair Bolsonaro”.

Em uma planilha, nomeada como “MarceloAlvaro.xlsx”, há referência ao fornecimento de material eleitoral para a campanha de Bolsonaro com a expressão “out”, o que significa, na compreensão de investigadores, pagamento “por fora”.

A Folha revelou, em reportagens publicadas desde o início de fevereiro, a existência de um esquema de desvio de verbas públicas de campanha do PSL em 2018, que destinou para fins diversos recursos que, por lei, deveriam ser aplicados em candidaturas femininas do partido.

Álvaro Antônio, deputado federal mais votado em Minas Gerais, foi coordenador no estado da campanha presidencial de Bolsonaro.

O ministro foi indiciado pela Polícia Federal e denunciado pelo Ministério Público de Minas Gerais na última sexta (4) sob acusação dos crimes de falsidade ideológica eleitoral, apropriação indébita de recurso eleitoral e associação criminosa —com pena de cinco, seis e três anos de cadeia, respectivamente. Ele nega irregularidades.

Haissander foi preso por cinco dias no final de junho, ao lado de outros dois investigados —entre eles um atual assessor de Álvaro Antônio no Turismo—, e jamais havia reconhecido, até então, a existência de fraude no uso das verbas públicas do PSL durante a campanha de 2018.

No depoimento em que aponta suspeitas de caixa dois —que é a movimentação de dinheiro de campanha sem declaração à Justiça— na campanha de Álvaro Antônio e de Jair Bolsonaro, Haissander afirma ainda que “com certeza Lilian não gastou os R$ 65 mil recebidos”.

A declaração se refere a Lilian Bernardino, uma das quatro candidatas laranjas reveladas pela Folha. As mulheres, apesar de figurarem no topo das que nacionalmente mais receberam verba pública do PSL, não apresentaram sinais evidentes de que tenham realizado campanha.

As quatro, juntas, receberam um total de R$ 279 mil de verba pública do partido e alcançaram apenas 2.074 votos. Parte desse dinheiro foi parar em empresas ligadas ao gabinete do hoje ministro.

Lilian, formalmente, disputou uma vaga na Assembleia Legislativa de Minas, mas, apesar de haver registro de repasse de R$ 65 mil em recursos públicos do PSL para ela, obteve apenas 196 votos.

O depoimento de Haissander, que integra os autos da investigação, foi dado nove horas depois de ele ser preso, no dia 27 de junho. A demora ocorreu devido à espera por um advogado, que não chegou a tempo.

No interrogatório de custódia, o ex-assessor afirmou que não confirmava as declarações que havia dado anteriormente.

A defesa tentou invalidar o primeiro depoimento, mas a Justiça negou o pedido, argumentando que “todas as garantias constitucionais e legais restaram asseguradas, dentre elas a prévia ciência de permanecer em silêncio”.

Álvaro Antônio, Haissander, Mateus Von Rondon (assessor especial do ministério), um ex-assessor, dois representantes de gráficas, um deputado estadual do PSL e as quatro candidatas foram denunciados na sexta.

Cabe agora à Justiça decidir se aceita ou se rejeita a denúncia do Ministério Público.

A investigação da PF, que reúne diversos depoimentos, buscas nas gráficas que teriam produzido os materiais, entre outros elementos, aponta indícios de que o dinheiro formalmente declarado para as quatro candidatas foi parar em outras candidaturas, como a de Álvaro Antônio.

PLANILHA

Uma das principais provas colhidas na investigação é a planilha apreendida na empresa Viu Mídia, que, segundo as informações dadas pelos candidatos e partidos à Justiça Eleitoral, prestou serviços a duas das candidatas laranjas, ao PSL e, em menor volume, ao hoje ministro do Turismo.

A planilha lista pagamentos recebidos por serviços eleitorais em uma coluna intitulada “NF” —no entendimento da polícia se referindo a Nota Fiscal— e em outra coluna com o título “out”, se referindo, também na compreensão da PF e do Ministério Público, a pagamento “por fora”.

Nessa planilha, há referência ao fornecimento de 2.000 unidades de material eleitoral (laminado) para a campanha de Bolsonaro, sendo R$ 4.200 “out” e R$ 1.550 com “NF”.

No entanto, não há registro, na prestação de contas entregue por Bolsonaro à Justiça Eleitoral de gastos com a empresa Viu Mídia.

Na mesma planilha há registro de fornecimento de 1.400 laminados para a campanha de Álvaro Antônio, sendo que o pagamento teria sido feito R$ 3.360 por fora e apenas R$ 740 com nota fiscal.

Na prestação de contas de Álvaro Antônio à Justiça, há registro de gasto de R$ 280 com a Viu Mídia.
Em outra linha do documento, há menção a 2.000 adesivos de material conjunto, entre o ministro e Bolsonaro, com pagamento de R$ 1.000 por “NF” e R$ 4.000 “out”.

“Essa análise [da planilha] demonstra indícios de que os valores pagos para produção de material gráfico para Naftali e Camila [duas das candidatas laranjas] foram utilizados para a produção de material gráfico para outros candidatos do PSL”, afirma o relatório da Polícia Federal, em posse do Ministério Público de Minas Gerais.

Após a publicação das primeiras reportagens da Folha, outras candidatas do PSL passaram a acusar publicamente Álvaro Antônio de patrocinar o esquema, entre elas a deputada federal eleita Alê Silva (PSL-MG), que disse ter recebido relatos de ameaça de morte vinda do ministro.

Dezenas de pessoas foram ouvidas pelos investigadores, incluindo um contador do partido, que afirmou ter cuidado da parte contábil da prestação de contas das candidatas investigadas a pedido de um irmão de Álvaro Antônio, Ricardo Teixeira.

Apesar de não aparecer na prestação de contas do ministro, seu irmão também é apontado no depoimento de Haissander como o responsável por toda a parte financeira da campanha.

Além de Minas, a Folha revelou a existência do esquema de laranjas também em Pernambuco, terra do presidente nacional da legenda de Bolsonaro, o deputado federal Luciano Bivar.

A repercussão do caso resultou na demissão do coordenador da campanha de Bolsonaro, Gustavo Bebianno, da Secretaria-Geral da Presidência. Ele presidiu o PSL nacionalmente em 2018.

Na época, em fevereiro, ele negou em entrevista que o caso das laranjas do PSL tivesse desencadeado uma crise entre ele e Bolsonaro.

Bebianno foi desmentido publicamente pelo presidente e por um de seus filhos, o vereador Carlos, e acabou demitido dias depois.

O ex-coordenador da campanha de Bolsonaro diz que jamais teve contato com as candidatas laranjas e que os repasses do partido a elas, tanto em Minas quanto em Pernambuco, foram de responsabilidade dos diretórios do PSL nos respectivos estados, versão corroborada posteriormente por Bivar e Álvaro Antônio.

No último dia 17, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) decidiu que fraude à cota de gênero nas eleições leva à cassação de toda a chapa eleita.

A lei determina que as coligações devem ter ao menos 30% de candidatas mulheres e também que os partidos devem destinar ao menos 30% dos recursos públicos para as candidaturas femininas.

O julgamento do TSE, o primeiro na corte a tratar da burla à cota de gênero, foi sobre um caso específico do interior do Piauí, mas pode ser adotado pelo tribunal nos casos semelhantes.

DEFESA DE ÁLVARO ANTÔNIO AFIRMA QUE NÃO HÁ ATO IRREGULAR

A defesa de Marcelo Álvaro Antônio, por meio de nota, afirma que a investigação das candidaturas laranjas do PSL não apontou nenhum ato irregular do ministro.

“Não concordamos com os artifícios da teoria do domínio do fato, uma vez que, em matéria de direito penal, presumir conduta é um artifício e não se compatibiliza com diversos princípios constitucionais, como o da presunção de inocência, da legalidade e da intranscendência da pena.”

Domínio de fato é a tese segundo a qual o ocupante de cargo mais alto de um esquema nem sempre atua diretamente nas fraudes, mas tem conhecimento sobre elas.

Segundo o advogado Willer Tomaz, defensor do ministro, a jurisprudência do STF exige, para aceitação da tese de domínio do fato, que sejam apontados indícios convergentes idôneos, “ou seja, é necessário que o denunciado não só tenha tido conhecimento do crime como também tenha agido ou se omitido finalisticamente a fim de que o crime fosse cometido”.

Ainda de acordo com a defesa, embora o ministro tenha ocupado a posição de direção do partido, ele não “exerceu qualquer ato relacionado ao objeto das apurações”.

“E apesar de ter sido profundamente investigado durante esses oito meses de inquérito instaurado não há um depoimento ou prova sequer que demonstre qualquer ilícito imputável ao ministro.”

A nota acrescenta ainda que “se há alguma conduta ilícita, somente quem a cometeu deve ser responsabilizado”.

“A denúncia pode ter as todas razões, menos jurídicas. É manifestamente inepta e carece de justa causa com relação ao ministro Marcelo Álvaro Antônio, razão pela qual a defesa acredita que o Judiciário irá apreciar de maneira isenta e rejeitá-la”, conclui o advogado do ministro.

Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa do Palácio do Planalto afirmou que não comentaria. Haissander Souza de Paula, ex-assessor parlamentar de Álvaro Antônio, e a empresa Viu Mídia não foram localizados.

 

 

*Com informações da Folha