Categorias
Uncategorized

A América Latina na mira dos milicianos

As milícias se tornaram a ponta de lança do golpe boliviano e modelo para toda a região.

Ao que tudo indica, o que está acontecendo na Bolívia de hoje não é um levante popular. Foram as milícias as responsáveis pelos atos que geraram a total desestabilização do sistema político boliviano. Nos dias que sucederam as eleições, inúmeros representantes do governo, do judiciário e dos parlamentares eleitos foram atacados em suas casas, com suas famílias, por milicianos e renunciaram aos seus mandatos. Não por pressão política, mas por violência explícita. O caso mais escandaloso noticiado pela imprensa brasileira é o da prefeita Patrícia Arce, da pequena cidade de Vinto, próxima a Cochabamba, que foi arrastada pelas ruas, agredida, humilhada e teve seu cabelo cortado. Considerou-se a sua renúncia, mas como se pode discutir renúncia nesse contexto de violência?

As milícias se tornaram a ponta de lança do golpe boliviano. E este é o ensaio – a antessala dos movimentos golpistas. México em primeiro lugar e Brasil em seguida têm a mesma estrutura da boliviana. Um misto de milicianismo messiânico invade o Estado com seus tentáculos pela ação política e o método da repressão.

O que preocupa e deve ocupar nossa atenção é o modelo. Não estamos diante dos golpes institucionais (que podem ser mais lentos e custosos) ou dos golpes militares (que têm sua legitimidade previamente questionada). As milícias podem se camuflar do clamor das ruas, são militarizadas, mas bem menos burocráticas que os aparelhos estatais e conseguem se mobilizar rapidamente. Com uma faísca política acesa é possível acionar essa estrutura de violência que tem por objetivo provocar um choque que cala a própria democracia.

Para as milícias atuarem é preciso que as forças de segurança nacional e local não atuem de forma a garantir o Estado de Direito. Dada a interpretação peculiar de que parte das forças armadas tem espaço dentro das milícias, inclusive com membros correlatos em ambas as instituições. Não existem milícias sem a leniência no Estado e sem ações de apropriação do bem público. Milícias são máfias que vendem proteção contra a violência delas próprias e com isso se apropriam de vários outros negócios onde a regulação pública não consegue ou não quer atuar.

Guardadas as devidas proporções que distanciam o tempo e o espaço, não é coisa recente o uso de grupos paramilitares para atingir objetivos políticos de grupos minoritários pelo terror contra minorias. A noite dos cristais da Alemanha Nazista é a mais conhecida ação de grupos milicianos a serviço da política contra o Estado. Numa mesma noite, casas, comércio, sinagogas judaicas foram invadidas, depredadas e a violência caracterizou a violência alemã sobre os judeus que levou cerca de 30 mil aos campos de concentração, calando qualquer oposição à política antissemita do III Reich.

O que ocorreu na Bolívia recentemente merece ser esclarecido e interpretado. O que se supõe tem respaldo na realidade? Podemos supor que o que ocorreu é uma reação espontânea ou pontual aos acontecimentos eleitorais ou ao confuso sistema de contagem de votos boliviano em reação a um quarto mandato de Evo Morales? Ou é uma ação orquestrada de desestabilização política para forçar um golpe de Estado que tem traços fascistas?

Isso pode ter efeito diverso. Supondo que temos mais indícios de que a segunda hipótese é mais consistente que a primeira, o que provocou toda a instabilidade política foi uma ação paramilitar de um grupo organizado que estava às margens do Estado que foram acionadas por líderes que não querem usar os mecanismos legais disponíveis para questionar os procedimentos e antecipar qualquer movimento para controlar a decisão – portanto, é absolutamente antidemocrático.

Somando-se a esse fato, podemos argumentar que as forças progressistas já estão derrotadas. Supondo que na Bolívia a situação retome a normalidade e os radicais sejam afastados do poder, mesmo assim, não será Evo Morales que retorna com poderes presidenciais, mas retoma o neoliberalismo radical que ampliou as desigualdades sociais e fortaleceu os super-ricos como caminho intermediário ou moderado (esse é o ponto, os milicianos levam a situação ao absurdo tão exagerado, que o absurdo econômico se torna razoável).

A mesma agenda que foi derrotada nas urnas no início do século e novamente se encontra em plena derrocada é a que sustenta silenciosamente as atrocidades bolivianas. Porque assim como a insatisfação popular generalizada está ligada à ampliação da desigualdade social e a transferências da crise de 2008 aos mais pobres, a reação miliciana travestida de religiosidade está ligada ao fortalecimento do neoliberalismo e do status quo através de uma categoria social que quer oprimir minorias e pautas progressistas.

Nesse sentido, o neoliberalismo triunfando na Bolívia, mesmo que Macho Camacho não se torne o presidente, a retomada da estabilidade na Bolívia passa pelo reconhecimento antidemocrático do neoliberalismo. E o antidemocrático neste caso tem efeito direto no empobrecimento do povo e no enriquecimento de uma restrita elite.

 

*Por Luis Fernando Vitagliano

*Com informações do Desacato

Categorias
Uncategorized

Vídeo: Voo de Evo Morales da Bolívia ao México poderia ter sido uma tragédia

Cidade do México. O chanceler Marcelo Ebrard relatou hoje a tensa viagem que Evo Morales fez da Bolívia até o México.

Segundo Ebrard, a aeronave Gulfsteam 550, placa XC-LOK e número de registro 3916, da Força Aérea Mexicana (FAM), partiu para Bolívia para pegar Morales, por instruções do presidente Andrés Manuel López Obrador.

-O avião pousa em Lima. Tem que esperar a autorização para entrar na Bolívia, onde “não se sabe quem decide o quê”.

-Autoridades bolivianas autorizam a entrada e o avião decola.

-No espaço aéreo da Bolívia, o avião recebe o aviso de que a permissão para entrar no país já não é válido. A aeronave retorna para Lima.

-Mais horas de espera em Lima para receber a autorização. Intervêm a embaixadora mexicana María Teresa Mercado; o vice-secretário Maximiliano Reyes e o próprio Ebrard.

-O Comando da Força Aérea da Bolívia dá a permissão de entrada, “o que também diz quem é que tem o poder” nesse país.

-A aeronave chega no aeroporto boliviano onde esperava Morales. A rota prevista de retorno era a mesma da viagem de ida, ao contrário: a Lima, para abastecer combustível e depois águas internacionais até o México.

-Por volta das 19.30 horas da segunda-feira, a chanceleria peruana informou que “por questões políticas” se suspendia a escala em Lima.

-Surge uma situação tensa: nos arredores do aeroporto onde estava Morales tinha se reunido uma multidão dos seus seguidores; dentro do terminal tinha elementos das forças armadas. Foi um dos momentos de “maior tensão”. Enquanto se pensava um “plano B”, poderia ter acontecido uma situação muito difícil no aeroporto, já estando Evo Morales a bordo do avião da Força Aérea Mexicana.

-Ebrard fala com o chanceler paraguaio Antonio Rivas para procurar uma saída para o avião. Ao mesmo tempo, o presidente eleito argentino, Alberto Fernández, faz a mesma gestão com o mandatário do Paraguai, Mario Abdo Benítez.

-Rivas informa que o Paraguai aceita o pouso do avião em Assunção. O chanceler diz que entende a situação do México e que o caso pode “virar uma tragédia”. A decisão política se consegue, mas a tramitação da permissão demora.

-Nova intervenção da embaixadora Mercado para conseguir a permissão de saída do avião porque a Força Aérea boliviana ameaçava com impedir a decolagem, que finalmente se deu “por um milimétrico espaço”.

-Com o avião em Assunção, o México pede para o Peru permitir que o avião atravesse seu espaço aéreo, o que o governo de Lima autoriza.

-Também é consultado o chanceler do Equador, José Valencia, se seu governo permitiria que a aeronave pousasse em seu, no caso de precisar de combustível. Quito permite uma eventual escala em Guayaquil.

-A Bolívia comunica que já não autoriza a passagem do avião por seu espaço aéreo de volta de Assunção a caminho do Peru.

-O embaixador do Brasil em La Paz, Octávio Henrique Dias García Côrtes, oferece sua ajuda. Junto com o embaixador mexicano em Brasília, José Ignacio Piña, gestionam de madrugada uma permissão para que a aeronave voe sobre a linha fronteiriça entre a Bolívia e o Brasil. A rota seguiria para o Peru e o Equador a caminho da Cidade do México, já sem escalas.

-Com as permissões do Brasil, Peru e o Equador, o avião decola de Assunção por volta das 02:00 horas da terça-feira (hora mexicana).

-Já sobre o espaço aéreo do Equador, o avião recebe o aviso de que não tem permissão para entrar no país. A aeronave inicia um rodeio para alcançar aguas internacionais. Um segundo aviso do Ministério das Relações Exteriores do Equador confirma que tem permissão. São quase as 8 da manhã no México.

Leia mais: Evo Morales e García Linera chegam no México como asilados políticos.

https://youtu.be/t6yTtD8Cuak?t=8

 

*Tradução: Tali Feld Gleiser

*Desacato

Foto: O Globo

Categorias
Uncategorized

Vídeo: Rússia, China e Grupo de Puebla rechaçam golpe na Bolívia

Assistam abaixo ao vídeo em que saqueiam a casa de Evo Morales

Governo Putin usa a expressão “golpe orquestrado”, e lembra relação de amizade com o governo de Evo Morales. Chineses pedem restauração da estabilidade e latino-americanos denunciam “história de interrupções democráticas”.

Ainda repercutindo a deposição do governo eleito de Evo Morales, o governo russo condenou “a onda de violência desencadeada pela oposição” que resultou na derrubada do ex-presidente boliviano. Por sua vez, a chancelaria da República Popular da China clamou para que os conflitos no país sejam resolvidos no marco da constituição boliviana. O Grupo de Puebla, que reúne líderes da esquerda latino-americana, destacou a violência desencadeada pelas forças conservadoras que desatou num golpe de Estado, neste domingo (10), que contou com a anuência das Forças Armadas bolivianas.

“Causa profunda preocupação que a vontade do governo de buscar soluções construtivas, com base no diálogo, foi rejeitada por eventos que tem um padrão de um golpe de Estado orquestrado”, diz a nota assinada pelo ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov. Ele apelou para a todas as forças políticas da Bolívia para que sejam “sensatas e responsáveis” e encontrem uma solução constitucional que restaure a governabilidade e também garanta o desenvolvimento social e econômico do país, ao qual os russos se dizem ligados “por uma relação de amizade”.

O governo chinês se pronunciou por meio do porta-voz da chancelaria, Geng Shuang, e pediu que disse esperar que “todas as partes possam encontrar uma solução nos marcos da Constituição a fim de restaurar a estabilidade política e social na Bolívia”.

Grupo de Puebla

Reunidos durante este final de semana, em Buenos Aires, o fórum de líderes de esquerda da América Latina prestou solidariedade ao povo do país vizinho e afirmou que “mais uma vez, a Constituição e o Estado de direito da Bolívia foram violados, interrompendo um mandato constitucional” e denunciaram “humilhação de autoridades, invasão, saques e incêndio de residências, sequestro e ameaças de familiares” no país andino contra o governo Morales. A nota é assinada pelos ex-presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, pelo ex-chanceler Celso Amorim, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, além do ex-presidente paraguaio Fernando Lugo e políticos do México, Colômbia, Argentina, Chile e Uruguai, entre outros.

“Todas a iniciativas de diálogo e negociação oferecidas pelo governo do presidente Evo Morales foram rechaçadas. As recomendações da OEA (Organização dos Estados Americanos) para a realização de uma nova disputa eleitoral foram aceitas pelo presidente Morales, dirigidas ao Parlamento boliviano, incluindo a recomendação de renovação completa das autoridades eleitorais e a possibilidade de contar com novas candidaturas. Mas a oposição optou pela intransigência, radicalização e ruptura democrática, abrindo um grave antecedente de um novo golpe de estado na larga história de interrupções democráticas do país”, diz a nota divulgada pelo Grupo de Puebla.

Evo Morales aos golpistas: ‘Assumam a responsabilidade de pacificar o país’

Presidente, que teve a casa invadida e depredada, denuncia violência e declara temor de derramamento de sangue pelas forças opositoras.

O presidente da Bolívia, Evo Morales, obrigado pelas Forças Armadas a renunciar ao mandato, mandou nesta segunda-feira (11) um recado aos militares e personagens da oposição que lideraram o golpe de Estado, pedindo para que “assumam a responsabilidade de pacificar o país”, demonstrando preocupação com um potencial derramamento de sangue no país, caso haja confronto com os movimentos populares daquele país, que já declararam disposição de resistir e restabelecer a normalidade democrática. Antes de renunciar ao cargo, neste domingo (10), Evo denunciou o excesso de violência comandado pela oposição, com sequestros e torturas de membros do governo, invasão de prédios estatais e incêndio a casas. Até a casa de Evo, em Cochabamba, foi invadida e depredada.

 

 

*Da Rede Brasil Atual