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Decisão do Congresso que derrubou vetos ao Marco Temporal deixa terras indígenas mais vulneráveis que sob Bolsonaro

A derrubada pelo Congresso dos vetos de Lula ao marco temporal deixa as terras indígenas menos protegidas por lei do que estavam no governo Bolsonaro.

O Congresso derrubou 41 dos 47 vetos que Lula havia imposto à lei do marco temporal, aprovada em setembro. Com isso, está valendo a regra de que os indígenas só têm direito a terras que ocupavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.

A lei prevê outras mudanças que prejudicam os indígenas, além do marco temporal. Foram 321 votos de deputados para derrubar os vetos de Lula e 137 favoráveis à manutenção. No Senado, 53 votaram contra o governo e 19 a favor.

Alguns trechos criam regras inéditas. Elas facilitam a exploração econômica das terras sem consentimento dos povos, dificultam novas demarcações e ameaçam as já consolidadas.

Com as mudanças aprovadas, a proteção às terras indígenas fica menor do que nos governos anteriores, desde 1988. São as gestões de Jair Bolsonaro, Michel Temer, Dilma Rousseff, Lula 1 e 2, FHC, Itamar Franco, Fernando Collor e José Sarney (o último ano).

Apenas 6 vetos de Lula foram acatados pelos parlamentares. Esses trechos permitiam o cultivo de transgênicos em terras indígenas, enfraqueciam a proteção a povos isolados e previam a perda do território em caso de “alteração dos traços culturais da comunidade indígena”. Mas perderam a validade, já que o Congresso aceitou o não do presidente da República.

A lei prevê intervenções nos territórios sem o consentimento dos indígenas. Um dos artigos permite a instalação de bases militares, construção de estradas, exploração de energia e “resguardo das riquezas de cunho estratégico” sem necessidade de consulta aos povos afetados.

A Constituição determina que os indígenas sejam consultados com antecedência. O art. 231 da Carta, que trata dos povos indígenas, afirma que o aproveitamento de recursos hídricos, de energia e de mineração só pode ser feito quando “ouvidas as comunidades afetadas”.

A lei ainda proíbe indígenas de cobrarem pela entrada de pessoas nas terras ou pelo uso das estruturas no local. Ao barrar estes trechos, o governo afirmou que eles “contrariam o interesse público ao impedir a cobrança de tarifas por atividades econômicas desenvolvidas por povos indígenas, como o turismo de base comunitária”. Porém, o veto foi derrubado no Congresso.

Além do marco temporal, a lei tem outros trechos que dificultam novas demarcações de terras indígenas. O principal deles obriga a União a indenizar todos os fazendeiros pelas benfeitorias que construíram nas áreas indígenas para que a demarcação seja validada.Continua após a publicidade

Está proibida a ampliação das terras indígenas já demarcadas. A lei impede, dessa forma, que demarcações desfavoráveis aos indígenas possam ser revistas.

A lei considera nulas as demarcações que não atendam ao marco temporal. Para o governo, isso abre margem para que fazendeiros contestem inclusive a validade de terras indígenas já regularizadas.

A lei aprovada pelo Congresso abria brecha para aumentar o contato com povos indígenas isolados. O texto previa, de forma vaga, que esse contato seria permitido “para intermediar ação estatal de utilidade pública”.

Lula vetou esse trecho, e o veto foi mantido pelo Congresso. Ao barrar o texto, o governo argumentou que a mudança permitiria o contato forçado com indígenas isolados, implicando em risco de epidemias, por exemplo.

Com a manutenção do veto, o contato com isolados continua proibido. Hoje, apenas servidores especializados da Funai são autorizados a entrar em contato com essas populações.

O Congresso manteve a proibição de transgênicos em terras indígenas. Um trecho da lei, que foi barrado por Lula, permitia que as áreas fossem abertas ao cultivo de organismos geneticamente modificados.

Ao vetar esse trecho, o governo afirmou que ele contrariava o interesse público. Segundo o Executivo, a liberação dos transgênicos provocaria “potencial dano à agrobiodiversidade, ao patrimônio genético e à segurança alimentar e nutricional dos povos indígenas e outras comunidades afetadas”.

A FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária) disse que restaurar o marco temporal é garantir o direito de propriedade e a segurança jurídica.

“Todas as iniciativas para garantir o direito de propriedade são válidas, e o marco temporal é uma de extrema importância. Derrubamos os vetos e deixamos o projeto de lei como foi aprovado em sua plenitude. Não pode haver negociação e relativização do direito de propriedade no país. Hoje foi uma vitória de todos os trabalhadores rurais e do Brasil”, afirmou o presidente da FPA, deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), em entrevista à Agência FPA.

Em nota, o Ministério dos Povos Indígenas afirma que vai acionar o Supremo para garantir a validade da decisão tomada pela Corte, em setembro, que declarou inconstitucional a tese do marco temporal, diz o Uol.

“Essa decisão vai totalmente na contramão dos acordos climáticos que o Brasil vem construindo desde o início deste ano, para o enfrentamento à emergência climática que também coloca em risco os direitos dos povos indígenas e de seus territórios. Vale reforçar mais uma vez que a decisão é inconstitucional”, afirma o Ministério dos Povos Indígenas.

 

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Negociadores denunciam manobras de Bolsonaro para se blindar na ONU por esconder seus exames de Covid-19

Em negociações nos bastidores da diplomacia, o governo brasileiro passa a ser visto com suspeitas diante do que tem sido interpretado como uma tentativa de minimizar o papel das diretrizes da ONU para lidar com a Covid-19, blindar o governo e até mesmo justificar a recusa do presidente Jair Bolsonaro de ter de apresentar seus exames médicos.

Nos próximos dias, a presidência do Conselho de Direitos Humanos da ONU vai adotar uma declaração sobre a Covid-19. Num rascunho do texto circulado entre governos e obtido pela coluna, o Brasil fez comentários e pedidos de mudanças no documento.

Ainda que alguns deles tenham sido aplaudidos por governos estrangeiros e ativistas, parte das propostas de Brasília chamou a atenção, inclusive da sociedade civil.

Num dos trechos sugeridos pelo governo, o Brasil quer que a declaração final contenha um parágrafo extra em que se “reconhece os esforços feitos pelos governos nacionais para lidar com a pandemia, por meio de medidas para proteger a saúde, segurança e bem-estar de seu povo, assim como iniciativas para mitigar os efeitos das crises econômicas que afetam em especial os mais fracos e vulneráveis”.

A inserção do Itamaraty neste caso foi recebida como uma tentativa de se distanciar de qualquer tipo de obrigação internacional.

O trecho, se aprovado, ainda chancelaria a ação de todos os governos, inclusive o de Bolsonaro, fortemente criticado no cenário internacional por sua gestão da crise.

Chamou ainda a atenção de negociadores um trecho em que o governo pede uma referência ao “direito à privacidade de dados na luta contra a pandemia”. O gesto foi interpretado como uma possível tentativa de proteção pessoal ao presidente Jair Bolsonaro contra a apresentação dos exames que ele se submeteu.

Fontes no governo garantem que esse não é o objetivo, inclusive pelo fato de o Brasil fazer parte do grupo de países que defendem o direito à privacidade desde o governo de Dilma Rousseff.

Já em outros trechos do documento, as sugestões do Itamaraty apontam para um rebaixamento do valor e peso das Diretrizes do Alto Comissariado de Direitos Humanos sobre a COVID e do trabalho das Relatorias da ONU.

Essa não é a primeira vez que uma ação do governo é recebida com desconfiança internacional. Em abril, o Brasil foi um dos poucos países do mundo que não co-patrocinou uma declaração da Assembleia Geral da ONU pedindo uma cooperação internacional contra o vírus.

Dias depois, a diplomacia brasileira ainda lançou duras críticas contra relatores da ONU que tinham questionado a resposta do governo Bolsonaro diante da pandemia.

“A diplomacia brasileira exercia nos anos anteriores papel de liderança nas discussões na ONU sobre direito à saúde. Sob a gestão do atual governo, esse papel tem que apequenado, tornamos mero coadjuvante. Ou pior, por exemplo no episódio da resolução aprovada pela Assembleia Geral da ONU quando o Brasil esteve entre o enxuto grupo de países que não co-patrocinou o texto”, disse Camila Asano, diretora de programas e incidência da Conectas Direitos Humanos.

“Nessa nova negociação em curso, a diplomacia brasileira deveria ter um papel mais ativo e comprometido com a defesa da vida e da saúde. É esperado tanto que o governo faça sugestões ao texto para uma linguagem mais forte no que se refere ao acesso a medicamentos como também que domesticamente isso se transforme em ações concretas nas ações de combate à covid-19”, afirmou.

No caso do novo texto, parte da agenda conservadora do governo também é reforçada. O Itamaraty quer que, no documento, haja uma referência ao “direito à vida”. A frase é uma maneira de insistir na recusa ao aborto ou direitos sexuais.

Outros trechos, porém, foram recebidos com satisfação por diplomatas estrangeiros. Num deles, o Brasil pede a inclusão do reconhecimento do papel das mulheres nos serviços de saúde. Também se pede acesso à tratamento e alerta para desigualdades sociais.

Mas não deixou de ser recebido com ironia a proposta do Brasil de incluir um parágrafo para indicar que o governo está “preocupado com a proliferação de desinformação sobre a pandemia” e sobre a “importância de prestar informações com base na ciência”.

Nas últimas semanas, diferentes membros do governo têm usado das redes sociais para disseminar notícias questionáveis sobre o vírus. Alguns deles tiveram suas postagens inclusive excluídas por plataformas de redes sociais.

 

 

*Jamil Chade/Uol