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Opinião

1964: Como um país dividido não soube resolver as divergências dentro da Democracia

Ou: 1964, o ano em que “Terroristas” tomaram o controle no Brasil!

Márcio Antônio Estrela*

O Golpe Militar de 1º de abril de 1964 foi um ato “Terrorista”, com o qual se derrubou um Governo Constitucional e se instalou uma Ditadura no Brasil. Foi “Um Golpe na Democracia”.

O golpe significou a vitória dos “Terroristas” no Brasil. “Terroristas” que permaneceram 20 anos no poder.

=> Sim, só pode ser chamado de “Terrorista” um grupo que tramou contra a Democracia e derrubou um Governo constitucionalmente constituído para impor um regime de terror e perseguição, ditatorial e excludente.

O golpe militar ocorreu no dia 1º de abril de 1964, mas porque seria muito ridículo comemorá-lo no “Dia da Mentira”, resolveram mudar seu aniversário para a véspera, 31 de março de 1964.[1]

Não foi contragolpe. não havia ameaça real de luta armada de esquerda antes do golpe de 1964.[2]

=> Uns poucos até podiam sonhar com uma revolução “à Cuba”, mas eram isolados, sem força nem condições de viabilizar uma ameaça minimamente real. O que se teve de tentativa de luta armada surgiu pós-Golpe, em uma tentativa (equivocada, reconhece-se hoje) de reagir à ditadura.

=> Mais, colocavam no ar o “espantalho” da ameaça de uma ditadura de esquerda que acabaria com a democracia (ameaça que não existia). Bem, para “nos livrar” da ameaça ficcional, implantaram uma ditadura real que acabou de fato com a democracia; perseguiu, torturou e matou quem pensava diferente; censurou a imprensa (não é por acaso que não existem notícias contra, denúncias de corrupção etc. – quem publicasse algo contra era preso e torturado), mergulhando o Brasil em 20 anos de “escuridão”. Metaforizando, foi algo como: “há um risco mínimo de uma pessoa ser atropelada ao atravessar uma rua e morrer; para evitar esse risco pequeno de morrer atropelado, um agente dá um tiro na cabeça dessa pessoa matando-a antes para ela não correr o risco de morrer atropelada…”

É importante, em uma análise histórica, desmistificar os “argumentos” dos Golpistas: ao contrário do que os que implantaram o golpe propagaram, o Golpe foi “Contra a Maioria”.[3]

=> Desconstruindo a manipulação de que a maioria do Brasil era contra Jango, uma pesquisa IBOPE (que de esquerdista não pode ser acusado) – tanto que foi convenientemente abafada e escondida à época e só revelada em 2014 – mostrava que Jango tinha amplo apoio popular, maior aprovação que JK.[4] O próprio FHC afirma que Jango ganharia se disputasse a eleição em 1964.[5] A popularidade do Jango foi confirmada no Plebiscito do presidencialismo. E a pesquisa do IBOPE apenas comprovava que essa popularidade se mantinha.

Jango era sim popular, mas em um país dividido.

=> Sim, a chamada “classe média” estava assustada com as diversas manifestações de um Brasil em discussão (greves, manifestações etc.). Tudo piorado pelo contexto da “Guerra Fria” e o medo de outras revoluções socialistas no “Quintal dos EUA”, nossa América Latina.

=> Mas os operários, os trabalhadores do campo, os de menor renda estavam com Jango. Até alguns industriais.

A diferença era que só as manifestações de uma metade apareciam nos jornais, rádios e TVs, dando a sensação de todos pensarem assim. Isso é perfeitamente demonstrado no livro de René Armand Dreifuss, com base na sua tese de doutorado no Reino Unido, feito somente com documentos do Departamento de Estado dos EUA.[6]-[7].

=> Alguns viram mesmo marchas imensas “com (apesar de) deus”, contra Jango. Assim como outros viram multidões na Central do Brasil, a favor de Jango.

– Não há opinião pública; há opinião publicada” – Winston Churchill.

O IPES/IBAD de Golbery foi decisivo na montagem de um clima pró-golpe militar de 1964 (algo como o instituto Millenium atual, mas com compra de parlamentares também).[8]

Propagava-se que as “reformas de base” seria a implantação do Comunismo. Mas estas nada tinham de comunismo, exceto como “espantalho” para assustar as beatas em tempos de “Guerra Fria”… Tanto que foram implantadas – parte até pela ditadura – com bons resultados.

=> No Brasil, Jango trabalhava por “Justiça Social”, algo bem distinto de Comunismo. Mas por manipulação, se colocava o “espantalho” do Comunismo para tentar inviabilizar qualquer política que beneficiasse as classes populares mesmo que os custos para os mais ricos fossem mínimos.[9]

“Ouro de Moscou” não existiu – pelo menos nunca se comprovou. Mas dólares do “Tio Sam” sim: um terço dos deputados foi eleito com dólares repassados pelos Estados Unidos com o compromisso de fazer oposição sistemática a Jango! E maletas de dólares compraram, ainda, o decisivo apoio do comandante do 2º Exército em SP. E quem revela isso não são cubanos, chineses ou soviéticos; são os EUA, com os próprios documentos do Departamento de Estado liberados para consulta…

=> Uma análise concisa de como o exército brasileiro foi sendo convertidos de “progressistas” a “reacionários” pode ser encontrada do Blog “Espasmos Reflexivos”, na postagem sobre “Realinhamentos ideológicos no Exército brasileiro desde sua criação: de popular e nacionalista, passando por anticomunista e nacionalista até o neoliberalismo atual”.

E os documentos do Departamento de Estado revelam mais: a 4ª Frota Americana foi despachada para dar apoio ao Golpe. Não apenas despacharam, como até cobraram pelas despesas – enviaram uma fatura que, obviamente, os ditadores brasileiros se recusaram a pagar. Essa manobra militar foi importante e era de conhecimento de Jango. Segundo o depoimento do senador Pedro Simon ao repórter Genetón Moraes Neto no programa “Dossié GloboNews”,[10] Jango considerou que uma reação ao Golpe levaria a uma guerra civil,[11] provocando uma intervenção direta dos EUA, que seria ainda mais prejudicial aos interesses nacionais. Assim, Jango desistiu de reagir[12].

=> Este contexto histórico da frota americana ter voltado pelo fato de o golpe ter ocorrido antes foi até utilizada como fundamentação para um filme de humor brasileiro, “Reis e Ratos”, de 2012).[13]

Mas não dá para negar que se vivia um período conturbado, um país dividido que, infelizmente, não soube resolver as divergências dentro da democracia.

=> É sempre perigoso para a democracia a inexistência de uma oposição viável eleitoralmente. Quando os grupos de oposição não conseguem se viabilizar eleitoralmente, passam a considerar o golpe como única forma de chegar ao poder. Foi o que aconteceu com a UDN desde o pós-Guerra até o golpe. Um pouco disso se repete atualmente.

Longe de mim negar que o Brasil estava conturbado em 1964. Mas a solução era democrática, tinha que ser. A opção pelo Golpe foi uma manobra de uma oposição sem voto e contra a maioria.

– “A Democracia é a pior forma de governo que existe, à exceção de todas as demais” – Winston Churchill

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Política

Lula & Alckmin estrelam o novo melodrama que a imprensa criou da política

The Intercept – Por Fabiana Moraes: “Divergências”, “ataques”, “rivais”, “inimizade”, “ofensas”: quando os primeiros boatos sobre a possível chapa Lula-Alckmin começaram a circular, diversos termos que indicavam animosidade entre os dois políticos pulularam no noticiário. Era hora de lembrar de antigos debates, acusações, ofensas; de um venenozinho aqui, outro venenozinho acolá. Refrescaram ativamente a nossa memória: cês tão lembrados que um já chamou o outro de “leviano”, que por sua devolveu com um “mentiroso”? Ai que delícia, é briga!

Esta recente produção jornalística sobre a provável dupla exemplifica como jornais e jornalistas agem muitas vezes tal qual um veículo voltado para a vida afetiva das celebridades, narrando dramas, separações e uniões de personagens que não parecem, por exemplo, legislar sobre nossas vidas, mas sim estrelar um novelão meio ruim. Ok, sabemos que há tempos política e entretenimento são também uma coisa só – não esqueçamos que Trump e Doria, por exemplo, saíram de reality shows –, mas estamos falando de uma cobertura diária que insiste em tratar como anormais questões absolutamente comuns e pertinentes ao campo da política, como acordos, disputas, coligações, uniões estratégicas etc. Além disso, essa cobertura ainda confere papéis bastante marcados a todos: há sempre um vilão (Bolsonaro? Lula? Xi Jinping?), um mocinho (Moro? Dallagnol? Biden?), um monstro (a corrupção) e uma vítima (nós, a sociedade).

Isso tem um custo social – e ele é alto: ao preferir “vender” ao público a ideia de que aquele espaço é povoado apenas por pessoas de caráter duvidoso que se juntam e se repelem sem maiores justificativas e ao contribuir com o senso comum do “político é tudo igual”, a imprensa acaba destruindo a própria política. E vocês sabem: esse desprezo por esse lugar central da nossa vida nos levou até um anti-sistema de araque que usa a faixa presidencial, manda mensagens no WhatsApp às quatro da manhã e corre atrás de militares e emas enquanto o país é depenado.

Dizer isso não é fechar os olhos para conluios realizados com o único objetivo de se apropriar do dinheiro público e garantir benesses pessoais – sim, espaços como o Congresso estão repletos deles, taí o orçamento secreto para nos mostrar (o jornalista Breno Pires vem traduzindo bem o esquema há tempos). Mas uma cobertura baseada tanto em fla-flus quanto na espetacularização de operações – te invoco, Lava Jato – não trouxe efetivamente nenhuma melhoria para que este Congresso honrasse os votos recebidos, pelo contrário.

O ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Em uma análise da imprensa que inclui outros espaços midiáticos levando em consideração capas de revistas, manchetes, memes e redes sociais, a pesquisadora Yvana Fechine, da pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco, a UFPE, percebe que, no Brasil, a abordagem melodramática é a marca por excelência da cobertura noticiosa da política. “Ela é marcada pela redução da realidade a dramas morais e à fixação de atores políticos em certas identidades, em papéis temáticos, como o vilão e o ladrão, e na qual o tema da corrupção é bem vocacionado para esse tipo de narrativa”.

Nesse sentido, a famosa “polarização”, palavrinha doce entre jornalistas que pesam na mesma balança carroça e avião, extrema direita e centro-esquerda, é o espaço perfeito para a fixação destes personagens onde não cabe qualquer complexidade: o caçador é sempre caçador, a bruxa é sempre má, a mocinha está sempre à espera da salvação. “O melodrama é essa cristalização de certos papéis nos quais os personagens não têm nenhuma subjetividade, nenhum psicologismo. Isso dialoga muito com a importância do melodrama nos países latino-americanos, em especial as telenovelas. É um sistema de personagens sem profundidade, do tipo dominador e dominado, o bem versus mal, os decentes versus os indecentes. Dentro desse jogo de papéis, o povo é sempre a vítima”, continua Yvana.

De fato, o personagem da corrupção é aquele mais evocado para garantir audiências e dar emoção à novela. Ele é difuso, generalizado, tem muitos dentes e está sempre ali, pronto para atacar. Lembro bem como ele era repetido continuamente no Jornal Nacional, nos anos 90, assombrando a hora do jantar da minha família. Ao mesmo tempo, nos apresentavam em rede nacional justamente um herói que iria salvar o Brasil da peste: Fernando Collor de Mello. Como no caso do presidente anti-sistema de araque, vocês também sabem onde essa história foi parar.

Mais recentemente, a receita foi novamente oferecida, com a imprensa elegendo Moro e Deltan como o Batman e o Robin que iriam nos livrar da corrupção então personificada pelo Charada, o ex-presidente Lula. Pode soar como brincadeira, mas o fato é que a operação causou um impacto enorme no setor social e econômico do país, como observou uma pesquisa do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, o Dieese: R$ 172,2 bilhões deixaram de ser investidos no país de 2014 a 2017. Além disso, 4,4 milhões de empregos teriam sido extintos. O assunto foi discutido pelo advogado Walfrido Warde no livro “O Espetáculo da Corrupção”, no qual ele analisa os maiores erros da força-tarefa empreendida pelo MPF de Curitiba.

O autor compara a corrupção a um câncer sistêmico que, sem dúvida, precisa ser combatido, mas percebe os muitos efeitos colaterais do modus operandi comum, também, a setores da imprensa. A demonização da política, a desmoralização das instituições e a espetacularização das ações estão entre as práticas mais danosas. Ele argumenta que a concepção de uma política nacional de combate à corrupção precisa, por exemplo, de uma ação articulada entre órgãos e agentes públicos que trabalhem buscando parceria, e não protagonismos e estrelato – é impossível não lembrar aqui dos citados juiz e procurador de Curitiba que, após tornarem-se celebridades, vão em busca de cargos políticos. Para Walfrido, é preciso “uma política que se afaste do moralismo barato e alienado, que seja capaz de distinguir e de separar o que tem utilidade daquilo que não presta, e que prefira o pleno ressarcimento dos cofres públicos à vingança”.

Pois é.

Criador do canal e podcast Fora da Política Não Há Salvação, o cientista político Cláudio Couto, da Fundação Getúlio Vargas, pensou o programa justamente para discutir e popularizar a conjuntura política nacional sem simplificações que mais embotam do que iluminam a temática. Cláudio há muito percebe a criminalização da política e dos atos costumeiros à mesma, como acordos e coalizões.

Além disso, falácias como atribuir uma maior qualidade a uma pessoa porque ela tem mais perfil “técnico”, e não político ou ideológico (como vimos extensamente na cobertura da pandemia), também contribuem para que o olhar público sobre espaços como assembleias legislativas e poder judiciário seja sempre enviesado. “É preciso lidar com a política como um dado da realidade, e isso implica em defender a democracia”, diz ele, um crítico do termo “polarização” como sinônimo de “extremo”. “É uma posição preguiçosa, que considera atores do campo democrático antigos como PT e PSDB no mesmo espaço de um radical extremista como Bolsonaro. Ao mesmo tempo, essa imprensa é incoerente, pois se referia a Viktor Orbán como sendo da extrema direita”, continua ele se referindo ao ultradireitista primeiro-ministro húngaro, uma referência para o (infelizmente) presidente brasileiro.

O ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Com o melodrama correndo solto – e a desinformação idem –, o grande desafio de quem procura traduzir o cotidiano da política no debate público é ainda maior. Assim como Cláudio Couto, Yvana Fechine também tem, ao lado de professoras/es e alunas/os da UFPE, realizado debates políticos em um programa de rádio/podcast, o Fora da Curva. Ela assume que a tarefa não é simples. “Quando a imprensa reduz tudo isso a papéis e a narrativas simplificadas, esvazia a própria complexidade da política, um desserviço para população. A dificuldade é encontrar um discurso que não seja redutor e simplista, que seja compreensível para uma população que muitas vezes não tem formação política”.

Um exemplo, diz Yvana, são as diversas matérias sobre o preço da gasolina, que trazem números vários, mas não evidenciam que o valor alto do combustível está diretamente associado a uma decisão comemorada pelo mercado e parte da imprensa em 2016, quando a Petrobras passou a acompanhar o preço de commodities praticado no mercado internacional. “A busca é por uma abordagem crítica, um pensamento feito com profundidade e ao mesmo tempo que traduza a realidade. Não é entendendo que a audiência é formada por Homers Simpsons, mas superando os clichês redutores”.

Um dos casos recentes mais interessantes da popularização do debate político se deu através de uma iniciativa entre a cantora Anitta e a advogada e professora Gabriela Prioli, que se uniram ano passado para realizar uma série de lives sobre política. As perguntas são super básicas – e por isso mesmo importantes para quem tem pouco conhecimento sobre a política brasileira e quer se iniciar. “O que são os três poderes?”, pergunta a cantora, que escuta da também apresentadora quem são os atores de cada âmbito em nível federal, estadual e municipal, assim como suas responsabilidades.

Na época, várias pessoas criticaram a ação – ou melhor, o desconhecimento de Anitta sobre o que membros das assembleias legislativas, por exemplo, fazem a partir do momento em que são eleitos (mas e um presidente da República, que não conhecia uma autarquia que está sob a responsabilidade dele, o Iphan?). “É pedantismo puro, foi uma ação superlegal, que produz efeitos importantes, que abre espaço. O caminho é muito por aí”, diz Cláudio. Concordo: é somente, por exemplo, compreendendo de saída quem é quem nos espaços de poder que apitam na vida pública, quais são suas funções, limites e responsabilidades, que podemos localizar melhor os diversos atores (eleitos ou não) que frequentam as manchetes dos jornais. A partir daí, tenho fé, vamos achar mais absurdas ou no mínimo risíveis matérias como esta, publicada na revista Veja, na qual tanto o título quanto o texto se perguntam se Lula e Alckmin são, agora, “novos amigos”.

Não, isso é política – e, no caso do Brasil, sobrevivência –, estúpido.

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