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Argentina e México consolidam aliança e tentam ocupar espaço de liderança deixado pelo Brasil

Após visita de três dias, Fernández e López Obrador publicam documento conjunto com promessas de parceria econômica e no combate à Covid-19.

O vazio deixado pelo Brasil, que abriu mão da liderança regional principalmente no governo de Jair Bolsonaro, vem dando espaço para a ascensão de novos atores na América Latina. Dois presidentes buscam se articular para ocupar esse papel, Alberto Fernández e Andrés Manuel López Obrador, objetivo que ficou claro na visita do argentino ao México, nesta semana. Mesmo os problemas internos dos dois governantes de esquerda, que veem sua popularidade em queda por causa da pandemia do coronavírus, não parecem atrapalhar seus planos. No entanto, assumir uma liderança na região é um objetivo difícil de se concretizar na atual conjuntura, acreditam analistas ouvidos pelo GLOBO.

Os três dias da visita — Fernández é o primeiro presidente argentino em uma década a visitar o México — deixaram claras as afinidades ideológicas e os planos de liderança dos dois políticos. López Obrador lembrou que “México e Argentina são nações irmãs”, enquanto Fernández prometeu “um novo plano para tirar milhões de latino-americanos da pobreza”. Fernández já vinha se concentrando em outros parceiros, como a Bolívia, que elegeu para a Presidência no ano passado o candidato de Evo Morales, Luis Arce; e possivelmente o Equador, onde um aliado de Rafael Correa, Andrés Arauz, tem grandes chances de vencer o segundo turno em 11 de abril.

Contexto: Sem citar Bolsonaro, Fernández diz ter ‘plena consciência’ de que haverá mudança política no Brasil.

— A Argentina sempre teve uma agenda regional, principalmente durante os governos peronistas. Agora, Fernández tem trânsito não só com governos afins, mas com vizinhos de centro-direita com os quais tem necessidade de se relacionar, caso do Chile e do Uruguai — explica a professora Monica Hirst, da Universidade Di Tella da Argentina. — Mas, ao mesmo tempo, nem Argentina nem o México estão em condições, juntos ou separadamente, de levar adiante um processo de retomada de uma agenda política regional de maior impacto. A ausência do Brasil, que pratica hoje uma política de má vizinhança exacerbada durante a pandemia, produz um vazio na região que é muito difícil de preencher.

A visita teve como pano de fundo a colaboração entre os dois países e a AstraZeneca na produção de cerca de 200 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19, que serão produzidas na Argentina, embaladas no México e vendidas para países da região — Fernández esteve no laboratório Liomont, onde o imunizante será embalado.

O ponto alto foi a publicação, na quarta-feira, de um documento conjunto que inclui acordos comerciais e estratégias para enfrentar a pandemia e reestruturar a economia regional depois da crise sanitária. “A pandemia da Covid-19 pôs em evidência a importância de manter a América Latina e o Caribe fortes, unidos e solidários, onde nenhum país da região esteja excluído do acesso universal, justo, equitativo e oportuno a medicamentos, vacinas e suprimentos médicos”, diz o documento.

O Brasil sim poderia estar fabricando um número superior de vacinas e eventualmente liderar um processo de compras regionais, mas nem sequer consegue coordenar as ações internamente. Com isso, outros agentes da região, e também de fora, como China e Rússia, vêm fazendo esse papel, aprofundando ainda mais sua presença na América Latina.

Os últimos movimentos de AMLO, como é conhecido o presidente mexicano, e a parceria com Fernández evidenciam ainda uma mudança de tom em relação ao discurso negacionista que ele tinha no início da pandemia, quando chegou a ser comparado a Bolsonaro. Para Dawisson Belém Lopes, professor de política internacional da UFMG, a união em prol da vacinação pode efetivamente ajudar na recuperação da imagem dos líderes.

— Fernández tem usado diplomaticamente, de maneira hábil, o contexto atual para alavancar o papel da Argentina. O próprio AMLO, que foi um negacionista e antivacina, entendeu as recompensas políticas potenciais que uma vacinação ampla e rápida da população pode trazer, não só para a recuperação econômica, de setores como o turismo como para a melhoria das condições sociais e sanitárias. Ao se apoiarem, eles conseguem agradar suas populações. No contexto da pandemia, política externa e política doméstica são a mesma coisa rigorosamente.

*Com informações de O Globo

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Emir Sader: América Latina, epicentro das lutas políticas mundiais no século XXI

“A América Latina não apenas projetou um modelo eficiente de combate e superação do neoliberalismo, com desenvolvimento econômico e distribuição de renda, como projetou paralelamente aos grandes líderes de esquerda em escala mundial”, diz o sociólogo Emir Sader, sobre o cenário social e político do continente sul-americano.

Depois de protagonizar alguns dos fenômenos históricos mais importantes do século XX, a América Latina sofreu uma ofensiva severa do capitalismo global contra ela nas últimas décadas do século passado. A crise da dívida encerrou – até aquele momento – o maior ciclo de crescimento de nossas economias, iniciado na década de 1930. As ditaduras militares em alguns dos países mais importantes politicamente do continente – Brasil, Uruguai, Chile, Argentina – atingiram duramente as democracias e as forças populares desses países. A América Latina foi o continente que teve mais governos neoliberais e em suas modalidades mais radicais.

É como uma reação a tudo que a América Latina foi projetada como a única região do mundo que teve governos antineoliberais – no Brasil, Argentina, Uruguai, Venezuela, Bolívia, Equador – coordenados entre si nos processos de integração regional. Eles foram os únicos governos do mundo que reduziram as desigualdades, a exclusão social, a fome, a miséria e a pobreza, contrariamente às tendências globais.

A América Latina não apenas projetou um modelo eficiente de combate e superação do neoliberalismo, com desenvolvimento econômico e distribuição de renda, como projetou paralelamente aos grandes líderes de esquerda em escala mundial: Lula, Néstor e Cristina Kirchner, Hugo Chávez, Pepe Mujica , Evo Morales, Rafael Correa, Lopez Obrador. A esquerda do século 21 é antineoliberal e tem seu epicentro na América Latina.

Mesmo depois que a direita, coordenada internacionalmente, derrotou a governos progressistas em países como Argentina, Brasil, Equador, Uruguai, Bolívia, o continente continua sendo o cenário das lutas mais importantes do nosso tempo, protagonizadas por forças neoliberais. e anti-neoliberal, democráticas e antidemocráticas, de soberania nacional e subservientes aos EUA.

A Argentina demonstrou capacidade de resistir a políticas devastadoras por parte do governo neoliberal de Mauricio Macri, derrotou-o e retomou a vida de reconstrução econômica, social, política e cultural do país. O México está avançando no caminho de superar tantos e tão degradantes governos neoliberais.

No Brasil, após a monstruosa operação que tirou Dilma Rousseff do governo e condenou Lula, ambos sem provas, e escolheu, por mecanismos de manipulação absolutamente ilegais, um governo vergonhoso, a oposição é reorganizada e reaparece como alternativa. A libertação de Lula o coloca no centro da oposição democrática ao governo e projeta a perspectiva de uma vitória eleitoral semelhante à da Argentina.

No Equador, o governo de restauração neoliberal não conquistou apoio, projetando uma perspectiva de retomada da alternativa antineoliberal. No Uruguai, a derrota da Frente Amplio muda o cenário político, mas não altera o confronto central de nosso tempo, entre o neoliberalismo e o antineoliberalismo, e promove as possibilidades de recuperação da Frente Ampla, reafirma-se como alternativa e disputa novamente o governo.

A Bolívia é outro caso paradigmático, que afirma que a esquerda não é apenas uma alternativa ao neoliberalismo, mas também, como no caso do Brasil, é a alternativa democrática. O governo de Evo Morales foi derrubado por um golpe de Estado, com uma clara participação das forças armadas, da polícia, da mídia e dos grandes negócios. Sem alternativa, a direita busca constituir um novo bloco de forças, sem apoio popular, usando o Judiciário para perseguir oponentes, antes de mais nada a Evo e a Álvaro Garcia Linera. Mas a esquerda continua como a alternativa que pode fazer com que a Bolívia supere esta crise democraticamente e com um novo governo legítimo.

A primeira década do século foi marcada por governos antineoliberais na América Latina. O segundo, pela ofensiva de direita, não apenas aqui, mas também nos EUA, Grã-Bretanha e outros países. A terceira década será marcada por hegemônica disputa mundial, com presença ascendente da China, em aliança com a Rússia, e a recomposição das forças antineoliberais na América Latina, contando agora com movimentos populares fortalecidos no Chile, Colômbia, Equador, com a consolidação de governos como os do México e Argentina, a disputa entre o Brasil e a oposição, sob a liderança de Lula. A América Latina, agora com uma lista ampliada de países, continuará sendo o epicentro das lutas políticas no mundo, onde é decidida a disputa central de nosso tempo entre o neoliberalismo e o anti-neoliberalismo.

 

 

*Emir Sader/247