Total de internados em unidades de terapia intensiva sem comorbidades atinge maior patamar.
Pela primeira vez desde o início da pandemia da Covid-19, as internações em UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) de pessoas com menos de 40 anos são maioria absoluta.
Houve ainda um salto expressivo no número de pacientes graves com necessidade de ventilação mecânica e que não apresentam nenhuma comorbidade (como obesidade ou diabetes).
Os dados sugerem não apenas uma mudança do perfil dos doentes que necessitam de UTI, mas um agravamento do quadro geral dos pacientes em relação aos meses anteriores.
Em março, 52,2% das internações nas UTIs do Brasil se deram para pessoas até 40 anos; e o total de pacientes que necessitaram de ventilação mecânica atingiu 58,1%.
Ambas as taxas são recordes, segundo dados da plataforma UTIs Brasileiras, da Amib (Associação de Medicina Intensiva Brasileira).
No caso da necessidade de aparelhos de ventilação, houve salto de quase 40% em relação ao patamar do final do ano passado.
Entre setembro de 2020 e fevereiro deste ano, o total de internados em UTIs que necessitavam desse tipo de equipamento variou entre 42% e 48%.
Já os pacientes graves sem comorbidades que agora acabam na UTI são praticamente 1/3 do total —até fevereiro os doentes graves sem condições adversas prévias eram 1/4 dos casos.
O novo marco da epidemia no Brasil sugere pelo menos três conclusões, segundo Ederlon Rezende, coordenador da plataforma UTIs Brasileiras e ex-presidente da Amib:
1) as novas variantes do vírus devem ser mais agressivas; 2) a falta de cuidado de parcelas da população pode estar afetando sobretudo os mais jovens; e 3) a imunização dos mais velhos tem ajudado a conter os casos graves entre os idosos.
Segundo a pesquisa, antes de os jovens serem a maioria dos internados nas UTIs em março, entre dezembro de 2020 e fevereiro último os até 40 anos representavam 44,5% do total —percentual quase idêntico ao de setembro a novembro.
De lá para cá, o aumento das internações nessa faixa mais jovem foi de 16,5%.
Como a imensa maioria dos brasileiros tem menos de 40 anos, o incremento, embora possa parecer modesto, engloba milhões de pessoas. A tendência sugere ainda que há espaço para um agravamento da situação.
No mesmo período de comparação (e na contramão), as internações de pessoas acima de 80 anos despencaram 42%. Elas representam agora apenas 7,8% do total, pouco mais da metade do que vinha sendo registrado anteriormente.
Na faixa de idades intermediárias, as internações em UTI permaneceram mais ou menos no mesmo patamar, somando cerca de 40% do total.
O levantamento da Amib é feito a partir de uma amostra expressiva, englobando 20.865 leitos de UTI no país, o que representa cerca de 25% de todas as unidades, sendo 2/3 privadas e 1/3 públicas.
“Embora os dados mostrem que a vacina pode estar tendo o efeito esperado entre os mais velhos já imunizados, eles também revelam que, ao se acharem imbatíveis, os jovens, muitos sem qualquer comorbidade, são agora as maiores vítimas da epidemia”, afirma Rezende.
Todas as previsões mais pessimistas sobre a pandemia do coronavírus no Brasil estão se confirmando. Nesta quinta-feira (8), o Brasil superou sua pior marca de mortes por Covid-19 e registrou 4.249 óbitos em decorrência da doença em 24 horas. Os dados são do balaço do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass).
O último recorde de mortes havia sido registrado na terça-feira (6), quando foram contabilizados 4.195 óbitos. Com o novo registro macabro, o total de vidas perdidas para a Covid no Brasil, desde o início da pandemia, saltou para 345.025.
Pasta publicou documento na internet, aponta reportagem da CBN; há previsão de rescisão do termo no caso de quebra das regras.
O Ministério da Saúde quebrou uma cláusula de confidencialidade do contrato de compra de vacinas para Covid-19 firmado com a Pfizer ao publicar o documento na internet. “As Informações Confidenciais incluem, entre outros, os termos e condições deste Contrato”, diz a parte geral do documento. Um dos tópicos descreve, mais especificamente, as informações que devem ser mantidas em sigilo, como “disposições financeiras ou de indenização” e qualquer dado que possa indicar “o preço por dose do produto”, entre outros.
A informação da quebra da cláusula foi noticiada pela rádio CBN. O contrato foi publicado na íntegra no site da pasta, onde ficou por ao menos dez dias. Mostra, por exemplo, o valor de US$ 10 por dose, totalizando US$ 1 bilhão a compra total de pouco mais de 100 milhões de doses. O contrato prevê que a Pfizer pode rescindir o acordo caso haja descumprimento das regras. No caso de uma rescisão por justa causa, o Brasil, precisaria até mesmo pagar pelas doses sem receber a vacina.
O Ministério da Saúde, ainda segundo a CBN, só retirou o contrato do site depois de um pedido do laboratório norte-americano. O contrato foi alvo de críticas por parte do governo e até do presidente Jair Bolsonaro, devido a cláusulas consideradas abusivas. Ele chegou a dizer que iria divulgar o documento para justificar o fato de o Executivo não ter ainda comprado os imunizantes.
Depois de pressões, o governo acabou concordando em assinar o contrato para compra de 100 milhões de doses, em meados de março, mesmo com as cláusulas antes criticadas. A negociação foi concretizada após projeto aprovado pelo Congresso que criou facilidades para que o país assumisse riscos exigidos, como se responsabilizar por efeitos adversos.
O Ministério da Saúde foi procurado pelo GLOBO, mas não se manifestou até a publicação deste texto.
A produção da vacina Coronavac, utilizada contra a Covid-19, está temporariamente paralisada pelo Instituto Butantan por falta de matéria-prima, disseram à CNN três fontes com conhecimento do assunto.
O Butantan ainda vai seguir com a entrega de vacinas na próxima semana, porque tem 2,5 milhões de doses já prontas aguardando o prazo do controle de qualidade.
O instituto também informa que cumprirá os prazos estabelecidos nos contratos com o Ministério da Saúde, apesar do atraso na chega de insumos. O Butantan se comprometeu a entregar 46 milhões de doses até o fim de abril.
Um novo carregamento de matéria-prima – o chamado IFA (Insumo Farmacêutico Ativo) – estava previsto para chegar da China na próxima sexta-feira, dia 9 de abril, mas foi postergado. O atraso foi admitido pelo governador de São Paulo, João Doria (PSDB), em coletiva de imprensa nesta quarta-feira (7).
O insumo é fornecido pela parceira do Butantan na Coronavac, a chinesa Sinovac. O atraso da remessa foi provocado pela intensificação da campanha de vacinação na própria China. Até agora os chineses vinham exportando boa parte de suas vacinas porque estão com o contágio da Covid-19 controlado.
Doria disse na coletiva que chegou a ligar para o embaixador chinês em Brasília, Yang Wanming. Dois dias atrás, o embaixador publicou na sua conta no Twitter uma mensagem sobre encontro com o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e garantiu que a China seguiria mandando insumos ao Brasil.
Agora, a previsão de chegada de 6 mil litros de IFA em São Paulo é no dia 15 de abril, suficientes para produzir 10 milhões de doses. O Butantan tenta antecipar essa data para retomar a produção. Uma fonte ouvida pela reportagem reforçou que “cada dia de produção de vacina conta” em meio a uma pandemia que está matando 4 mil brasileiros por dia.
Procurado pela CNN, o Butantan não negou a paralisação da fábrica, mas frisou que, apesar do atraso na entrega do insumo, vai cumprir seus compromissos estabelecidos em contrato com o Ministério da Saúde.
“O Instituto Butantan informa que é esperado para a próxima semana um novo carregamento de IFA (Insumo Farmacêutico Ativo) de 6 mil litros, correspondentes a cerca de 10 milhões de doses da vacina contra o novo coronavírus.
Com isso será possível cumprir integralmente o primeiro contrato com o Ministério da Saúde, totalizando a entrega de 46 milhões de doses ao Programa Nacional de Imunizações (PNI) até 30 de abril”, informou.
Segundo dados do Sistema Único de Saúde (SUS), oito em cada 10 doses contra o novo coronavírus no Brasil até agora são da Coronavac. Desde janeiro, o instituto já entregou 38,2 milhões de doses – 22,7 milhões apenas em março.
É a primeira vez que as taxas de ocupação para Covid são informadas desde determinação do TCU.
Após determinação do TCU (Tribunal de Contas da União), as Forças Armadas abriram, pela primeira vez na pandemia, os dados sobre ocupação de leitos para pacientes com Covid-19 nos hospitais militares. As planilhas mostram que as Forças bloquearam leitos à espera de militares em enfermarias e UTIs e que há unidades com até 85% de vagas ociosas.
O TCU investiga possíveis irregularidades por parte de Ministério da Defesa, Exército, Aeronáutica e Marinha ao não ofertarem a civis leitos destinados a pacientes com Covid-19 em unidades militares de saúde.
Essas unidades consumiram pelo menos R$ 2 bilhões do Orçamento da União em 2020, segundo auditoria do TCU.
Os auditores sustentam que os hospitais militares deveriam fazer convênios com o SUS para ampliar atendimentos à população durante essa fase mais crítica da pandemia, quando há um colapso generalizado das redes públicas de saúde nos estados.
A reserva de vagas aos militares contraria os princípios da dignidade humana e viola o dever constitucional do Estado de oferecer acesso à saúde de forma universal, conforme o tribunal, que determinou no dia 17 a abertura dos dados sobre ocupação de leitos.
O Ministério da Defesa pediu mais 10 dias para sistematizar os dados, o que foi autorizado pelo plenário do TCU no dia 24.
Vencido o prazo, as primeiras planilhas com as informações começaram a ser publicadas nos sites das Forças Armadas. As próprias planilhas registram que leitos são reservados exclusivamente a militares e seus familiares.
Até então, o Ministério da Defesa, os comandos das Forças e a direção do HFA (Hospital das Forças Armadas), em Brasília, evitavam dizer se as unidades estavam abrindo ou não espaços a civis, diante do colapso nas redes públicas de saúde.
A Folha formulou pedidos de informação a HFA, Marinha, Exército e Aeronáutica, por meio da Lei de Acesso à Informação, sobre destinação de vagas a civis. As respostas dadas pelas duas primeiras instituições confirmam que os leitos são destinados a militares e seus dependentes e que não houve abertura de vagas a civis em geral.
No HFA, são atendidos apenas servidores civis do Ministério da Defesa. O hospital também atende o presidente Jair Bolsonaro, o vice Hamilton Mourão e ministros de Estado.
O Exército afirmou que seu sistema é voltado aos militares, sem dizer se abriu alguma exceção a civis. A Aeronáutica pediu mais tempo para responder.
A Folha localizou as planilhas com dados sobre a ocupação dos leitos publicadas por Aeronáutica, Exército e HFA, publicadas após a determinação do TCU, mas não os da Marinha.
A Aeronáutica lista 27 unidades de saúde, das quais 14 têm leitos reservados a pacientes com Covid-19. Em quase todas não há vagas em UTIs, que estão lotadas, conforme dados atualizados na segunda-feira (5). Há uma exceção: a UTI do Hospital de Aeronáutica de Recife, onde a ocupação é de 71,43%.
Quanto aos leitos de enfermaria, apenas três têm 100% de ocupação. Em outras seis, o índice é de 50% ou menos. São os casos dos esquadrões de saúde de Guaratinguetá (SP), Curitiba (PR), Natal (RN) e Lagoa Santa (ES), com ocupação inferior a 25%.
A ocupação dos leitos clínicos para Covid-19 no Hospital de Aeronáutica de Canoas (RS) estava em 41,67%. No Hospital de Aeronáutica de Manaus, em 50%.
Já o Exército divulgou a disponibilidade geral de leitos, não apenas para Covid. Segundo a força, 23 unidades de saúde têm 366 leitos, um terço do total. Em 14 delas, a ocupação geral é de 50% ou menos.
As maiores ociosidades, segundo planilha do Exército, estão no Hospital de Guarnição de Florianópolis (ocupação de 13%), no Hospital Geral de Curitiba (19%), no Hospital de Guarnição de Marabá (PA) (22%) e no Hospital Geral de Juiz de Fora (MG) (26%).
No caso das UTIs, há um cenário de superlotação. Dezenove hospitais militares do Exército oferecem 217 leitos, e apenas três não têm 100% ou mais de ocupação geral.
No Hospital de Guarnição de Marabá, há duas vagas e as duas estão livres, segundo o Exército. No Hospital Militar de Área de Manaus, a ocupação geral é de 33%; há seis leitos ativos para pacientes com Covid-19. E no Hospital de Guarnição de Porto Velho, há quatro vagas, todas livres.
A administração dos leitos para Covid-19 nos hospitais militares do Exército faz parte da chamada Operação Apolo, cujas ações são gerenciadas pelo Departamento Geral de Pessoal.
O chefe do departamento é o general Paulo Sérgio de Oliveira, que foi indicado na semana passada ao cargo de comandante do Exército, após a demissão do atual comandante, Edson Leal Pujol.
No HFA, quase todos os 40 leitos de UTI estão ocupados com pacientes com Covid-19. O índice divulgado é de 97,5%. Já os leitos de enfermaria têm ocupação de 57,1%, segundo atualização feita pelo hospital nesta terça.
Dos pacientes que estão em enfermaria (há 70 leitos), 10% integram uma lista de espera e aguardam uma vaga em UTI, segundo o HFA. Parte dos leitos de enfermaria se destina a pacientes que tiveram alta da UTI.
Segundo o Ministério da Defesa, a respeito do HFA, o número de leitos de UTI ou clínicos não é constante e se adapta à demanda. Não há ociosidade e há grande rotatividade, afirmou o ministério. “Isso acontece não só em hospitais militares, mas também em hospitais públicos e privados”, disse, em nota.
“A informação sobre a taxa de ocupação faz alusão apenas aos dados do dia corrente, pois qualquer número ou porcentagem relacionada à disponibilidade de leitos que vier a ser divulgada de maneira equivocada poderá construir um cenário incerto, que não condiz com essa realidade que muda a todo instante”, afirmou.
A pasta disse ter fornecido todos os dados ao TCU, a partir da determinação feita. “Os hospitais militares estão com número limitado de leitos, assim como os hospitais públicos. Esses dados estão disponíveis na internet e podem ser acessados, de maneira irrestrita, nos sites do HFA e das Forças Armadas.”
O percentual de militares da ativa infectados pelo coronavírus por estarem na linha de frente supera 13%, valor superior à média nacional, conforme a nota.
“Esse número elevado, somado à grande quantidade de dependentes, militares da reserva, reformados e pensionistas, normalmente de idade bastante avançada, que são atendidos por lei, tem mantido o sistema de saúde das Forças e hospitais militares no limite de suas capacidades, como no restante do país”, afirmou a Defesa.
Com o objetivo de liberar para o SUS os leitos ociosos das Forças Armadas, o deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP) vai entrar, nesta quarta-feira (7), com uma ação popular contra o ministro Braga Netto (Defesa).
Na ação, o deputado argumenta que os leitos pertencem à administração pública, mesmo que parcialmente custeados com recursos privados dos militares e de seus dependentes.
“É uma vergonha que os militares mantenham leitos vazios enquanto milhares de civis morrem sem ar nas filas de hospitais. Uma vergonha ilegal”, afirma o deputado. “O corporativismo é tamanho que a taxa de desocupação de alguns hospitais militares chega a 85%. É como se as vidas civis fossem de segunda classe, descartáveis.”
Somado à falta de remédios, oxigênio e leitos, o esgotamento de médicos, enfermeiros, técnicos e outras categorias é mais uma triste faceta da pandemia no Brasil.
Em fevereiro do ano passado, o infectologista Roberto Muniz Junior, de 41 anos, mudou-se com sua família de São Paulo para São Carlos, cidade com cerca de 254 mil habitantes a 239 quilômetros da capital, para ter uma vida mais tranquila. Com uma proposta de emprego na Santa Casa, acreditava que teria mais tempo para se dedicar ao filho, na época com seis meses. Ele não imaginava, porém, o que aconteceria nos meses seguintes.
a última semana, o hospital entrou em colapso. Sem anestésicos necessários para a intubação de pacientes, o gerente médico pediu a transferência de 60 pacientes. Diante da crise, 27 profissionais, entre técnicos de enfermagem e enfermeiros, se demitiram. Passado um ano do começo da pandemia, profissionais de saúde que combatem a Covid-19 estão no limite.
Somado à falta de remédios, oxigênio e leitos, o esgotamento dos profissionais de saúde é mais uma triste faceta do cenário de colapso hospitalar que o país vive. Nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI), cada médico intensivista costumava ficar responsável por 10 pacientes, em média, antes da pandemia. Agora, cada profissional cuida de 25 pessoas, todas com a saúde debilitada, segundo dados da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib).
A falta de profissionais qualificados e em número adequado é um dos motivos apontados por especialistas para justificar a alta taxa de mortalidade nas UTIs do país. Entre os pacientes intubados, 83,5% morrem, segundo dados do Ministério da Saúde compilados por pesquisadores da Universidade de São Paulo e da Fundação Oswaldo Cruz.
— Não tem como contratar mais médicos. Isso deixa os profissionais ainda mais sobrecarregados. Quando a gente fala em colapso, estamos falando da falta de recursos humanos, de equipamentos, de espaço, de insumo. É um colapso de tudo — diz Ederlon Rezende, intensivista do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo e membro do Conselho Consultivo da Amib.
Como não há profissionais em número suficiente, hospitais têm encontrado dificuldade para repor quem adoece, se afasta ou pede demissão, o que sobrecarrega quem está empregado. A carência de médicos e enfermeiros emperra também a abertura de novos leitos de UTI. No Rio, há 567 vagas de médicos abertas desde o último chamamento público para hospitais federais e faltam cerca de 1.220 enfermeiros, técnicos e auxiliares. O governo de São Paulo tenta compensar o déficit chamando voluntários, mesmo que de outras áreas da medicina. No início do mês, o Hospital Júlia Kubitschek, de Belo Horizonte, precisou bloquear dez leitos por falta de médicos.
— Você tem uma vaga e vai negar 199. Por trás daquelas fichas, tem pessoas com filhos, com pai, com mãe. E você sabe que muitas dessas pessoas vão efetivamente falecer em algumas horas — desabafa Muniz. — A gente se pega pensando nisso várias vezes ao dia, revendo as decisões. Vou ter de carregá-las para o resto da vida e tentar fazer as pazes com elas, pensando que fiz o melhor que pude — disse.
— Nunca tem nada positivo, só é morte. Todos os dias dou notícia de óbito e gravidade. Alguns familiares ficam com raiva, se desorganizam. Outros só choram. Uns já esperavam aquilo e só nos agradecem — disse.
O possível surgimento de uma nova variante do coronavírus em Sorocaba, no interior paulista, nesta semana acendeu o sinal de alerta entre pesquisadores. Com o descontrole da pandemia, o Brasil está se tornando um laboratório para evoluções do vírus.
Para especialistas ouvidos pelo UOL, o surgimento de outras cepas, como a P1 (identificada em Manaus em janeiro), não só é possível mas também provável diante do agravamento da crise sanitária. E o pior: sem rastreamento, o Brasil demorará para descobri-las.
Maior a transmissão, maior o risco de variantes
Segundo os pesquisadores, a equação ser feita é simples: quanto maior a circulação do vírus, maior a chance de variantes.
“As variantes surgem principalmente pela pressão de transmissão. Ou seja, quanto mais gente transmitindo, maior a probabilidade surgir um vírus mutante. É um fator determinante para a ocorrência de modificações virais”, afirma Bernardino Albuquerque, epidemiologista da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), no Amazonas.
Neste ano, a taxa de transmissão do vírus no Brasil, que havia diminuído no final de 2020, se mantém acima de 1, de acordo com a universidade Imperial College London, do Reino Unido, o que indica descontrole da pandemia no país.
No Brasil, o vírus está cheio de possibilidades de replicação e mutação. Não é surpreendente que novas variantes surjam, é inevitável. Tampouco é surpreendente que a P1, por exemplo, evolua”
Monica de Bolle, professora da Universidade Johns Hopkins e membro do “Observatório Covid-19 BR”
Atraso no sequenciamento do vírus
Para Rafael Dhalia, pesquisador da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), em Pernambuco, não só podem surgir cada vez mais variantes como é possível que elas já estejam em circulação no Brasil, mas, sem acompanhamento, não há como identificá-las.
“Essas variantes acontecem no mundo todo, são coevoluções, mas, para a gente saber, tem que sequenciar o vírus. Por aqui não temos nem ideia. Essa variante encontrada em Sorocaba já pode estar no Brasil todo e não sabemos”, afirma o membro da APC (Academia Pernambucana de Ciências).
Como na vacinação e na testagem, o país também está muito atrasado no sequenciamento do vírus. Enquanto o Reino Unido sequencia 50 pessoas a cada 1.000 casos para identificar evoluções, no Brasil o índice é 0,15 para cada 1.000 casos. Ou seja, é um sequenciado para cerca de 7.000 casos confirmados.
Sabe onde a P1, de Manaus, foi identificada? No Japão, por causa de um brasileiro que chegou febril e eles decidiram sequenciar o vírus. Logo, foi necessário uma pessoa sair do Brasil para descobrir a P1. É vergonhoso”. (Rafael Dhalia, pesquisador da Fiocruz)
No Brasil, além da P1, foi identificada uma outra variante, apelidada P2, no Rio de Janeiro. Sem incidência rastreada, ela é considerada isolada, mas, segundo Dhalia, “não há como garantir” isso.
“Além de ver a incidência, é crucial entender se esta evolução pode ser ainda mais transmissível do que a P1. É isso que causa certa preocupação, que precisamos acompanhar”, (Dimas Covas).
Levantamento divulgado na quinta-feira (1º) analisou a situação de 2.433 municípios, o equivalente a 45,9% do total.
Ao todo, pelo menos 625 municípios do país correm risco de falta de oxigênio, enquanto em 1.141 pode acabar o chamado “kit intubação”, utilizado em pacientes que desenvolvem a versão mais grave da covid-19.
Os dados foram divulgados na última quinta-feira (1º), pela Confederação Nacional de Municípios (CNM), na segunda edição de uma pesquisa que acompanha a situação das diferentes cidades brasileiras ao longo da pandemia.
:: Leia também: Alerta de falta de oxigênio em SP e no DF amplia mapa do colapso nacional ::
O estudo avaliou a situação de 2.433 municípios, o que representa 45,9% do total do país, e engloba cidades de todos os estados. Os números partem de informações colhidas junto aos prefeitos entre os dias 29 e 31 de março.
O levantamento observou ainda outros elementos do cenário da saúde pública local e identificou que 61,9% dos lugares pesquisados não adotaram lockdown esta semana.
A média móvel de mortes por covid-19 no país está atualmente em 3.117, a maior deste o início da pandemia. Na última quinta (1º), por exemplo, 3.769 óbitos foram registrados nas últimas 24 horas.
Entre as cidades pesquisadas, 37,1% estão em lockdown. O estudo considerou o conceito como fechamento total das atividades não essenciais. Já o percentual de municípios que hoje adotam a restrição na circulação de pessoas à noite chegou a 82,2%, enquanto 17,5% dos prefeitos disseram não adotar a medida hoje.
:: Leia também: Covid: três grandes cidades brasileiras com menores taxas de mortes tiveram lockdown ::
Sobre medidas de distanciamento social no final de semana, 88% têm restrições e 11,8% não têm. Já a antecipação de feriados, assim como ocorre esta semana em São Paulo (SP), por exemplo, conta com 15,3% de adesão no universo da pesquisa.
No quesito “aulas presenciais”, 89,4% dos lugares suspenderam a atividade e 9,9% mantêm as escolas abertas nesta semana.
A distribuição de vacinas também foi observada pela Confederação, segundo a qual 98% dos municípios receberam lotes de imunizantes ao longo deste período. Ao todo, 68,4% deles foram destino desse tipo de remessa por duas vezes na semana, enquanto 24,4% receberam somente uma vez.
A crise sanitária no país tem feito com que fabricantes internacionais de suprimentos para vacinas enfrentem dificuldades para enviar remessas de reagentes e insumos para o Brasil. O cenário se dá em meio a reduções de previsões de entregas de imunizantes em abril.
Ao UOL, Maurício Zuma, diretor da Bio-Manguinhos —unidade da Fiocruz que produz a vacina Oxford/AstraZeneca— disse que já “acendeu o alerta amarelo” para possíveis atrasos nas entregas ao PNI (Plano Nacional de Imunização) após negativas de empresas estrangeiras em realizar voos para o país.
Segundo ele, os recordes de mortes e novas cepas da doença são os motivos da resistência de companhias internacionais em enviar voos. Com isso, a produção de imunizantes da Fiocruz contra a covid-19 corre risco, já que os materiais são considerados fundamentais para a linha de produção.
Insumos descartáveis e reagentes químicos estão entre os itens de difícil compra no momento. Zuma diz que a alta demanda por esses suprimentos no mercado internacional é outro entrave enfrentado hoje para a aquisição.
Os setores comercial e de logística da Fiocruz tentam agora viabilizar voos alternativos e empresas dispostas a pousar no Brasil, segundo Zuma. O pesquisador teme contudo que novas desistências afetem a linha de produção em breve.
Questionado, o diretor da Bio-Manguinhos não soube informar quais foram as empresas que se recusaram a pousar no Brasil e os seus países de origem. O UOL encaminhou então a demanda à assessoria de imprensa da Fiocruz que, por meio de nota, admitiu dificuldades com o transporte internacional e citou outros motivos para o cancelamento de voos.
“As companhias aéreas estão com a malha reduzida e se deparando com constantes problemas com falta de tripulação. Tal cenário gera o aumento de prazos para recebimento de cargas, com atrasos e reprogramação de voos. Programações de embarque são postergadas, voos são cancelados ou passamos pela situação de falta de espaço para nossas cargas em aeronaves”, diz o comunicado.
Maurício Zuma, diretor da Bio-Manguinhos da Fiocruz “Hoje, nos esforçamos para trazer volumes maiores de cargas e evitar a escassez desses produtos. Mas, se tivermos cancelamentos desse tipo à frente, quando a produção [de vacinas] for maior, teremos problemas”, completa.
Questionado se a crise sanitária no Brasil pode afetar a vacinação, Zuma respondeu que essa “pode ser uma consequência do agravamento de toda a crise”.
A produção de vacinas da Fiocruz depende de mais de 500 itens, entre suprimentos químicos e utensílios laboratoriais —para alguns desses insumos, como frascos e embalagens, a Fundação Oswaldo Cruz tem autossuficiência. Para outros, depende da importação, pois não há produção nacional para suprir as exigências técnicas da vacina.
Em entrevista ao Tutameia [22/3], o cientista Miguel Nicolelis traçou um quadro tenebroso sobre a catástrofe em curso na capital gaúcha, Porto Alegre.
Nicolelis destacou a repercussão internacional da imagem das chaminés do crematório da cidade expelindo fumaça escura provavelmente devido à sobrecarga de queima de corpos com a consequente saturação de resíduos gerados.
Não por acaso, neste sábado [27/3] o jornal The New York Times disse que Porto Alegre é o coração de um colapso monumental do sistema de saúde.
Em menos de 5 minutos de diagnóstico, Nicolelis caracteriza com terrível dramaticidade a dimensão da tragédia. Ele começa dizendo que “Porto alegre parece um foguete decolando … a curva era inclinada e agora ela é vertical”.
“Não tem saída fora do lockdown, porque já explodimos”, afirmou Nicolelis. Em referência ao governador e também ao prefeito Sebastião Melo/MDB, ele questiona: “E o governador do RS quer abrir o comércio. Aí eu me pergunto: em que galáxia este senhor vive? Em que mundo paralelo ele vive?”
Ele faz um alerta: “as pessoas vão morrer nas ruas em Porto Alegre”, e associa a causa disso: “faz anos que o RS está nas mãos de administrações que só fizeram aumentar a miséria, moradores de rua, a falta de acesso à saúde; […] Porto Alegre está sofrendo um processo de decadência”
Nicolelis entende que a pluma de fumaça do crematório sinaliza uma realidade similar a “Los Ângeles [EUA], que o crematório teve de parar devido aos resíduos que estavam sendo espalhados pela cidade” devido ao trabalho excessivo de cremação de mortos.
Na visão dele, “está havendo colapso funerário. Começa a ter atraso nos enterros, atraso no manejo dos corpos, começa a se empilhar os corpos”.
Nicolelis também alerta que em consequência ao descontrole, “começa a ter este tipo de efeito colateral”.
“E de repente explode, e aí você corre o risco de epidemias bacterianas, tifo, contaminação do solo, do lençol freático, dos alimentos”, disse ele, arrematando: “Aí você pode esquecer, aí eu estou falando de anos, para reverter um troço desses, entendeu?”.
Não se trata de acidente, fatalidade ou de algum fenômeno inevitável, como Nicolelis mostra na entrevista [vídeo aqui]. Esta catástrofe sanitária, econômica e humanitária deriva da condução irresponsável dos governos no enfrentamento à pandemia.
Diante da previsão de que, a se manter esta condução irresponsável, pessoas poderão “morrer nas ruas em Porto Alegre”, o que faz o prefeito Sebastião Melo/MDB? Exorta as pessoas a morrerem para salvar a economia!