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Bolsonaro recuou, mas Moro não! E ainda deu uma banana ao chefe em viagem

Como se pode constatar, o presidente Jair Bolsonaro recua, mas Sergio Moro não recua nunca. Assim, na prática, o ministro manda, e o presidente obedece, não o contrário. Ou por outra: aquele a quem chamam “Mito” se reduz a nada quando o titular da Justiça resolve exercer sua vontade. O chefe tem medo do seu subordinado. É o pior dos mundos. Por que afirmo isso?

O presidente estava mesmo decidido a tirar a Segurança Pública da pasta de Moro e torná-la um ministério. Seria um jeito elegante de sugerir que o ex-juiz pedisse demissão. Este deu a entender que o faria — coisa de que duvido um pouco, mas vá lá… Os extremistas de direita do morismo — muitos deles também bolsonaristas — partiram para cima do presidente da República. Ele tem medo dessa turma. Recuou. Fica, por ora, tudo como está.

Mas Moro, aconselhado a ser um pouco mais discreto na emissão de opiniões que contrariem escolhas feitas pelo presidente, não recuou em nada. Ao contrário. Passou a falar ainda mais. Se você não tomar cuidado, Moro comparece à festa de batizado do seu filho para dar entrevista. Pode fazer também comício em velório. Ele quer falar. Nesta segunda, noticiou-se que acha uma “perspectiva interessante” a possibilidade de ser nomeado para o Supremo na vaga de Celso de Mello.

É mesmo?

E então se tomou essa avaliação como a admissão tácita de que ele, com efeito, não pensa na Presidência. Mais: dá-se de barato que, uma vez no Supremo, estaria aposentado o projeto “Presidência”.

Comecemos pelo óbvio. Mello faz 75 anos no dia 1º de novembro. Uma eventual indicação de Moro poderia se estender até o começo do ano que vem: o pré-eleitoral 2021. Ainda que fosse aprovado pelo Senado, o que o impediria, a depender das circunstâncias, de deixar o tribunal para disputar a eleição? Por que a sua assunção ao Supremo o impediria de se candidatar? Basta ficar atento ao calendário.

Moro está mais de olho no cargo de Bolsonaro hoje do que estava ontem e menos do que estará amanhã. Cada ato seu, para quem sabe como funciona a política, busca mantê-lo conectado com o eleitorado e mira menos a eficiência do governo que representa do que a manutenção de suas conexões com as massas, particularmente as milícias digitais que ele tungou de seu chefe.

Tudo o que Moro não quer é ser apeado agora do governo — e, pois, duvido que fosse mesmo embora se Bolsonaro tivesse feito o certo e lhe tirado a Segurança Pública. Se pedisse demissão, teria de apresentar a céu aberto as suas pretensões políticas. Sua chance de ser um herdeiro de Bolsonaro — e essa é sua grande aposta – se reduziria bastante.

O ministro quer ficar por perto porque antevê uma condenação pesada para o senador Flávio Bolsonaro no caso das rachadinhas. Por mais que o ritmo dessa apuração não remeta ao frenesi inebriante da Lava Jato, é pouco provável que se chegue ao começo de 2022 sem uma definição da situação do senador — ao menos em primeira instância.

Não seria perfeito para ele? Como juiz, assinou a sentença que, referendada em segunda instância, levou um ex-presidente — e, à época, futuro candidato — à cadeia, o que facilitou enormemente a tarefa de Bolsonaro, que viria a ser seu chefe. Subordinado não exatamente leal, vê-se na contingência de poder ambicionar a cadeira daquele cuja vitória, por óbvio, ele ajudou a construir. Moro é mesmo um homem notável. Atuando contra terceiros ou favor deles, está sempre, na prática, agindo em defesa dos próprios interesses.

Assim, depois de ter ameaçado pegar o boné para intimidar Bolsonaro, o normal seria que não continuasse por aí a atacar decisões tomadas pelo seu chefe. Moro não quis nem saber e ignorou solenemente todos os conselhos e gestões em favor de mais discrição. Ao contrário: aproveitou a ausência do presidente para aumentar seu grau de exposição, atacando publicamente, e com mais ênfase, o juiz de garantias, aprovado pelo Congresso, e a decisão do Supremo sobre execução da pena depois do trânsito em julgado, como prevê a Constituição.

Notem: se Moro for mesmo para o Supremo, o tribunal continuará a ser um palanque: para 2022, para 2026, para quando lhe desse na telha. Como escrevi na coluna da Folha de sexta, ele já se vê como o imperador do Brasil. Bonaparte só espera agora o manto imperial.

 

 

*Reinaldo Azevedo/Uol