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Enquanto o Brasil é destruído pelo fascismo, Lula recebe seu 36º título de Doutor Honoris Causa

Título será entregue pela Universidade Nacional de Rosário (UNR), na Argentina, em razão da luta do petista pela erradicação do analfabetismo no Brasil.

O ex-presidente Lula recebe nesta quinta-feira, 21, um título de doutor Honoris Causa da Universidade Nacional de Rosário (UNR), na Argentina, em razão de sua luta pela erradicação do analfabetismo no Brasil. Trata-se de 36° título Honoris Causa do dirigente, que continuou sendo premiado mesmo durante o período em que era preso político da direita golpista.

A UNR afirma que Lula receberá o título em evento de análise e intercâmbio digital com intelectuais e lideranças mundiais. O evento é chamado “Reflexões ao pôr do sol – o cenário pós-pandemia”. “O que pretendemos construir é um dispositivo para internacionalização da universidade dentro do espaço da UNR”, explicou o reitor Franco Bartolacci.

Lula anunciou o evento no twitter:

 

 

*Com informações do 247

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Bolsonaro foi ao STF a procura de um sócio para o fracasso de seu governo

O que a mídia não comenta e nem vai comentar é que, desde a derrota de Aécio para Dilma em 2014, a direita arrastou o país para um caminho trágico e, com o avanço dela, o caminho ficou sem volta.

A direita fez um cerco covarde ao primeiro ano do segundo mandato de Dilma, exatamente como Aécio queria, não deixá-la governar. E assim foi feito, num combinado entre Aécio, representando os tucanos, Cunha representando o Centrão, e Temer, o sabotador do MDB.

Três corruptos unidos que, juntos com o juiz corrupto Moro, conseguiram o que queriam, derrubar Dilma, construindo uma crise artificial para tombar o seu governo.

Temer assumiu e mergulhou o país numa tragédia. A justificativa é que ele, não sendo eleito, não tinha como cumprir com exatidão a agenda neoliberal do PSDB acordada por ele com os tucanos para dar o golpe em Dilma. O corrupto Temer saiu de seu governo fracassado com um dos maiores índices de rejeição da história, empatando com gente do calibre de Figueiredo, Collor e Fernando Henrique Cardoso. Ou seja, o vampiro era um portento em matéria de governo fracassado.

Mas, no primeiro ano do governo Bolsonaro, depois das reformas trabalhista e da Previdência, Bolsonaro, em parceria com Guedes, conseguiu o que, para muitos era praticamente impossível, apresentar um resultado econômico mais trágico do que o de Temer, depois de prometerem crescimento do PIB de 3,5%, o que, na realidade, revelou-se, mesmo com várias manobras contábeis, o mísero 1%, na teoria, porque, na prática, os brasileiros sentiram que o PIB teve uma queda muitíssimo maior. Essa observação é feita com base no fato de que, bem antes da pandemia, o governo Bolsonaro já era tido, como um fracasso econômico tanto pelo mercado quanto pela população.

Bolsonaro criou uma legião incontável de trabalhadores precarizados, vivendo de bicos, superando e muito o número de trabalhadores regulares com carteira assinada, o  que significa uma economia interna completamente depauperada. Ou seja, rigorosamente o oposto do que se viu nos 12 anos dos governos Lula e Dilma quando o país saiu da 14ª posição das maiores economias globais e passou a ocupar a 6ª, isso somado ao maior poder de compra do salário mínimo da história com o país vivendo o pleno emprego.

Assim, o que se diz aqui não é o que se acha, mas verdadeiramente o que ocorreu e que ocorre agora com Bolsonaro, uma comparação nua e crua das eras Lula e Dilma com as eras Temer e Bolsonaro, para se ter uma noção de como o golpe, comandado pelo PSDB, jogou o Brasil no inferno.

Aqui não se quer comparar a maneira como os pobres eram tratados nos governos do PT e como agora são tratados por um governo declaradamente antipobre e antipreto que é Bolsonaro. Mas sabem como é né, como disse Regina Duarte, a eterna namoradinha dos tucanos. Bolsonaro é isso que eu tenho, ou seja, essa merda, fazer o quê?

E foi esse mesmo Bolsonaro que, em 16 meses de governo, com o apoio de um gado lunático, segue escancarando que ele não tem a mínima ideia de como governar o país.

Nesta quinta-feira (07) ele deu a mostra mais clara disso. Procurado por empresário para saber se o governo tem algum plano para o pós-pandemia, Bolsonaro, sem saber o que responder, porque é um idiota completo, ligou para Toffoli marcando um encontro de estalão e seguiu midiaticamente com uma tropa para o STF. Sentou-se ao lado de Toffoli, tendo do outro lado o inútil e pífio ministro-chefe da Casa Civil, o general Braga Neto, que atua efetivamente como office boy de Carluxo e cobrou do presidente do STF uma solução econômica para o país.

Se fosse mais corajoso, Toffoli daria uma gargalhada, espinafrando com o genocida, dizendo a ele, você veio aqui para que o Supremo Tribunal Federal dê solução nas merdas econômicas que o Guedes fez jogando o país no buraco cada vez mais fundo? Aqui não é lugar disso, saia com sua comitiva de bugigangueiros e ministros inúteis e entre na primeira quitanda em que o dono vai tirar o lápis de trás da orelha e puxar um pedaço de papel de embrulhar pregos e vai te dizer com muito mais propriedade e profundidade que Guedes, como se administra a economia de um país. E terminaria com um conselho futebolístico mais metafórico que os de Lula: Bolsonaro, pede para cagar e vai embora. Simples assim.

 

*Carlos Henrique Machado Freitas

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José Dirceu: Os desafios da esquerda no pós-pandemia

Os desafios para a esquerda socialista são derrubar a velha ordem, reler o Brasil e o mundo de hoje para formular uma teoria revolucionária que atenda às demandas econômicas, sociais e culturais atuais. Paralelamente, temos que levar a luta diária, em todas as frentes, contra o bolsonarismo e as classes sociais e políticas que o apoiam e temos que disputar com a oposição liberal os rumos do país.

Em seu pronunciamento no 1º de Maio, Lula, mencionando o que vem sendo dito pelos principais jornais econômicos – que o capitalismo está moribundo -, afirmou que “está mãos dos trabalhadores a tarefa de construir esse novo mundo que vem aí”.

Num primeiro momento, notei, em seu discurso, omissões importantes: não mencionou a crise política institucional, o Fora Bolsonaro, o impeachment, a luta política. Logo depois me dei conta de que Lula estava nos convocando a pensar o pós-pandemia e a enfrentar uma tarefa postergada por nós, petistas e socialistas: qual a alternativa ao capitalismo como ele realmente é hoje, no mundo e no Brasil?

A primeira lembrança que me veio foi da lição que aprendi nos bancos escolares na juventude, lutando contra a ditadura: sem uma teoria revolucionária não há revolução e o dever de todo revolucionário é fazer a revolução. Sempre me guiei pela realidade, pelos fatos. Minha geração cresceu sob o signo da revolução cubana e da imagem do Che e Fidel, da agressão criminosa e genocida do império norte-americano contra o povo vietnamita, das revoltas estudantis e operárias na Europa e no Brasil, da luta pelos direitos civis dos negros estadunidenses em plena segunda metade do século XX.

Se 1968 foi o ano da rebeldia e da luta contra o autoritarismo, o racismo, o militarismo, também foi o da invasão da Tchecoslováquia, do começo da crise do então chamado campo socialista e do próprio socialismo – ainda em sua infância, se comparado com o capitalismo.

Globalização e crise

Nos últimos cem anos vivemos crises, depressões, duas grandes guerras mundiais e dezenas de guerras pela independência e civis, grandes catástrofes e desastres naturais e o capitalismo sobreviveu e se fortaleceu. A globalização parecia um deus invisível e onipotente, devastou as conquistas sociais de décadas de lutas dos trabalhadores, o chamado estado de bem estar social, suas organizações e, o mais grave, suas ideias, ideais e cultura.

Parecia o fim de uma época, a das revoluções sociais, mas o tempo provou o contrário. Nunca houve tanta instabilidade política e social, tantas guerras de agressão e ocupação, tanta pobreza e miséria. A desigualdade cresceu inclusive nos países centrais do capitalismo, destaque para os próprios Estados Unidos. Incapaz de resolver suas contradições, o capitalismo revelou suas entranhas e natureza com o crescimento do nacionalismo, do autoritarismo, do racismo, dezenas ou no máximo centenas de ricos passaram a controlar a riqueza mundial.

A pandemia da Covid-19 apenas veio expor as misérias e a ideologia do capitalismo, sua falta total de compromisso com suas próprias ideias, seja porque elas eram falsas ou porque sua natureza o leva à barbárie para sobreviver como nos ensina as experiências do colonialismo e do nazismo.

No Brasil também as radicais mudanças no mundo do trabalho provocadas pelo avanço tecnológico e pela reorganização da produção serviram de pretexto para a agressão aos direitos sociais e às conquistas dos trabalhadores. Mais uma vez o custo da crise do capitalismo recaiu sobre a classe e a submeteu, como nunca, ao fantasma do desemprego, impondo a falsa opção de trocar o emprego pela redução dos direitos, ou seja, da cidadania em benefício das empresas e, principalmente, dos bancos e do capital financeiro.
Desmonte do Estado

O ataque ao Estado como indutor do crescimento e ao Estado de Bem Estar Social chegou junto com ideias totalitárias envoltas em uma retórica nacionalista e religiosa — destruir para construir foi a máxima do presidente eleito.

Não vivemos mais sob o capitalismo dos anos 1980/1990. Mudou o modo de produção, mudaram as classes sociais, mudou o mercado de trabalho sob o impacto das inovações tecnológicas e da hegemonia do rentismo. Todo e qualquer projeto de desenvolvimento nacional foi banido e o país perdeu a autonomia sobre sua moeda, câmbio e capitais.

O ciclo político e histórico que nos deu origem não existe mais, com o agravante de que mesmo as grandes empresas de capital nacional abandonaram todo e qualquer projeto de autonomia e independência, já que a maior parte das elites sempre foi entreguista. E as Forças Armadas, que desde a redemocratização vinham observando seu papel constitucional, viram o campo aberto para abraçar o autoritarismo político-militar agora casado com o fundamentalismo religioso e o alinhamento com os Estados Unidos.

As experiências históricas de socialismo no mundo e o que vivemos em nosso país — as reformas de base no governo Jango e os programas sociais nos governos do PT — devem ser reavaliados. Devemos retomar o fio da nossa história. Não haverá soberania e autonomia sem controle da nossa moeda e câmbio, dos capitais.

A experiência trágica do coronavírus provou como nosso país está desarmado e exposto à dependência externa em áreas estratégicas e mesmo de segurança nacional. Será necessário rever nossas inserção nas cadeias globais de valores e restaurar nossa soberania em áreas estratégicas como a de fármacos para dar um exemplo.

Nossas tarefas

Devemos restaurar o papel do Estado como indutor e condutor do desenvolvimento nacional mais ainda na pós-pandemia. Os bancos públicos e as empresas estatais no setor de energia, petróleo e gás são decisivas para a retomada do crescimento.

Nosso país tem grandes vantagens comparativas na agroindústria e na produção de energia, um dos maiores mercados internos do mundo e uma demanda de infraestrutura social e econômica. Mas o subconsumo, produto da concentração de renda e riqueza, impede o crescimento. Para reverter este quadro, será necessária uma mudança radical na política monetária e fiscal do país, com a redução dos juros a níveis internacionais hoje negativos (nossa taxa média real de juros é de 32% para uma inflação e uma taxa Selic de menos de 4%). Para grande parte da nossa dívida interna ainda pagamos juros de 10%, o que além de um escândalo é praticamente uma expropriação da renda nacional de famílias e empresas.

 

 

*José Dirceu/Nocaute

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Laura Carvalho: Morte de pobres por coronavírus ‘cairá no colo do governo Bolsonaro’

Economista Laura Carvalho alerta para riscos de quebrar isolamento e os efeitos severos para periferias: “idosos são vulneráveis, mas recorte de raça e social é grande”

O coronavírus afetará drasticamente os mais pobres pela falta de recursos, de acesso à saúde e maior incidência de doenças agravadas pelo vírus. A conclusão vem de um estudo feito pela Universidade de São Paulo em parceria com o Levy Economics Institute e a Escola de Medicina de Harvard Medical School, dos Estados Unidos.

Uma das autoras do estudo, a doutora em economia e professora da USP Laura Carvalho, autora do livro “Valsa Brasileira: Do boom ao caos econômico” (Todavia, 2018), detalha os motivos que colocam as populações periféricas e pobres em maior vulnerabilidade. Para ela, é preciso que o governo aja.

“As mesmas populações que saírem de casa para preservar a renda neste momento, os mesmos descontentes pela perda de renda, serão as mais sujeitas aos efeitos devastadores da pandemia do ponto de vista da saúde pública”, explica. “E isso certamente cairá no colo do governo Bolsonaro”.

“Bolsonaro quer sempre tratar o grupo de idosos como mais vulneráveis, que existe o risco que a doença provoca, mas o recorte de raça e social é grande. Há efeitos desproporcionais e deixarão o país muito mais desigual”, pondera a economista.

Para Laura, medidas como a renda mínima já deveriam estar sendo pensadas como forma de proteção social muito antes dessa crise. “E agora é preciso pensar de que maneira podem ficar no pós-pandemia”, avalia.

Confira entrevista:

Ponte – O estudo alerta para o maior perigo aos mais pobres. Quais as causas?

Laura Carvalho – Tem três dimensões que geram esse efeito desproporcional: as razões que fazem as pessoas mais pobres terem contaminação, como o transporte, o número de pessoas que dividem dormitórios na mesma moradia, a impossibilidade de parar de trabalhar, ter que sair do isolamento pelo baixo nível de renda; a segunda é o acesso à saúde. Ainda temos no Brasil um sistema público, mas o número de leitos por 10 mil habitantes é cinco vezes menor no SUS [Sistema Único de Saúde] do que no sistema privado. O caso tenderá a ser tratado de forma pior dada a desigualdade de acesso à saúde; a terceira é, na verdade, a que eu exploro no estudo: a presença maior de doenças crônicas associadas aos casos graves, algo já documentado, como os casos de diabetes, e que observamos de fato no Brasil.

Ponte – Como prevenir que a mortalidade atinja pessoas da “base da pirâmide social”, como dito no estudo?

Laura Carvalho – Cada um dos fatores tem medidas para minimizar. Pelo lado da renda, se existe a impossibilidade de isolamento, já tem medidas sendo tomadas, precisa desenhar medidas urgentes que atinjam camadas e possibilitem preservação de renda imediatamente para evitar o fim do isolamento. As medidas pelo lado do acesso à moradia, pela alta densidade e desigualdade, são necessárias políticas públicas que reduzam essas desigualdades. E, do lado do acesso à saúde, para além da destinação de mais recursos ao SUS, a realocação na pandemia de leitos da rede privada para o sistema público para tentar reduzir a deficiência.

Ponte – As ações tomadas até o momento pelo governo federal voltadas para a renda, como R$ 600 e R$ 1,2 mil para trabalhadores informais, são suficientes para diminuir este risco?

Laura Carvalho – Dizer que é suficiente é complicado. Precisamos considerar a perda de renda muito alta nesse primeiro momento da pandemia, de isolamento, sobretudo para quem está ligado a serviços. É uma iniciativa que já aumentou bastante o valor ao que era proposto e que, em uma família que tem mãe solteira ou dois adultos, por exemplo, chega a um salário mínimo, algo bastante relevante considerando o grau de vulnerabilidade. O problema é que essas medidas não impedem que outros trabalhadores sejam obrigado a irem aos trabalhos. Tem os casos dos que não perderam seus empregos, não querem perder e ainda estão tendo que trabalhar mesmo fora dos setores considerados essenciais. Teriam que ter medidas restritivas maiores, em mais setores, que de fato proibissem a exigência de trabalhadores mais vulneráveis [comparecerem aos seus postos de trabalho] e medidas para preservação de empregos. Não de as empresas tomarem o dinheiro e forçar demissão. Reduzir o risco é o grande desafio.

Ponte – O presidente Jair Bolsonaro e alguns empresários, como Roberto Justus e o Junior Durski, sugerem um isolamento social mais brando para não prejudicar tanto a economia. O que você acha disso?

Laura Carvalho – Isso na verdade é um falso dilema. Não há no debate econômico algum economista que considere o fim do isolamento um ponto que possa trazer recuperação da economia mais rapidamente. As pessoas continuam inseguras, dado os riscos para essa massa de trabalhadores mais vulneráveis economicamente que a pesquisa aponta ser mais vulnerável nos casos mais graves. A crise de saúde pública que seria desencadeada com a retirada das medidas restritivas trariam enorme prejuízo social, de saúde e econômico. Tem vulnerabilidade econômica e tem a vulnerabilidade à contaminação e severidade dos casos.

Ponte – Qual o grande problema dessa questão?

Laura Carvalho – O problema maior é justamente a população mais vulnerável economicamente é a mais propensa a sair do isolamento e as mesmas que estão com mais riscos de óbito. Tragédia seria opor a morte econômica à morte física, o que não pode ocorrer. Para isso, realmente precisa não só melhorar rapidamente as perspectivas de acesso à saúde, os hospitais de campanha, as alocações de leitos, que considero fundamental, como também garantir medidas que estejam vigorando e preservar a renda. Tem um problema de timming: a demora no pagamento tem um impacto, precipita a saída do isolamento.

Ponte – É uma questão voltada mais para a política do que para a economia?

Laura Carvalho – Sim. É uma tentativa do governo Bolsonaro de explorar, diante da crise econômica que virá com isolamento e que virá em todos os países, e tentar transferir a responsabilidade da crise para os governadores e imprensa em geral, que mais estão defendendo a política de isolamento. Com isso, conforme a pandemia evoluir e colocar a população mais vulnerável em risco, se isso for gerando um número de óbitos e o colapso do sistema de saúde desproporcional tal qual estamos prevendo. As mesmas populações que saírem de casa para preservar a renda neste momento, os mesmos descontentes pela perda de renda, serão as mais sujeitas aos efeitos devastadores da pandemia do ponto de vista da saúde pública. E isso certamente cairá no colo do governo Bolsonaro.

Ponte – Há um risco de a pandemia atingir principalmente os negros, como ocorre hoje nos EUA?

Laura Carvalho – Sim. Aqui no Brasil a gente também tem uma associação alta de desigualdade de renda e desigualdades raciais. Assim como nos Estado Unidos, as populações mais vulneráveis do ponto de vista do acesso à saúde e riscos de contaminação que tinha mencionado anteriormente e da incidência de doenças que favorece a Covid-19, tem recorte racial muito claro. Tende a vermos isso. Trabalhando os números para tentar identificar melhor os efeitos, o problema é que na PNS (Pesquisa Nacional de Saúde, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) há uma subnotificação entre os mais pobres e os negros, pardos e indígenas, por exemplo de doenças crônicas. Dentro dessa população há uma proporção bem relevante das pessoas que nunca foram ao médico, não é possível identificar uma incidência maior ou não.

Ponte – Nesse caso, haveria o risco de algo semelhante a um genocídio?

Laura Carvalho – Considerando que há uma medida intencional, declarações, estímulos partindo do presidente para a população sair de casa, o número de óbitos pode ser muito maior e o efeito da pandemia maior nas pessoas pobres e negras, podemos, sim, falar em genocídio. Uma política genocida, ainda, claro, com efeitos indiretos. Na prática, Bolsonaro quer sempre tratar o grupo de idosos como mais vulneráveis, que existe o risco que a doença provoca, mas o recorte de raça e social é grande. Há efeitos desproporcionais e deixarão o país muito mais desigual.

Ponte – Até quando a ajuda emergencial aos mais pobres deve ser mantida?

Laura Carvalho – Sou a favor de que se aproveite a oportunidade para se pensar em um mecanismo mais amplo de proteção social permanente. Há um recorde de informalidade no mercado de trabalho, temos um mundo com o trabalho sendo transformando em todos os países e tendo relações trabalhistas cada vez mais instáveis, o que coloca a população em situação de vulnerabilidade muito maior. Medidas como a renda mínima já deveriam estar sendo pensadas como forma de proteção social muito antes dessa crise e de que maneira podem ficar no pós-pandemia.

Ponte – Há estudos apontando que o isolamento social diminuiu entre a última semana de março e os primeiros dias de abril. Esse processo de afrouxamento, neste momento, deve favorecer ou prejudicar a retomada da economia?

Laura Carvalho – Certamente não favorece. Claro que o isolamento tem um impacto de recessão imediata, na medida em que nem quer que a população saia para consumir. É preciso manter a renda no que é essencial para permitir que se compre o que realmente é essencial. É possível esperar, caso seja bem sucedido em conter a progressão dessa epidemia e evitar o colapso saúde, se reverter a curva e, dessa forma, a recuperação pode ser razoavelmente rápida. Para que isso aconteça, é preciso medidas da preservação de renda e preservação dos setores envolvidos, que as empresas não fechem, que o trabalhadores não percam seus vínculos. Caso seja possível, a recuperação tende a ser mais rápida se tomar esse tipo de medida. Nada garante que a economia vai se recuperar, na verdade. Falamos de recuperação em V, de mais rápida, em U, mais moderada, ou L, quando a economia está estagnada e não retorna ao nível anterior. A crise de saúde pública com número enorme de mortos, não controle da pandemia, deixa a população em tal grau de insegurança que leva à recuperação em tipo L, a pior. Claro, a recuperação vai depender da agenda que o governo adotar no pós-pandemia. Se fizer isolamento e retomar a agenda com austeridade mais drástica, como defendem, pode prejudicar a velocidade de a economia retomar.

Ponte – Para o período pós-pandemia, o que os gestores econômicos devem fazer? Faz sentido voltar a implementar teto de gastos e mais austeridade, já que a dívida pública estará muito maior?

Laura Carvalho – No pós-crise as pessoas estarão mais endividadas, será difícil retomar o consumo e suas atividades. Será um mundo com mais desigualdade. Os efeitos são muito distintos nas classes sociais, o que agravará ainda mais a concentração de renda e riqueza, mais dívida pública, e mais desigualdade. Se resolver a dívida pública forçando a política de mais austeridade, mais agressivas, mais cortes para serviços públicos e proteção social, sem investimento, vai tender a levar a gente para um quadro bastante dramático de estagnação mais grave do que vivemos em 2017. A outra alternativa é desenhar medidas que permitam esse controle da dívida pública pelo lado da geração de receita, medidas de tributação da renda e patrimônio dos mais ricos, a maneira mais interessante de dividir a conta da pandemia.

 

*Arthur Stabile/Ponte