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Investigação do porteiro pela PF é outra aberração numa penca de aberrações

Reinaldo Azevedo

Pois é… Lembram-se do porteiro que, depondo duas vezes como testemunha, afirmou que, no dia 14 de março de 2018, interfonara duas vezes para a casa de Jair Bolsonaro para tratar da presença de Élcio Queiroz, o comparsa de Rossi Lessa, no condomínio Vivendas da Barra? A dupla é acusada de ter matado a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes.

Pois bem… O tal porteiro, testemunha num inquérito, agora é alvo de investigação.

Atendendo, pois, às ordens que partiram de Bolsonaro, o MPF requisitou o inquérito sobre o assassinato de Marielle e Anderson como parte da investigação para saber se o porteiro cometeu crime de denunciação caluniosa, falso testemunho e obstrução da Justiça.

Ainda que assim fosse, são crimes que têm de ser apurados na esfera estadual.

Há uma penca de absurdos aí. O porteiro passou a ser investigado sem que se tenha feito uma perícia digna do nome no sistema que arquiva a comunicação entre a guarita e os moradores.

Temos agora uma testemunha de um inquérito conduzido pela Polícia Civil que está sendo investigado pela Polícia Federal.

Os crimes de que o porteiro é suspeito, ainda que tenham acontecido, não são federais. O fato de o suposto alvo ser Jair Bolsonaro não federaliza, por si, a investigação. O caso teria de ser conduzido pela Polícia Civil do Rio.

Estamos diante de uma soma de aberrações. E, no centro do imbróglio, está o Ministério Público do Estado do Rio.

Todos os promotores envolvidos com o caso Marielle deveriam ser imediatamente afastados.

Leiam a íntegra da coluna de sexta passada:

Desde a terça (29) à noite, quando o Jornal Nacional levou ao ar a reportagem sobre o surgimento do nome do presidente Jair Bolsonaro na investigação do caso Marielle Franco, ao momento em que escrevo esta coluna, experimento um desconforto que poderia ser estético. Algumas sinapses que se fazem por conta própria na minha cachola disparam o alarme: “Como está, a narrativa não faz sentido”.

Mas isso não é romance. Chamo a atenção para fios soltos, peças ausentes e comportamentos heterodoxos. E estou certo de que o Ministério Público do Rio é o detentor desses arcanos.

A Globo tem de se perguntar se não caiu numa armadilha, num “entrapment” jornalístico, que serviu para Bolsonaro posar de vítima e herói. Na lógica política, isso descarta Wilson Witzel como fonte da matéria —embora eu nunca especule a respeito.

Digamos que o porteiro tenha se enganado ou recorrido à má-fé em seus depoimentos. Como explicar, no entanto, o registro em livro da entrada do carro, com a placa e o destino: casa 58, justamente a de Bolsonaro?

Os depoimentos do porteiro foram tomados depois da tragédia, mas o registro no livro é contemporâneo ao ingresso no condomínio do Logan AGH 8202. O autor da anotação não tinha como saber que a linha que redigia, com zelo burocrático, viria a fazer história. A menos que adivinhasse: “Eles vão matar Marielle, e eu vou tentar ferrar Bolsonaro porque ele será presidente da República”. Isso tudo no dia 14 de março de 2018! Eis um romance impublicável.

A imagem da anotação no livro foi obtida depois que se quebrou a senha do celular de Ronnie Lessa, um dos assassinos. Ela lhe fora enviada por sua mulher. Pergunto: com que propósito a zelosa senhora fotografara a página? Resposta possível: para proteger o marido.

A primeira reportagem do JN informou que o registro da presença de Bolsonaro em Brasília contradizia os depoimentos do porteiro. Em entrevista coletiva na quarta (30), a promotora Simone Sibilio afirmou que perícia confirma ter sido Lessa a autorizar a entrada de Élcio Queiroz.

Tal perícia teria sido concluída na quarta-feira, no dia seguinte à reportagem. Sibilio estava ao lado da também promotora Carmen Eliza Bastos de Carvalho, bolsonarista de carteirinha —no caso, de camiseta.

Membros do MP do Rio tinham ido a Brasília conversar com Dias Toffoli, presidente do STF, para saber se poderiam continuar com a investigação, uma vez que o nome do presidente tinha aparecido no rolo. Sibilio e a bolsonarista estavam entre eles?

Tal encontro se deu sem o conhecimento do juiz responsável pelo caso, o que é de espantosa heterodoxia. Foram participar uma “notícia de fato” ao ministro. Sem o conhecimento do juízo original, virou consultoria gratuita feita por ministro do STF. E o encontro se deu antes da perícia —também realizada, a seu modo, na portaria, por Carlos Bolsonaro.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, classificou de factoide o episódio envolvendo o presidente e disse que a questão já havia sido arquivada pela PGR e pelo STF antes da reportagem. Seria o arquivamento formal de um procedimento informal?

Bolsonaro deixou claro que já tinha ciência havia dias de que seu nome passara a figurar no caso. A fluência atípica da indignação no seu vídeo, apesar da retórica peculiar, pareceu-me de cara bem mais do que improviso. “Entrapment”.

Sergio Moro manda, e Aras topa, o MPF abrir inquérito contra testemunha de investigação ainda em curso para apurar se o porteiro cometeu denunciação caluniosa, obstrução da Justiça e falso testemunho, condutas que, em existindo, são apuradas na esfera estadual. A AGU determinou que a Procuradoria-Geral da União investigue o vazamento. São aberrações inéditas.

Bolsonaro está ensinando como Dilma Rousseff deveria ter se comportado durante o petrolão. O que faltou à petista para se manter no cargo foi estuprar a institucionalidade. É bem verdade que ela não tinha um ministro da Justiça do nível de Moro. E não contava com um Aras na PGR.

Nesse romance sem pé, mas com cabeça, faltam mordomo e caseiro.

Então prendam o porteiro.

 

 

*Do Blog do Reinaldo Azevedo/Uol