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Lula e o Prêmio Sakharov: o mais importante prêmio de direitos humanos da Europa

O eurodeputado francês está a recolher assinaturas para candidatar Luiz Inácio Lula da Silva ao mais importante prémio europeu de direitos humanos. Se for bem-sucedido, o ex-presidente brasileiro ficará acompanhado de Nelson Mandela, Xanana Gusmão, Guillermo Fariñas ou, mais recentemente, Malala.

Emmanuel Maurel quer ver Lula da Silva receber o Prémio Sakharov. O eurodeputado francês chegou a candidatar-se à liderança do Partido Socialista francês, mas a derrota no congresso de abril de 2018 seria determinante para a decisão de se desvincular do partido, meses mais tarde. É membro fundador do partido Esquerda Republicana Socialista, no qual milita desde o ano passado.

Entrevistado em Bruxelas pelo DN, o político francês considera que Lula da Silva foi alvo de um julgamento “forjado” à medida dos interesses dos seus opositores. Além do mais, entende que por ser o “modelo de uma geração”, o antigo presidente brasileiro já deveria receber uma distinção, que deixaria “a Europa honrada”.

Nesta entrevista, Emmanuel Maurel deixa ainda críticas à atuação do atual presidente brasileiro Jair Bolsonaro, tanto do ponto de vista interno, em relação à Amazónia, como a nível internacional, tendo em conta a forma “mal-educada” como se referiu à primeira-dama francesa.

Quais são as razões que o levam a propor o nome de Lula da Silva para o mais importante prémio de Direitos Humanos a nível europeu?
Primeiro, Lula, para mim e para muitas pessoas da minha geração, sempre foi um modelo. É alguém que conseguiu, com a força do seu trabalho e com determinação, juntar pessoas muito diferentes, para implementarem uma política de redução das desigualdades no Brasil que era muito importante na época. Lembro-me também da sua luta pela educação. Portanto, Lula era, só por si, um presidente exemplar. Seguidamente, considero que o julgamento com o qual foi confrontado é, pelo menos, controverso ou até escandaloso. Porque hoje temos muitas evidências para provar que estávamos perante algo falsificado por opositores políticos, que queriam eliminá-lo completamente. Além disso, observo que o novo ministro da Justiça – nada mais do que o juiz Sergio Moro – condenou Lula e foi promovido por Bolsonaro. Acima de tudo, há uma situação de emergência. Hoje Lula está preso em condições difíceis. Falamos de uma mudança de prisão, para uma prisão de direito comum, onde a sua segurança não está absolutamente garantida.

E, por isso, acha que ele deve receber o Prémio Sakharov?
Penso que a Europa ficaria honrada em defender esse ex-presidente, mesmo que tenha discordâncias com ele. O problema não é esse. A questão é que não pode usar-se a justiça para fins políticos e eliminar completamente os opositores. Então, acho que ele tem todas as qualidades necessárias na situação atual para receber esse prémio.

Para si, a ausência de justiça na prisão de Lula é uma evidência?
Se quiser, hoje, todos concordam em dizer – ou pelo menos, a maioria dos observadores – que o julgamento foi uma fraude. Foi “cozinhado” [bidonné], como dizemos em francês.

Parece pôr em causa o princípio da separação de poderes, no Brasil.
Não. Eu não digo isso. Não conheço o Brasil o suficiente para dizer que não acredito na separação de poderes. Mas sabe que em muitos países no mundo, inclusive na Europa, há a tentação de alguns líderes para instrumentalizar a justiça. Não é apenas no Brasil. Dá-se o caso de no Brasil ser espetacular, porque temos um presidente Bolsonaro, que tem um superego e diz tudo o que lhe passa pela cabeça. E, nesse caso, deixa entender claramente que também é para se livrar de um opositor político. Estamos numa fase muito preocupante, em que o presidente do Brasil multiplica as provocações e nomeadamente contra minorias sexuais ou contra os povos indígenas. Ele comporta-se de forma grosseira enquanto chefe de Estado. Viu recentemente o que sucedeu em Biarritz. De qualquer forma, em relação a Biarritz, presumo que ainda há uma mensagem política para ser enviada da Europa. Porque o Brasil é um país grande, um país amigo, e estamos inconsolavelmente tristes por ver que atualmente é liderado por alguém tão próximo das teses da extrema-direita.

Como avalia a vontade do povo brasileiro para mudar tão radicalmente, depois dos mandatos de Lula da Silva e de Dilma Rousseff?
Não acho que isso seja algo específico do Brasil. De certa forma, há a mesma coisa nos Estados Unidos, a eleição de Trump. Com o nosso ponto de vista europeu, pode ser difícil de compreender, mas se mergulharmos um pouco na realidade americana, entenderemos que existe uma espécie de forma de ressentimento por parte das classes populares, que se consideravam esquecidas. No Brasil é um pouco diferente, é entre a classe média. Houve um debate sobre o descontentamento. E não estou a dizer que o povo brasileiro não deva eleger quem quiser. Não é essa a questão. O problema é que na maneira de agir do senhor Bolsonaro prevalecem as provocações sucessivas. E este é um risco que existe para a democracia em geral. Também é nosso dever alertar as pessoas.

O senhor faz parte de um grupo político, aqui no Parlamento Europeu, em que está incluída a Esquerda Nórdica Verde – portanto, com um objetivo ambientalista, de proteção do clima. Como é que avalia o que está a acontecer do outro lado do Atlântico, com importantes áreas da Amazónia a arder?
Sinto que, quer seja do lado dos Estados Unidos ou do Brasil, há uma tal perceção em relação ao meio ambiente, que eles dizem, “bem, se a catástrofe foi acontecer, então aproveitemos enquanto é tempo”. É uma atitude profundamente irresponsável. A desflorestação no Brasil tem consequências dramáticas não apenas para os brasileiros, mas para o planeta. E, certamente, para os sul-americanos. Em seguida, baseia-se num modelo económico agrícola amplamente obsoleto. Enormes fazendas, a produzir carne e mais carne, apesar de os especialistas do GIEC [Grupo Intergovernamental sobre a Evolução do Clima, na ONU] explicarem que a produção de carne cria muitos gases de efeito estufa. No Acordo de Paris, todos tentaram fazer uma série de compromissos. Seria bom que os cumprissem. Portanto, desse ponto de vista, Bolsonaro não faz o que tinha de fazer.

Vê o que está a acontecer na Amazónia como um problema técnico ou também como uma questão política, face à incapacidade de lidar com os incêndios?
Não é apenas técnico. Poucos dias antes dos primeiros incêndios, tínhamos grandes proprietários de terras a dizerem que, fosse como fosse, fariam muito trabalho de desflorestação. Eu creio que as autoridades não fizeram nada para o impedir, até o encorajaram. Hoje, porém, a situação é tão dramática que, pelo que entendi, o governo brasileiro começa a dar-se conta de que algo precisa ser feito. Então, não é um problema técnico, é amplamente um problema político. E, quando há um problema político, deve responder-se politicamente.

Jair Bolsonaro recusou a ajuda internacional para a Amazónia, anunciada na cimeira do G7. Na mesma altura, à distância, envolveu-se numa troca de palavras com Emmanuel Macron, num tom pouco usual na diplomacia entre países. Sendo um cidadão e político francês, considera que Macron soube gerir as provocações de Bolsonaro?
Se se está a referir às observações sobre a senhora Macron, não é uma coisa digna de um chefe do Estado. Um chefe do Estado deve ser um diplomata, deve ser racional, deve ser respeitador. Isso é verdade para todos os chefes do Estado do planeta, portanto, o senhor Bolsonaro comportou-se como uma pessoa muito mal-educada. Obviamente, presta um mau serviço até mesmo ao Brasil, que é um país muito grande e, além disso, um país amigo muito grande. Aquilo não se faz.

Bolsonaro sugere à Europa para usar o dinheiro oferecido ao Brasil para se reflorestar a si própria. Vê alguma razão nestas palavras?
Ele está muito mal informado, porque a Europa refloresta consideravelmente. Em França, por exemplo, há ainda mais florestas hoje do que no passado. Por isso, seria bom que ele pusesse os dossiês em dia, e procurar consultores que sejam sérios, já que a verdade é que hoje a Europa refloresta massivamente.

Voltando ao Prémio Sakharov, já tem o número de membros do Parlamento Europeu necessário para a candidatura? São necessários 40 deputados ou um grupo político…
Não, porque estamos no início do processo. Comecei isso há alguns dias, mas acho que há uma boa hipótese de conseguirmos. Porque as pessoas ainda se preocupam com o destino do presidente Lula.

Acredita numa oportunidade de tornar Lula da Silva um vencedor do prémio, aqui no Parlamento Europeu, com todas as divisões que há hoje nesta câmara?
Eu luto por isso. Vamos ver.

 

 

*Do Diário de Notícias

 

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