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O caso Lula e o desafio histórico no STF: acabar com o vale-tudo de procuradores e promotores

Desde 2016, na primeira manifestação ao então juiz Sergio Moro no âmbito do processo do triplex, os advogados de Lula defendem o afastamento de Deltan Dallagnol e dos demais procuradores por parcialidade. Mas só agora, quase três anos depois, é que o Supremo Tribunal Federal terá a oportunidade de analisar o pedido, à luz dos revelações dos chats secretos trazidas pelo Intercept.

É que a defesa de Lula protocolou no final da noite de ontem um habeas corpus em que pede a liberdade do ex-presidente com base na suspeição dos procuradores. É uma ação diferente daquela que tramita no Supremo desde novembro do ano passado, em que o alvo da suspeição é Sergio Moro.

Este HC, o da parcialidade do ex-juiz, deveria ter sido julgado no final do semestre passado, quando o julgamento foi adiado porque os ministros consideraram que não haveria tempo de fazer o debate aprofundado.

Na ocasião, se disse que o HC voltaria à pauta de julgamento na reabertura dos trabalhos do Supremo, agora em agosto. Mas ele continua nas mãos do ministro Gilmar Mendes.

No novo HC, o da parcialidade dos procuradores, a defesa de Lula também pede para ter acesso (compartilhamento) aos arquivos apreendidos com os supostos hackers presos pela Polícia Federal. A defesa quer saber o que esses arquivos contêm em relação a Lula (e só em relação a ele), além do que já foi divulgado pelo Intercept e seus parceiros.

Sobre o afastamento dos procuradores, com base na suspeição deles, os advogados lembram que o dever de imparcialidade não é exigido apenas de magistrados. Procuradores também não podem agir como se estivessem perseguindo alguém. Procuradores, lembram os advogados, são parte de um processo, como acusadores, mas parte sem interesse pessoal.

Os advogados citam um julgamento de 1935 na corte suprema dos Estados Unidos, em que essas balizas se tornaram claras e são lembradas em todo o mundo civilizado como paradigma da atuação de membros do Ministério Público.

“(O interesse) em uma acusação criminal não deve ser ganhar a causa, mas fazer justiça. Assim sendo, ele [Ministério Público] funciona precisamente como servo da lei, para assegurar que o culpado não escape, e que o inocente não sofra. Ele pode processar com seriedade e vigor – de fato, ele deve fazê-lo. Mas, embora possa acusar com firmeza, ele não tem liberdade para acusar sem lastro. Abster-se de utilizar métodos aptos a produzir uma condenação indevida é tanto sua função quanto empregar os meios legítimos para produzir uma justa”, diz o texto, extraído do julgamento em que um cidadão americano, processado injustamente, entrou com ação contra dos Estados Unidos.

A parcialidade de Deltan Dallagnol, lembra a defesa de Lula, se tornou patente desde a apresentação da denúncia contra ele, através de power point, em que o ex-presidente foi apresentado como “comandante máximo do esquema de corrupção identificado na Lava Jato”.

Com os chats revelados, sabe-se agora que, poucos dias antes da denúncia, Deltan Dallagnol expressava insegurança quanto à acusação. O diálogo é transcrito no HC:

A conversa é de 9 de Setembro de 2016 , no Grupo do Telegram “Incendiários ROJ”

Deltan Dallagnol – Falarão que estamos acusando com base em notícia de jornal e indícios frágeis… então é um item que é bom que esteja bem amarrado. Fora esse item, até agora tenho receio da ligação entre Petrobras e o enriquecimento, e depois que me falaram tô com receio da história do apto… São pontos em que temos que ter as respostas ajustadas e na ponta da língua .

No dia seguinte, no mesmo grupo, ele volta a se manifestar:

Deltan Dallagnol – tesao demais essa matéria do O GLOBO de 2010. Vou dar um beijo em quem de Vcs achou isso.

Deltan Dallagnol – Sabemos qual a fonte da matéria? Será que não vale perguntar para a repórter, a Tatiana Farah, qual foi a fonte dela?

Deltan Dallagnol – Acho que vale. Informalmente e, se ela topar, dá para ouvi-la.

Deltan Dallagnol – Pq se ele já era dono em 2010 do triplex… a reportagem é um tesão, mas se convertermos em testemunho pode ser melhor.

Em 16 de Setembro de 2016, Dallagnol conversa com o então juiz Sergio Moro sobre a apresentação que havia feito em power point para acusar Lula. Fica claro que faltam provas.

“A denúncia é baseada em muita prova indireta de autoria, mas não caberia dizer isso na denúncia e na comunicação evitamos esse ponto”, disse ele.

Há várias impropriedades nessa conversa, a começar pela notícia de jornal que fundamentou a denúncia contra Lula.

Desde quando, notícia de jornal é prova de crime?

No caso de Lula, foi, e uma notícia errada.

A história de que Lula teria um triplex no condomínio do Guarujá era um boato recorrente na cidade, nascido de um fato: a família de Lula era mesmo dona de uma cota do condomínio, comprada e declarada em imposto de renda desde 2005.

Aparentemente inseguro quanto à acusação, Deltan, na conversa com Moro, ouve uma manifestação de estimulo, como se Moro fosse seus superior hierárquico.

“Definitivamente, as críticas à exposição de vcs são desproporcionais. Siga firme”, afirmou o juiz.

Com a Lava Jato, Dallagnol se tornou celebridade, palestrante profissional, tentou criar uma fundação com R$ 2,5 bilhões da Petrobras e usou movimentos como Vem Pra Rua e Nas Ruas para emparedar o Supremo Tribunal Federal e manter Lula preso.

Lula já estava condenado antes mesmo do Ministério Público protocolar a denúncia na 13a. Vara da Justiça Federal.

Os chats só confirmam, e não se diga que não podem ser usados na justiça em razão da sua origem ilícita. Provas ilícitas podem, e devem, ser usadas em processos se o objetivo for demonstrar a inocência de um acusado (ou condenado).

Para condenar, provas ilícitas não prestam. Mas, para absolver, servem. Quem manteria alguém preso se provas, ainda que ilícitas, demonstrarem que houve um conluio para produzir uma sentença condenatória?

O tema agora está no STF. Tem alta relevância jurídica e política.

Resta saber se os ministros terão coragem de tomar a decisão de corrigir a injustiça, ainda que essa decisão represente o reconhecimento de que o Ministério Público precisa passar por um lava jato institucional.

 

 

*Por Joaquim de Carvalho – DCM