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Ameaçada de morte, a deputada Talíria Petrone enfrenta a perda da própria liberdade

Alvo de milicianos e grupos de ódio, Talíria Petrone precisou deixar o Rio de Janeiro com a filha recém-nascida.

Primeiro, perdeu a amiga e colega de partido, vítima de um assassinato ainda não solucionado. Depois, ela própria alvo de ameaças, precisou deixar às pressas o Rio de Janeiro. Por fim, deu adeus à expectativa de criar a filha recém-nascida no convívio com familiares e amigos.

Ameaçada por milicianos, como revelaram denúncias recebidas pelo Disque Denúncia, e por grupos de ódio na deep web (redes anônimas onde costuma circular conteúdo ilegal), a deputada federal Talíria Petrone (PSOL), 35, tem vivido alguns processos de luto. “É uma transformação do luto em luta, e não é só uma retórica”, diz ela à Folha.

Em 2016, Talíria foi a vereadora mais votada em Niterói (RJ). No mesmo ano, também se elegeu, no Rio de Janeiro, Marielle Franco (PSOL). No período entre o início dos mandatos e o assassinato de Marielle, um ano e três meses, as amigas costumavam conversar sobre as tensões nos plenários e as dificuldades que enfrentavam para fazer política, enquanto mulheres negras que defendiam a pauta dos direitos humanos.

Mas, antes da morte da colega, em março de 2018, Talíria não acreditava que pudesse ser alvo de um atentado. Ainda que naquele momento já tivesse recebido ameaças (“Merece morrer com um monte de bala” e “Negra nojenta” foram alguns dos comentários identificados nas redes sociais), a vereadora continuava a ir de ônibus e bicicleta para a Câmara Municipal de Niterói.

“A violência política funda o Estado brasileiro. Só que isso parecia algo teórico, a gente não conseguia, embora fosse tão explícito, visualizar isso no nosso exercício parlamentar”, diz a deputada, historiadora e professora licenciada do município.

Tudo mudou com o assassinato de Marielle e de seu motorista Anderson Gomes, em uma emboscada no centro do Rio. Para além de amigas, Marielle e Talíria tinham mandatos com pautas similares.

“Nossa imagem era muito parecida, tinha uma brincadeira de que eu era a Marielle de Niterói, e ela a Talíria do Rio. Foi como se tivessem arrancado parte do nosso mandato, e só faltava arrancar a outra.”

Ela conta, emocionada, que nos momentos de saudade, ou como parte do processo de luto, para concretizar a morte, relê as últimas mensagens trocadas entre as duas. Horas antes de ser assassinada, a vereadora queria marcar uma reunião com Talíria, que estava ocupada.

“Qualquer coisa falamos mais tarde. E temos a reunião amanhã”, foram as últimas mensagens de Marielle.

O amanhã, no entanto, nunca chegou. “Não é possível mais a gente aceitar que os amanhãs não cheguem para algumas mulheres negras que fazem política”, afirma a deputada.

Com a morte da colega, acabou de vez para Talíria a bicicleta, o ônibus, o samba. Foi o momento de virada para que ela percebesse que sua vida realmente estava em jogo. “Foi ela, poderia ter sido eu, eu sou a próxima”, pensava a parlamentar.

Antes de se candidatar, Talíria não imaginava que entrar na política pudesse ser um risco tão grande. “Se eu tivesse ideia de que disponibilizar o meu corpo para a política institucional fosse provocar tanta violência, não estou dizendo que não toparia a tarefa, mas pensaria, construiria com mais cuidado”, diz.

Mesmo assim, em 2018, a então vereadora em Niterói decidiu se candidatar para a Câmara dos Deputados, e enfrentou uma campanha tensa, com novas ameaças.

No primeiro dia de campanha, na travessia na barca entre Rio e Niterói, ela conta que um policial militar tentou intimidar sua equipe, afirmando que era proibido panfletar no local, e chegou a sacar sua arma. Talíria diz que pediu para que as pessoas se acalmassem porque “arma mata”, e que o PM respondeu: “ideologia também mata”.

Apesar das dificuldades para fazer aquela campanha, Talíria se elegeu deputada federal em 2018, com mais de 107 mil votos. Quando o mandato teve início, ela decidiu não pedir escolta da polícia legislativa. “Optei por não fazer esse pedido, arriscando um pouco viver um bocadinho de liberdade”, diz.

Durou pouco. Em abril de 2019, a Polícia Federal informou que grupos de ódio na deep web planejavam seu assassinato. Em julho, Talíria foi obrigada a mudar de casa pela primeira vez.

Já com a escolta, em 2020, ela é informada de que o Disque Denúncia havia recebido duas denúncias que diziam que grupos milicianos teriam interesse em assassiná-la. Hoje, já são sete.

Talíria foi obrigada a sair do Rio de Janeiro para escapar das ameaças, e poucas pessoas próximas sabem de seu paradeiro. Naquele momento, sua filha, Moana Mayalú, tinha apenas três meses.

A revista Veja divulgou em novembro que um atentado estava sendo arquitetado pelo miliciano Edmilson Gomes Menezes, o Macaquinho, ligado ao Escritório do Crime, grupo de matadores de aluguel do qual faria parte o PM reformado Ronnie Lessa, acusado pelo assassinato de Marielle.

Talíria chegou a pedir proteção adicional ao Governo do Rio, que negou. Ela precisa, por exemplo, que as forças policiais façam uma análise de risco para medir a gravidade de seu caso.

Após muita insistência, a deputada conta, o estado respondeu que poderia dar suporte, mas apenas em agendas oficiais. “É uma autoridade que ignora a possibilidade de uma deputada ser executada, e acha que ela só pode ser executada em uma atividade política”, diz.

Diante do que caracteriza como omissão e negligência das autoridades brasileiras, em setembro a parlamentar denunciou à ONU (Organização das Nações Unidas) as ameaças que recebeu. Em dezembro, um grupo de 22 deputados do Partido Democrata americano divulgou uma carta de solidariedade a ela.

 

*Com informações da Folha

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Itamaraty esconde telegramas e instruções internas sobre Marielle

O ministro Ernesto Araújo, chefe da diplomacia do governo de Jair Bolsonaro, não atendeu ao pedido da bancada do PSOL, que solicitou oficialmente os telegramas internos, instruções e documentos sobre possíveis orientações do Itamaraty a seus postos no exterior sobre o que deve ser dito em relação ao assassinato de Marielle Franco.

No começo do ano, a senadora francesa Laurence Cohen, do Partido Comunista e presidente do grupo inter-parlamentar de amizade França-Brasil, havia enviado uma carta à embaixada do país em Paris. Ela questionava o governo sobre as investigações relativas ao assassinato da vereadora.

No dia 03 de fevereiro, a senadora publicou em seu perfil no Twitter um trecho da carta que recebeu como resposta a seus questionamentos. O embaixador brasileiro na França, Sr. Luís Fernando Serra, respondeu agressivamente a legisladora francesa, afirmando que era com “profunda consternação” que observava “que o assassinato de Celso Daniel e o ataque à vida de Bolsonaro não tiveram o mesmo eco na França que o assassinato de Franco, que foi até objeto de uma mobilização da Assembleia Nacional”, apontou.

Em fevereiro, os deputados brasileiros liderados por Fernanda Melchionna (PSOL-RS) enviaram uma carta ao chanceler, solicitando informações sobre a existência ou não de instruções que o governo tem passado a seus postos no exterior sobre como tratar questões relativas ao assassinato de Marielle Franco.

Os deputados também solicitaram todos os documentos, telegramas e comunicações com orientações emitidas pelo Itamaraty sobre o tema.

Em 30 de março, Araújo respondeu. Mas ele não esclarecia se havia uma orientação específica e nem colocou à disposição os telegramas solicitados. No texto, a chancelaria apenas indicava que uma resposta à senadora foi preparada “com base em informações sobre o andamento das investigações”.

Insatisfeita com a resposta do Itamaraty, a bancada do PSOL volta a protocolar nesta semana um novo pedido de informação, alertando Araújo para o fato de que “configura crime de responsabilidade a recusa, ou o não atendimento, no prazo de trinta dias, bem como a prestação de informações falsas, de pedidos escritos de informações a Ministros de Estado”.

No novo pedido, solicitam-se “cópias de todos os telegramas e demais comunicações diplomáticas entre este Ministério (Itamaraty) e as embaixadas brasileiras na França e demais países europeus que tratem sobre a repercussão do assassinato de Marielle Franco entre 01 de janeiro de 2019 e a presente data”.

“Em caso de conteúdos sob sigilo, solicitam-se cópias dos respectivos Termos de Classificação de Informação”, indicou o documento da bancada de deputados composta ainda por Áurea Carolina (PSOL/MG), David Miranda (PSOL/RJ), Ivan Valente (PSOL-SP), Marcelo Freixo (PSOL-RJ), Sâmia Bonfim (PSOL/SP) e Talíria Petrone PSOL/RJ.

“O embaixador Luís Fernando Serra foi instruído por este Ministério, e/ou pelo Presidente da República e/ou seus assessores, e/ou por algum outro membro do governo federal, a responder à senadora francesa Laurence Cohen questionando a pertinência de suas perguntas sobre o andamento das investigações do assassinato de Marielle Franco e manifestando “profunda consternação” em relação a seu interesse sobre o caso?”, questionou o grupo de deputados.

A bancada ainda questiona como o Itamaraty “avalia a adequação da linguagem agressiva e pouco protocolar utilizada na resposta do Sr. Serra à senadora Cohen?”

“É praxe na diplomacia brasileira responder a parlamentares de outros países deste modo? Em caso afirmativo, solicitam-se exemplos de demais correspondências de embaixadores do Brasil com legisladores estrangeiros que apresentem forma e tom semelhantes”, solicitam os deputados.

O grupo ainda quer saber se o embaixador Serra e demais funcionários da diplomacia brasileira na França e na Europa em geral “possuem instruções deste Ministério, e/ou do Presidente da República e/ou seus assessores, e/ou de algum outro membro do governo federal, a combater e/ou questionar iniciativas relativas ao assassinato de Marielle Franco por parte da sociedade civil, dos parlamentos e dos governos nesta região? Em caso afirmativo, qual a justificativa desta instrução?”

 

*Jamil Chade – Uol