Governo apoiou ideia de sauditas e do Bahrein de dar maior consideração aos pais e guardiões ao se tratar de educação para combater ao casamento forçado de meninas. Itamaraty também apoiou ideia do Paquistão de eliminar educação sexual de resolução da ONU e ainda defendeu proposta de declarar que não existem direitos sexuais e reprodutivos.
O discurso oficial é de que o novo governo brasileiro tem a missão de defender os valores ocidentais e até lutar pela preservação do cristianismo. Mas, nas votações na ONU, o governo descobriu que é um dos poucos no mundo a se associar às ideias ultraconservadoras do mundo islâmico.
Nesta quinta-feira, depois de semanas de debates, as resoluções sobre como lidar com abusos foram à votação no Conselho de Direitos Humanos da ONU. Ao longo do dia, algumas das propostas mais conservadoras do mundo islâmico acabaram recebendo o apoio inesperado do Brasil.
O governo, por exemplo, votou a favor de uma proposta do governo do Paquistão e de outros islâmicos, sugerindo retirar de uma resolução na ONU o termo “educação sexual” em projetos de combate à violência contra a mulher.
Entre as propostas de países árabes apoiadas pelo Itamaraty estavam a ideia de considerar a posição dos pais em questões sobre a educação para evitar o casamento forçado de meninas, além de rejeitar a ideia da existência do direito à saúde sexual e outros.
Nas últimas semanas, o governo brasileiro mudou radicalmente sua postura na ONU, tentando vetar termos que eram consenso internacional por 25 anos. Com base em avaliações religiosas, o Brasil passou a rejeitar termos como direitos sexuais, igualdade de gênero e outras palavras que possam contradizer a uma visão religiosa de reprodução, homens e mulheres.
Os pedidos brasileiros foram rejeitados pelos autores das propostas e o Itamaraty desistiu de se opor à resolução.
Ainda assim, a explicação do governo é de que o termo “gênero” não faz parte da Constituição, que apenas usa os termos “igualdade entre homens e mulheres”. Quanto aos direitos sexuais, o temor é de que o termo abra brechas para uma avaliação positiva do aborto.
Um dos textos submetidos se referecia à violência contra a mulher. Ao explicar a resolução, o governo do México indicou que, entre os pontos fundamentais, os governos apontam que a liberdade das mulheres passa necessariamente por sua “liberdade sexual” e que sua proteção passava por garantir a educação sexual nas escolas. Também se estabelece que as mulheres tem o direito de “controlar e escolher sua sexualidade” e que “nenhuma autonomia física deve ser limitada”.
O governo brasileiro optou pelo silêncio e não se opôs na hora da aprovação. Mas surpreendeu ao se aliar a alguns dos governos mais conservadores do mundo.
Educação sexual
O governo do Paquistão, em nome da Organização para a Cooperação Islâmica, sugeriu modificar o texto, apresentando uma emenda para retirar referências à necessidade de dar educação sexual às meninas. “Pode ser prejudicial para as meninas”, alertou a delegação de Islamabad.
Na emenda, os islâmicos sugeriam eliminar do texto a frase que visa “garantir acesso universal à educação sexual compreensiva com base em evidências” às meninas e crianças.
Sem dar uma explicação, o Brasil votou a favor da proposta do Paquistão. Mas como 25 países votaram contra a postura dos islâmicos, a emenda não passou e a educação sexual ficou mantida no texto.
O voto brasileiro se contrasta com declarações da ministra de Direitos Humanos, Damares Alves. Em entrevista ao UOL, ainda no final de 2018, declarou ser favorável à educação sexual nas escolas.
O governo de Bangladesh, que também votou da mesma forma que o Brasil, alertou que essa educação abriria brechas para “promiscuidade e abortos”.
Países ocidentais se recusaram a aceitar as emendas e conseguiram derruba-las. A Austrália, por exemplo, insistiu na necessidade de aprovar a resolução, inclusive com referências sobre educação sexual. O governo do Peru também saiu ao apoio da ideia de direitos sexuais e reprodutivos. “Isso foi reconhecido há mais de 25 anos”, alertou Lima.
Uruguai e outros países também insistiram que órgãos internacionais sugerem a necessidade de educação sexual.
O governo do Egito também sugeriu uma mudança. O Cairo alerta que não “há direitos sexuais e reprodutivos em documentos internacionais”. A emenda tampouco passou. Enquanto isso, o governo da Rússia também sugeriu uma emenda e pediu que meninas e mulheres não sejam colocadas em um mesmo patamar.
De acordo com o governo austríaco, documentos já aprovados por anos indicaram que “direitos sexuais e reprodutivos fazem parte integral de direito à saúde”.
A resolução acabou sendo aprovada sem voto. Mas os governos da Arábia Saudita, Afeganistão, Nigeria, Bangladesh, Catar, Egito e Paquistão também se afastaram de trechos da resolução.
*Por Jamil Chade