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Como delegada acusada de golpe planejou barrar eleitores de Lula para reeleger Bolsonaro, segundo a PGR

A ex-diretora de inteligência de Ministério da Justiça Marília de Alencar integra segundo núcleo denunciado por golpe, que será julgado pelo STF nesta semana, junto com o ex-diretor da PRF Silvinei Vasques e Filipe Martins, ex-assessor de Bolsonaro. Grupo é acusado de tentar favorecer ex-presidente com blitze nas estradas no 2º turno de 2022.

O segundo turno das eleições de 2022 foi marcado por tensão devido a uma operação da Polícia Rodoviária Federal (PRF) — na época sob comando do governo de Jair Bolsonaro (PL) — para fiscalizar a circulação de ônibus em áreas de forte base eleitoral do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em especial no Nordeste.

A operação, que desrespeitava uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) proibindo a PRF de qualquer ação no transporte público no dia da votação, levou o então presidente da Corte, Alexandre de Moraes, a ameaçar de prisão em flagrante o então diretor da instituição, Silvinei Vasques.

Dois anos e meio depois, Vasques e mais cinco denunciados podem virar réus no Supremo Tribunal Federal (STF) a partir desta terça-feira (22/04), acusados de participar de uma suposta trama golpista para evitar a eleição de Lula e manter Bolsonaro no poder.

Faz parte do grupo a única mulher denunciada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) entre os 34 acusados de organizar e implementar a tentativa de golpe de Estado — a delegada da Polícia Federal (PF) Marília Ferreira de Alencar, que foi diretora de Inteligência no Ministério da Justiça no final do governo Bolsonaro e teria municiado a operação da PRF com informações sobre os municípios com mais eleitores de Lula.

Além disso, Alencar também é acusada de ter contribuído para que as forças de segurança do Distrito Federal (DF) não impedissem bolsonaristas radicais de invadir e vandalizar as sedes dos Três Poderes no 8 de janeiro de 2023.

Na ocasião, ela era subsecretária de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública do DF, nomeada pelo então secretário de Segurança Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro e também acusado de participar da trama golpista.

A delegada nega as acusações e contratou para defendê-la o advogado Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça do governo de Dilma Rousseff (PT). Um dos argumentos da defesa é que o próprio Ministério Público Federal arquivou um inquérito civil contra Alencar, após não encontrar evidências de sua omissão no 8 de janeiro.

O STF já tornou réus oito denunciados em março, acusados de integrar o chamado “núcleo crucial” da trama golpista, incluindo Bolsonaro, Anderson Torres e três generais do Exército que integravam seu governo — Augusto Heleno (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) e Walter Braga Netto (ex-ministro da Casa Civil).

Segundo a acusação, os seis denunciados que serão julgados agora formam o “núcleo de gerenciamento das ações” ordenadas pelo núcleo crucial. Para a PGR, eles teriam direcionado a atuação de órgãos policiais, coordenado o monitoramento de autoridades, mantido contato com manifestantes acampados ou elaborado minutas golpistas.

Além de Silvinei Vasques e Marília de Alencar, estão nesse núcleo o delegado federal Fernando de Sousa Oliveira, o general da reserva Mário Fernandes, o coronel do Exército Marcelo Costa Câmara e Filipe Garcia Martins, ex-assessor especial de Bolsonaro — todos negam qualquer ilegalidade.

Na terça-feira (22/04), a Primeira Turma do STF — formada por Moraes, Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin — começa a julgar se há elementos suficientes para abrir um processo criminal contra eles por cinco crimes: golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.

A operação para barrar eleitores de Lula
Formada em direito pela Universidade de Brasília, Marília de Alencar é delegada da PF há 17 anos.

No governo Bolsonaro, foi diretora de Inteligência da Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça e Segurança Pública durante a gestão de Anderson Torres (2021-2022).

Ela era subordinada ao delegado da PF Fernando de Sousa Oliveira, também denunciado, que à época era diretor de Operações do Ministério da Justiça.

Com a derrota de Bolsonaro na eleição de 2022, Torres virou secretário de Segurança do DF e levou os dois para sua equipe: Oliveira se tornou secretário-executivo da pasta e Alencar, subsecretária de Inteligência.

Para a PGR, os três atuaram tanto no uso indevido da PRF nas eleições, quanto na omissão das forças de segurança do DF deixando de conter os bolsonaristas radicais nos ataques de 8 de janeiro.

Segundo a acusação, Marília de Alencar foi quem determinou a elaboração de um relatório mapeando as cidades em que Lula teve votação expressiva no primeiro turno para orientar a operação de blitze da PRF nessas localidades.

De acordo com depoimento à PF de Clebson Ferreira de Paula Vieira, analista de inteligência encarregado da coleta de dados, Alencar lhe solicitou relatórios com as cidades em que Lula ou Bolsonaro receberam mais de 75% dos votos, que foram produzidos com o Business Intelligence (BI), ferramenta de dados usada pela PF.

Ainda segundo ele, depois ela teria solicitado a impressão apenas dos resultados do petista, que concentrava cidades do Nordeste. Na sequência, ela teria relatado ter notado coincidência entre essas cidades e os locais da operação da PRF no segundo turno.

A PGR também aponta como provas mensagens recuperadas do celular da delegada pela PF, que haviam sido apagadas e estavam gravadas em nuvem. Parte do conteúdo recuperado estava com mensagens fora de ordem e foram reorganizadas pela investigação.

Segundo a acusação, logo após o resultado do primeiro turno, em 2 de outubro, a denunciada teria enviado a seguinte mensagem a Oliveira: “Temos que pensar na ofensiva quanto a essas pesquisas”.

Já no dia 6 de outubro, ela teria indicado a seu chefe que tudo estava “alinhado” e que já havia feito “a sua parte”.

Foi identificado pela PF também um grupo de WhatsApp intitulado “EM OFF” que era formado por ela, Oliveira e Leo Garrido Meira Salles, então coordenador-geral de Operações da Diretoria de Operações Integradas e de Inteligência do Ministério.

Em 13 de outubro de 2022, por exemplo, Alencar teria enviado mensagem no grupo afirmando que em “belford roxo [cidade do Rio de Janeiro] o prefeito é vermelho precisa reforçar pf” e “menos 25.000 votos no 9 [em referência a Lula]”.

Em seguida, diz a PGR, ela teria perguntado a Oliveira qual seria o próximo passo sobre os relatórios e teria recebido a resposta: “52 x 48 são milhoes 5 de votos para virar”, indicando que seriam necessários cinco milhões de votos para virar o resultado das eleições.

*BBC

Por Celeste Silveira

Produtora cultural

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