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Emendas de líder do governo Bolsonaro viram moeda de troca política

Bezerra Coelho destina verba para cisternas em PE, mas moradores veem ‘politicagem’ em prefeitura chefiada por filho do senador.

Em 12 de setembro, o prefeito de Petrolina (PE), Miguel Coelho (DEM), usou uma rede social para fazer propaganda da entrega de 150 cisternas a famílias da localidade de Icó, na área rural do município, revela reportagem da Folha.

“Ao todo, serão 1.000 cisternas implantadas na zona rural, sendo que 300 já foram entregues, ação feita pelo trabalho da nossa força política em Brasília, com os recursos destinados pelo senador Fernando Bezerra Coelho e o deputado Fernando Filho, em parceria com a Codevasf”, postou Miguel.

A Codevasf é um órgão federal, e a força política em Brasília citada pelo prefeito pode ser traduzida como as chamadas emendas de relator, modalidade incluída no Orçamento de 2020 pelo Congresso, que passou a ter controle de quase o dobro da verba federal de anos anteriores.

O principal destinador dessas emendas para a compra de cisternas em Petrolina é o pai de Miguel, o senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), líder do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) no Senado.

A distribuição desses reservatórios de água com verba federal, porém, está contaminada pela “politicagem”, segundo relato de moradores da zona rural do município.

Em Petrolina, a 713 km do Recife e com população estimada de 360 mil habitantes, a entrega das caixas-d’água não atende necessariamente a quem mais precisa, e sim a quem a aceita como moeda de troca ou é mais próximo dos políticos.

O resultado disso é uma situação insólita em meio a uma região atingida pela estiagem: excesso de cisternas para aliados e escassez para quem não adere ao chamado toma lá, dá cá, alvo de críticas de Bolsonaro na campanha de 2018, mas depois consolidado ao longo de seu governo.

Atualmente, a emenda de relator é peça-chave no jogo político em Brasília, pois é distribuída por governistas em votações importantes no Congresso. O dinheiro disponível neste ano é de R$ 16,8 bilhões.

Desde o ano passado, o Palácio do Planalto e aliados usam os recursos de emendas de relator para privilegiar aliados políticos, ampliar a base de apoio deles no Legislativo e, assim, evitar o início de um processo de impeachment contra Bolsonaro.

Não há uma base de dados pública com a lista de deputados e senadores beneficiados por essa negociação política, o que levou o mecanismo a ser congelado pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

Em documentos do Ministério do Desenvolvimento Regional, a Folha encontrou informações que ligam R$ 125 milhões em emendas de relator de Bezerra Coelho, em 2020, à 3ª Superintendência da Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba), com sede em Petrolina.

Desse total, cerca de R$ 7 milhões foram destinados para a aquisição de 2.000 cisternas de polietileno com capacidade para 15 mil litros cada, segundo relatório fornecido pela Codevasf à Câmara Municipal de Petrolina, por solicitação do vereador Gilmar dos Santos Pereira (PT).

No fim do mês passado, a reportagem visitou a localidade de Icó de Né Gomes, nas proximidades do local da realização da cerimônia de entrega dos reservatórios, que também contou com a participação do senador em setembro.

Nas fotos do evento, ele aparece ao lado dos filhos políticos, como o prefeito da cidade.

Moradores relatam discriminação política na distribuição dos reservatórios pela prefeitura. Segundo eles, aqueles que nas eleições a vereador de 2020 declararam apoio à campanha do atual secretário de Agricultura do município, Gilberto de Sá Melo, foram contemplados com as cisternas.

Há casos, inclusive, de pessoas que receberam uma segunda cisterna de polietileno, apesar de já possuírem os reservatórios de alvenaria, em razão de terem feito campanha pela candidatura de Gilberto, dizem os sertanejos.

Ainda de acordo com os moradores, aqueles que à época declararam apoio a outros candidatos a vereador, colocando em suas casas cartazes de adversários de Gilberto, deixaram de receber cisternas, apesar de suas demandas.

A prática relatada é comum no interior do país. Eleições municipais envolvem troca de favores e ameaças.

Em locais atingidos pela seca, como já relatado pela Folha, é comum o candidato oferecer caminhão-pipa para abastecer a cisterna do eleitor, que, em troca, expõe o cartaz da campanha na porta de casa.

Outra prática da chamada “politicagem” é o empréstimo de pequenas máquinas, como tratores, para que o eleitor acelere o plantio de subsistência.

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Na disputa pelo poder, Globo usa jornalismo como moeda de troca

As manifestações contra o corte de recursos das universidades públicas levaram mais de um milhão de pessoas às ruas de todo o Brasil na última quarta-feira.

Comparáveis às manifestações em defesa das eleições diretas-já para presidente da República, nos idos de 1984 e 1985, elas têm, desde agora, lugar assegurado na história como 15M, o dia em que a população disse um basta ao governo do ultraliberal Jair Bolsonaro.

Nesta mesma quarta-feira, por volta das 13h30, um ruidoso grupo de estudantes que se dirigia, em passeata, à praça Raul Soares, em Belo Horizonte, onde haveria o encerramento formal da manifestação, acabou parando, por alguns minutos, na porta de um bar.

Os jovens foram atraídos pela cobertura que o Jornal Hoje, da TV Globo, fazia, ao vivo, das manifestações.

Quando apareceram no vídeo imagens do ato na capital mineira, com as informações de que o centro da cidade estava tomado por jovens com cartazes e bandeiras críticas a Bolsonaro, explodiram aplausos, gritos e palavras de ordem.

Houve até quem garantisse que, a partir daquele momento, o governo não tinha mais o apoio da família Marinho.

Os estudantes estão certos ao perceberem que a TV Globo acabava de dar uma guinada na postura que vinha mantendo em relação a Bolsonaro.

Mas ainda é cedo para dizer que a família Marinho desembarcou do projeto que ele representa.

A TV Globo, como se sabe, foi fundamental para que Bolsonaro chegasse ao poder, mesmo o capitão estando longe de ser o candidato dos seus sonhos.

O que a Globo queria e, nesse quesito, obteve muito sucesso, era impedir o retorno do PT ao poder e a retomada de um dos projetos de inclusão social mais bem-sucedidos no mundo.

Como temos procurado mostrar nesta pesquisa sobre o Jornal Nacional, que estamos realizando há mais de um ano, trabalhar com um objeto multifacetado como a televisão se constitui em permanente desafio.

Para se ter ideia da complexidade desse tipo de pesquisa, basta lembrar os ensinamentos do filósofo italiano Antônio Gramsci (1893-1937) sobre a atuação dos jornais como partidos políticos.

Referindo-se à imprensa italiana do início do século XX, foi ele quem primeiro chamou a atenção para esse fato.

Nos dias atuais, já é praticamente consenso entre estudiosos da mídia e da ciência política que a mídia vem, historicamente, substituindo os partidos políticos em algumas de suas funções tradicionais, como a construção da agenda pública (agenda setting), geração e transmissão de informações políticas e fiscalização das ações do governo.

Segundo Gramsci, os jornais exercem na sociedade papel semelhante ao dos partidos políticos na medida em que têm interesses e lutam por eles, ao mesmo tempo em que procuram convencer o público de que essa luta é importante para o conjunto da sociedade.

O filósofo italiano lembra igualmente que os meios de comunicação procuram intervir nos planos ideológico-cultural e político com o intuito de disseminar informações e ideias que concorrem para a formação e a sedimentação do consenso em torno de determinadas concepções de mundo.

No caso do JN, o consenso pretendido diz respeito primeiro aos interesses da própria família Marinho de continuar dando as cartas na comunicação no Brasil, passando pela conservação de privilégios históricos para uma parcela mínima da sociedade.

O que Gramsci aponta torna-se mais grave ainda no Brasil, porque aqui prevalece a mídia corporativa, e não há regulação que coíba abusos no setor.

A vontade e os interesses da família Marinho, a “primeira família brasileira”, têm sido quase leis há várias décadas.

Diante disso, cabem muitas indagações:

*quais razões levaram a emissora da família Marinho a mudar de postura em relação ao governo Bolsonaro?

*A mudança envolve a pessoa de Bolsonaro ou se estende ao projeto político e econômico, o ultraliberalismo conservador, que ele representa?

* Trata-se de uma mudança circunstancial ou algo de maior profundidade?

No Brasil, o pessimismo começa a ser “sacudido” pela voz indignada das ruas.

Será que partirá daqui uma reação também contra o uso do jornalismo como moeda de troca?

Ou podemos aguardar novas e poderosas pautas de negociação envolvendo impeachment, Flávio Bolsonaro e milícias?

Façam suas apostas e aguardem, muito atentos, as cenas dos próximos capítulos…

 

 

 

 

*Do Viomundo

*Ângela Carrato é jornalista e professora do Departamento de Comunicação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

*Eliara Santana é jornalista, doutoranda em Estudos Linguísticos pela PUC Minas/Capes.