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Bolsonaristas criam ‘corrente do bem’ e se medicam com cloroquina, azitromicina e antipulgas

Remédios, sem comprovação de eficácia contra a Covid-19, são distribuídos aos apoiadores do presidente.

Antes mesmo de o governo Jair Bolsonaro (sem partido) mudar o protocolo de tratamento da Covid-19 e ampliar o uso da cloroquina também para casos leves da doença nesta quarta-feira (20), bolsonaristas já vinham se automedicando com hidroxicloroquina, azitromicina e invermectina diante dos primeiros sintomas respiratórios.

Os medicamentos, receitados por um grupo de “médicos do bem”, e comprados em grandes quantidades, são distribuídos aos apoiadores do presidente.

Foi o caso da designer gráfica Marley Oliver, 33, que conta ter sentido febre, forte dor de cabeça e no corpo, perda de paladar e olfato no fim abril. Sem fazer teste para confirmar a suspeita da Covid-19 ou procurar um hospital, ela recebeu um mix das três substâncias de colegas de acampamento.

Há dois meses, Marley e cerca de 60 bolsonaristas têm acampado próximo à Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) para manifestar apoio ao Bolsonaro e repúdio ao governador João Doria (PSDB). Eles pedem o impeachment do tucano por decretar quarentena e impedir a volta ao trabalho nos serviços não essenciais.

“Um vai passando pro outro [os comprimidos]. É uma corrente do bem. No segundo dia já senti melhora e depois de quatro dias fiquei totalmente perfeita”, afirma ela.

O próprio texto do Ministério da Saúde, porém, reconhece que não há evidências suficientes de eficácia e prevê um termo de consentimento do paciente, que cita risco de agravamento da condição clínica.

Diversos estudos têm mostrado que os medicamentos não só não têm efeito contra a Covid-19 como podem aumentar o risco cardíaco. Entidades médicas brasileiras contraindicaram o uso e a OMS (Organização Mundial da Saúde) afirma que não há provas de que qualquer medicamento possa curar ou prevenir a Covid-19 e que o uso inapropriado pode causar efeitos colaterais graves e até levar à morte.

Marley ri ao dizer que topou ser cobaia da cloroquina e que prefere isso a buscar ajuda médica. “Olha, se a gente vai no hospital, corre o risco de entrar com uma topada e sair com Covid-19. A partir do momento que a maioria toma e diz que surtiu o efeito… É a maioria que tem razão”, diz ela, para quem os governadores “estão potencializando o vírus.”

“Tem uma guerra política. Eles estão agravando [o estado de saúde] das pessoas para apavorar a população”, afirma Marley, que ainda assim usa álcool em gel e máscara no acampamento. A aglomeração, claro, vai contra as recomendações do Ministério da Saúde e da OMS. Ela diz que só sairá da barraca quando Doria deixar o Palácio dos Bandeirantes.

No Facebook, a designer, que está desempregada, pede: “saiam de casa. Vamos trabalhar”. Evangélica, ela também publica”não espalhe medo, espalhe fé e esperança”.

A advogada Eliane Maffei, 53, visita o acampamento e bate ponto nas manifestações pró-Bolsonaro. Ela conta que tem vários colegas bolsonaristas tomando cloroquina “na clandestinidade”. “Está um Deus nos acuda, cada um por si. Eu tive sintomas e ouvi de um amigo médico: ‘não vá no pronto socorro porque até seu caixão já foi comprado'”, diz.

Ela conta que em 10 de abril começou a tossir e deixou de sentir cheiros. No mesmo dia, tomou por conta própria o remédio antiparasitário (usado contra vermes e parasitas, como piolhos, pulgas, sarna e filariose em humanos e em animais) invermectina, que ainda está sendo testado contra o coronavírus. Ela diz que já tinha os comprimidos em casa.

“Em 48h, passou. Se os hospitais estivessem dando cloroquina e invermectina, não estaríamos tendo tantas mortes”, afirma.

 

 

*Thaiza Pauluze/Folha