Grupos de militantes do presidente derrotado disseminam no WhatsApp e no Telegram teoria conspiratória envolvendo Superior Tribunal Militar.
De acordo com Malu Gaspar, O globo, apesar dos temores de que bolsonaristas promovessem por aqui uma versão tropical da invasão do Capitólio dos Estados Unidos, quando apoiadores de Donald Trump tentaram impedir a certificação da vitória de Joe Biden, a diplomação de Luiz Inácio Lula da Silva pela Justiça Eleitoral se deu sem incidentes nem grande mobilização da oposição.
Desde a véspera do evento, grupos de militantes de Jair Bolsonaro no WhatsApp e no Telegram que apoiam os atos por intervenção militar na frente de quartéis começaram a receber mensagens dizendo que, na verdade, não havia o que temer em relação ao evento.
O argumento da vez, amparado na teoria conspiratória de que a eleição foi fraudada a favor de Lula, é que a diplomação do petista e do vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), é necessária, pois representa uma espécie de “confissão” dos alegados “crimes” cometidos pela corte e pelo seu presidente, Alexandre de Moraes, durante a eleição.
Na narrativa do subterrâneo bolsonarista, a oficialização da vitória de Lula através do diploma – ritual da democracia surgido em 1951, na presidência de Getúlio Vargas – garante a Bolsonaro uma “assinatura do crime” definitiva para requerer, junto ao Superior Tribunal Militar (STM), a impugnação da chapa Lula-Alckmin.
O argumento mirabolante é uma distorção do artigo 14 da Constituição Federal, que prevê um prazo de 15 dias para a solicitação de impugnação de mandato eletivo ao Tribunal Superior Eleitoral, desde que sejam apresentadas provas de abuso de poder econômico, corrupção ou fraude.
A Constituição não prevê qualquer participação do STM, mas desde o final de semana mensagens e vídeos afirmando que Bolsonaro vai recorrer ao tribunal militar se disseminam nas redes.
“Agora, sim, o presidente pode agir. E dentro das quatro linhas da Constituição, como sempre nos disse”, escreveu um bolsonarista no Telegram. “Dezenas de crimes foram cometidos desde o início do pleito e a diplomação é o ato em que os responsáveis assinam a culpabilidade de todos os crimes. Agora será cumprida a Constituição e aplicada a lei”, publicou outro.
A teoria sobre a impugnação chegou a ser reproduzida pelo deputado federal reeleito Marco Feliciano (PL-SP), apoiador de Bolsonaro. “Me perguntam se após a diplomação pode haver impugnação? A CF (Constituição Federal) responde”, postou ele, junto com a transcrição do artigo 14.
Circula também a versão de que, caso o TSE e o STF neguem os argumentos que seriam apresentados em uma ação de impugnação da chapa eleita, Bolsonaro poderia convocar o Conselho da República – responsável, entre outras atribuições, pela convocação de Estado de Defesa e o de Sítio.
De acordo com essa nova narrativa, destinada a manter mobilizada uma militância cada vez mais frustrada, a frase “diplomação não é posse” virou uma espécie de chavão, assim como “Lula não subirá a rampa” do Palácio do Planalto.
É típico das dinâmicas bolsonaristas dobrar a aposta em teorias conspiratórias e os dog whistles – os chamados “apitos de cachorro”.
Exemplo disso foi a especulação de que Lula poderá deixar o encontro com Biden nos EUA para o próximo ano, quando já estiver empossado.
“Biden cancela encontro com Lula. Não é estranho? Já deve ter chegado na inteligência do Biden que Lula não subirá a rampa (do Planalto), e não querem associar o presidente dos EUA a um bandido. Isso é muito revelador”.
Nos grupos do WhatsApp, falou-se até em um suposto avião russo que teria aterrissando em Brasília antes da diplomação. As redes do presidente derrotado também contribuíram para jogar gasolina no fogo.
O perfil do aplicativo Bolsonaro TV no Twitter reproduziu uma foto dele diante de um tabuleiro de xadrez, muito usado nos últimos quatro anos para representá-lo como um “enxadrista” que consegue antever os movimentos de adversários. Nas últimas 48 horas, a imagem foi reproduzida aos milhares nos grupos de mensagens.
A estratégia bolsonarista sugere que, esgotado o processo eleitoral, e diante da falta de apoio para uma investiga golpista, o presidente aposta na mobilização permanente de seus apoiadores para além do fim de seu governo, na tentativa de desgastar o governo Lula e manter as instituições democráticas sob estresse.
Resta saber se seus apoiadores terão energia para a empreitada. Enquanto o peso da realidade institucional se impõe, o presidente derrotado tem pouco mais de 15 dias para elaborar uma nova narrativa que explique por que, afinal, Lula terá subido a rampa do Palácio e vestido a faixa presidencial no próximo dia 1º.
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