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Depoimentos de Cid na delação expõem as entranhas do bolsonarismo no poder

Os depoimentos prestados à Polícia Federal pelo tenente-coronel Mauro Cid em seu acordo de delação premiada expuseram aos investigadores as entranhas do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Logo que as primeiras notícias de que Mauro Cid negociava um acordo de delação premiada vieram a público, quando ele ainda estava preso, interlocutores do tenente-coronel fizeram chegar ao entorno de Jair Bolsonaro recados de que o ex-presidente seria poupado na delação, diz Aguirre Talento, no Uol.

Crente nessa promessa, Bolsonaro chegou a dar entrevista elogiando Cid e chamando o ex-ajudante de “bom garoto”. A equipe de defesa acreditava que Cid faria uma confissão sobre o repasse de dinheiro da venda das joias e não implicaria o ex-presidente em nenhum outro esquema. A defesa também minimizava a importância de Cid como braço-direito de Bolsonaro, dizendo que ele não testemunhava todas as conversas e nem sabia de todos os segredos do ex-presidente.

As revelações trazidas em reportagens do UOL publicadas nas últimas semanas mostram que a realidade é completamente diferente. A delação premiada homologada no início de setembro ainda está sob sigilo, mas os fatos que já vieram à tona são politicamente tóxicos para o ex-presidente.

Sombra de Bolsonaro no Palácio, Mauro Cid entregou à PF o envolvimento de seu ex-chefe em temas como falsificação de certificados de vacinas, tratativas de golpe de Estado e até mesmo uma aloprada ideia de esconder aliados que estavam prestes a serem presos, como revelado pelo UOL nesta terça-feira (31).

Para a PF, a informação mais comprometedora foi a revelação de um plano de golpe articulado por Jair Bolsonaro, com uma minuta preparada por seu ex-assessor Filipe Martins, e a concordância do então comandante da Marinha, Almir Garnier. O plano só não foi adiante porque não teve o consenso dos demais comandantes das Forças Armadas.

O relato inédito foi considerado essencial para fechar o acordo de delação premiada. Até agora, a defesa do ex-presidente tem negado sistematicamente cada uma das acusações feitas por Cid na delação. Filipe Martins e Almir Garnier nunca se pronunciaram sobre os fatos.

Mais do que isso: Cid traçou à PF um panorama do papel dos principais personagens do bolsonarismo nos ataques à democracia.

Em seus depoimentos, o ex-ajudante de ordens fez um raio-x do chamado Gabinete do Ódio, grupo de assessores palacianos suspeitos de comandar os ataques às instituições democráticas nas redes sociais, e também detalha a atuação dos principais ministros e políticos aliados de Bolsonaro nesse processo.

O próprio Cid servia de interlocutor de vários segmentos radicais no Palácio do Planalto. Por isso, o tenente-coronel foi capaz de traçar uma linha separando quem poderia mesmo influenciar Jair Bolsonaro de quem só apresentava bravatas.

O relato do tenente-coronel também tem um grande peso por seu ineditismo: é a primeira delação premiada saída de um oficial superior das Forças Armadas e também de dentro do núcleo duro do governo de Jair Bolsonaro.

A fase atual do acordo de delação, entretanto, é a mais essencial para o prosseguimento das investigações. Agora, a defesa de Cid e a Polícia Federal realizam diligências para obter provas de corroboração para os relatos do tenente-coronel. É o desfecho desta fase que dirá se a delação terá valor legal como prova de acusação ou se constituiu apenas de conversa fiada.

No material que a PF está analisando e comparando com o teor dos depoimentos estão celulares apreendidos, comunicações realizadas entre os investigados, quebras de sigilo bancário e registros de entrada e saída em prédios públicos como o Palácio da Alvorada. A investigação ainda está longe de um desfecho.

 

 

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Política

Janio de Freitas: São as entranhas brasileiras

Demonstrações que Bolsonaro deveria ser investigado com rigor não cessam.

​Nenhum presidente legítimo, desde o fim da ditadura de Getúlio em 1945 —e passando sem respirar sobre a ditadura militar— deu tantos motivos para ser investigado com rigor, exonerado por impeachment e processado, nem contou com tamanha proteção e tolerância a seus indícios criminais, quanto Jair Bolsonaro. Também na história entre o nascer da República e o da era getulista inexiste algo semelhante à atualidade. Não há polícia, não há Judiciário, não há Congresso, não há Ministério Público, não há lei que submeta Bolsonaro ao devido.

As demonstrações não cessam. Dão a medida da degradação que as instituições, o sistema operativo do país e a sociedade em geral, sem jamais terem chegado a padrões aceitáveis, sofrem nos últimos anos. E aceitam, apesar de muitos momentos dessa queda serem vergonhosos para tudo e todos no país.

Nessa devastação, Bolsonaro infiltrou dois guarda-costas no Supremo Tribunal Federal. Um deles, André Mendonça, que se passa por cristão, na pressa de sua tarefa não respeita nem a vida. Ainda ao início do julgamento, no STF, do pacotaço relativo aos indígenas, Mendonça já iniciou seu empenho em salvá-lo da necessária derrubada.

São projetos destinados a trazer a etapa definitiva ao histórico extermínio dos indígenas. O pedido de vista com que Mendonça interrompeu o julgamento inicial, “para estudar melhor” a questão, é a primeira parte da técnica que impede a decisão do tribunal. Como o STF deixou de exigir prazo para os seus alegados estudiosos, daí resultando paralisações de dezenas de anos, isso tem significado especial no caso anti-indígena: o governo argumentará, para as situações de exploração criminosa de terras indígenas, que a questão está sub judice. E milicianos do garimpo, desmatadores, contrabandistas e fazendeiros invasores continuarão a exterminar os povos originários desta terra.

Muito pouco se fala desse julgamento. Tanto faz, no país sem vitalidade e sem moral para defender-se, exangue e comatoso. Em outro exemplo de indecência vergonhosa, nada aconteceu à Advocacia-Geral da União por sua defesa a uma das mais comprometedoras omissões de Bolsonaro. Aquela em que, avisado por um deputado federal e um servidor público de canalhices financeiras com vacinas no Ministério da Saúde, nem ao menos avisou a polícia. “Denunciar atos ilegais à Polícia Federal não faz parte dos deveres do presidente da República”, é a defesa.

A folha corrida da AGU é imprópria para leitura. Mas, com toda certeza, não contém algo mais descarado e idiota do que a defesa da preservação criminosa de Bolsonaro a saqueadores dos cofres públicos. Era provável que a denúncia nada produzisse, sendo o bando integrado pela máfia de pastores, ex-PMs da milícia e outros marginais, todos do bolsonarismo. Nem por isso o descaso geral com esse assunto se justifica. Como também fora esquecido, não à toa, o fuzilamento de Adriano da Nóbrega, o capitão miliciano ligado a Bolsonaro e família, a Fabrício Queiroz, às “rachadinhas” e funcionários fantasmas de Flávio, de Carlos e do próprio Bolsonaro. E ligado a informações, inclusive, sobre a morte de Marielle Franco.

Silêncio até que o repórter Italo Nogueira trouxesse agora, na Folha, duas revelações: a irmã de Adriano disse, em telefonema gravado, que ele soube de uma conversa no Planalto para assassiná-lo. Trecho que a Polícia Civil do Rio escondeu do relatório de suas, vá lá, investigações. O Ministério Público e o Judiciário estaduais e o Superior Tribunal de Justiça não ficam em melhor posição, nesse caso, do que a polícia. São partes, no episódio de implicações gravíssimas, de uma cumplicidade que mereceria, ela mesma, inquérito e processo criminais. O STJ determinou até a anulação das provas no inquérito das “rachadinhas”, que, entre outros indícios, incluía Adriano da Nóbrega.

Desdobrados nas suas entranhas, os casos aí citados revelariam mais sobre o Brasil nestes tempos militares de Bolsonaro do que tudo o mais já dito a respeito. Mas não se vislumbra quem ou que instituição os estriparia.

*Com Folha

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