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Negociadores denunciam manobras de Bolsonaro para se blindar na ONU por esconder seus exames de Covid-19

Em negociações nos bastidores da diplomacia, o governo brasileiro passa a ser visto com suspeitas diante do que tem sido interpretado como uma tentativa de minimizar o papel das diretrizes da ONU para lidar com a Covid-19, blindar o governo e até mesmo justificar a recusa do presidente Jair Bolsonaro de ter de apresentar seus exames médicos.

Nos próximos dias, a presidência do Conselho de Direitos Humanos da ONU vai adotar uma declaração sobre a Covid-19. Num rascunho do texto circulado entre governos e obtido pela coluna, o Brasil fez comentários e pedidos de mudanças no documento.

Ainda que alguns deles tenham sido aplaudidos por governos estrangeiros e ativistas, parte das propostas de Brasília chamou a atenção, inclusive da sociedade civil.

Num dos trechos sugeridos pelo governo, o Brasil quer que a declaração final contenha um parágrafo extra em que se “reconhece os esforços feitos pelos governos nacionais para lidar com a pandemia, por meio de medidas para proteger a saúde, segurança e bem-estar de seu povo, assim como iniciativas para mitigar os efeitos das crises econômicas que afetam em especial os mais fracos e vulneráveis”.

A inserção do Itamaraty neste caso foi recebida como uma tentativa de se distanciar de qualquer tipo de obrigação internacional.

O trecho, se aprovado, ainda chancelaria a ação de todos os governos, inclusive o de Bolsonaro, fortemente criticado no cenário internacional por sua gestão da crise.

Chamou ainda a atenção de negociadores um trecho em que o governo pede uma referência ao “direito à privacidade de dados na luta contra a pandemia”. O gesto foi interpretado como uma possível tentativa de proteção pessoal ao presidente Jair Bolsonaro contra a apresentação dos exames que ele se submeteu.

Fontes no governo garantem que esse não é o objetivo, inclusive pelo fato de o Brasil fazer parte do grupo de países que defendem o direito à privacidade desde o governo de Dilma Rousseff.

Já em outros trechos do documento, as sugestões do Itamaraty apontam para um rebaixamento do valor e peso das Diretrizes do Alto Comissariado de Direitos Humanos sobre a COVID e do trabalho das Relatorias da ONU.

Essa não é a primeira vez que uma ação do governo é recebida com desconfiança internacional. Em abril, o Brasil foi um dos poucos países do mundo que não co-patrocinou uma declaração da Assembleia Geral da ONU pedindo uma cooperação internacional contra o vírus.

Dias depois, a diplomacia brasileira ainda lançou duras críticas contra relatores da ONU que tinham questionado a resposta do governo Bolsonaro diante da pandemia.

“A diplomacia brasileira exercia nos anos anteriores papel de liderança nas discussões na ONU sobre direito à saúde. Sob a gestão do atual governo, esse papel tem que apequenado, tornamos mero coadjuvante. Ou pior, por exemplo no episódio da resolução aprovada pela Assembleia Geral da ONU quando o Brasil esteve entre o enxuto grupo de países que não co-patrocinou o texto”, disse Camila Asano, diretora de programas e incidência da Conectas Direitos Humanos.

“Nessa nova negociação em curso, a diplomacia brasileira deveria ter um papel mais ativo e comprometido com a defesa da vida e da saúde. É esperado tanto que o governo faça sugestões ao texto para uma linguagem mais forte no que se refere ao acesso a medicamentos como também que domesticamente isso se transforme em ações concretas nas ações de combate à covid-19”, afirmou.

No caso do novo texto, parte da agenda conservadora do governo também é reforçada. O Itamaraty quer que, no documento, haja uma referência ao “direito à vida”. A frase é uma maneira de insistir na recusa ao aborto ou direitos sexuais.

Outros trechos, porém, foram recebidos com satisfação por diplomatas estrangeiros. Num deles, o Brasil pede a inclusão do reconhecimento do papel das mulheres nos serviços de saúde. Também se pede acesso à tratamento e alerta para desigualdades sociais.

Mas não deixou de ser recebido com ironia a proposta do Brasil de incluir um parágrafo para indicar que o governo está “preocupado com a proliferação de desinformação sobre a pandemia” e sobre a “importância de prestar informações com base na ciência”.

Nas últimas semanas, diferentes membros do governo têm usado das redes sociais para disseminar notícias questionáveis sobre o vírus. Alguns deles tiveram suas postagens inclusive excluídas por plataformas de redes sociais.

 

 

*Jamil Chade/Uol

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A irremediável ruína de Bolsonaro diante do mundo por seu discurso na ONU

Em tom agressivo, presidente brasileiro mandou duros recados à ONU, a governos, a ONGs e à imprensa, surpreendendo atores internacionais e levando muitos a lamentar.

Jair Bolsonaro não tinha chegado nem sequer à metade de seu discurso e meu WhatAapp, Signal e email já estavam sendo bombardeados por mensagens de diplomatas e representantes de entidades internacionais. Todos chocados com o que estavam ouvindo.

Mas uma das mensagens, particularmente dura, veio de um representante que faz parte da cúpula das Nações Unidas: “Ele (Bolsonaro) acabou de perder a última chance de ser respeitado”. Em outra mensagem, um mediador perguntava: “Há algo mais extremo que essa visão de mundo?”.

Enquanto ele discursava, a câmera oficial da ONU percorria o salão, apenas para registrar rostos fechados, inclusive o da chanceler Angela Merkel.

Depois do vexame do discurso de seis minutos em Davos, em janeiro, de uma participação apagada no G-20 e de ofensas a líderes internacionais, Bolsonaro tinha mais uma chance de mostrar ao mundo que poderia ser moderado e, assim, começar a recuperar seu respeito internacional. Fracassou rotundamente.

Dentro da ONU, não foram poucos os comentários diante de seu discurso. Era esperado do Brasil um sinal de que o país estava pronto a fazer parte do esforço internacional para lidar com desafios globais. Mas Bolsonaro chamou a atenção ao repetir em várias ocasiões as palavras soberania e pátria.

O presidente, sem dúvida, fez questão de reposicionar o Brasil no mundo e na ONU. Mas não da forma que muitos na entidade esperavam.

A ONU, segundo ele, não representa interesses globais. Mas é, sim, um espaço de nações soberanas. “Não estamos aqui para apagar nacionalidades em nome de interesses globais”, disse. E emendou um alerta de que o Brasil não aceitará que haja uma mudança na ONU.

Uma forma de dizer: não mexam comigo. No fundo, o que se viu no palco foi um presidente com um discurso ainda mais radicalizado, intolerante e nacionalista que nas demais reuniões internacionais.

Militarismo, Deus, elogios à polícia e ameaças substituíram palavras como sociedade civil, espaço democrático, diversidade, multilateralismo e o sistema internacional. “Acho que nunca começamos nosso trabalho nesse tom”, lamentou uma fonte.

No lugar de se comprometer com metas ambientais, Bolsonaro preferiu partir para o ataque e rejeitou a tese de que a Amazônia seja um patrimônio da humanidade. Sem citar nomes, fez alusão ao “espírito colonialista” da França e preferiu garantir que a Amazônia está “praticamente intocada”, gerando inúmeros comentários.

Fustigou Raoni, acusado de ser usado como “peça de manobra” em uma guerra pela floresta, e manobrou a própria Constituição. “Bolsonaro distorce argumentos sobre autonomia dos povos originários para negar direitos que a própria Constituição garante”, disse Camila Asano, coordenadora de programas da Conectas Direitos Humanos.

“Categoricamente, anuncia que não promoverá novas demarcações de terras indígenas. É extremamente grave que o presidente tenha usado a Assembleia Geral da ONU como palanque para atacar uma liderança indígena e ameaçar a segurança jurídica das terras ianomâmis e Raposa Serra do Sol, que já estão demarcadas”, afirmou.

Bolsonaro atacou ONGs e a imprensa internacional, proliferou teorias da conspiração e fez um discurso com a forte marca da demagogia de um populista que duvida do poder da democracia.

Ditaduras Bolsonaro também surpreendeu com sua nova apologia às ditaduras do Cone Sul, desta vez feita sem citar nomes. Experientes embaixadores brasileiros admitiram que o que ele fez no palco da ONU não tem precedentes na era democrática do país e poderia se igualar à apologia a um torturados que ele fez em pleno Congresso Nacional, ainda quando era deputado.

Ele justificou o Golpe de Estado de 1964 e as demais ditaduras na região, num tom radicalmente oposto ao que disse José Sarney quando falou no mesmo palco, nos anos 80. Naquele momento, ele lembrou que o Brasil “saiu de uma longa noite autoritária” e se apresentava ao mundo como uma democracia.

Ao citar socialistas cubanos, ele indicou que teriam “tentaram mudar o regime brasileiro” e de outros países. “Civis e militares foram mortos e outros tantos tiveram reputação destruídas. Mas vencemos aquela guerra e resguardamos nossa liberdade”, declarou.

Ao dizer essa frase, ele simplesmente cuspiu sobre a entidade, que o havia criticado por sua apologia às ditaduras. Um dos representantes da ONU exclamou: “não posso acreditar no que estou ouvindo”.

Bolsonaro fez um discurso de guerra, repleto de termos e inimigos dos anos 60 e 70: a ameaça socialista e a necessidade de impedir que nossa soberania seja questionada.

Mas, acima de tudo, ofendeu a muitos naquela sala. Num trecho comentado por vários diplomatas, ele alfinetou os demais governos e entidades, alertando que eles tinham aplaudido os presidentes brasileiros que, por ali, tinham passado.

Sua insistência em citar a Bíblia, os cristãos e Deus foram vistas com cautela, num sinal de que tentará redirecionar a agenda internacional com base nesses valores. “Ele esqueceu que preside sobre um país diverso”, disse um diplomatas.

Ele ainda chocou ao falar das vítimas entre os policiais e não citar os números de mortos pela polícia no Brasil.

Elogios? Apenas para seu mentor, Donald Trump.

Nos minutos que esteve no palco do mundo, não deu garantias, não construiu pontes, não reconheceu os problemas do país.

Usando um tom de voz desafiador, como se o Brasil estivesse em guerra e como se o microfone não estivesse funcionando, Bolsonaro escolheu apenas os inimigos imaginários, enquanto os reais problemas foram ignorados.

Em Nova York, ele apenas confirmou a visão ideológica da política externa e do que será seu governo. E agora o mundo inteiro ouviu, em todas as línguas oficiais da ONU.

“Quando será a próxima eleição?”, me escreveu um experiente embaixador asiático.

 

*Jamil Chade/Uol