Duas creches em Balneário Camboriú foram fechadas por conta do grande número de contaminações; UFAL elaborou estudo sobre tema em 2021.
Duas creches tiveram as aulas suspensas na cidade de Balneário Camboriú, em Santa Catarina, por conta da grande quantidade de casos registrados de escabiose, também conhecida como sarna humana.
E um dos fatores que pode ter levado a esse surto foi o uso desenfreado de ivermectina, medicação que compunha o chamado “kit covid” e tinha seu uso incentivado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) durante a pandemia, mesmo que tal medicação não tenha sua eficácia comprovada contra a doença.
Segundo o site NSC Total, tal hipótese foi inclusive admitida pelo médico infectologista Fábio Gaudenzi de Faria, superintendente de vigilância em saúde de Santa Catarina, mas não totalmente confirmada por não ter sido feita uma análise da resistência do parasita responsável pela escabiose.
O caso confirma estudos realizados por universidades federais durante a pandemia de covid-19, onde destacavam que o uso desenfreado de medicamentos como hidroxicloroquina e ivermectina poderiam tornar esses remédios ineficazes contra os casos para os quais eles foram originalmente desenvolvidos.
Vale lembrar que, em 2021, o sistema de saúde de Santa Catarina colapsou por conta do grande número de casos de covid-19, e pacientes diagnosticados com o vírus da covid-19 eram orientados a fazer o uso de medicamentos como ivermectina e cloroquina.
Pesquisa alerta para resistência ao medicamento Em 2021, o Núcleo de Estudos em Farmacoterapia (NEF) da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) desenvolveu um trabalho onde cogitou que um surto de escabiose registrado em Pernambuco estava relacionado ao uso em excesso de ivermectina, que acabou por gerar cepas responsáveis pela escabiose que eram resistentes ao medicamento.
“O nosso artigo lança a hipótese de que poderíamos ter problemas com surtos de escabiose resistente, por conta do uso irracional da ivermectina. O surto está configurado, pois está havendo um aumento rápido de casos de lesões de pele com coceira e outros sintomas”, contextualiza Sabrina Neves, pesquisadora do Instituto de Ciências Farmacêuticas (ICF) e uma das autoras do artigo.
“Ainda não há diagnóstico da doença que está causando o surto. Algumas hipóteses da etiologia [origem] estão sendo testadas, entre elas está a escabiose levantada pelo artigo”, ressaltou.
A ivermectina era um dos medicamentos que faziam parte do chamado “kit covid”, que muitas pessoas recorreram para lidar com os efeitos da covid-19 inclusive com o incentivo do poder público no auge da pandemia, como por parte do então presidente Jair Bolsonaro.
Segundo a UFAL, o consumo desse antiparasitário aumentou quase dez vezes no Brasil graças a automedicação e a prescrição desenfreada – profissionais de saúde e pessoas continuaram usando o medicamento contra a covid-19 mesmo com evidências científicas e pareceres contrários do Ministério da Saúde e da indústria farmacêutica.
Agenda do Poder – Na última década, o influenciador Danny Lemoi tomou uma dose diária de ivermectina veterinária, um vermífugo projetado para ser usado em animais grandes como cavalos e vacas.
O medicamento, na versão humana, foi defendido por negacionistas e pelo governo Bolsonaro contra a Covid19.
Em 2021, quando isso aconteceu, Danny lançou o que se tornou um dos maiores canais do Telegram dedicados a promover seu uso, incluindo instruções sobre como administrar ivermectina a crianças.
Na manhã do dia 3 de março, ele postou uma atualização em seu imensamente popular grupo pró-ivermectina no Telegram, Dirt Road Discussions: “Feliz sexta-feira a todos vocês sobreviventes que comem pasta de cavalo venenoso!”. Horas depois, Danny estava morto.
Mas, apesar de sua morte, os administradores de seu canal no Telegram estão promovendo sua desinformação, mesmo quando seus seguidores compartilham seus próprios efeitos colaterais preocupantes de tomar ivermectina e alguns questionam a segurança da droga.
No canal do Telegram, os administradores deram a notícia de sua morte a seus seguidores. “Embora fosse óbvio que Danny tinha o maior coração, não sabia que seu coração estava literalmente trabalhando demais e crescendo além de sua capacidade, quase dobrando de tamanho do que deveria ter sido.”
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Além disso, há suspeita de que o registro de óbito de figuras conhecidas que defendiam o tratamento precoce foi adulterado.
Durante a abertura a da sessão desta quinta-feira (26) da CPI da Covid, o senador Humberto Costa (PT-PE) revelou que um grupo de médicos está processando a Prevent Senior, pois, a direção da rede hospitalar teria obrigado os médicos a adotarem o chamado tratamento precoce. Quem se recusava, era demitido.
“Quero trazer aqui um assunto gravíssimo: recebi uma correspondência, que é cópia de um processo que está sendo movido por um grupo de profissionais médicos ligados a rede Prevent Senior e que formalizaram uma denúncia contra esta instituição por conta da política de coerção que foi assumida por essa direção de termos de orientação aos profissionais para adotarem as orientações do chamado tratamento precoce. Aqueles que, em algum momento se recusaram a implementar essas medidas foram demitidos”, revelou Costa.
A Fórum teve acesso ao documento elaborado pelo gabinete do senador Humberto Costa a partir da denúncia de um grupo de 12 médicos que prestam serviço para a Prevent Senior e que ainda “desejam manter seu sigilo preservado”.
O processo movido pelo grupo de médicos também corre sob sigilo, mas, de acordo com o senador, o nome e a OAB da representante da ação foram verificadas.
Segundo a denúncia, a política de coerção com relação as orientações e posições clínicas adotadas pela empresa é prática corrente da Direção da Prevent Senior.
“O gabinete teve acesso a mensagens de Whatsapp encaminhadas pelo Diretor Clínico, Dr. Roberto de Sá, aos médicos que trabalham na instituição lembrando dos conceitos de ‘lealdade’ e ‘obediência’ já expostos pela Prevent Senior no momento de contratação. Os profissionais de saúde que não se se submetem as diretrizes são punidos com a demissão”.
Aliança com o governo Bolsonaro
Em março de 2020, o então Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, criticava dura e publicamente a política e os resultados de atendimento Prevent Senior durante a pandemia.
Diante disso, a solução encontrada pela referida operadora de plano de saúde teria sido a aproximação de assessores próximos ao Presidente Jair M. Bolsonaro e ao Ministério da Economia, evitando conflitos com o Ministério da Saúde.
O pacto assim teria sido firmado no final de março de 2020: a Rede Prevent Senior aderiria às diretrizes do Governo Federal e do Ministério da Economia repassadas por novos “assessores”, e o Ministério da Saúde pararia com as críticas e acusações contra a Prevent Senior, ainda que fosse necessário trocar o Ministro da Saúde Mandetta para tanto.
Conforme afirmado na denúncia recebida, de fato, dias após a data do relato da existência do suposto acordo, cessaram as acusações advindas do Ministério da Saúde contra a Prevent Senior e estabeleceu um novo protocolo de atendimento pacientes com COVID, pautados no tratamento com os medicamentos sem eficácia.
As experiências e o “Terceiro Reich”
Dentre os diversos relatos que a advogada descreve de clientes, o mais impactante foi de um coordenador cuja afirmação é que ele sentia como se participasse do Terceiro Reich. A terceira categoria de experiências tinha por objetivo desenvolver e testar medicamentos, bem como métodos de tratamento para enfermidades.
Os kits experimentais eram organizados assim: Hidroxicloroquina, Azitromicina, Ivermectina.
Além desses, outros medicamentos de uso desconhecido para o tratamento de pacientes com a síndrome respiratória aguda grave ocasionada pelo COVID19 também foram “experimentados” pela Rede Prevent Senior, são eles: Metotrexato, Flutamida, Etanercepte.
Além da utilização de medicamentos ineficazes para o tratamento de doentes acometidos pelo vírus COVID 19, alguns experimentos foram realizados, dos quais destacam-se: Tornar a heparina inalatória; Ozonioterapia; Imunoterapia.
Vitamedic e Prevent Senior
A empresa Vitamedic, que é produtora de ivermectina e vendeu 1.105% a mais de ivermectina durante a pandemia, é apontada na denúncia como uma empresa com “forte relação” com a rede hospitalar.
De acordo com a denúncia, o ciclo funcionava da seguinte maneira: “a Vitamedic fornecia os principais medicamentos do “kit prevent”, a Prevent Senior fornecia os dados e os assessores Wong, Yamaguchi e Zanotto propagam a informação. Segundo relato dos consulentes que exerciam cargos na diretoria da instituição, quanto mais rápido a “roda de interesses” girasse, mais o governo federal propagava informações e mais a Prevent Senior entrava em evidência”.
Óbitos fraudados
Além das experiências, os denunciantes apontam para a possibilidade de que o Dr. Antony Wong, que compunha o gabinete paralelo, e a mãe do empresário Luciano Hang teriam tido os seus respectivos óbitos fraudados.
“Foi de conhecimento público que o Dr. Antony Wong, um dos principais médicos e
apoiadores do governo, apontado como membro integrando do suposto grupo de assessores do governo federal, faleceu na Rede Prevent Senior. O que não noticiado sobre o caso é que ele, um dos principais defensores do tratamento precoce e um dos principais críticos da vacina, a causa da morte está em apuração pelo Ministério Público do Estado de SP e CREMESP por suposta fraude no atestado.
Outro conhecido caso de óbito da Rede Prevent Senior é da mãe do empresário Luciano Hang que emocionado gravou um vídeo recomendando que as pessoas fizessem o tratamento precoce. A alegação do Sr. Luciano Hang é que sua mãe teria supostamente falecido por não ter tido a oportunidade de utilizar os medicamentos do Kit – o que não condiz com as informações do prontuário”.
O Diretor Clínico da Prevent Senior será convocado pela CPI da Covid.
A reportagem entrou em contato com a rede Prevent Senior, mas até o fechamento dessa matéria não obteve resposta.
Confira abaixo o documento na íntegra com os detalhes do experimento realizado pela Prevent Senior com pacientes com Covid-19.
*Com informações da Forum
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Irmã e sócia do empresário que faturou 29 vezes mais com a venda de ivermectina durante a pandemia do coronavírus, a empresária Ildelita Alves Jorge Warde fez 274 saques em espécie de abril de 2019 até abril deste ano. Isso indica uma retirada de dinheiro vivo a cada três dias. As operações somaram R$ 937 mil e foram detectadas pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).
O órgão auxilia investigadores em ações para combater a lavagem de dinheiro e viu, nas operações de Ildelita, uma tentativa de “burla” à identificação das pessoas que receberiam os valores.
Ildelita é irmã de José Alves Filho, dono do laboratório Vitamedic Indústria Farmacêutica. Ela é sócia dele também em outras três empresas. O laboratório faz pagamentos a ela, assim como as outras empresas ligadas a Alves Filho.
Procurado pela reportagem, o diretor jurídico do laboratório, Luiz Antônio Faria, mandou uma funcionária informar que ele não teria nada a falar com a reportagem. Não houve resposta aos questionamentos.
A empresa com sede em Anápolis (GO) pertencia a uma “laranja” do contraventor Carlinhos Cachoeira, segundo a PF (Polícia Federal). A fábrica aumentou seu faturamento em 29 vezes vendendo ivermectina, medicamento sem eficácia contra a covid-19.
Considerando apenas o remédio, as vendas subiram de R$ 15,7 milhões para R$ 470 milhões, entre 2019 e 2020, de acordo com o depoimento um de seus diretores, Jailton Batista, à CPI da Covid. A quantidade de caixas do remédio, com dois ou quatro comprimidos saltou de 5,6 milhões em 2019 para 75 milhões no ano passado. Neste ano, foram mais 36 milhões de unidades.
Documentos do Coaf enviados à comissão de inquérito anotam os saques feitos por Ildelita. No período de abril de 2019 a julho do ano passado, foram 235 saques, chegando a mais de R$ 791 mil. De lá até abril deste ano, foram outras 39 retiradas, somando cerca de R$ 145 mil.
O conselho anotou alguns saques com valores abaixo de R$ 10 mil “aparentemente na tentativa de burlar a identificação dos intervenientes”. Só entre março e julho do ano passado, durante a pandemia, Ildelita fez, pelo menos, 20 retiradas de dinheiro vivo. Elas somaram R$ 96 mil.
Os saques em espécie são os principais “sinais amarelos” apontados por investigadores da Polícia Federal e da Procuradoria e por servidores do Coaf para serem analisados se houve alguma tentativa de esconder os reais destinatários dos valores. Ildelita foi procurada para esclarecer o motivo das retiradas. Ela declarou aos agentes que usava os recursos para pagar funcionários. Por isso, o Coaf viu “características de burla” nas operações:
Alegou que os saques em espécie se destinam aos pagamentos dos funcionários de sua residência. Diante das informações supracitadas, não podemos desconsiderar a movimentação havida em conta incompatível com a renda declarada, realização de saques em espécie com características de burla, dificultando a indicação quanto a destinação dos recursos”.
Empresa patrocinou anúncio de tratamento
A Vitamedic patrocinou anúncio de um suposto tratamento “precoce” para o coronavírus. O nome geralmente é associado ao uso de medicamentos sem comprovação científica para tratar a covid, como a cloroquina e a ivermectina.
O grupo empresarial dá apoio a uma associação de médicos a favor desse tratamento. O UOL revelou que, por causa do patrocínio à iniciativa, a farmacêutica é alvo de ação de R$ 45 milhões.
*Com informações do Uol
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É impressionante a consciência da avó ao falar com a neta sobre a ineficácia da ivermectina para a covid. A neta diz que não vai se vacinar e que vai usar a ivermectina para se proteger da doença e a avó dá uma aula de sabedoria. Vídeo viralizou. Vale a pena assistir.
Recursos depositados em juízo do acordo de leniência (espécie de delação premiada para empresas) da J&F Investimentos, holding dos irmãos Wesley e Joesley Batista, foram usados por um órgão do Ministério da Saúde na compra de medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid-19 para indígenas de Rondônia.
O acordo com o MPF (Ministério Público Federal) foi assinado em 2017 pela J&F para a colaboração em investigações envolvendo políticos e agentes públicos em atos de corrupção. São pagamentos de R$ 10,3 bilhões ao longo de 25 anos —desse valor, R$ 1,570 bilhão deverá ser destinado à União.
Em agosto do ano passado, o DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena) da cidade de Vilhena, a 706 km de Porto Velho, empregou recursos desse acordo para adquirir sem licitação 2.800 comprimidos de azitromicina e 23 mil de ivermectina.
Na ocasião, o MPF, responsável pelo repasse do recurso ao governo federal, fez contato com o órgão do Ministério da Saúde oferecendo R$ 25 mil para apoio em ações de combate à pandemia.
O DSEI usou R$ 21.200 na compra dos medicamentos e o restante para adquirir aventais descartáveis. O distrito —que atende 6.000 indígenas de 144 aldeias com 43 etnias— mantém quatro casas de saúde indígena nas cidades de Cacoal e Vilhena (RO) e Juína e Aripuanã (MT).
Procurado, o Ministério da Saúde afirmou que a decisão pelo tratamento com esses medicamentos foi “específica da coordenação do DSEI, autoridade sanitária local”. O UOL tentou contato com o DSEI Vilhena por telefone, mas não obteve resposta até a publicação da reportagem.
O MPF em Rondônia afirmou que o procurador responsável pelo repasse está de férias.
A J&F disse que “desconhece a informação [da compra dos remédios] e não tem ingerência sobre como os recursos pagos em multas são destinados pelos respectivos órgãos”.
Protocolo próprio
O documento elaborado em 4 de agosto de 2020 para justificar a compra dos remédios diz que o DSEI criou um “protocolo próprio de tratamento de casos precoces/leves” com base em informações do Ministério da Saúde, das secretarias de Saúde de Rondônia e Mato Grosso e da Secretaria Municipal de Saúde de Cacoal (RO).
O processo administrativo traz duas tabelas com o título “esquema tratamento covid-19 DSEI Vilhena” e o logotipo do governo federal (veja abaixo). São recomendados dois kits de medicamentos, compostos pelos mesmos remédios —entre eles, a azitromicina e a ivermectina.
Para casos considerados leves, nem sequer estava prevista a necessidade de prescrição médica: “Iniciar quando o paciente apresentar os sintomas característicos e se enquadrar como caso suspeito”.
Entre os documentos de referência para a compra dos medicamentos, o DSEI usou uma proposta do Sindicato Médico de Rondônia para o tratamento precoce de covid. Quem aparece como a principal autora é a médica Flávia Lenzi, que, em fevereiro, foi uma das que assinaram um “manifesto pela vida” a favor do tratamento com remédios sem eficácia comprovada.
Também consta no processo administrativo um “protocolo para uso domiciliar da ivermectina durante tratamento da covid-19” do Hospital Naval Marcílio Dias (RJ), da Marinha. Em junho do ano passado, quando esse documento começou a circular em redes sociais, a Marinha informou que se tratava de uma minuta de protocolo que não foi adotada.
Uma farmácia local ofereceu o melhor preço para a ivermectina, enquanto uma empresa com sede no Rio Grande do Sul foi contratada para o fornecimento da azitromicina. A compra foi concluída em 8 de setembro.
O processo administrativo não contém informações sobre como os remédios foram usados na prática.
Em março, um ofício do DSEI Vilhena dizia que “está sendo realizado entre indígenas” um suposto “tratamento profilático com ivermectina para a população maior de 10 anos” e um suposto “tratamento kit covid para todos os indígenas que apresentarem sintomas”.
A então coordenadora do distrito, Solange Pereira Vieira Tavares, disse à época que os “kits covid” foram distribuídos por prefeituras da região e usados somente no ano passado a pedido dos próprios indígenas, e desde que assinassem um termo de compromisso.
A pasta acrescentou que a Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) “não recomendou a utilização da ivermectina e azitromicina para covid-19 e que, conforme legislação do SUS (Sistema Único de Saúde), os DSEI trabalham de forma integrada com estados e municípios”.
“A Sesai esclarece, ainda, que a estratégia adotada pela saúde indígena para enfrentamento da pandemia da Covid-19, além do isolamento social, é a vacinação efetiva de toda a população indígena aldeada maior de 18 anos.”
Oftalmologista que assinou termo de responsabilidade para veiculação de publicidade aparece ao lado de Bolsonaro em reunião.
Segundo a jornalista Raquel Lopes, da Folha, dados sigilosos da CPI da Covid no Senado revelam que a farmacêutica Vitamedic bancou a publicação em fevereiro de anúncios da Associação Médicos pelo Brasil em defesa do chamado tratamento precoce contra a Covid-19, tese sem respaldo na comunidade científica.
Os anúncios publicitários foram veiculados nos principais jornais do país e tinham como autor apenas o grupo Médicos pela Vida.
A peça defendia o tratamento precoce com o uso de cloroquina, ivermectina, zinco e vitamina D. Os remédios, à época, já eram descartados pelas comunidades científica e médica para o tratamento da doença.
A Vitamedic é uma das principais produtoras de ivermectina do país. Em dados enviados à CPI da Covid, ela informou que aumentou a venda de caixas do medicamento em 1.230%, passando de 5,7 milhões em 2019 para 75,8 milhões em 2020.
O financiamento da campanha pela farmacêutica pode configurar conflito de interesses, de acordo com o Código de Ética Médica.
A associação Médicos pela Vida mantém um site favorável ao tratamento precoce e alguns de seus integrantes compõem o chamado gabinete paralelo, grupo de aconselhamento informal do presidente Jair Bolsonaro, um dos principais defensores no Brasil do tratamento precoce.
O oftalmologista Antônio Jordão, que assinou o termo de responsabilidade para que os anúncios pudessem ser veiculados, aparece ao lado de Bolsonaro em uma reunião em setembro.
Os anúncios de fevereiro foram publicados na Folha e nos jornais O Globo, Estado de Minas e Zero Hora, entre outros. No dia seguinte, a Folha publicou reportagem relatando a publicação desses anúncios nos quais defendem o uso de medicação sem eficácia comprovada contra a Covid-19.
No texto, o jornal informou que o grupo intitulado Médicos pela Vida fez circular um anúncio “em diversos jornais do país, em defesa do chamado ‘tratamento precoce’ da Covid-19, com o uso de medicamentos como cloroquina, ivermectina, zinco e vitamina D —remédios que já foram descartados pela comunidade científica e médica para o tratamento da doença por não demonstrarem em diversos estudos clínicos a capacidade de barrar o vírus, prevenir a doença ou tratá-la”.
A Vitamedic informou à CPI o total de vendas de caixas de Ivermectina de janeiro de 2020 a maio de 2021 e o preço médio por caixa. Fazendo a conta, estima-se que a empresa tenha arrecadado R$ 734 milhões só com esse medicamento do “kit Covid” nesse período.
Os dados do patrocínio da campanha chegaram à CPI após requerimento do senador Humberto Costa (PT-PE) aos veículos de comunicação, no dia 30 de junho. No ofício, o parlamentar pediu que fossem informados quem solicitou a publicação do informe “Manifesto pela Vida” e o valor dessas campanhas.
Os documentos mostram que a Vitamedic foi a contratante e responsável pelo pagamento. Em dois jornais, Zero Hora e O Globo, os anúncios custaram R$ 217.295,05. Na Folha, o anúncio saiu por R$ 78.080,62. Os outros veículos ainda não enviaram os dados à comissão.
Os remédios que fazem parte do “kit Covid” se tornaram bandeira do presidente Bolsonaro no enfrentamento da pandemia, o que é hoje um dos flancos de apuração pela CPI.
A comissão no Senado já descobriu, por exemplo, a existência de um gabinete paralelo de aconselhamento do presidente fora da estrutura do Ministério da Saúde. Os senadores agora querem descobrir a relação das farmacêuticas com o governo e com os membros desse gabinete paralelo.
A associação Médicos pela Vida disse que não iria se manifestar sobre o assunto. A Vitamedic foi procurada desde segunda-feira (12) para comentar os dados, mas até a publicação deste texto não havia se manifestado.
Elda Bussinguer, coordenadora do mestrado e doutorado em direito da Faculdade de Direito de Vitória e pós-doutora em saúde coletiva, avalia que todas as vezes que a indústria farmacêutica age no sentido de apoiar, financeiramente ou de outras formas, iniciativas de grupos de médicos ou de grupos de consumidores de saúde, o conflito de interesses pode estar estabelecido.
Ela afirmou que a situação caberia em três artigos do Código de Ética Médico.
Um deles diz que é “vedado ao médico exercer a profissão com interação ou dependência de farmácia, indústria farmacêutica, óptica ou qualquer outra organização destinada a manipulação, promoção ou comercialização de produtos de prescrição médica, qualquer que seja sua natureza”.
“Quando isso ocorre, a isenção médica fica comprometida e o paciente, a sociedade como um todo, fica vulnerável aos interesses da indústria”, afirma Elda.
Dias antes de os anúncios serem publicados nos jornais, a Vitamedic havia divulgado nota rebatendo a farmacêutica Merck (MSD no Brasil), produtora inicial do medicamento. A Merck afirmou que não há evidências pré-clínicas nem clínicas de eficácia da ivermectina no combate à Covid.
A nota foi assinada pelo diretor superintendente da Vitamedic, Jailton Batista, segundo quem a comprovada segurança oferecida pela ivermectina e mais dezenas de outros estudos desenvolvidos ao redor do mundo deram mais argumento à comunidade científica para incluir o medicamento no protocolo de combate à doença.
“O crescimento do mercado da ivermectina, um produto de baixo custo e terapeuticamente de baixo risco, naturalmente, incomoda e pode ser o motivador de campanhas contra na mídia, especialmente provocadas por empresas que têm interesse em lançar produtos patenteados de alto custo para a mesma doença”, disse no período.
A empresa pertence desde 2015 ao Grupo José Alves que, até então, aparecia apenas como apoiador da Médicos pela Vida.
O grupo desenvolveu e administra a plataforma iMed dentro do site da Médicos Pela Vida. Exclusiva para médicos, é ali que são prescritos alguns protocolos de tratamentos e são assinados manifestos.
Ela também serve como um canal para que os médicos possam encontrar outros colegas em diferentes estados, tornando a comunidade referência no tratamento precoce contra a Covid.
Em um vídeo publicado em março, Jordão, um dos coordenadores da associação, chama o reitor da Unialfa e o chefe de TI do Grupo José Alves, Carlos Trindade, para explicar o funcionamento dessa plataforma. O conteúdo foi revelado pelo jornalista Victor Hugo Viegas Silva, do site Medium.
O oftalmologista afirma que “os médicos vão fazer a interação com a plataforma atual graças à ajuda de vocês”, referindo-se a Trindade.
Jordão aparece ao lado de Bolsonaro em uma reunião realizada em setembro de 2020. Foi nesse evento que o virologista Paolo Zanotto deu a sugestão de criar uma espécie de “gabinete das sombras” para tratar da resposta oficial à pandemia.
A médica Nise Yamaguchi também foi uma das participantes do evento. Em grupos de médicos defensores do tratamento precoce, circula um vídeo gravado por ela sugerindo que as pessoas procurem um médico a favor do tratamento precoce através do site da associação Médicos Pela Vida.
“Logo no início do site aparecem os atalhos. No quinto atalho tem uma maleta de médicos escrita ‘procure um médico’. Clique nessa maleta. Vai aparecer ‘encontre um médico que realiza o tratamento precoce em seu estado’”, disse na postagem.
No site, a associação diz que o movimento é composto por cerca de 15 mil médicos. No entanto, são cerca de 300 profissionais, com especializações variadas, que deixam seus contatos para quem tiver interesse em realizar consulta presencial ou teleatendimento.
O CFM (Conselho Federal de Medicina) afirmou, em nota, que não tem conhecimento do patrocínio da campanha nos jornais. Disse ainda que, por ser instância judicante em grau de recurso, não comenta casos concretos.
“Denúncias de irregularidades podem ser apresentadas no Conselho Regional de Medicina do estado onde ocorreu a situação. O CRM procederá à apuração necessária, com os eventuais desdobramentos, como abertura de sindicância e de processo ético-profissional, em caso de confirmação da suspeita.”
Atual gestão e Pazuello dizem que destinação não era combate ao coronavírus, mas documentos oficiais mostram o contrário.
Segundo matéria de Vinicius Sassine, na Folha, o Ministério da Saúde distribuiu pelo menos 265 mil comprimidos de cloroquina, azitromicina e ivermectina a indígenas em cinco estados, com o propósito de tratar infecções pelo novo coronavírus. Os três medicamentos não têm eficácia para Covid-19.
Parte dessas drogas foi comprada diretamente por DSEIs (Distritos Sanitários Especiais Indígenas), vinculados ao ministério e com atuação de saúde na ponta, junto às comunidades.
Um informe técnico da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), de junho de 2020, orientou os DSEIs a “instruir seus respectivos processos de aquisição” de cloroquina e hidroxicloroquina, caso municípios e estados se negassem a fornecer o medicamento.
O envio maciço de medicamentos sem eficácia a indígenas entrou no foco da CPI da Covid no Senado. A estratégia da atual gestão do Ministério da Saúde e do general da ativa Eduardo Pazuello, que impulsionou a prática ao longo de sua administração na pasta, é sustentar que os comprimidos se destinaram aos tratamentos previstos na bula.
A cloroquina, por exemplo, é usada no tratamento de malária. A doença atinge cerca de 194 mil brasileiros por ano, dos quais 193 mil (99,5%) na região amazônica.
A azitromicina é um antibiótico usado principalmente no tratamento de doenças respiratórias. E a ivermectina se destina a infecções por parasitas.
Documentos e registros do próprio ministério contrariam a versão de que as compras e distribuição dos medicamentos se destinaram a essas doenças, e não para Covid-19.
Notas de empenho referentes a compras de azitromicina pelos DSEIs Alto Purus, no Acre, e Cuiabá registram que a aquisição do medicamento se destinou ao “enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do Covid-19” ou a “medidas de controle de infecção humana pelo novo coronavírus (Covid-19)”. O empenho é a autorização para o gasto.
Para o tratamento de indígenas no Acre foram adquiridos 20 mil comprimidos de azitromicina com dosagem de 500 mg. É a mesma especificação recomendada em nota técnica do Ministério da Saúde, atualizada em maio, que embasa o combo de medicamentos sem eficácia para Covid-19: cloroquina, hidroxicloroquina, azitromicina e Tamiflu, este último recomendado para gripe.
Cada comprimido saiu por R$ 1,82. O valor total foi de R$ 36,4 mil.
A azitromicina adquirida pelo DSEI Cuiabá também tinha dosagem de 500 mg. O valor unitário foi de R$ 1,25. Os 20 mil comprimidos custaram R$ 25 mil.
Também houve compras de antibióticos por DSEIs em Mato Grosso, para os indígenas do Xingu e para os xavantes, e em Rondônia, para etnias como suruí, cinta larga e terena.
As compras são informadas num portal alimentado pelo Ministério da Saúde, chamado Localiza SUS, criado para divulgar os gastos e ações de combate à pandemia.
O mesmo Localiza SUS faz um detalhamento do envio de 100,5 mil comprimidos de cloroquina, todos eles destinados a indígenas em Roraima. O objetivo foi o tratamento de Covid-19, segundo o portal.
Do total distribuído, 39,5 mil se destinaram aos yanomami em Roraima. O restante foi usado em comunidades da terra indígena Raposa Serra do Sol.
Há ainda distribuições feitas pela Aeronáutica e cujos destinos a Força Aérea Brasileira mantém ocultos, como a Folha mostrou em reportagem publicada no último dia 6.
Um desses transportes foi para a região chamada Cabeça do Cachorro, no Amazonas, na fronteira com a Colômbia e a Venezuela. Pelo menos 1,5 mil comprimidos de cloroquina foram transportados para o local, onde estão 23 etnias.
Também houve uma compra direta de cloroquina pelo DSEI de Vilhena (RO). Segundo os registros do Localiza SUS, a aquisição está associada a ações contra a Covid-19.
É a mesma situação de aquisições de 24 mil comprimidos de ivermectina pelos DSEIs Alto Rio Negro, que atende a Cabeça do Cachorro, e Xingu, em Mato Grosso.
O Ministério da Saúde distribuiu ainda 370,2 mil cápsulas de Tamiflu a indígenas em 16 estados. A pasta registra que o medicamento se destinou ao combate à influenza, mas o Tamiflu integra o kit do chamado “tratamento precoce” de Covid-19, previsto em protocolo ainda em vigência.
A Folha questionou o ministério sobre cada compra e distribuição a indígenas de medicamentos sem eficácia para Covid-19. “O antimalárico é adquirido e enviado regularmente a 25 DSEIs que estão em área endêmica”, disse, em nota, em relação à cloroquina.
“Azitromicina e ivermectina são medicamentos que constam na Rename (Relação Nacional de Medicamentos Essenciais) e utilizados em diversos tratamentos de atenção primária do SUS. A aquisição de medicamentos da Rename é feita a partir das demandas de atendimento dos DSEIs”, afirmou.
Segundo o ministério, serviços básicos de saúde não foram suspensos durante o pico da pandemia. “Somente em 2020, foram realizados mais de 12,1 milhões de atendimentos nas aldeias, e contratados mais 700 profissionais para reforçar a assistência em saúde.”
Na CPI da Covid, no segundo dia de depoimento, Pazuello negou que sua gestão tivesse distribuído medicamentos do “tratamento precoce” aos DSEIs. A negativa ocorreu na quinta-feira (20), em resposta a questionamentos do senador Fabiano Contarato (Rede-ES).
O general da ativa contou outras mentiras em seus depoimentos na CPI, em relação a vacinas e à crise do oxigênio em Manaus em janeiro, o que despertou a reação de senadores não alinhados ao governo de Jair Bolsonaro.
Em documento, pasta retirou produto de lista de isenção de imposto de importação, mas manteve cloroquina e ivermectina; medida foi revertida em janeiro após caos em Manaus.
O aumento de imposto sobre cilindros de oxigênio às vésperas do colapso no sistema de saúde do Amazonas partiu do Ministério da Saúde. A informação consta de documentos internos obtidos por meio da Lei de Acesso a Informação (LAI) pela agência de dados Fiquem Sabendo, aos quais O GLOBO teve acesso. Foi o Ministério da Saúde que excluiu os cilindros da lista de produtos que deveriam continuar a ter alíquota zero de importação. Na quinta-feira, o governo admitiu que um dos principais gargalos para atender hospitais do interior e da capital é a falta de cilindros de oxigênio. Os documentos mostram, também, ao mesmo tempo em que tirou os cilindros do rol de beneficiados com a isenção, o Ministério da Saúde pediu a manutenção do benefício para a importação de medicamentos sem eficácia comprovada contra a Covid-19 como a cloroquina e a ivermectina.
O aumento da alíquota de importação sobre os cilindros de oxigênio aconteceu no dia 24 de dezembro por meio de uma resolução do Comitê Executivo de Gestão da Câmara de Comércio Exterior (Camex), vinculado ao Ministério da Economia. Em abril de 2020, em meio à corrida pela compra de medicamentos e insumos para o tratamento de pacientes com a Covid-19, o governo havia reduzido a zero a alíquota de importação de uma série de produtos voltados ao combate a tratamento da Covid-19, entre eles os cilindros de oxigênio. A medida tinha como objetivo facilitar a entrada de insumos necessários ao tratamento dos pacientes com a doença. A redução foi prorrogada ao longo de 2020 e tinha validade até o dia 31 de dezembro do ano passado.
Em dezembro, o Ministério da Saúde pediu a prorrogação das isenções ao Ministério da Economia. Este, por sua vez, pediu que a pasta fizesse uma revisão da lista de produtos que deveriam ser contemplados com a tarifa zero para importação. O Ministério da Saúde, então, enviou um ofício à equipe econômica propondo uma lista alternativa com uma relação de produtos que, na avaliação da pasta, deveriam continuar a ter sua alíquota zerada. Nessa lista, o ministério sugeriu a manutenção da isenção para uma série de medicamentos e insumos, mas excluiu os reservatórios para gases medicinais, termo técnico para os cilindros de oxigênio.
A área econômica, então, acatou a sugestão do Ministério da Saúde e revogou a isenção dada aos cilindros de oxigênio e a outros produtos não relacionados pela pasta. Na prática, a medida encareceu a importação dos cilindros.
A revogação continuou valendo até a primeira quinzena de janeiro, quando, diante da crise de abastecimento de oxigênio hospitalar em Manaus, o governo, pressionado, recuou e voltou a reduzir a tarifa dos cilindros.
Nas últimas semanas, integrantes do Ministério da Saúde relataram que há falta de cilindros no país e que isso pode causar desabastecimento de oxigênio em hospitais do interior do país. A afirmação foi feita pelo diretor de logística do Ministério da Saúde, general Ridauto Fernandes, em audiência no Senado, no dia 18 de março.
Nessa quinta-feira, foi a vez do secretário de Atenção Especializada à Saúde da pasta, coronel Luiz Otávio Duarte, admitir que a falta de cilindros é o principal “gargalo” enfrentado pelo Ministério da Saúde no momento, principalmente para atender unidades de saúde no interior e pequenos hospitais nas capitais.
Redução para cloroquina
No mesmo ofício em que excluiu os cilindros de oxigênio da lista de produtos que deveriam continuar com alíquota zero de importação, o Ministério da Saúde incluiu medicamentos sem eficácia comprovada contra a Covid-19 como cloroquina, hidroxicloroquina e ivermectina.
*Com informações de O Globo
*Foto destaque: Ato realizado em fevereiro exibe cilindros de oxigênio próximo ao Congresso Nacional para cobrar medidas contra a pandemia Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo.
Médicos de centros de referência como hospital das Clínicas, Albert Einstein e Emilio Ribas explicam que efeitos colaterais de medicamentos sem eficácia estão prejudicando o tratamento de doentes graves
Defendido pelo presidente Jair Bolsonaro como estratégia de combate ao coronavírus, o chamado “kit covid” ou “tratamento precoce”, na verdade, contribui para aumentar o número de mortes de pacientes graves, disseram à BBC News Brasil diretores de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) de hospitais de referência.
Mais de um ano depois de a pandemia chegar ao Brasil, Bolsonaro continua defendendo a prescrição de medicamentos como hidroxicloroquina e ivermectina, embora diversas pesquisas científicas apontem que esses remédios não têm eficácia no tratamento de covid-19.
“Muitos têm sido salvos no Brasil com esse atendimento imediato. Neste prédio mesmo (Palácio do Planalto), mais de 200 pessoas contraíram a Covid e quase todas, pelo que eu tenha conhecimento, inclusive eu, buscaram esse tratamento imediato com uma cesta de produtos como a ivermectina, a hidroxicloroquina, a Azitromicina”, disse o presidente no início do mês.
Mas evidências científicas apontam que esses remédios não têm efeito de prevenção ou tratamento precoce de covid. E médicos de hospitais de referência ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que a defesa e o uso do “kit covid” contribuem de diferentes maneiras para aumentar as mortes no país.
O médico intensivista Ederlon Rezende, coordenador da UTI do Hospital do Servidor Público do Estado, em São Paulo, destaca que entre 80% e 85% das pessoas não vão desenvolver forma grave de covid-19. Para esses pacientes, usar o “kit covid” não vai ajudar em nada. Também pode não prejudicar, se a pessoa não tomar doses excessivas, não desenvolver efeitos colaterais, nem tiver doenças que possam se agravar com esses medicamentos.
Governo Bolsonaro investiu R$ 90 milhões em remédios sem eficácia comprovada contra covid-19.
“A preocupação maior é com os 15% que desenvolvem forma grave da doença e acabam vindo para a UTI. É nesses pacientes que os efeitos adversos dessas drogas ocorrem com mais frequência e esses efeitos podem, sim, ter impacto na sobrevida”, diz Rezende, que é ex-presidente da Associação de Medicina Intensiva Brasileira.
E o “Kit covid” também mata de maneira indireta, ao retardar a procura de atendimento pela população, absorver dinheiro público que poderia ir para a compra de medicamentos para intubação, e ao dominar a mensagem de combate à pandemia, enquanto protocolos nacionais de atendimento sequer foram adotados, disseram médicos intensivistas do Hospital das Clínicas, Albert Einstein e Emilio Ribas.
“Alguns prefeitos distribuíram saquinho com o ‘kit covid’. As pessoas mais crédulas achavam que tomando aquilo não iam pegar covid nunca e demoravam para procurar assistência quando ficavam doentes”, diz Carlos Carvalho, diretor da Divisão de Pneumologia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas, em São Paulo.
Entre os efeitos da procura tardia por atendimento está a intubação, quando o pulmão já está muito lesionado pelo esforço para respirar. Pacientes que recebem máscara de oxigênio ou ventilação mecânica invasiva antes de chegar à insuficiência respiratória aguda têm mais chances de sobreviver, explicam os médicos intensivistas.
“A falta de organização central e as informações desconexas sobre medicação sem eficácia contribuíram para a letalidade maior na nossa população. Não vou dizer que representa 1% ou 99% (das mortes), mas contribuiu”, completa Carlos Carvalho, que também é professor da Faculdade de Medicina da USP.
Efeitos colaterais em pacientes graves
A pneumologista Carmen Valente Barbas, que atua no Hospital das Clínicas e no Albert Einstein, em São Paulo, diz que a maioria das pessoas que ela atende atualmente dizem, na consulta, que tomaram medicamentos do chamado kit covid.
“A maior parte está tomando essas medicações. Em toda videoconsulta que eu faço, as pessoas dizem que estão tomando e tomando em doses cavalares”, disse à BBC News Brasil.
A maior preocupação dos médicos intensivistas é o efeito colateral desses medicamentos em pacientes que evoluem para a forma grave da covid e que já estão com o funcionamento de órgãos vitais comprometidos.
“Esses remédios não ajudam, não impedem o quadro de intubação, e trazem efeitos colaterais, como hepatite, problema renal, mais infecções bacterianas, diarreia, gastrite. E a interação entre esses medicamentos pode ser perigosa”, completa Barbas, que é professora de medicina da USP e referência internacional em ventilação mecânica.
Entre os medicamentos mais defendidos por Bolsonaro para uso por pacientes com covid estão a hidroxicloroquina, a azitromicina e a ivermectina.
A hidroxicloroquina é um medicamento normalmente usado em pacientes com lúpus, artrite reumatoide, doenças fotossensíveis e malária. A ivermectina é um vermífugo usado para combater vermes, piolhos e carrapatos.
Já azitromicina é um antibiótico que, segundo os médicos, só deveria ser usado em caso de infecção bacteriana, não para prevenir um vírus.
Arritmia, delírios e problema renal
O médico intensivista Ederlon Rezende chama a atenção para o risco da hidroxicloroquina causar arritmia cardíaca, um dos efeitos colaterais possíveis do remédio.
Num paciente que evolui para quadro grave de covid, esse pode ser uma efeito adverso crítico, porque a doença causada pelo coronavírus também afeta o coração, ao promover inflamações do músculo cardíaco e trombose nos vasos e tecidos.
Rezende diz ainda que tem tido problemas com pacientes que precisam ser sedados para intubação e que acordam da sedação com confusão mental mais acentuada por causa do uso abusivo de ivermectina antes de chegar ao hospital.
“O paciente, ao acordar da intubação, pode apresentar delírio. Com pacientes com covid isso é muito frequente, porque o vírus atravessa a barreira hematocefálica e afeta o cérebro, principalmente a região frontal, causando inflamação”, diz.
“A invermectina é uma droga que também penetra no cérebro quando ele está inflamado, e ela deprime mais ainda o cérebro e piora a qualidade do despertar de um paciente intubado. Essa tem sido uma intercorrência frequente nos pacientes que usaram esse remédio antes chegar à UTI”.
A ivermectina, diz ele, também pode provocar lesão renal, outro componente que dificulta a cura de um paciente grave de covid, já que a doença tem potencial para provocar complicações nos rins e demandar hemodiálise.
Brasil vive pico de infecções e tem mais mortes diárias que toda a União Europeia e também América do Norte, segundo dados do Our World in Data.
“Em termos de risco de morte, eu daria destaque para a cloroquina e hidroxocloroquina, com potencial para provocar arritmias fatais. E ivermectina, como já comentei, com potencial de depressão do sistema nervoso central, lesão hepática, lesão renal, entre outros.”
Mais recentemente, Bolsonaro passou a citar a Nitazoxanide, conhecida como Annita, como candidata a integrar o kit covid. O problema, além de não haver qualquer evidência científica de eficácia, é que as pessoas passaram a tomar esse vermífugo junto com outro, a ivermectina, intoxicando o organismo, diz médica do Albert Einstein Cármen Valente Barbas.
“A interação desses medicamentos, tomados juntos, é perigosa. As pessoas estão tomando Annita junto com ivermectina e isso é um absurdo.”