A Agência Nacional de Petróleo (ANP) realiza nesta quinta-feira, 7, o leilão da 17,ª Rodada de Petróleo. Serão oferecidos pela agência 92 blocos de exploração marítima de petróleo, em diversas áreas do litoral brasileiro, dois anos depois de realizado o último leilão do mesmo tipo.
Diversas polêmicas ambientais envolvem parte dessas ofertas, devido à proximidade – e, em alguns casos, sobreposição efetiva – de bloco com áreas extremamente sensíveis de preservação ambiental. A principal queixa de pesquisadores, cientistas, acadêmicos e organizações ambientais especializadas no assunto está concentrada nos blocos da chamada Bacia Potiguar, no Nordeste do País.
É dentro dessa bacia que está a chamada Cadeia de Fernando de Noronha, área formada por uma sequência de montes submarinos que se conectam no litoral e que dão vida ao arquipélago de Fernando Noronha e à reserva biológica Atol das Rocas. Não se trata, meramente, de haver proximidade com os montes submarinos de Noronha. Há poços de perfuração previstos justamente em cima dessa cadeia de montes.
O Estadão teve acesso a um estudo técnico realizado por pesquisadores e professores do Departamento de Oceanografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP). Os especialistas, que estudam há anos toda a região, se debruçaram sobre os dados técnicos dos blocos que serão oferecidos pela Agência Nacional do Petróleo (ANP).
Esse estudo mostra que, entre os 92 blocos que a ANP vai ofertar para exploração de grandes petroleiras, há blocos com impacto direto em três montes submarinos da cadeia de Fernando de Noronha. São os chamados bancos Guará, Sirius e Touros. Os estudos revelam que dois desses blocos atingem diretamente cerca de 50% da área da base do monte Sirius e 65% de seu topo.
Do fundo do mar, o Sirius avança sentido à superfície e chega a ficar a apenas 54 metros abaixo do nível do mar. Trata-se, portanto, de uma área extremamente rasa. O mesmo impacto direto foi identificado sobre os bancos Guará e Touros.
Localizado na região oeste da cadeia de Noronha, o Sirius é o banco mais importante para manter a ligação dos ecossistemas oceânicos da região Nordeste. Entre ele e o arquipélago de Noronha está localizado o Atol das Rocas. Dada a sua importância ecológica, o Atol se tornou, ainda em 1979, a primeira unidade de conservação marinha do Brasil.
Hoje, o Atol das Rocas é classificado como uma reserva biológica, com os mesmos critérios de conservação adotados em reservas como o Parque Nacional Marinho dos Abrolhos (1983) e o Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha em (1988), que no ano seguinte teve as áreas do arquipélago e de seu entorno decretadas como Área de Proteção Ambiental.
Os montes oceânicos são formações geológicas que costumam ser resultado de atividades vulcânicas que acontecem no leito oceânico. Normalmente, esses montes surgem em áreas de limites das placas da crosta e suas “fraturas”. Dessas estruturas, os montes emergem de profundidades entre 1 mil e 5 mil metros, chegando até poucas dezenas de metros do nível do mar e, por vezes aflorando na superfície marinha, formando ilhas e bancos oceânicos. É o que ocorre com o arquipélago de Fernando de Noronha e o Atol das Rocas, as únicas áreas dessa mesma formação que se sobressaem da água.
Os pesquisadores afirmam que a melhor alternativa para preservar a região seria retirar ao menos esses blocos das ofertas do leilão, devido aos impactos ambientais já sabidos que atividades rotineiras de exploração de óleo e gás podem causar durante cada uma de fases de exploração, produção, transporte e desmonte das plataformas.
A ANP nega irregularidades na oferta dos blocos. Questionada sobre o assunto pela reportagem, a agência declarou que “não foram identificadas pelos ministérios envolvidos (Meio Ambiente e Minas e Energia) restrições à oferta dos 14 blocos exploratórios na Bacia Potiguar”.
Ocorre que o próprio Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBio), em nota técnica de janeiro de 2020, avaliou o plano e declarou que considerava “temerária” a oferta dos blocos no leilão, tendo em vista que nas áreas existem 61 espécies ameaçadas de extinção, sendo 23% criticamente em perigo, 18% em perigo e 59% consideradas vulneráveis.
“Considerando os impactos da propagação por longas distâncias de ondas sísmicas, a grande mobilidade de algumas espécies marinhas, a ação das correntes marítimas sobre a propagação do óleo e o histórico de invasão de espécies exóticas associadas às atividades de exploração de petróleo e gás, torna-se temerária a inclusão dos blocos exploratórios da Bacia Potiguar devido a sua proximidade à Reserva Biológica do Atol das Rocas e ao Parque Nacional Fernando de Noronha. Tanto as atividades exploratórias quanto um evento acidental podem trazer danos irreparáveis a diversidade biológica desses ecossistemas”, afirma o documento do ICMBio.
Nove empresas tinham se inscrito para participar da 17ª Rodada. Além da Petrobras, a lista inclui 3R Petroleum, Chevron, Shell, Total Energies EP, Ecopetrol, Murphy Exploration & Production Company, Karoon Petróleo e Gás e Wintershall Dea.
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Ao menos quatro ações civis públicas já foram protocoladas na Justiça, em diferentes Estados, como Pernambuco, Santa Catarina e Rio Grande do Norte, na tentativa de barrar essas ofertas incluídas pela ANP no próximo leilão de exploração marítima. Um abaixo-assinado organizado pela Change.org já soma mais de 137 mil assinaturas contra a realização do leilão.
Entre as ações judiciais movidas contra a oferta dos blocos está a ACP baleia azul. Segundo nota técnica elaborada pelo Instituto Internacional Arayara, a inclusão das bacias Potiguar, Pelotas, Campos e Santos na 17ª rodada do leilão atinge, diretamente, locais onde a Baleia Azul e outras dezenas de espécies em extinção têm seu lar.
O oceanógrafo Fabrício Gandini Caldeira, do Instituto Maramar para a Gestão Responsável dos Ambientes Costeiros e Marinhos, alerta que “fica evidente a necessidade de fortalecimento de instrumentos de planejamento para o Ministério do Meio Ambiente”. Ele alerta ainda que a atual configuração e teor dos pareceres técnicos ambientais não conferem a segurança jurídica necessária.
“Diante do teor dos pareceres para a 17a Rodada, fica evidente que tanto a Bacia Potiguar como a Bacia de Pelotas não poderiam ser ofertadas por não possuir consistência técnica nos respectivos pareceres”, afirma. Há previsão normativa em Portaria Interministerial que trata de diagnóstico socioambiental das bacias sedimentares, avaliação de políticas públicas e identificação de potenciais impactos socioambientais, cujo conjunto de análise visa aumentar a segurança e previsibilidade do processo de licenciamento ambiental.”
O especialista chama a atenção ainda para um inquérito civil e investigação do Ministério Público Federal sobre suposta omissão do governo federal em realizar os estudos previstos, de modo a poupar investimentos que não venha a se concretizar, diante de potencial inviabilidade ambiental dos blocos.
“Não restam dúvidas que o Brasil demanda de uma análise prévia, que vise atacar a inteligência do processo, ou estaremos sempre colocando o ônus dessa falta de planejamento aos investidores”, afirma Caldeira.
*Estadão Conteúdo
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