Procuradoria investiga indícios de pressão da cúpula da Saúde em áreas técnicas; ministério nega e diz que aquisição será concluída com aval da Anvisa.
O MPF (Ministério Público Federal) identificou um descumprimento do contrato assinado para o fornecimento da vacina indiana Covaxin e investiga suspeita de favorecimento do Ministério da Saúde à empresa responsável, a Precisa Medicamentos, em razão de cláusulas tidas como benevolentes.
O contrato para a entrega de 20 milhões de doses tem o valor de R$ 1,61 bilhão. Foi negociado na gestão do general da ativa Eduardo Pazuello e assinado em 25 de fevereiro.
Três dias antes, em 22 de fevereiro, o ministério já havia autorizado o pagamento à farmacêutica. A nota de empenho, que é a autorização para os depósitos, contempla a íntegra do valor. O pagamento ainda não ocorreu.
Pazuello foi demitido do cargo de ministro da Saúde em 15 de março. É, hoje, um dos principais alvos da CPI da Covid, recém-instalada no Senado.
O contrato assinado entre o Ministério da Saúde e a Precisa Medicamentos —que representa a Bharat Biotech Limited International— estabeleceu um cronograma de entrega que deveria ser cumprido “após a assinatura”.
Para 16 milhões de doses, esse prazo já se esgotou. Para os 4 milhões restantes, esgota-se no próximo dia 6, conforme cláusula prevista em contrato.
A Covaxin ainda não tem aval da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). No último dia 31, a agência negou pedido do Ministério da Saúde para autorização excepcional de importação e distribuição da vacina. Faltam dados técnicos básicos sobre o imunizante, segundo a Anvisa.
Também foi negado pedido de certificado de boas práticas de fabricação para a Bharat Biotech, após inspeção de técnicos da Anvisa na fábrica na Índia.
A especificação sobre entrega da Covaxin é diferente, por exemplo, da cláusula no contrato entre o ministério e a União Química, responsável pela vacina russa Sputnik V. A Sputnik também segue sem aval da Anvisa.
Assinado em 12 de março, o contrato prevê que 10 milhões de doses devem ser entregues em até 60 dias “após a obtenção da autorização temporária de uso emergencial ou registro definitivo”.
Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que não há diferença entre os dois contratos. “Trata-se meramente de redação”, afirmou.
Segundo a pasta, a aquisição da Covaxin só será concluída após a Anvisa conceder registro de uso emergencial ou definitivo. “Com a aprovação da agência sanitária, o laboratório deverá providenciar o embarque do produto na Índia.”
Diante do descumprimento dos prazos contratuais, o MPF em Brasília decidiu cobrar, no último dia 31, uma explicação do diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias. É ele que assina contratos do tipo.
A Procuradoria também quer uma cópia dos processos de importação da vacina. Neste caso, o pedido se dirige ao tenente-coronel do Exército Alex Lial Marinho, nomeado por Pazuello no cargo de coordenador-geral de Logística de Insumos Estratégicos para Saúde.
O MPF investiga suspeita de favorecimento à Precisa em razão de termos contratuais tidos como benevolentes e por não ter havido sanção contratual após o descumprimento dos prazos previstos.
Além disso, a Procuradoria reúne indícios de que a cúpula do ministério pressionou as áreas técnicas para que fosse encontrada uma solução diante do descumprimento do contrato –o que o ministério nega.
“Não houve pressão para solução no deferimento da licença de importação. Este assunto foi tratado entre a empresa e a Anvisa”, disse a pasta, em nota.
Os indícios levantados fazem parte de inquérito civil aberto para investigar suposta improbidade administrativa de Pazuello e seus auxiliares nos atos para compra e distribuição de vacinas, na distribuição de cloroquina —um medicamento sem eficácia para Covid-19—no país e na omissão diante do iminente colapso de oxigênio no Amazonas em janeiro.
Se ficar constatado que o Ministério da Saúde não adotou medidas diante do descumprimento do cronograma de entrega da Covaxin, o MPF pretende abrir uma investigação à parte, para apurar a ocorrência de crimes no caso.
A Covaxin é a vacina mais cara, dentre os imunizantes comprados pelo Ministério da Saúde para o combate à Covid-19. Pelo contrato, cada dose custa US$ 15 (R$ 80,70, pela cotação do dólar no momento da emissão da nota de empenho).
A Sputnik V tem um custo individual de R$ 69,36. Cada dose das vacinas da Pfizer e da Janssen saiu por US$ 10 (ou R$ 56,30, segundo pagamentos feitos antecipadamente). A Coronavac, do Instituto Butantan, custa R$ 58,20.
O Ministério da Saúde disse que os preços estão dentro da média e em conformidade com os mercados interno e externo.
No sábado (24), a pasta fez nova atualização no cronograma de entregas de vacinas e diminuiu em 31% a previsão até maio –de 46,9 milhões de doses antes para 32,4 milhões agora. Imunizantes sem autorização da Anvisa —Covaxin e Sputnik V— saíram do cronograma.
Em nota, a Precisa Medicamentos afirmou que o ministério fez pedido de importação dentro do prazo contratual e que, em paralelo, a empresa solicitou emissão do certificado de boas práticas de fabricação.
“Embora o processo de emissão do certificado não tenha ligação formal com o pedido de licença de importação feito pelo Ministério da Saúde, e ainda que a lei não condicione a autorização de uso excepcional ou emergencial à emissão do certificado, a Anvisa indeferiu a licença solicitada pelo ministério”, disse.
Precisa e Bharat Biotech têm mantido contato permanente e relatado ao ministério as tratativas com a Anvisa, afirma a nota, “possibilitando assim, com a maior urgência e brevidade possível, sua entrega ao Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19”.
*Com informações da Folha
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