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Ao defender perdão a golpista, 31% apostam que bandido bom é bandido impune

O Datafolha apontou que 63% dos brasileiros são contra passar a mão na cabeça de quem tentou golpe de Estado, discordando de Bolsonaro — que defendeu esse perdão pensando, claro, em si mesmo. Bem, esses dois terços não fazem mais do que sua obrigação como cidadãos e como seres humanos.

O que causa engulho são os 31% que defendem anistiar quem tentou transformar o Estado democrático de direito em geleia no dia 8 de janeiro de 2023. Como o bolsonarismo-raiz representa algo entre 15% e 20% da população, eles não estavam sozinhos nessa posição ultrajante. De acordo com o levantamento do Datafolha, 40% desses favoráveis à anistia votaram em Jair no segundo turno de 2022, mas 25% dos 31% foram eleitores do petista.

As razões para isso são as mais variadas: do pessoal que vê o 8 de janeiro como uma revolução popular contra um golpe que teria acontecido de fato nas urnas em um conluio de PT, STF, TSE, bilionários pedófilos, produtores de vacina chineses, cavaleiros templários, os illuminati e, claro, Leonardo DiCaprio até aqueles que acham melhor contemporizar a violência em nome da paz. A turma do deixa-disso, um clássico do terror nacional.

Independente da razão (se é que podemos usar esse termo), na prática, esse pessoal está defendendo que bandido bom é bandido impune.

E como não adotam o mesmo padrão para outros crimes, assumem, consciente ou inconscientemente, que contam com bandidos de estimação.

Tentativa de golpe de Estado é, sob qualquer aspecto, muito pior que o porte de drogas. Mas, para uma parcela, precisamos dar anistia a quem atentou contra o Estado Democrático de Direito e mandar para o xilindró sem direito à fiança quem é pego fumando maconha.

Essa não é a única contradição. Na opinião de muitos “homens e mulheres de bem”, quem furta comida diante do desespero de ver seus filhos passando fome precisa ser trancafiado. Mas ajudar um candidato que perdeu a eleição a se eterninzar no poder através da invasão e vandalismo da sede dos Três Poderes na esperança de que as Forças Armadas decretassem uma operação de GLO e assumissem o poder deveria ser motivo de prêmio.

Sempre vai ter gente antidemocrática ou blasé. Mas esses 31% poderiam ser bem menos, claro. A receita para tanto é a mesma para que não esqueçamos do golpe de 1964 — que completa 60 anos neste domingo de Páscoa: contar e contar a história, principalmente às novas gerações, para que não nos esqueçamos que a liberdade da qual o país desfruta não veio de mão beijada. Mas custou o sangue, a carne e a saudade de muita gente.

Enquanto isso, Bolsonaro trabalha incansavelmente em entregar o seu ponto de vista. “Uma anistia para aqueles pobres coitados que estão presos em Brasília. Não queremos mais que seus filhos sejam órfãos de pais vivos. A conciliação!”, pediu o ex-presidente, em cima do trio elétrico para uma multidão de seguidores em 25 de fevereiro. Sob a justificativa de “pacificar” o país, tentou convencer a turma que faltou às aulas de História que o melhor é um arranjo para não puni-lo pelos crimes que cometeu.

Golpes quando esquecidos continuam gerando consequências. O golpe impune de 1964 continua vivo nos militares que insistem em melar eleições, no discurso cínico de que as Forças Armadas são o poder moderador e na corrupção de fardas limpas com braço forte e mão leve. Mas também segue vivo na tortura pelas mãos de policiais nas periferias, herdeiros dos métodos e técnicas desenvolvidos na repressão, que matam negro e pobre sob a certeza de a sociedade não tem memória, quiçá justiça.

*Leonardo Sakamoto/Uol

Por Celeste Silveira

Produtora cultural

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