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Opinião

Em Lisboa, as feridas abertas de um Brasil abalado

Jamil Chade*

Intervalo entre debates em um hotel de luxo de Lisboa nesta semana. Na mesa do café, um empresário pergunta a outro: “qual é a distância entre Lisboa e o Brasil?”

O interlocutor fez algumas estimativas, detalhou as rotas aéreas entre os dois continentes e, depois de uma pausa, respondeu com um tom filosófico: a ex-metrópole e a ex-colônia nunca estiveram tão próximas.

Será?

Organizado pelo Lide nos dias 3 e 4 de fevereiro, o encontro entre empresários, ministros de diferentes tribunais, banqueiros e políticos em Lisboa debateu os rumos do país, sua democracia e até novas formas de governos.

Mas entre discursos com um otimismo ensaiado, a promessa de que uma nova era estava começando e convites para que estrangeiros desembarquem no Brasil, não houve como esconder a existência do mal-estar de uma nação traumatizada por anos de destruição.

Um país que ainda lida com suas feridas abertas e com as ruínas escancaradas dos ataques contra o estado de direito ou da explosão da fome. Um país que se depara com supostos planos de golpes – na forma de minutas encontradas na casa de um ex-ministro ou na denúncia surreal de um senador.

Ao tomar o microfone, Luiza Helena Trajano, presidente do Conselho do Magazine Luiza, insistia que não aguentava mais ouvir diagnóstico. “Todos sabemos o que fazer”, disse, em um tom de indignação.

E apresentou à audiência dados reveladores da situação social do Brasil:

  • 79% das casas não tem aspirador de pó;
  • 79% das casas não tem aspirador de pó; 83% das famílias não tem cafeteira; Só
  • 15% das residências têm máquina de lavar roupa automática.

Instantes depois, foi a vez do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, admitir que sua gestão descobriu que não havia sinal de internet para 120 mil alunos em bairros de um dos maiores polos de riqueza do continente.

Instantes depois, foi a vez do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, admitir que sua gestão descobriu que não havia sinal de internet para 120 mil alunos em bairros de um dos maiores polos de riqueza do continente.

Por videoconferência, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, alertou que 125 milhões brasileiros vivem algum tipo de insegurança alimentar, um escárnio para um país que se gaba em dizer que alimenta 1 bilhão de pessoas pelo mundo.

Claudio Castro, governador do Rio, ainda citou ações para tentar impedir que o crime organizado se transformasse em fonte de empréstimos para uma parcela das comunidades mais pobres da capital carioca. Uma nova versão de “shadow-bankin.

Bancos que cobraram dos administradores da Americanas uma nova postura e que permitam que a Justiça elucide o rombo bilionário em suas contas.

Não faltou sequer o ex-presidente Michel Temer dizendo que o impeachment era um “trauma”. Sim, ele mesmo.

O contraste entre a realidade apresentada e a cidade onde a conferência estava sendo realizada ecoava em silêncio pelos salões sofisticados. Bastava abrir as janelas para se deparar com uma uma sociedade que apostou na coesão e distribuição de renda como armas para a paz social.

Para se deslocar de um local da cidade a outro, o grupo contou com batedores abrindo caminho pelas ruas de Lisboa, enquanto atiradores também foram chamados para que fossem colocados em pontos estratégicos. No total, mais de cem agentes de segurança foram mobilizados.

Um excesso de zelo dos portugueses depois dos acontecimento em Nova York contra ministros do Supremo Tribunal Federal ou simplesmente mais um sintoma do que se transformou o Brasil onde o ódio se instalou como estratégia política legítima?.

Ao longo de dois dias, ficou evidenciado que a distância entre Lisboa e Rio não pode ser medida em quilômetros ou em quantidade de voos que ligam dois países. Mas em direitos.

E, por essa régua, há uma verdadeira fossa tectônica entre Brasil e Portugal.

*Uol

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Ex-funcionário de Flávio Bolsonaro (Tenente-coronel da PM) passou 248 dias no exterior e recebia salário da Alerj

O Tenente-coronel da PM é um dos que depositaram recursos para Queiroz.

Outro ex-assessor parlamentar do deputado estadual Flávio Bolsonaro (PSL), o tenente-coronel da Polícia Militar do Rio Wellington Servulo Romano da Silva, de 48 anos, também é suspeito de irregularidades.

Ele passou 248 dias fora do Brasil durante o período de um ano e quatro meses em que trabalhou para o filho do presidente eleito e, ainda assim, recebeu os salários e as gratificações.

De acordo com a Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), Servulo Romano da Silva não tirou licença no período em que trabalhou na Casa. As informações foram reveladas nesta quarta-feira em reportagem do Jornal Nacional.

O ex-assessor é um dos servidores que transferiram recursos para Fabrício de Queiroz, ex-motorista de Flávio que, segundo relatório do Coaf, teve movimentação atípica de R$ 1,2 milhão entre janeiro de 2016 e o mesmo mês de 2017. O documento aponta que Servulo fez uma transferência de R$ 1,5 mil para Queiroz.

As viagens do ex-assessor eram para Portugal. De acordo com a reportagem, em 24 de abril de 2015, Servulo deixou o país e ficou no exterior 44 dias. Nesse período, recebeu o salário de R$ 5,4 mil como funcionário da vice-liderança do PP, partido de Flávio à época. No mesmo ano, viajou outras quatro vezes para Portugal. Em 2015, totalizou 119 dias fora do Brasil. A última viagem daquele ano foi em 16 de dezembro e a volta aconteceu em 31 de janeiro de 2016.

Ainda de acordo com o Jornal Nacional, o ex-assessor fez outra viagem entre 9 de março e 8 de abril de 2016. Em 1º de abril, enquanto estava fora do país, Servulo foi dispensado do cargo na vice-liderança do PP. Em abril e maio, ele não aparece na folha de pagamento da Alerj. Em 18 de maio de 2016, o ex-assessor foi nomeado para trabalhar no gabinete de Flávio, mas dois dias depois embarcou de novo para Portugal, com destino a Lisboa.

 

 

*Com informações de O Globo

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Vaza Jato – ‘Intercepta ela’: Moro autorizou devassa na vida de filha de investigado da Lava Jato para tentar prendê-lo

Procuradores pediram medidas contra filha de empresário radicado em Portugal para tentar extradição dele, revelam mensagens trocadas pelo Telegram.

Ministério Público Federal pediu duas vezes ao então juiz Sergio Moro operações contra a filha de um alvo da Lava Jato que vive em Portugal como forma de forçá-lo a se entregar. Apesar de ser titular de contas no exterior que receberam propinas, ela não era suspeita de planejar e executar crimes.

O plano, revelado em mensagens de Telegram trocadas entre procuradores e entregues ao Intercept por uma fonte anônima, era criar um “elemento de pressão”, como disse o procurador Diogo Castor de Mattos, sobre o empresário luso-brasileiro Raul Schmidt. O MPF apelou a Moro mirando na filha do investigado: queria que o passaporte de Nathalie fosse cassado e que ela fosse proibida de sair do Brasil. O plano era forçá-lo a se entregar para evitar mais pressão sobre a filha.

Na primeira tentativa, Moro vetou a manobra dos procuradores. “Apesar dos argumentos do MPF, não há provas muito claras de que Nathalie Angerami Priante Schmidt Felippe tinha ciência de que os valores tinham origem ilícita e/ou eram fruto de atos de corrupção”, argumentou num despacho.

A tentativa frustrada dos procuradores de cassar o passaporte de Nathalie para pressionar o pai a se entregar ocorreu em fevereiro de 2018. A justiça portuguesa havia determinado o cumprimento da extradição de Schmidt para o Brasil no mês anterior, mas ele não foi encontrado onde morava, em Lisboa, pelas autoridades locais.

Em maio daquele ano, após novo fracasso em buscas por Schmidt em Portugal, a Lava Jato reapresentou seu pedido a Moro. Dessa vez, sem que houvesse qualquer suspeita adicional contra ela, o juiz mudou de ideia e deu sinal verde ao desejo da Lava Jato, que incluía uma varredura na casa, nas comunicações e nas contas de Nathalie.

No dia seguinte, os policiais cumpriram o mandado de busca e apreensão na casa da filha do investigado, no Rio de Janeiro. A defesa alegou que ela foi coagida pela Polícia Federal, na ocasião, a dizer onde o pai estava. O plano, no entanto, não teve tempo de ser testado. No mesmo dia, Raul Schmidt conseguiu extinguir seu processo de extradição em Portugal. A Lava Jato tenta até hoje trazê-lo ao Brasil.

“pensamos em fazer uma operação nela para tentar localizá-lo”

Apontado como operador de propinas para ex-dirigentes da Petrobras, o empresário Raul Schmidt foi preso pela primeira vez em março de 2016, na 25ª fase da Lava Jato. Na primeira etapa internacional da operação, ele foi encontrado e detido em Lisboa, onde vivia. Dias depois, quando foi liberado para responder ao processo em prisão domiciliar, o Brasil já havia pedido sua extradição.

O requerimento foi aceito em dezembro de 2016, e o último recurso da defesa de Schmidt foi derrubado em 9 de janeiro de 2018, após o caso chegar ao Tribunal Constitucional de Portugal – equivalente ao STF brasileiro. Quinze dias depois, a justiça em Lisboa emitiu um mandado de detenção contra Raul, para que ele fosse entregue às autoridades brasileiras.

A notícia da ordem de prisão em Portugal foi dada pelo procurador Roberson Pozzobon no grupo de Telegram Filhos do Januario 2, que reunia apenas membros da força-tarefa da Lava Jato no Paraná. Mas Diogo Castor de Mattos, que estava à frente do caso, esfriou os ânimos da equipe 10 minutos mais tarde: “Msg do mp português: Olá Diogo, eu acho que ele fugiu. Ninguém o encontra”.

Mais de uma semana depois, Raul ainda estava desaparecido. Foi quando Castor de Mattos expôs aos colegas uma ideia para fazê-lo aparecer:

1º de fevereiro de 2018 – Grupo Filhos do Januário 2

Diogo Castor de Mattos – 16:52:58 – prezados, gostaria de submeter à analise de todos a questão da operação na filha do raul schmidt.. basicamente, ela esta envolvida em algumas lavagens por ser beneficiária de uma offshore do pai.. pensamos em fazer uma operação nela para tentar localizá-lo.. oq acham?
Paulo Roberto Galvão – 16:56:11 – pegar o celular?
Castor de Mattos– 16:57:53 – eh
Deltan Dallagnol – 17:05:13 – Nse fizer, ele some no mesmo dia…
Dallagnol – 17:05:21 – ele muda de lugar
Castor de Mattos– 17:10:47 – mas ela mandou renovar o passaporte e entoru com pedido de visto em portugal..
Castor de Mattos– 17:11:04 – se nao fizermos nada ela foge do país e nunca mais achamos
Dallagnol – 17:14:04 – mas o que ganha? -salvo se realmente achar que ela tá envolvida nos crimes, não haverá provas deles -quanto à loalização dele, pode até achar, mas terá poucas horas pra prendê-lo, ou menos de poucas horas, tendo de mobilizar polícia fora em país que não sabemso qual em território de fronteiras abertas UE…
Castor de Mattos– 17:15:36 – na minha perspectiva, ela nao poder sair do país é um elemento de pressão em cima dele
Castor de Mattos– 17:15:57 – e ai estamos falando de imóveis adquiridos em nome dela no exterior de USD 2 milhoes
Athayde Ribeiro Costa – 17:25:22 – Intercepta ela. Se ela habilitar o cel e usar la, tem a erb
Castor de Mattos– 17:26:22 – mas o cara tá na europa

A sugestão de Castor acabou aceita. No dia seguinte, 2 de fevereiro, o MPF pediu a Moro que a filha de Raul Schmidt fosse proibida de deixar o Brasil. Não queria apenas a apreensão do passaporte, mas também outras medidas: busca e apreensão na casa de Nathalie, bloqueios em contas bancárias dela e da empresa dela, quebras de sigilo fiscal e do sigilo das mensagens de um número dela no WhatsApp.

O MPF justificou as medidas com evidências de que Nathalie era beneficiária de contas bancárias no exterior abastecidas com dinheiro pago a Raul Schmidt por multinacionais investigadas na Lava Jato. Parte desses valores, segundo o Ministério Público, foi usada na compra de um apartamento em Paris registrado no nome de uma empresa pertencente a Nathalie.

Na petição ao então juiz federal, os procuradores informaram que a filha de Schmidt havia pedido recentemente a renovação de seu passaporte brasileiro. E defenderam “a imprescindibilidade da aplicação da medida cautelar em face de Nathalie para assegurar a aplicação da lei penal brasileira, na medida em que, no exterior, a investigação e processamento de seus crimes estaria indubitavelmente prejudicada”.

Os argumentos da petição são bastante diferentes dos discutidos no Telegram. Ou seja, enquanto argumentava no processo que Nathalie não poderia sair do país para não prejudicar a investigação sobre os crimes que teria cometido, no Telegram os procuradores admitiam que a finalidade das medidas era pressionar Schmidt.

Um dia depois, em 3 de fevereiro, Raul foi encontrado e preso em Sardoal, a cerca de uma hora de carro de Lisboa. Os procuradores foram informados no mesmo dia e comemoraram a captura no grupo Filhos de Januario 2, mas não fizeram menção às medidas contra Nathalie, que haviam requisitado na véspera.

Moro só respondeu em 5 de fevereiro. No despacho em que tratou do assunto, o magistrado não viu “causa suficiente” para a ação mais drástica pedida pelo MPF contra Nathalie — proibi-la de deixar o país. O juiz escreveu que não havia comprovação suficiente de culpa e que o nome dela era inédito nas investigações até ali.

“Apesar dos argumentos do MPF, não há provas muito claras de que Nathalie Angerami Priante Schmidt tinha ciência de que os valores tinham origem ilícita e/ou eram fruto de atos de corrupção praticado por Raul Schmidt Felippe Junior”, escreveu Moro. E emendou: “O nome dela, ademais, só apareceu agora nas investigações, aparentando ser talvez prematuro de pronto impor-lhe medida de restrição de locomoção pessoal”.

Tendo negado a cassação do passaporte de Nathalie, Moro perguntou ao MPF se as demais medidas contra ela (bloqueios de contas e quebras de sigilo fiscal e de comunicações no WhatsApp) ainda eram necessárias, considerando que Raul já havia sido preso em Portugal dois dias antes.

Isso significa que o juiz, assim como o MPF, justificou a operação contra Nathalie pelo fato de Raul estar foragido. Uma vez que ele foi encontrado, a força-tarefa da Lava Jato não viu mais motivos para impor as restrições a ela.

Raul, no entanto, acabaria não sendo extraditado: ele foi solto 12 dias após a prisão, para responder em liberdade ao julgamento do recurso.

O processo contra Nathalie ficou adormecido até que o MPF o utilizasse, mais de três meses depois, com o mesmo objetivo de capturar o pai. No dia 18 de maio de 2018, a justiça portuguesa determinou o cumprimento imediato da ordem de extradição. Quatro dias depois os procuradores pediram a Moro, com urgência, o cumprimento das medidas contra Nathalie, afirmando que Raul “se evadiu” ao ser procurado pelas autoridades.

Desta vez, Moro acatou o desejo dos procuradores, sem qualquer incremento nas provas contra ela. O MPF não fez nenhum adendo ao processo, apenas reapresentou o pedido que fizera em fevereiro.

Nathalie teve o passaporte retido e foi alvo de busca e apreensão em casa, no Rio de Janeiro, em 24 de maio. Nessa busca, segundo a defesa dela alegou quatro dias depois em pedido de habeas corpus ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, “três agentes da Polícia Federal portando metralhadora ingressaram na residência da paciente de forma truculenta, exigindo, aos berros, que ela revelasse o atual paradeiro do seu genitor, sob ameaça de ‘evitar dor de cabeça para seu filho’”, referindo-se à criança dela, um menino então com sete anos.

No entanto, o principal objetivo das medidas, que era aumentar as chances de prisão de Raul Schmidt em Portugal, esvaziou-se logo em seguida. No mesmo dia em que Nathalie foi visitada pela PF no Rio, um desembargador do Tribunal de Relação de Lisboa (primeira instância a que Schmidt recorria) determinou o cancelamento da extradição do empresário, que voltou a responder em liberdade. Assim, a segunda tentativa de usar a perseguição à filha para pressiona-lo fracassou.

A extradição de Raul foi arquivada pela justiça portuguesa em janeiro de 2019, e o Ministério Público do país recorre da sentença desde então. Nathalie foi denunciada pela Lava Jato por lavagem de dinheiro pela compra do imóvel em Paris no final de 2018, mas o caso corre, até hoje, sob sigilo.

Questionado a respeito do caso pelo Intercept, o Ministério Público Federal alegou que “os procuradores da força-tarefa Lava Jato formulam pedidos cautelares ou denúncias apenas quando estão presentes os requisitos legais”, e que “Nathalie Schmidt foi beneficiária de contas secretas que receberam milhões de dólares ilícitos no exterior, podendo estar sujeita, por tais condutas, a sanções criminais”.

Questionada sobre as ameaças relatadas pela defesa de Nathalie Schmidt, a Polícia Federal disse que “supostos envolvidos, caso intimados, devem se manifestar em juízo para apresentarem suas versões”.

O ex-juiz Sergio Moro, atual ministro da Justiça e Segurança Pública do governo de extrema direita de Jair Bolsonaro, também foi procurado para comentar o caso. A manifestação dele será incluída no texto assim que for enviada.

 

*Do Intercept Brasil