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Maioria das vítimas de erro por identificação fotográfica em delegacias é negra

Cerca de 80% das vítimas de erro por identificação fotográfica em delegacias são negras. Os dados fazem parte de um levantamento realizado pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ) e foram apresentados, na quinta-feira (03/08), durante reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Reconhecimento Facial nas Delegacias, da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). O relatório mostra também que o estado lidera o ranking nacional de falhas em condenações com a aplicação desse método.

O documento foi elaborado a partir de três pesquisas realizadas pela própria DPRJ a partir de 2019. Foram analisados casos de reconhecimento, tanto em delegacias quanto em varas criminais, e a possibilidade de influência da questão racial. O primeiro levantamento, realizado entre junho e dezembro de 2019, já considerava que, em 58 erros observados, 80% foram contra pessoas pretas. Fora isso, há casos de pessoas que ficaram até três anos presas por conta de um reconhecimento fotográfico equivocado.

A segunda pesquisa, realizada em parceria com o Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais (Condege), entre novembro e dezembro de 2020, trouxe um dado importante: o Rio de Janeiro era o estado com maior número de erros em reconhecimento e que, em todo o Brasil, pessoas negras representavam 83% dos casos. O terceiro levantamento, por fim, confeccionado entre janeiro e junho de 2021, identificou que 63,74% dos casos foram contra pessoas negras.

“Essa CPI pode ser de suma importância e trazer muitas contribuições à sociedade. Identificamos os casos e viés racial nesse processo. Por isso, é preciso jogar luz nisso para entender como tratar sobre o tema”, disse Lúcia Helena, defensora pública e coordenadora de Defesa Criminal da DPRJ.

Para ela, é preciso haver uma atualização no modelo. Pessoas sem antecedentes criminais, por exemplo, não precisam ser incluídas em álbuns de suspeitos, assim como aqueles que foram absolvidos devem ter suas imagens apagadas de forma imediata. É preciso haver ainda uma revisão de prisões preventivas e condenações determinadas exclusivamente por reconhecimento fotográfico. “O Conselho Nacional de Justiça estabelece as diretrizes para o procedimento através de resolução”, lembra.

A presidente da CPI, deputada Renata Souza (Psol), destacou que é necessário buscar soluções para que o reconhecimento fotográfico não seja mais uma ferramenta de discriminação e racismo. “Para fazer uma CPI com esse escopo, tratamos de estudar e saber que reconhecimento fotográfico e reconhecimento facial são coisas diferentes. Portanto, é necessário que isso esteja claro, pois o estado lidera os casos de reconhecimentos fotográficos equivocados e de condenações injustas”, lamentou.

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Racismo

Funcionária da Renner acusa injustamente mulher negra de furto no Shopping Madureira, RJ

Empresa afirmou que o episódio é ‘inaceitável’ e informou que a colaboradora foi demitida.

Clientes da Renner situada no Shopping Madureira, na zona norte do Rio, filmaram o momento no qual uma mulher negra foi abordada no provador por uma funcionária da loja, neste sábado. No vídeo, a vítima aparece indignada após a equipe do estabelecimento pedir para ela mostrar o que havia em sua bolsa e sugerir que a mulher tinha furtado um casaco.

O caso repercutiu nas redes sociais na manhã deste domingo. Procurada pelo Globo, a empresa classificou o episódio como “inaceitável” e informou que a funcionária que fez a abordagem “já não faz mais parte do quadro de colaboradores da companhia”.

 

Imagens que circulam nas redes sociais mostram a vítima no provador. Uma outra cliente, que experimentava roupas na cabine em frente, faz a filmagem. No vídeo, a vítima afirma que a funcionária pediu sua bolsa e pediu para ela devolver algo que supostamente havia furtado na loja.

Outras clientes afirmam no vídeo que testemunharam a abordagem e confirmam a versão da vítima. Uma outra mulher afirma que aquele tratamento foi dado em função da cor da pele da jovem intimidada.

“Gente, minha prima estava no provador da renner quando de repente entrou uma funcionária coagindo ela EMPURRANDO ela na parede mandando ela tirar tudo que ela ‘pegou’, ela assustada abriu a bolsa perguntando ser do casaco q ela estava falando, ela disse que o casaco era da redley, a mulher disse que não, que era da renner e que ela havia roubado!”, escreveu Julliana Costa, prima da vítima, que também estava na loja e compartilhou as imagens nas redes sociais.

A Polícia Militar foi chamada ao local da ocorrência. Um outro vídeo que circula nas redes sociais mostra um policial conversando com a vítima. Ele chama a cliente para resolver a situação em um lugar reservado, diz que os direitos dela serão preservados, mas não estava ali para “fazer circo para ninguém”. A declaração do agente também causou indignação nas testemunhas.

Em nota, a PMERJ afirmou que “as partes foram conduzidas para a delegacia”. A Polícia Civil disse que “os agentes ouvem testemunhas e realizam outras diligências para esclarecer as circunstâncias do fato.” O caso foi registrado na 29ª DP, em Madureira.

— O policial não chegou querendo a situação, mas querendo abafar tudo, querendo ir para um lugar reservado, bem como a gerente da administração do shopping, que queria ir para um lugar reservado acabar com o tumulto que a gente estava fazendo ali — disse Julliana, ao GLOBO.

— Mas o tumulto era para não passar em branco, para não passar batido. Porque ela passou um constrangimento na frente de todo mundo e eles queriam resolver no privado. Aí a gente falou que não ia, que iria resolver ali, porque ela foi constrangida ali, no meio de todo mundo — acrescentou.

A empresa enviou um comunicado no qual sustenta que a “abordagem realizada foi totalmente inadequada e não está alinhada aos valores da Lojas Renner”. O estabelecimento acrescentou que a funcionária envolvida no caso já foi desligada.

“Nos sensibilizamos, lamentamos profundamente o ocorrido e daremos apoio à cliente, nos colocando à sua disposição. A empresa não tolera racismo ou qualquer tipo de preconceito e discriminação”, diz o texto.

Leia a íntegra do comunicado abaixo:

O episódio ocorrido no Madureira Shopping é inaceitável. A abordagem realizada foi totalmente inadequada e não está alinhada aos valores da Lojas Renner, por isso a colaboradora responsável já não faz mais parte do quadro de colaboradores da companhia. Nos sensibilizamos, lamentamos profundamente o ocorrido e daremos apoio à cliente, nos colocando à sua disposição.

A empresa não tolera racismo ou qualquer tipo de preconceito e discriminação. Reforçamos que temos uma política de Direitos Humanos, além de um Código de Conduta e um programa de diversidade que buscam promover a inclusão, o que passa pela sensibilização e capacitação constante das nossas equipes.

Continuaremos empenhados em avançar na conscientização de nossos times e no aprimoramento de nossos processos, reforçando os treinamentos e com atuação imediata na loja em questão, com o objetivo de garantir que o respeito e a equidade sejam aplicados em todas as nossas relações.

*Com O Globo

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Domínio da fé e da política: o projeto de poder dos líderes evangélicos no Brasil

Sucesso de candidatos ligados à Igreja não se deve somente ao aumento do número de fiéis na sociedade brasileira.

São quase sete e meia da noite em uma das unidades da Igreja Pentecostal Deus é Amor, na região central de São Paulo. Depois de uma chuva intensa, os fiéis demoram a chegar. Enquanto o culto não começa e os irmãos não chegam, Serafina Ribeiro, de 36 anos, anda de um lado para o outro, colocando as coisas nos lugares, passando um pano úmido no chão, limpando os ventiladores e sorrindo para quem adentra ao espaço.

Empregada doméstica, ela está ali há quatro anos, desde que passou por um processo de depressão depois da morte da mãe, na Bahia, enquanto Serafina vivia em São Paulo – chegou na capital paulista acompanhada de sua patroa, com quem sempre morou. Na Igreja, sentiu o “amor de Deus”, parou de sentir angústia e se sente “curada”.

Serafina é o rosto evangélico brasileiro: mulher, negra e de baixa renda. Na Igreja relativamente pequena, se comparada ao Templo Salomão da Igreja Universal, a maioria ali presente confirmou o que levantaram os dados de uma pesquisa de janeiro de 2020, do Instituto Datafolha: um rosto feminino, negro, que ganha até dois salários mínimos por mês e tem apenas o ensino médio completo é rosto da religião evangélica hoje.

Bem diferente, no entanto, é o perfil dos líderes evangélicos que decidem atuar na esfera política, seja nos bastidores ou sob os holofotes.

Um exemplo é o pastor Edir Macedo. Líder da Igreja Universal do Reino de Deus, fundada no terreno de uma antiga funerária, em 1977, no Rio de Janeiro, ele tem uma fortuna declarada de aproximadamente R$ 2 bilhões, segundo a Revista Forbes. Ele foi um dos apoiadores da campanha de Jair Bolsonaro à Presidência da República em 2018. Resultado: cerca de 70% dos evangélicos declararam voto no candidato abençoado da extrema-direita.

A presença de evangélicos na política não é de hoje, mas cresce de forma exponencial. De 1982 para cá, o número de parlamentares declaradamente evangélicos passou de 12 para 90, segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP). A mudança se explica parcialmente pelo aumento vultoso da população evangélica no Brasil, que, no mesmo período, passou de 7,8 milhões para 26,2 milhões. Mas não é só isso.

Um projeto de poder

Especialistas e evangélicos ouvidos pelo Brasil de Fato explicam que o avanço dos evangélicos sobre na política responde a um projeto de poder, instigado pelos líderes religiosos e em aliança com a direita brasileira.

“Com o crescimento dos evangélicos, muitos mais se apresentarão para a política partidária. Isso é natural e esperado. Com a Universal, no entanto, isso mudou”, afirma o pastor Ariovaldo Ramos, de 64 anos, líder da Comunidade Cristã Renovada e um dos coordenadores nacionais da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, formada em 2016. Para ele, a igreja de Edir Macedo se transformou em uma “agência política”, com uma lógica de lógica de ascensão ao poder.

Em 2008, o pastor Edir Macedo publicou o livro “Plano de Poder”, citando Maquiavel, apresentando Deus como um estadista e Adão e Eva como elementos de um estado de natureza ou de selvageria. “Os cristãos precisam despertar ao toque da alvorada. (…) A emancipação começa com o amadurecimento individual, o inconformismo com certas situações, o consenso em um ideal e a mobilização geral.”

Dez anos depois, nas eleições de 2018, o plano de poder estava em pleno andamento: foram os pastores, apoiados por candidatos da direita, que levaram parte da população brasileira para as ruas, defende o pastor Ariovaldo Ramos. Aqueles que melhor souberam surfar a onda do crescimento dos evangélicos foram as siglas de direita e extrema direita.

“É a religião que mais cresce no Brasil e na América Latina e que se cola muito bem a esse projeto de direita que passa pela questão moral e pelo conservadorismo”, afirma Andrea Dip, jornalista e autora do livro “Em nome de quem?: A bancada evangélica e seu projeto de poder”.

Como parte da apuração para o livro, em 2015, Dip foi assistir a um culto evangélico no Congresso Nacional, quando Dilma Rousseff (PT) ainda era presidente. “Até então não sabia que ocorriam cultos evangélicos nesse espaço. O Eduardo Cunha estava lá orando, com a Bíblia na mão. Ali eu percebi que havia um projeto de poder se desenvolvendo.” Entre os valores evangélicos e os da direita, nasceu a esteira necessária para o desenvolvimento desse projeto de poder.

O pastor Ariovaldo Ramos relata a participação de evangélicos na política partidária desde o fim da ditadura militar. As Igrejas Evangélicas, no entanto, tendiam a se manter distantes da lógica partidária. “Nunca passou pela lógica evangélica assumir o poder, influenciar na política. Até porque a fé protestante é a que mais atuou na construção do Estado laico, justamente porque é um cristianismo tardio, que vai ser perseguido, na Cortina de Ferro e, depois, no mundo islâmico”, afirma.

A lógica, entretanto, passou a entender que “era preciso estar no poder para garantir o avanço da fé, principalmente por causa das perseguições”. Com a chegada da Teologia da Prosperidade, explica Ramos, a mudança seria inevitável. Agora, “se você foi eleito por Deus, você tem prosperidade econômica. Aí virou a coluna que você vê na mensagem da Universal e de todas as neopentecostais. Isso é o ovo da serpente, criou um ambiente que nós temos hoje”.

Por que o número de evangélicos cresce tanto?

De acordo com Marcos Fernandes, doutor em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social, para entender o que levou o número de evangélicos a aumentar tanto, é necessário estudar as mudanças ocorridas na sociedade brasileira nas três últimas décadas ligadas à precarização da vida da classe trabalhadora.

“Diante disso, o que as igrejas oferecem para as pessoas? Primeiro, a possibilidade de pertencer a uma comunidade. As Igrejas funcionam como um centro cultural nas periferias. Se um jovem quer aprender a tocar algum instrumento, por exemplo, vai para a Igreja Universal do Reino de Deus”, que, atualmente, têm cerca de 15 programas sociais destinados aos fiéis. De acordo com dados oficiais da Igreja, de 2018, cerca de 10,8 milhões de pessoas foram alcançadas por esses programas.

Outra constatação listada pelo pesquisador é o acolhimento emocional que esses espaços promovem. De acordo com um estudo feito pela Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT), em 2017, os transtornos mentais estão entre as maiores causas de afastamento do trabalho.

“Onde esses trabalhadores vão procurar alívio? Na Igreja. E, de fato, elas melhoram de depressão, ansiedade. Quem cura o alcoolismo hoje nas classes populares são as Igrejas”, afirma Fernandes. Da mesma maneira, “é onde vão achar também um alívio material, mesmo que seja uma cesta básica alimentar no fim do mês”.

Para Fernandes, as instituições religiosas evangélicas acabam, desse modo, por organizar a vida em sociedade, principalmente em espaços onde o Estado não chega, como nas periferias.

“A mulher negra que está na periferia não tem acesso à cultura, saúde e educação. Aí a Igreja traz saúde, cultura e educação.

Ao passo que a religião evangélica se expande pelo país, o catolicismo perde espaço.

Ainda de acordo com o Datafolha, os católicos ainda são 50% da população, mas em 1980 eram 90%. A diferença, segundo Fernandes, se explica pela melhor penetração das igrejas evangélicas entre a classe trabalhadora, com um discurso e um formato mais próximo da realidade do que a Igreja Católica.

Para se ter uma ideia, apenas na década de 1960 a Igreja Católica deixou de pregar a missa em latim e de costas para os fiéis. Do outro lado, os evangélicos espalham a narrativa por meio da música, dos canais de rádio e TV e nas pequenas casas que transformam em templo, em todas as periferias.

A educadora social evangélica Rachel Daniel, de 24 anos, diz que a Igreja Evangélica acolhe as pessoas “de uma forma perfeita”. “Você é abraçado, se sente acolhido, as pessoas estão preocupadas se você tem o que comer em casa, sobre a sua saúde, te ligam no seu aniversário”, afirma.

“A mulher negra que está na periferia não tem acesso à cultura, saúde e educação. Aí a Igreja traz saúde, cultura e educação. O filho aprende a tocar um instrumento, faz teatro. Ela consegue ir ao médico, consegue os remédios. A Igreja tem um pré-vestibular comunitário. Tudo o que o Estado não traz, a Igreja traz.”

Esquerda não fez a lição de casa

“A esquerda não ouviu Paulo Freire, não foi ensinar o sujeito a escrever a partir do tijolo, da argamassa, que é o que Paulo Freire ensinava sobre a educação libertadora. A base ficou solta e foi virando religiosa”, argumenta Ariovaldo Ramos.

Para o pastor, o erro da esquerda é esquecer que “abaixo da linha do Equador nós todos somos religiosos”. “Todo mundo fala ‘Graças a Deus’. Pensar que todo mundo, à medida que for ganhando a sua de dignidade econômica vai deixar a religião é imaginário. A fé é uma coisa mais profunda do que isso, é um jeito de se enxergar na vida.”

“Política é afeto, é relação, e a religião também. A esquerda deixou de fazer isso e a direita usou esses pastores.

Ramos alerta que, enquanto a esquerda não tratar da dignificação da mulher e do homem negro, seguirá perdendo votos para qualquer movimento que “empreste aos pobres, aos negros e aos miseráveis senso de dignidade, que não tem a ver com a grana que ele tem no bolso, porque ele vai colocar água no feijão de qualquer jeito. O que ele não vai aceitar é ser tratado como escravo”.

“Não dá para chegar na senhora de 90 anos que vai na minha Igreja e falar assim: eu sei que o pastor te levou no médico quando você precisou, conversou com você quando você precisava, visitou o seu filho na prisão, mas ele está errado, vota na outra pessoa. Porque é construção de afeto. Política é afeto, é relação, e a religião também. A esquerda deixou de fazer isso e a direita usou esses pastores”, sentencia a educadora evangélica Rachel Daniel.

 

 

*Caroline Oliveira/Brasil de Fato