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Nas mãos de Celso de Mello, a ação que pode emparedar Bolsonaro

“Ainda que não determine a Rodrigo Maia a abertura do processo de impeachment, e ainda que negue a liminar suspendendo provisoriamente algumas das prerrogativas de Bolsonaro, se determinar a apresentação do exame de Covid, o ministro Celso de Mello já faz um estrago”, escreve a jornalista Tereza Cruvinel.

A escalada golpista de Bolsonaro e os crimes de responsabilidade que ele vem cometendo, inclusive em relação ao combate à pandemia, geraram no STF duas brechas que podem, no limite, abrir as portas para seu afastamento. Há o inquérito sobre quem organizou e bancou o ato golpista de domingo mas a espada que mais pesa sobre Bolsonaro é um mandado de segurança que exige, entre outras medidas cautelares, a apresentação de seu exame para Covid19. Seu relator é o ministro Celso de Mello.

Ciente de que começa a ser juridicamente cercado, Bolsonaro está se movimentando para formar uma base parlamentar, depois de dizer, no domingo, que não negocia nada com ninguém. Em busca do seguro-impeachment está negociando no melhor padrão do velho fisiologismo. O venal PP vai ganhar o DNOCS e o FNDE, o Progressistas do mensaleiro Valdemar Costa Neto ficará com o BNB, e assim por diante. Hoje Bolsonaro conversaria com Baleia Rossi, presidente do camaleônico MDB, e amanhã com o presidente do DEM, ACM Neto.

O mandado de segurança foi impetrado no domingo à noite, conforme antecipamos no Brasil 247, pelos advogados José Rossini Campos e Thiago Santos. Eles acusam o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, de “abuso de poder por omissão”, por não ter aberto o processo de impeachment contra Bolsonaro por eles apresentados, fundado no cometimento de vários crimes de responsabilidade. Eles Pedem uma liminar determinando que Maia o faça no prazo de 15 dias após a apresentação, vale dizer, imediatamente, pois tal prazo já se esgotou.

Contra Bolsonaro, para que não continue praticando crimes de responsabilidade, pedem um conjunto de medidas cautelares. Entre elas, que ele seja obrigado a apresentar o resultado de seu exame para Covid19, que seja proibido de usar as redes sociais para fazer proselitismo contra as medidas sanitárias, que seja proibido de participar de atos que gerem aglomerações e que apresente, no prazo de 10 dias, o relatório de inteligência que disse possuir, dando conta da trama de um golpe para derrubá-lo, envolvendo Maia e ministros do STF.

E, ainda, que Bolsonaro baixe protocolo, no prazo de 5 dias, determinando às autoridades de segurança que retirem de qualquer ato público pessoas portanto camisetas, faixas ou quaisquer objetos pregando “intervenção militar”, “golpe militar”, “fechamento do Congresso”, “fechamento do Supremo” e “edição do AI-5”, como tem sido tão frequente, e aconteceu no domingo, fato por eles citados.

Por fim, pedem uma liminar “suspendendo provisoriamente o exercício de algumas das competências privativas do Presidente da República, especialmente as que e encontram descritas nos incisos I, II, III, VII, VI, VIII, IX, X, XIII, XIV, XV, XVI, XIX, XXII e XXVI do artigo 84 da Constituição de 1988, substituindo-lhe o Vice-Presidente da República.”

Isso significaria tirar provisoriamente de Bolsonaro poderes para nomear e demitir ministros, decretar estado de defesa e de sítio, decretar intervenção federal nos estados, comandar as Forças Armadas e editar medidas provisórias, entre outras atribuições que seriam transferidas ao vice-presidente. “Se não houver a suspensão de algumas das competências privativas do Presidente da República, milhares de brasileiros podem se contaminar e morrer”, dizem os autores.

O ministro Celso de Mello tem sido uma das vozes mais enérgicas do STF contra as manifestações de Bolsonaro que atentam contra a democracia e o Estado de Direito.

Quando Bolsonaro enviou por Whatsapp um vídeo sobre os protestos de 15 de março, que também pregavam intervenção militar e fechamento do Congresso e do STF, Mello expediu nota duríssima, dizendo que tal convocação representava “a face sombria de um presidente da República que desconhece o valor da ordem constitucional, que ignora o sentido fundamental da separação de Poderes, que demonstra uma visão indigna de quem não está à altura do altíssimo cargo que exerce e cujo ato de inequívoca hostilidade aos demais Poderes da República traduz gesto de ominoso desapreço e de inaceitável degradação do princípio democrático!!!”.

Disse ainda que “o presidente da República, qualquer que ele seja, embora possa muito, não pode tudo, pois lhe é vedado, sob pena de incidir em crime de responsabilidade, transgredir a supremacia político-jurídica da Constituição e das leis da República”.

Ao decidir sobre o mandado de segurança em questão, poderá ele rejeitá-lo por falta de fundamento, poderá atender a tudo o que foi pedido ou acolher apenas algumas solicitações. Ainda que não determine a Maia a abertura do processo de impeachment, alegando que tal prerrogativa é do outro poder, e ainda que negue a liminar suspendendo provisoriamente algumas das prerrogativas de Bolsonaro, se determinar a apresentação do exame de Covid Mello já faz um estrago. Sendo o resultado for positivo, dará ensejo a processo por atentado à saúde pública. Processo por crime comum, pelo qual o STF pediria licença à Câmara, e sendo ela concedida, o afastamento do cargo seria imediato. Tenho dito que um processo por crime comum pode ser o caminho mais curto para o afastamento. Ontem o ex-ministro Eduardo Cardoso disse o mesmo em entrevista ao 247.

Temer sofreu dois pedidos de processo por crime comum. Comprou votos e conseguiu a negação da licença da Câmara nas duas ocasiões. Temer tinha sua base fisiológica. Bolsonaro, na maior negação de tudo o que já disse, está tentando montar a sua à custa de cargos no governo. Está comprando uma apólice de seguro, seja para a negação de licença ou para barrar um processo de impeachment.

O inquérito

A segunda brecha contra Bolsonaro que se abriu no STF é o inquérito sobre quem bancou o ato de domingo. Ao fazer o pedido, buscando polir a biografia mas sem indispor-se com Bolsonaro, o procurador-geral Aras não o incluiu. Mas a deputada Gleisi Hoffman, presidente do PT, já informou que vai pedir a inclusão. O ministro Alexandre Morais terá que decidir se acolhe o pedido dela ou não.

A investigação será conduzida pela delegacia de inquéritos especiais da Polícia Federal subordinada a Sérgio Moro, e isso aponta para a sua procrastinação. O inquérito será presidido pelo delegado Sergio Valeixo, que tem boas relações com o ministro da Justiça. Pode haver corpo mole, pode haver a responsabilização de um ou outro deputado, mas se Eduardo Bolsonaro for alcançado, a coisa ganha densidade.

E sendo também coordenador do inquérito sobre fake news e campanhas difamatórias, inclusive contra ministros do STF, Morais vai ligar as pontas.

Na hipótese de que Bolsonaro venha a ser apontado como co-responsável pelos atos golpistas, ou pelo menos de pactuação com eles, cabe a acusação de crime de responsabilidade, o que novamente deixaria Maia na obrigação de abrir o processo.

O surgimento destas brechas informa que algo se move, no sistema jurídico-político, contra a escalada de abusos de Bolsonaro. A complacência do STF com a Lava Jato e com o golpe contra Dilma inspiram ceticismo. Mas agora, estamos no limite, no ponto em que o sistema jurídico-política ver-se-á na obrigação de conter Bolsonaro. Ou então deixará que ele nos arraste para uma ditadura, para um Estado militarizado e para um grande desastre sanitário.

 

 

*Tereza Cruvinel/247