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Vai, Chile, vai e vence

O que está em jogo no Chile não é apenas uma eleição, que flerta com um novo Bolsonaro. É a capacidade de terminar com uma história de derrotas e abrir uma nova sequência de lutas, com novos sujeitos políticos.

Wladimir Safatle – Peço licença para escrever pela primeira vez na primeira pessoa do singular, peço desculpas sem saber muito bem porque esse procedimento se impôs no assunto em questão. Mas chega um momento da vida que se começa a confiar no que não se tem clareza, um pouco como quem aceita esse espírito que um dia Pascal descreveu como uma mistura de incapacidade de, ao mesmo tempo, provar totalmente e abandonar completamente algo.

Eu nasci no Chile, meses antes do golpe de estado que derrubaria Salvador Allende e implementaria não apenas uma das ditaduras mais sanguinárias em um continente onde nunca faltou sangue correndo nas ruas, mas o primeiro laboratório mundial para um conjunto de políticas econômicas, conhecidas como neoliberalismo, que trariam concentração de renda e morte econômica para populações em todo o globo. Esse modo de gestão social, que se vende como defensor de liberdades e da autonomia individual, começou com golpe de estado, desaparecimento de cadáveres, mãos cortadas e estupro. O que diz algo a respeito de sua verdadeira essência autoritária.

Minha mãe costumava dizer que nos meses em que ela começava a se descobrir como uma jovem mãe de 24 anos, era comum ouvir bombas explodindo e tiros nas ruas. Eram os últimos meses do governo de Salvador Allende. Meu pai, que tinha a mesma idade, havia participado da luta armada contra a ditadura brasileira no grupo de Marighella e havia preferido tentar ajudar, de qualquer forma que fosse, a experiência socialista de Allende a aceitar a proposta de sua família e terminar os estudos na Inglaterra. Impotentes, como escoteiros que observam uma floresta em chamas, eles começavam suas vidas adultas com um filho e uma catástrofe.

O governo Allende era apunhalado por todos lados. Vítima de lockouts financiados por Nixon e seu macabro braço direito Henry Kissinger, depois louvado como “grande estrategista” por ter conseguido um aperto de mão entre seu presidente e Mao-Tse Tung enquanto mandava o povo chileno para um inferno de 25 anos, Allende parecia uma figura trágica grega. Se o Chile desse certo, o único país na história em que um programa marxista de transformação social havia sido implementado pelo voto e respeitando as regras da democracia liberal mostraria uma via irresistível em um momento histórico no qual estudantes e operários lideravam insurreições em vários países centrais do capitalismo global. O Chile era o ponto frágil da Guerra Fria, pois ensaiava um futuro que havia sido negado em várias outras ocasiões. Nele se tentava pela primeira vez um socialismo radical que recusava a via da militarização do processo político.

Em agosto de 1973 as ruas do Chile viram o primeiro ensaio do golpe que viria em 11 de setembro. Allende pede poderes especiais ao Congresso para debelar a crise. O Congresso recusa. Eles queriam o golpe. Já nas eleições de março de 1973, quando esperava-se que a direita tivesse 2/3 para derrubar o presidente, o contrário aconteceu, a Unidade Popular havia crescido e alcançado 44%. A única saída seria o golpe e minha mãe continuaria a ouvir bombas e tiros vindos das ruas até o último dia que estivesse no Chile.

Então veio o golpe e fugimos do país. Durante trinta anos, não tive coragem de voltar. Em casa, havia um livro com a foto do Palacio de la Moneda em chamas. Cresci com aquela foto acompanhando-me, como se ela anunciasse que, por mais que tentássemos, as bombas voltariam. Como se nosso futuro fosse nos bater contra uma força brutal, com a idade do fogo que queimava aldeias indígenas colonizadas e que termina em discursos de presidentes prestes a morrer que ainda encontram força para nos lembrar que um dia haveria grandes alamedas na qual veríamos mulheres e homens enfim rompendo as correntes de sua própria espoliação. Assim, quando no Brasil, os mesmos contra os quais tínhamos lutados voltaram, nada daquilo realmente me surpreendia.

Como disse, acabei por voltar trinta anos depois. A primeira coisa que fiz foi ir a nossa antiga casa, na calle Monseñor Eyzaguirre. Quando cheguei, a casa havia sido demolida três meses antes. Havia apenas ruínas. Durante duas horas eu fiquei parado olhando as ruínas. Não lembro mais o que pensei, nem lembro se efetivamente pensei em algo. Poderia falar agora alguma bobagem sobre Walter Benjamin, ruínas, história mas seria intelectualmente desonesto e gostaria de, ao menos nesse momento, mesmo sendo professor de filosofia, ter certa decência de pensamento. Só lembro da paralisia, do silêncio e do vento.

Mas depois desse momento, achei uma maneira de fazer amigos nas universidades e começar a ser convidado para voltar. Em uma dessas voltas, o ano era 2006, lembro de perguntar se eles acreditavam que alguma coisa podiam acontecer no Chile. A resposta era taxativa: não. A ditadura havia naturalizado de forma tal os princípios de empreendedorismo, individualismo e concorrência que aquela geração sequer lembrava do que “Chile” um dia havia representado para o resto do mundo. O assassinato havia sido perfeito e as explicações faziam sentido.

Bem, dois meses depois 500.000 estudantes estavam nas ruas, naquilo que ficou conhecido como “A revolta dos pinguins”. Os estudantes lutavam bravamente contra os “pacos” pelo fim do neoliberalismo e seu discurso hipócrita de meritocracia, de liberdade como direto de escolher a melhor maneira de ser espoliado e exigiam o retorno de educação universal e gratuita. Como sempre ocorre, o que realmente conta nos pega de surpresa.

Anos depois, em 2011, um tunisiano se imolou em uma pequena cidade da Tunísia e desencadeou um série de revoltas que entrou para a história como a Primavera Árabe. Para mim, era claro. Algo recomeçava e não era o fogo das bombas que caiam sobre La Moneda. Era o fogo de quem prefere ver seu corpo queimando a se submeter novamente à servidão. Eu fui para a Tunísia, para o Egito e voltei entendendo que seria extinto e aceso ainda muitas vezes. O que não faria diferença alguma. Nós não nos desmobilizaríamos mais diante de sua primeira extinção porque nosso tempo não é composto de instantes, mas de durações.

Então, em 2019, ele começou novamente a queimar o Chile. Enquanto o governo atirava contra sua própria população, matando mais de 40 pessoas, e cegando de ao menos uma vista mais de 300, enquanto os carabineros tentavam parar a raiva de um povo que havia sido o objeto mundial das piores experiências econômicas e políticas, o fogo queimava, as estátuas de antigos conquistadores queimavam.

E, contra tudo o que está escrito nos livros e que nos é ensinados nos jornais, nós vencemos. Contra os que procuram nos inocular o veneno da descrença, nós vencemos. O governo Sebastián Piñera fora obrigado a dobrar seus joelhos diante da soberania popular em fúria. Ele precisava convocar uma nova Assembleia Constituinte. Aquela loucura tipicamente chilena de quebrar as estruturas respeitando as regras havia produzido uma das mais improváveis vitórias políticas que uma sublevação popular havia conseguido na história recente do mundo. Eles conseguiram implantar um processo constitucional que entraria para a história como o primeiro processo paritário e presidido por alguém que abriu os trabalhos constitucionais falando a língua de quem havia sido historicamente destruído e dizimado pelos colonizadores, a saber, os mapuches.

Bem, mas nessa horas de entusiasmo alguém também deveria lembrar do 18 de brumário, de Marx. Com os olhos na revolução de 1848, Marx queria entender como uma revolução proletária acabava por terminar em uma reinstauração da monarquia. Com quase um século de avanço, Marx fornecia as bases de uma teoria do fascismo como o último freio de mão do liberalismo. Pois ele insistia que toda insurreição popular é acompanhada da emergência de uma força de regressão social. Há quem não se sente mais concernido pelas formas de reprodução social da vida até agora hegemônica, mas há quem entenderá que o retorno à “paz e à segurança” exige uma outra forma de ruptura com o presente, essa que reinstaura as mesmas forças no poder em sua versão mais abertamente violenta. Sempre lá onde uma revolução molecular se desenha, há uma contrarrevolução molecular à espreita. Quem abre as portas da indeterminação deve saber lidar com todas as figuras da negação.

E no meio do processo constitucional havia uma eleição presidencial na qual, no primeiro turno, ganhou um candidato fascista. Esse termo foi tão usado que esquecemos quando ele é analiticamente adequado. José Antonio Kast é analiticamente um fascista, como Bolsonaro. É claro que sempre haverá aqueles que, animados por um discurso pretensamente desapaixonado, dirão: “Não se trata de um fascista, mas de um conservador”, “ele às vezes passa dos limites, mas pode ser controlado”, “Sim, ele disse algumas coisas inaceitáveis, mas depois ele recua”. Claro, porque o recuo é só uma maneira de acostumar a sociedade com as “coisas inaceitáveis”, até elas começarem a parecer parte da paisagem e serem aceitas.

Em um continente onde Prêmios Nobel de Literatura não veem problema algum em apoiar filhas de ditadores que, mais uma vez, conspiram contra governos eleitos, sempre haverá alguém a dizer: “veja bem, não é bem assim”. Hoje, no Chile, todo o dia aparece algum “analista” para sair com alguma descrição “técnica” sobre como Kast não representa o fascismo. Nós vimos a mesma coisa com Bolsonaro. Fomos ridicularizados por “analistas” durante anos quando dizíamos que tecnicamente, alguém cujo discurso é marcado pelo culto da violência, pelo militarismo, pela indiferença absoluta em relação a grupos vulneráveis, por uma concepção paranoica de Estado que mobiliza a imigração e a identidade com fenômeno de angústia social, alguém que desrecalca o passado criminoso de ditaduras militares, que visa paralisar o processo de institucionalização da soberania popular só tem um nome: fascista. E contra ele, as sociedades não têm o direito a contemporização.

O programa de Kast é um programa de guerra, como o de Bolsonaro. Trata-se de puxar o freio de mão do liberalismo econômico e desrecalcar todas as forças que podem modificar os corpos até fazê-los glorificarem ditaduras. Kast foi o primeiro líder estrangeiro a parabenizar Bolsonaro por sua vitória. Se Kast ganhar, constitui-se um eixo latino-americano cujos polos são o Chile e o Brasil. Esse eixo reforça as posições reacionárias como nunca antes.

Quando Bolsonaro venceu, podíamos ouvir sempre aqueles que diziam que o poder iria “civilizá-lo”, que tudo aquilo era “discurso eleitoral”, que a realidade do governo era outra, com suas negociações incessantes. O que mais me impressiona é como essas pessoas conseguem preservar seus empregos. Ou melhor, não, nada disso efetivamente me impressiona há tempos. Fake news sempre foi a regra. Quem reclama hoje, na verdade reclama da perda de um monopólio de produção, não mais que isso.

Por toda a história que ressoa neste momento presente, não é difícil perceber que o que está em jogo no Chile não é apenas uma eleição. É a capacidade de terminar com uma história de derrotas e abrir uma nova sequência de lutas, com novos sujeitos políticos. Quando, em 1780, José Gabriel Condorcanqui liderou a maior revolta indígena que este continente conheceu, sua inteligência lhe fez compreender que a primeira condição para a vitória era livrar o passado de sua melancolia.

Ao liderar a revolta que atravessou o que hoje é o Peru e a Bolívia, ele se chamou Tupac Amaru II não por “messianismo” ou por qualquer coisa que acadêmicos gostam de usar para desqualificar a força popular da revolta. Ele fez isso por entender que as verdadeiras lutas começam por inverter as derrotas do passado, que seria necessário trazer o nome do rei inca que havia sido morto pelos espanhóis no momento em que se inaugurava a servidão. Tirar esse nome da sombra traumática da derrota. Seria necessário recolocá-lo na frente de batalha para calar as lágrimas diante da destruição. “Voltarei e serei milhões”, como dizia Tupac Amaru. Pois a possibilidade da repetição histórica é o que transforma o desamparo em coragem. Coragem para vencer, o que parece que a esquerda na maior parte dos lugares simplesmente perdeu. Quando nas ruas de Santiago, em 2019, voltavam a tocar as músicas revolucionárias dos anos 70 que lembravam que há de se ficar “de pé, a cantar, pois vamos triunfar”, a mesma inteligência havia retornado à cena política.

Por isso, todo este artigo era para dizer algo simples: Chile, vá em frente. Vá e vença, desta vez com Gabriel Boric. Isso não é apenas uma eleição. No Chile real, há certas eleições que não são apenas eleições. Há quase 50 anos esperamos este momento, sabendo que ele retornaria. Ele voltou, e desta vez não haverá mais bombas que consigam nos parar.

*Originalmente publicado no El País

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Vídeo: Depois de Curitiba e Porto Alegre, Moro é escrachado em Recife

O ex-juiz parcial Sérgio Moro foi recebido sob vaias e gritos de “juiz ladrão” no Recife, neste domingo (5), em evento de lançamento de seu livro na capital pernambucana. O evento estava marcado para as 18h no teatro do Shopping Riomar, no bairro do Pina.

Os manifestantes levaram uma faixa com a frase “Moro suspeito prendeu Lula sem provas”, em alusão à sua conduta no judiciário de usar o cargo para obter vantagens políticas ilícitas.

Além de vaias e palavras de ordem – como “Moro satanás quebrou a Petrobras” e “juiz ladrão também é corrupção”, os participantes do ato cantaram o hino carnavalesco “Madeira que cupim não rói”, destacando o trecho “Queiram ou não queiram os juízes, Lula é de fato presidente”.

Durante o evento de lançamento, Moro chegou a colocar um chapéu de couro, típico do Nordeste, para parecer simpático com os presentes, mas o objetivo não foi atingido, como mostra a imagem.

Curitiba e Porto Alegre

Moro também foi alvo de forte escracho em Porto Alegre neste sábado (4), numa conferência do Podemos, partido para o qual se filiou recentemente para lançar sua candidatura à presidência, mas onde também fez o lançamento de seu livro, no teatro do Bourbon Shopping Country. Antes disso, houve protesto na noite de quinta-feira (2) no lançamento de Curitiba.

Com informações do 247

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Tudo em Moro é pobre, triste e medíocre

Seu vocabulário é limitado, previsível e todo o seu discurso se resume ao enfadonho truque de fazer política fingindo que detesta a política.

Também assisti à apresentação de Sergio Moro e o que tenho para dizer é que o personagem está longe de poder ser incluído no gênero do realismo fantástico sul-americano. Nada ali existe de singular ou de imaginário ou de extraordinário. O estilo está mais próximo do vaudeville europeu ou norte-americano – tudo ali é pobre, triste e medíocre. Pura e simplesmente não sabe falar em público, não tem esse treino, nunca aprendeu a ler em voz alta, nunca se interessou pela declamação, nunca cultivou a elo­quência, não tem presença em palco e não sabe ler um discurso.

Para além disso, seu vocabulário é limitado, previsível e todo o seu discurso se resume ao enfadonho truque de fazer política fingindo que detesta a política – esse mundo desonesto de intriga ao qual foi poupado durante toda a sua vida, na qual só conheceu o universo judicial, marcado pelo mando e pela obediência. Em síntese, e para não vos tomar mais tempo com este assunto, tudo ali me pareceu aflitivo, falso e pechisbeque.

Para a direita, que sonha com a redenção depois do golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, este é o pior caminho – nada de bom, de democrático, de inovador ou de construtivo virá desta candidatura. Poderão dizer, e com razão, que perderão de qualquer forma. Talvez, mas dessa forma perderão sem dignidade. A dignidade que o Partido dos Trabalhadores manteve quando perdeu as eleições em 2018 e que lhe permite agora, quatro anos depois, ter uma boa expectativa de vitória.

O homem não tem espírito, pronto. Aliás, correndo o risco de ser mal interpretado, na comparação com Bolsonaro acho que sai a perder. O atual presidente apresentou-se aos brasileiros em toda a sua gloriosa e desarmante ignorância e impreparação. Ao longo desses anos foi exatamente aquilo que disse que era, para desgosto de alguns que votaram nele achando que o cargo poderia mudar o personagem. Não mudou, mas ninguém pode queixar-se de que foi enganado.

Quanto ao antigo juiz, a palavra que nos ocorre imediatamente ao espírito é a hipocrisia. Dizem por aí que não é tão extremista ou desbragado como o atual presidente. Talvez, mas nada o salva da justa fama de impostor. A instrumentalização do cargo judicial em favor da sua ambição e carreira política foi um dos atos mais repugnantes da vida pública brasileira. Exposta a fraude judicial, o resultado foi catastrófico – conspurcou as duas, a política e a Justiça. E, por favor, não desvalorizemos a infâmia. A autoridade do juiz não se constrói apenas com o seu curso de Direito ou com o concurso público para o lugar. Ela conquista-se com a imparcialidade. Perdida esta, nada mais resta. Sergio Moro e o julgamento de Lula representaram um sério dano na legitimidade da Justiça brasileira.

Moro não é a salvação, mas a maldição da direita. Que tristeza!

Depois, há ainda outro aspecto que tem a ver, se assim lhe podemos chamar, com a sua mundividência. Na tese de doutoramento, o antigo juiz escreve, em jeito de agradecimento à sua mulher, que “se é verdade que atrás de cada grande homem existe uma grande mulher, acrescentaria que às vezes isso ocorre mesmo quando se trata de um homem comum”. Mulheres atrás, diz ele. De grandes homens ou de homens comuns. O que realmente impressiona é a mediocridade cultural do personagem. A imprensa, à falta de melhor, dedicou-se a elogiar a melhora do timbre de voz. O timbre de voz como qualidade política, imaginem. Na verdade, deixem-me dizer-vos, uma boa parte desse mal-estar geral que se sente com a política contemporânea tem a ver com isso – a ideia de que a política pode ser produzida em laboratório por uma indústria de assessores e de especialistas que analisam o “mercado eleitoral” por forma a criar o personagem perfeito e ao qual é pedido que nada mais faça do que seguir os seus conselhos.

O focus group e os inquéritos de opinião passam a determinar a palavra e a ação do político, que assim está seguro de dizer o que agradará ao auditório que o ouve. Tudo previsível, tudo falso, tudo igual ao que já vimos, e ainda a horrível sensação de que por detrás do pano não há plano, nem programa, nem uma ideia. Nada senão o vazio. Moro é um daqueles personagens fabricados pelas televisões e pelos vazamentos que lhes forneceu como contrapartida para a fama e glória pessoal. Ali não há trajeto político, nem provas dadas, nem nenhuma convicção que valha a pena assinalar. Ali nada há que seja autêntico, genuíno, humano e imperfeito. É uma candidatura à procura da carreira e da oportunidade, desprezando o que de mais belo tem a política – o risco e a contingência da ação. A tão procurada “terceira via” acaba, assim, como arte kitsch – “arte previsível, com efeitos previsíveis, com recompensas previsíveis”.

A política brasileira parece ter perdido qualquer sentido estético. Moro não é a salvação, mas a maldição da direita. Que tristeza!

*José Sócrates/Carta Capital

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Candidatura de Moro completa a brasilidade do absurdo

Ex-ministro de Bolsonaro tem um bordão de uso diário: ‘Não cometi nenhum ato ilegal’,

Janio de Freitas – A anulação de 13 condenações aplicadas por Sergio Moro, entre as quais as de Antonio Palocci e Marcelo Odebrecht, situa-se entre duas explicações possíveis.

Ou Moro ignorava que irregularidades de cunho eleitoral competem à específica Justiça Eleitoral ou suas sentenças nos 13 processos confirmam má-fé e parcialidade na apropriação desses casos.

A anulação e suas razões pulverizam todos os questionamentos e ressalvas, sobretudo as do próprio Moro, à recente imputação de julgamentos parciais e suspeitos que lhe fez o Supremo Tribunal Federal (na 2ª Turma e em confirmação pelo pleno).

Todos os atos desses processos na Lava Jato foram anulados no Superior Tribunal de Justiça. Caberá à Justiça Eleitoral decidir se os recupera, se inicia novos procedimentos ou não.

Em qualquer decisão, sem o principal acusável, que é o autor da absurda ilegalidade judicial, aliás preservada pelo Tribunal Regional Federal-Sul em decisões não menos parciais e suspeitas.

Mas nem assim a brasilidade do absurdo se completa. O que só se dá, por ora, com a candidatura de tal acusável a presidente do país ao qual ludibriou.

Autor de escutas ilegais de advogados de defesa, de parentes de acusados, até da presidente da República —entre incontáveis ilegalidades—, Sergio Moro tem um bordão de uso diário: “Não cometi nenhum ato ilegal”.

Vê-se que deseja competir com Bolsonaro também em outros campos, valendo-se, inclusive, de um auxiliar distante da sua intimidade: considerada a forma física, um livro.

Com o bordão aí espichado em afirmações assim: a respeito de Lula, “jamais se atuou com parcialidade com ele”. Com ele, não mesmo. Contra ele, sempre.

No Judiciário, Moro se esvai como suas verdades. E nem faz diferença que Bolsonaro aumente de 10%, como disse, para 18% sua intromissão no Supremo.

Primeiro, porque ainda haverá nove magistrados, apesar de nem todos o serem sempre. Depois, pela chegada ao tribunal, não de um deslocado pastor, mas só de um caco.

É o que resta de André Mendonça depois da quase unânime comparação entre suas afirmações aos senadores, para ver-se aprovado ao Supremo, e os atos e palavras do seu passado conhecido. O Senado talvez nunca tenha visto alguém contradizer-se tanto e com tanta desfaçatez.

Este é André Mendonça, ministro do STF

O auge da autenticidade de André Mendonça viria, porém, na sua comemoração com Bolsonaro, já antiética por si só. Fotografada e distribuída à imprensa pela própria Presidência, mas muito pouco reproduzida para leitores e espectadores.

Bocas escancaradas em riso de cafajeste, caras debochadas, enlaçados em mais do que um abraço, parecem dois bêbados desequilibrados e se amparando mutuamente, para diversão dos circunstantes.

O Supremo passou por muitas vergonhas, mas nunca viu, com certeza nunca viu, tamanha falta de compostura em nome da sua toga.

Humilhação e prenúncio que o Senado de Rodrigo Pacheco lançou ao Supremo, como presente natalino a Bolsonaro e aos antidemocratas.

Tudo muito próprio, no entanto, para um país em que mais de 50 milhões pessoas estavam abaixo da linha de pobreza no ano passado e no atual só veem aumentar sua desgraça e sua fome.

Um a cada quatro brasileiros na população em 2020, por verificação do IBGE, e a caminho de um a cada três em 2022 já preparado pela recessão afinal denunciada.

E pelo apoio, já definido, do poder econômico e dos seus meios de interferência eleitoral a um sucedâneo de Bolsonaro, pelo mesmo primarismo obtuso, pela mesma arrogância perigosa e pela também reconhecida, até por seus pares, falta de escrúpulo.

Ficará bem, suponho, interromper aqui com a citação de uma frase banal e recente de Aécio Neves: “Eu não faço política com o fígado”. É com o bolso.

*Publicado na Folha

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Quanto mais ocultas, mais fétidas serão as emendas ao Orçamento

Nova semana de queda de braços entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) teremos pela frente. Na aprovação da PEC dos Precatórios, a maioria do Senado manteve o sigilo sobre as emendas já executadas e adotou uma espécie de “me engana que eu gosto” em relação às que ainda não foram liberadas, ao propor que prefeituras, governos estaduais, órgãos federais e instituições da sociedade encaminhem “diretamente” ao relator os seus pedidos de emendas. A malandragem permite que os “padrinhos” desses pedidos não apareçam, ou seja os parlamentares, seus verdadeiros autores.

É como dizia, ironicamente, o cronista carioca Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, “ou restaura-se a moralidade ou nos locupletemos todos”. A proposta aprovada no Congresso adotou a segunda opção, que ainda vai dar muito pano para as mangas dos que estão distribuindo verbas do Orçamento com mãos de gato. O Supremo, ao endossar a decisão da ministra Rosa Weber, mandando sustar a execução das emendas, foi muito claro: orçamento secreto é inconstitucional. Tudo o que ocorreu precisa ter transparência, inclusive os nomes dos autores das emendas.

A forma desesperada como se tenta esconder seus autores só aumenta as suspeitas de “intermediação onerosa”, superfaturamento e desvios de recursos públicos. Haveria até mercado de emendas. Sobrou para o relator-geral do Orçamento da União de 2021, senador Marcio Bittar (MDB-AC), operador das emendas secretas. O presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), segundo a Advocacia do Senado informou ao Supremo, pediu a Bittar (PSL-AC) que adote todas as “providências possíveis e necessárias para o cumprimento das citadas deliberações do Congresso Nacional e da mencionada decisão do Supremo Tribunal Federal”.

No documento encaminhado ao STF, os advogados do Senado fazem questão de ressaltar que não havia obrigação para que esses dados — o autor da emenda, o valor pedido, o valor liberado e a destinação, por exemplo — estivessem cadastrados em algum sistema do Congresso. Somente os tolos podem imaginar que alguma emenda parlamentar ao Orçamento da União seja aprovada e liberada sem que se saiba e se registre o autor. Até os brincantes do calçadão da Gameleira, em Rio Branco (AC), sabem que o senador Bittar não dá ponto sem nó.

Além disso, o toma lá dá cá como instrumento de fidelidade na base governista impede que esse tipo de informação não seja do conhecimento de alguns mandachuvas do Centrão: o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL); a deputada Flávia Arruda (PL-DF), ministra-chefe da Secretaria de Governo; e o senador Ciro Nogueira (PP-PI), ministro da Casa Civil.

*Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense

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Emendas de líder do governo Bolsonaro viram moeda de troca política

Bezerra Coelho destina verba para cisternas em PE, mas moradores veem ‘politicagem’ em prefeitura chefiada por filho do senador.

Em 12 de setembro, o prefeito de Petrolina (PE), Miguel Coelho (DEM), usou uma rede social para fazer propaganda da entrega de 150 cisternas a famílias da localidade de Icó, na área rural do município, revela reportagem da Folha.

“Ao todo, serão 1.000 cisternas implantadas na zona rural, sendo que 300 já foram entregues, ação feita pelo trabalho da nossa força política em Brasília, com os recursos destinados pelo senador Fernando Bezerra Coelho e o deputado Fernando Filho, em parceria com a Codevasf”, postou Miguel.

A Codevasf é um órgão federal, e a força política em Brasília citada pelo prefeito pode ser traduzida como as chamadas emendas de relator, modalidade incluída no Orçamento de 2020 pelo Congresso, que passou a ter controle de quase o dobro da verba federal de anos anteriores.

O principal destinador dessas emendas para a compra de cisternas em Petrolina é o pai de Miguel, o senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), líder do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) no Senado.

A distribuição desses reservatórios de água com verba federal, porém, está contaminada pela “politicagem”, segundo relato de moradores da zona rural do município.

Em Petrolina, a 713 km do Recife e com população estimada de 360 mil habitantes, a entrega das caixas-d’água não atende necessariamente a quem mais precisa, e sim a quem a aceita como moeda de troca ou é mais próximo dos políticos.

O resultado disso é uma situação insólita em meio a uma região atingida pela estiagem: excesso de cisternas para aliados e escassez para quem não adere ao chamado toma lá, dá cá, alvo de críticas de Bolsonaro na campanha de 2018, mas depois consolidado ao longo de seu governo.

Atualmente, a emenda de relator é peça-chave no jogo político em Brasília, pois é distribuída por governistas em votações importantes no Congresso. O dinheiro disponível neste ano é de R$ 16,8 bilhões.

Desde o ano passado, o Palácio do Planalto e aliados usam os recursos de emendas de relator para privilegiar aliados políticos, ampliar a base de apoio deles no Legislativo e, assim, evitar o início de um processo de impeachment contra Bolsonaro.

Não há uma base de dados pública com a lista de deputados e senadores beneficiados por essa negociação política, o que levou o mecanismo a ser congelado pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

Em documentos do Ministério do Desenvolvimento Regional, a Folha encontrou informações que ligam R$ 125 milhões em emendas de relator de Bezerra Coelho, em 2020, à 3ª Superintendência da Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba), com sede em Petrolina.

Desse total, cerca de R$ 7 milhões foram destinados para a aquisição de 2.000 cisternas de polietileno com capacidade para 15 mil litros cada, segundo relatório fornecido pela Codevasf à Câmara Municipal de Petrolina, por solicitação do vereador Gilmar dos Santos Pereira (PT).

No fim do mês passado, a reportagem visitou a localidade de Icó de Né Gomes, nas proximidades do local da realização da cerimônia de entrega dos reservatórios, que também contou com a participação do senador em setembro.

Nas fotos do evento, ele aparece ao lado dos filhos políticos, como o prefeito da cidade.

Moradores relatam discriminação política na distribuição dos reservatórios pela prefeitura. Segundo eles, aqueles que nas eleições a vereador de 2020 declararam apoio à campanha do atual secretário de Agricultura do município, Gilberto de Sá Melo, foram contemplados com as cisternas.

Há casos, inclusive, de pessoas que receberam uma segunda cisterna de polietileno, apesar de já possuírem os reservatórios de alvenaria, em razão de terem feito campanha pela candidatura de Gilberto, dizem os sertanejos.

Ainda de acordo com os moradores, aqueles que à época declararam apoio a outros candidatos a vereador, colocando em suas casas cartazes de adversários de Gilberto, deixaram de receber cisternas, apesar de suas demandas.

A prática relatada é comum no interior do país. Eleições municipais envolvem troca de favores e ameaças.

Em locais atingidos pela seca, como já relatado pela Folha, é comum o candidato oferecer caminhão-pipa para abastecer a cisterna do eleitor, que, em troca, expõe o cartaz da campanha na porta de casa.

Outra prática da chamada “politicagem” é o empréstimo de pequenas máquinas, como tratores, para que o eleitor acelere o plantio de subsistência.

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Nova pesquisa mostra que Lula venceria no primeiro turno

O ex-presidente Lula continua dando um baile nos outros postulantes à presidência da República para as eleições de 2022, é o que revela Matheus Leitão, da Veja.

Uma nova pesquisa mostra que não é só de goleada que vive o ex-presidente petista contra seus adversários, como bem resumiu a coluna.

Os novos números deixam claro, na verdade, que, caso as eleições de 2022 fossem hoje, Lula venceria no primeiro turno, o que ele mesmo não conseguiu – nem em 2002, nem em 2006.

Pela pesquisa, Lula tem 42% das intenções de voto, contra 19% de Jair Bolsonaro. Sergio Moro e Ciro Gomes, principais nomes da terceira via hoje, aparecem na terceira posição (risos) com 5% das intenções de voto.

Como ainda revelou o Radar sobre a pesquisa, José Luiz Datena, que não está mais no jogo presidencial, é listado no levantamento e tem 4%. João Doria, que ganhou as prévias do PSDB, tem 2%. Já Rodrigo Pacheco nem pontua.

Dois detalhes importantes da pesquisa são a consolidação de Lula acima dos 40% e a consolidação do presidente Jair Bolsonaro abaixo dos 20%.

É óbvio que ainda tem uma distância grande até as eleições, muita coisa pode mudar – inclusive, os movimentos de construção de alternativas do atual presidente podem fazer efeito.

Mas, até agora, Lula tem ido de baile em baile cantando a música de uma nota só: vitória, vitória, vitória…

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Condenados por Moro, absolvidos pelo tribunal

A Pública levantou os 16 casos de absolvições em segunda instância da Lava Jato e acompanhou o impacto da condenação na vida de três desses réus.

Pública – única coisa que ouvi foi o cachorro latindo, mas de um jeito diferente. Abri a varanda e vi que ele estava assustado. Quando eu saí do quarto, ouvi a campainha da cozinha, da porta da sala e pessoas forçando a maçaneta. Num primeiro momento, achei que fosse assalto, porque faziam muita força. Fui até a porta e perguntei que estava acontecendo, e uma voz respondeu: ‘Aqui é a Polícia Federal [PF], abra imediatamente’. Estava de cueca [era 6h30 da manhã], é constrangedor. Fui me vestir e fizeram uma busca e apreensão na minha casa, levaram computador, celular, pastas, tudo que tinha da OAS. Minha esposa estava grávida de cinco meses. Reviraram tudo e pediram para que eu os acompanhasse”, relembra hoje Fernando Augusto Stremel Andrade, ex-gerente de gasoduto da OAS.

Acusado de envolvimento no esquema de corrupção da empresa, como o então presidente da empreiteira Léo Pinheiro e os diretores Agenor Franklin Medeiros e Matheus Coutinho, o ex-gerente foi conduzido coercitivamente para a PF na sétima fase da Operação Lava Jato, denominada Juízo Final, no dia 14 de novembro de 2014. Foi liberado em seguida, mas em 5 de agosto de 2015 condenado a quatro anos de prisão em regime aberto por lavagem de dinheiro.
“O [Sergio] Moro achou que eu, com a função que tinha, deveria saber o que estava acontecendo. A noção para quem está de fora pode ser essa, mas não é isso que ocorre na obra”, afirma sobre a condenação. Absolvido em segunda instância por falta de provas em 27 de novembro de 2016, ele não conseguiu mais se recolocar no mercado de trabalho. “Estou marcado pela Lava Jato. A maioria das empresas tem o setor compliance. Não passa, cara, mesmo com a minha absolvição por 3 a 0. Fui condenado, acusado de corrupção, e as pessoas questionam. Não tem o que fazer”, lamenta.

Stremel Andrade foi um dos 15 réus condenados pelo ex-juiz Sergio Moro absolvidos pelo Tribunal Regional da 4ª Região (TRF4), em Porto Alegre (RS), segundo dados obtidos com exclusividade pela Agência Pública. Como ele, muitos tiveram suas vidas impactadas por sentenças proferidas na 13ª Vara Federal, de Curitiba, mesmo depois de terem sido anuladas em segunda instância pelos desembargadores João Pedro Gebran Neto, Carlos Eduardo Thompson Flores e Leandro Paulsen.

Foi assim com Maria Dirce Penasso, cirurgiã dentista aposentada, à época com 66 anos, residente em Vinhedo, interior de São Paulo. A pacata vida da senhora foi revirada do avesso ao ter seu nome atrelado à Lava Jato, no dia 17 de março de 2014, na primeira fase da operação, quando sua casa foi alvo de busca e apreensão. Acusada de lavagem de dinheiro e evasão de divisas, Maria Dirce foi condenada por Moro a dois anos, um mês e dez dias de prisão (depois comutada para prestação de serviço à comunidade). O motivo: sua filha, a doleira Nelma Kodama, abriu uma conta em seu nome em Hong Kong, que teria sido usada para movimentar dinheiro de corrupção. Maria Dirce, que sempre alegou desconhecimento das transações de Nelma, foi absolvida pelo TRF4 em dezembro de 2015, pouco mais de um ano depois da condenação. Além da decepção com a filha, sobraram sequelas da operação, segundo o seu advogado, Eduardo Pugliesi Lima. “Ela tinha uma conta no mesmo banco há 30, 40 anos. Quando foi acusada, começaram a dificultar tudo, para fazer qualquer tipo de movimentação. Já tinha mais de 70 anos, não precisava passar por isso”, conta Pugliesi Lima.

Saga mais complexa é a do gerente do Posto da Torre, André Catão de Miranda, preso no dia 17 de março de 2014, na primeira fase da Lava Jato. Foi essa prisão que inaugurou e batizou a operação – em referência ao lava-jato do posto. Catão foi preso temporariamente como suspeito de integrar uma organização criminosa liderada por seu patrão, o doleiro Carlos Habib Chater. Há 11 anos ele era gerente financeiro do posto e movimentava as contas de Chater, o que lhe valeu uma condenação por lavagem de dinheiro da qual foi absolvido pelo TRF4 em setembro de 2015. No ano passado, o administrador foi novamente condenado por Moro – dessa vez por supostamente pertencer a uma organização criminosa – em um dos últimos atos do juiz na 13ª vara antes de assumir o Ministério da Justiça do governo de Jair Bolsonaro. Ele aguarda o recurso ser julgado no TRF4.

Abandonado pela OAS

Engenheiro formado pela PUC do Paraná em 1985, com pós-graduação em engenharia de dutos desde 2007, o ex-gerente de gasoduto da OAS tem currículo de executivo de primeira linha. Antes de trabalhar na OAS, foi funcionário na Petrobras, onde permaneceu entre 1998 e 2007, com a responsabilidade de avaliar a viabilidade técnica e econômica de empreendimentos da empresa no setor de gasoduto. Foi a Petrobras que o indicou para trabalhar na OAS, na construção de um gasoduto no Amazonas, o Urucu-Coari-Manaus, inaugurado em novembro de 2009 e recentemente vendido junto com 90% da Transportadora Associada de Gás S.A. (TAG) para um grupo empresarial que reúne a francesa Engie e o fundo canadense Caisse de Dépôt et Placement du Québec (CDPQ), por US$ 8,6 bilhões (cerca de R$ 33 bilhões), em abril do ano passado.

Em 2010, Stremel Andrade foi deslocado para Alagoas, dessa vez para trabalhar na concepção do gasoduto Pilar-Ipojuca. Um ano depois, assinou um contrato representando a OAS com a empreiteira Rigidez, pertencente a Alberto Youssef, no valor de R$ 1,8 milhão. Os problemas começaram aí.

Não vou dizer que fui obrigado, mas a OAS me orientou a assinar o contrato para uma divisão de dividendos e participações. É uma divisão interna dos lucros de uma obra, mas eu não imaginava que isso ia para um agente público ou para a Petrobras. Eu era um funcionário operacional”, justifica Stremel Andrade. “Você pode me perguntar: ‘Pô, o Léo Pinheiro, Agenor, não participava de reunião com você?’. Sim, todo mês a gente se reunia, mas nós falávamos do avanço físico de obra, de rentabilidade”, afirma Fernando, que nem sonhava em ver sua casa invadida pela PF como aconteceu em novembro de 2014.

Ele lembra que foi conduzido coercitivamente para prestar depoimento na PF em uma sexta-feira e, na segunda, já estava de volta ao Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), para onde havia sido deslocado pela OAS em 2013. Ali supervisionava a construção da adutora que vai levar o lixo químico tratado de uma das refinarias da Petrobras até Maricá para ser despejado 3 km adiante no mar. “Minha equipe veio conversar comigo para saber o que havia acontecido. Ninguém esperava essa situação. Trabalhei normal, administrando esse problema e a continuidade da obra. Até a sentença, que foi em meados de 2015, era um sufoco, porque ia para Curitiba, tinha audiência de acusação, defesa”, relembra.

Questionado sobre por que preferiu ficar em silêncio no depoimento a Sergio Moro, o ex-executivo da OAS afirma que “essa era uma estratégia da empresa”. “Antigamente, se condenado na segunda instância, você não ia preso. O acordo era não falar absolutamente nada, porque eu poderia ser condenado em segunda instância e, até chegar no STJ, ia demorar mais 10, 15 anos, todo mundo já ia ter mais de 70 anos. Isso mudou a partir do momento que a segunda instância começou a prender.”

Entre setembro de 2015 e abril de 2016, Stremel Andrade permaneceu afastado, sem exercer nenhuma função na OAS, ainda que recebendo salário. Quando retornou ao cotidiano da empresa, ele relata que permaneceu marginalizado. “Eu não tinha nem mesa para trabalhar”, conta. O executivo não era mais convocado para reuniões e tampouco sabia de detalhes operacionais da companhia.

Meses depois, em novembro de 2016, foi absolvido por unanimidade pelos três desembargadores do TRF4. Nenhum dos delatores da OAS havia citado seu nome ao falar sobre as irregularidades encontradas pela força-tarefa. “Foi um alívio e achei que tudo ia voltar a ser como era antes, mas isso não aconteceu”, lembra o engenheiro, que continuou a se sentir escanteado no trabalho.

Em março de 2018, foi demitido “de maneira fria e calculista” pela OAS sem receber FGTS, férias proporcionais nem rescisão trabalhista, o que teria acontecido também com outros funcionários da construtora. Segundo ele, a cúpula da empresa “ficou chateada” com o depoimento de um dos delatores da empresa, o ex-diretor financeiro Mateus Coutinho de Sá Oliveira, dizendo que a empresa havia prometido indenizar os diretores que concordassem em fazer a delação premiada. “Os acionistas se sentiram traídos. Desde 2018 ninguém recebe mais nada”, diz.

Stremel Andrade diz que pediu uma compensação para se “reerguer”, movendo uma ação trabalhista contra a OAS no valor de R$ 4,4 milhões. São 50 salários por danos morais, R$ 385 mil por 138 dias de férias não gozadas e mais R$ 600 mil pela rescisão do contrato de trabalho – o que ainda não recebeu. Sem emprego, ele ainda sente o peso da condenação. “Não é mais a mesma coisa. Irmãos e os parentes mais próximos, tudo bem. Mas o restante da família tem um outro conceito de mim.”

Stremel Andrade diz que pediu uma compensação para se “reerguer”, movendo uma ação trabalhista contra a OAS no valor de R$ 4,4 milhões. São 50 salários por danos morais, R$ 385 mil por 138 dias de férias não gozadas e mais R$ 600 mil pela rescisão do contrato de trabalho – o que ainda não recebeu. Sem emprego, ele ainda sente o peso da condenação. “Não é mais a mesma coisa. Irmãos e os parentes mais próximos, tudo bem. Mas o restante da família tem um outro conceito de mim.”

Stremel Andrade ainda é réu em processo por improbidade administrativa em ação protocolada pela Advocacia-Geral da União (AGU), por mau uso do dinheiro público. “Como fui absolvido na ação do MPF, espero que isso conte nessa outra acusação. É uma agonia sem fim.”

A Pública entrou em contato com a OAS, que, por meio de sua assessoria de imprensa, afirmou que “sobre os temas rescisórios, a empresa acredita que encaminhará soluções definitivas nas próximas semanas”. Sobre o depoimento de Sá Oliveira, mencionado por Stremel Andrade, disse que “jamais efetuou qualquer tipo de pagamento aos ex-executivos e afirma categoricamente que nunca celebrou tal acordo mencionado”. O advogado Pedro Ivo Gricoli Iokoi, responsável pela defesa de Sá Oliveira, também não quis conceder entrevista à Pública, afirmando que “Mateus é colaborador e possui cláusula de confidencialidade no acordo”.

O Posto da Torre, propriedade do empresário Carlos Habib Chater, deu origem e nome à Operação Lava Jato

De Vinhedo a Hong Kong

O relógio marcava 0h37 do dia 26 de novembro 2012 quando o visor do celular da doleira Nelma Kodama brilhou. Era uma ligação vinda de uma operadora do HSBC, na China.
– “Oi, aqui é a Carol, de Hong Kong DC”.
– “Sim, pode falar, aqui é Maria Dirce Penasso.”
– “Nós temos algumas perguntas para você, posso enviar um email para você dar uma olhada?”
– “Sobre qual das 961? Qual pagamento ?”
– “São perguntas sobre algumas informações que precisamos, posso lhe enviar um email”
– “Ok, vamos fazer assim, porque aqui eu estou em outro país e agora é meia noite, ok? Todos os escritórios estão fechados, pode me fazer um favor, me envie um email, ok? E amanhã eu vejo o email e você me liga amanhã à noite, pode ser assim? Você entende? Porque está tudo fechado agora”.

O diálogo, em inglês, foi traduzido pela PF dois anos depois, ao investigar Maria Dirce Penasso, mãe da doleira, que era real interlocutora da conversa. “A Maria Dirce não fazia ideia dessas movimentações, era tudo em inglês. Ela, com a idade que tinha, sem saber falar outra língua, mal sabendo mexer nas funções básicas de um computador, jamais conseguiria movimentar o dinheiro de uma conta bancária em Hong Kong”, contou à Pública o advogado da dentista aposentada, Eduardo Pugliesi Lima.

O uso de seu nome pela filha em contas que movimentariam dinheiro da corrupção resultou em uma acusação do Ministério Público Federal (MPF) por evasão de divisas e lavagem de dinheiro. A mesma denúncia que foi feita contra a filha doleira e seu motorista particular, Cleverson Coelho de Oliveira, entre outros. Segundo o MPF, Maria Dirce teria consentido em ceder seu nome para abertura de uma conta em Hong Kong, na China, intitulada “Il Solo Tuo Limited”, e outra conta da “NGs Prosper Participações Ltda.”, uma empresa de fachada responsável pela administração de 60 apartamentos no hotel Go Inn, no Jaguaré, zona oeste da capital paulista. As duas contam serviriam para ocultar o dinheiro do esquema entre empreiteiras e a Petrobras.

No dia 22 de outubro de 2014, Maria Dirce Penasso foi condenada a dois anos, um mês e dez dias de prisão, tendo a pena sido transferida para prestação de serviço à comunidade. Além disso, Sergio Moro bloqueou os quase R$ 11 mil que estavam em sua conta quando ela teve a casa alvo de busca e apreensão. Na mesma sentença, sua filha, Nelma Kodama, foi condenada a 18 anos de prisão por Sergio Moro por lavagem de dinheiro, evasão de divisas, corrupção ativa e por supostamente liderar uma organização criminosa. Considerada a primeira delatora da Lava Jato, Nelma teve sua pena reduzida para 15 anos em 2015. Em junho do ano seguinte ela passou ao regime semiaberto, com a utilização da tornozeleira eletrônica. Em agosto de 2019, foi autorizada a retirar o aparelho ao ser beneficiada pelo indulto natalino editado por Michel Temer em 2017, que prevê o cumprimento de um quinto da pena para não reincidentes. Como Nelma já havia cumprido mais de três anos, a benesse foi concedida.

Nelma era ligada ao doleiro Alberto Youssef, um dos nomes mais conhecidos de toda a operação e um dos primeiros a aderir à delação premiada – ele foi condenado a mais de cem anos de prisão, em 12 processos, mas ficou apenas três no regime fechado. Além da relação profissional, os dois mantinham um vínculo sentimental. Por esse motivo, de acordo com o advogado de Maria Dirce, a mãe de Nelma conhecia Youssef, que frequentava sua casa. “Ela não sabia dessas transações que eles faziam. A Nelma visitava ela, mas a Dirce nunca ficou perguntando. A filha já era adulta, né? A mãe não ficava questionando sobre os afazeres dela”, diz o advogado.

Em dezembro de 2015, Maria Dirce foi absolvida pelo TRF4 de todas as acusações que constavam no processo em que havia sido condenada por Moro. “Quando chega em um tribunal, com outros três desembargadores, tudo muda, porque eles podem colocar outra visão. A Maria Dirce provou, através do imposto de renda, que tudo que ela tem foi conquistado pelos anos de trabalho como celetista. Não houve elevação da renda ou do patrimônio nos últimos anos”, conta Pugliesi Lima.

Maria Dirce não quis conversar com a Pública “para não reviver uma história que prefere esquecer”, de acordo com o advogado.

Duas condenações, uma absolvição

Também o ex-gerente administrativo André Catão de Miranda diz ter sido pego de surpresa por acusações que desconhecia. Ele e outras pessoas ligadas ao Posto da Torre foram presos em março de 2014 em decorrência do mesmo processo que condenou o dono do posto, o doleiro Carlos Habib Chater, apontado como líder e executor de crimes financeiros. Por realizar operações de câmbio e pagamentos a mando do patrão, consideradas irregulares pelo MPF, ele foi detido em Brasília e transferido para a Casa de Custódia de São José dos Pinhais, no Paraná, onde ficou preso provisoriamente por sete meses.

“Foi um tremendo desrespeito. Os dias passavam e ele lá dentro da prisão”, critica o advogado Marcelo de Moura, defensor de Miranda. “Ele era um funcionário subalterno, que recebia ordens e, se eventualmente algum ato ilícito foi praticado, aconteceu com o total desconhecimento [dele]. Ele cuidava da parte financeira, mas exclusivamente da atividade-fim, que era venda de combustível”, afirma Moura.

Para o MPF, no entanto, o gerente do posto de gasolina era responsável por fazer pagamentos em uma extensa rede de lavagem de dinheiro, que envolvia, além de seu patrão, os doleiros Alberto Youssef, Raul Henrique Srour e Nelma Kodama e um suposto traficante de drogas, René Luiz Pereira. Duas ações penais foram movidas contra o gerente, uma delas por tráfico de drogas. Nesse caso, segundo o MPF, Chater teria utilizado, com a cumplicidade de seu gerente, a estrutura do Posto da Torre para lavar US$ 124 mil provenientes da venda de cocaína na Europa.

Nos depoimentos que prestou na 13ª Vara de Curitiba, Miranda disse ter feito os pagamentos por determinação do patrão. Mas, em outubro de 2014, Sergio Moro o condenou a quatro anos de reclusão em regime semiaberto. Menos de um ano depois da condenação, em setembro de 2015, o TRF4 absolveu André e manteve as punições de René Luiz Pereira (14 anos de prisão) e Carlos Habib Chater (cinco anos). Os desembargadores Leandro Paulsen e Victor Luís dos Santos Laus apresentaram voto favorável à absolvição, enquanto o relator João Pedro Gebran Neto votou pela manutenção da condenação em primeira instância.

Segundo Paulsen, “André era um empregado de Habib, não havendo nenhum elemento que aponte qualquer enriquecimento”, disse. “O Ministério Público Federal não trouxe elementos (quebra de sigilo financeiro, fiscal, prova testemunhal ou documental) demonstrando que o réu (André) auferia recursos derivados de atividade ilícita. Também parece contrariar a lógica afirmar que Miranda coordenava todo o núcleo de operações financeiras ilícitas de Carlos Habib sem a obtenção de qualquer contrapartida específica para tanto”, afirmou o desembargador.

Apesar de absolvido, a condenação mudou a vida de Miranda para sempre, de acordo com o seu advogado: “O reparo nunca é suficiente para voltar ao ponto anterior de uma pessoa que não tinha envolvimento nenhum com atividade criminosa e é surpreendida com uma prisão, que acaba por perdurar durante sete meses. Essas máculas não podem ser reparadas, tanto do ponto de vista financeiro quanto emocional”.

Além disso, em outubro de 2018, Sergio Moro, voltou a condená-lo, dessa vez a dois anos e seis meses em regime aberto pelo crime de pertencimento a organização criminosa. De acordo com o ex-juiz, Miranda “fazia pagamentos, recebimentos e lançamentos no Sismoney, ou seja, na contabilidade informal. Não era meramente um gerente financeiro regular do Posto, mas pessoa de confiança de Carlos Habib Chater. Não se pode afirmar que não tinha conhecimento da utilização da estrutura do Posto da Torre para a prática dos crimes financeiros e dos quais aliás participava”.

A pena foi revertida para serviços comunitários, mas Miranda “ficou revoltado”, diz o seu advogado. “Ele já tem as marcas de uma prisão ilegal. Após a absolvição, ele estava reestruturando a vida aos poucos. Uma notícia pesada como essa gera a sensação de que uma nova injustiça precisa ser combatida.”

Após a primeira condenação, Miranda morou em Uberlândia e atualmente trabalha em uma empresa da família, em Brasília. A nova condenação, diz o advogado, significa uma pá de cal nos planos do ex-gerente. “O André é o tipo de cidadão que poderia atravessar a vida inteira sem entrar em uma delegacia, muito menos ser preso. As investigações mostraram que ele não tinha aparelho de comunicação restrita, possuía um apartamento adquirido com recurso próprio, utilizando fundo de garantia, e não tinha automóvel. Ele entrou no bolo de uma investigação precipitada, que geraram prisões e condenações injustas”, critica.

O recurso no TRF4 já foi protocolado e a defesa espera o julgamento, que ainda não tem data marcada. Na avaliação de Moura, a Lava Jato extrapolou limites jurídicos. “Acho que se elegeu a corrupção, que é um mal a ser combatido, como um tema que extrapola a legalidade. É como se as armas utilizadas contra a corrupção pudessem ser ilegais.”

Com ele concorda Maria Carolina Amorim, coordenadora do escritório do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) em Pernambuco. “Antes de se ver condenado, o réu é exposto pela imprensa de forma irreparável, em razão da permissividade que o Judiciário tem tido com os seus funcionários que vazam informações. Em caso de condenação, tal dano é ainda maior, motivo pelo qual deve-se exigir mais responsabilidade do julgador”, diz Maria Carolina.

Outros casos

dos já citados Fernando Stremel, Maria Dirce e André Catão de Miranda, há outras 12 pessoas – entre elas o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, que teve duas condenações anuladas pelo TRF4. A primeira, de setembro de 2015, em que foi condenado a 15 anos e quatro meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro, foi revogada em 2017. Em outra ação penal, envolvendo a empresa Engevix, a condenação a nove anos de prisão foi anulada por insuficiência de provas. Em contato com a Pública, o advogado Luiz Flávio D’Urso afirmou que Vaccari “se vê injustiçado, pois somente fez o que lhe competia como tesoureiro do partido: pedia doações legais para o PT, sempre por depósito bancário e com recibo, jamais recebeu recursos em espécie. Ele foi um símbolo, um troféu”, afirmou o advogado.

Veja os outros casos em que as sentenças de Moro foram revistas pelo TRF4:

Mateus Coutinho de Sá Oliveira: condenado a 11 anos de prisão em agosto de 2015, aderiu à delação premiada e foi absolvido um ano depois. Ele era diretor financeiro da OAS e foi apontado pelo MPF como um dos responsáveis pelo departamento de propinas da empreiteira.

André Luiz Vargas Ilário: ex-deputado federal (PT) foi condenado a quatro anos e seis meses de prisão em regime fechado por lavagem de dinheiro e absolvido no ano passado pelo TRF4. Foi condenado em outras duas ações da Lava Jato: seis anos em um esquema de lavagem de dinheiro envolvendo uma empresa fornecedora de softwares, e 14 anos e quatro meses de prisão, em 2015, também por lavagem de dinheiro. As condenações foram mantidas em segunda instância, mas, como ele já havia cumprido parte da pena quando foi preso preventivamente, está em liberdade condicional e com algumas restrições.

Leon Vargas Ilário: foi absolvido junto com irmão, André Vargas, no mesmo processo por lavagem de dinheiro. Em outubro do ano passado, na ação penal envolvendo o esquema de softwares, que também afetou o ex-deputado André Vargas, Leon teve a pena reduzida pelo TRF4 de cinco anos, para quatro anos, nove meses e 18 dias em regime semiaberto.

Fernando Schahin: executivo do Grupo Schahin, recebeu condenação, em setembro de 2016, de cinco anos e quatro meses de prisão, por corrupção ativa, envolvendo benefícios em uma licitação da Petrobras para operação do navio-sonda Vitória 10.000 e empréstimos concedidos ao pecuarista José Carlos Bumlai. Foi absolvido em maio de 2018. Em outro processo, que também aponta irregularidades na construção e operação dos navios-sonda Petrobras 10.000 e Vitória 10.000, Fernando teve a pena reduzida para pouco mais de cinco anos.

Agosthilde Mônaco: assessor do ex-diretor da área internacional da Petrobras Nestor Cerveró, foi absolvido da condenação de 2017 pelo crime de lavagem de dinheiro proveniente de contratos dos navios-sonda Petrobras 10.000 e Vitória 10.000. Foi, no entanto, denunciado outra vez pelo MPF, dessa vez por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, na negociação da compra da Refinaria de Pasadena pela Petrobras. O processo se encontra na fase de oitiva de testemunhas.

José Carlos Costa Marques Bumlai: pecuarista e empresário apontado pelo MPF como responsável pela realização de reformas no sítio de Atibaia. Foi condenado a uma pena de três anos e nove meses de reclusão na primeira instância, mas absolvido pela Oitava Turma por ausência de provas em novembro do ano passado. Ele foi condenado também, dessa vez a nove anos e dez meses de prisão, por gestão fraudulenta de instituição financeira e corrupção, no mesmo caso que envolve o Banco Schahin e navios-sonda da Petrobras. Cumprindo prisão domiciliar, foi beneficiado com a retirada da tornozeleira eletrônica após novo entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre prisão em segunda instância, em novembro do ano passado.

Emyr Diniz Costa Júnior: diretor de contratos da construtora Norberto Odebrecht. Supervisionou a obra de reforma do sítio de Atibaia, que tem como principal alvo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Emyr foi condenado a três anos de reclusão por Sergio Moro, mas foi absolvido pelo TRF4, no dia 27 de novembro de 2019, por ausência de provas.

Roberto Teixeira: advogado e amigo do ex-presidente Lula, também foi acusado de envolvimento no processo do sítio de Atibaia. Ele teria ocultado documentos que demonstrariam a ligação da OAS com a reforma, além de orientar engenheiros da empreiteira a celebrar contratos fraudulentos com Fernando Bittar, um dos proprietários do sítio. Teixeira foi condenado a dois anos de reclusão na primeira instância, mas foi absolvido por ausência de provas.

Paulo Roberto Valente Gordilho: diretor técnico da OAS, era o encarregado da reforma do sitio de Atibaia. Foi condenado a um ano de reclusão por Sergio Moro, mas foi absolvido pelo TRF4 por ausência de provas.

Isabel Izquierdo Mendiburo Degenring Botelho: agente do banco Société Générale no Brasil, foi acusada de auxiliar a abertura de contas em offshores pelo mundo de ex-diretores da Petrobras, caracterizando crime de lavagem de dinheiro. Foi condenada a três anos e oito meses de prisão em novembro de 2018, mas foi absolvida na segunda instância um ano depois.

Álvaro José Galliez Novis: doleiro condenado a quatro anos e sete meses por lavagem de dinheiro em março de 2018, na mesma ação penal que envolveu o ex-presidente do Banco do Brasil Aldemir Bendine. Em agosto do ano passado, foi beneficiado pelo habeas corpus deferido pela Segunda Turma do STF, em agosto do ano passado, que anulou a sentença confirmada pelo TRF4 em maio de 2019.

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Tombo do agronegócio pode jogar Bolsonaro em queda livre em janeiro

O Brasil está oficialmente em recessão —”técnica” (fechará o ano no azul, apesar das duas quedas trimestrais consecutivas do PIB), mas recessão.

A constatação funesta, segundo o IBGE, resulta sobretudo da performance negativa de produtos agrícolas como o café, o algodão, milho, laranja e cana-de-açúcar no último trimestre, diz Thais Oyama, do Uol.

Mas para 59% deles — o percentual da população que, segundo o último Datafolha, quer ver Jair Bolsonaro pelas costas— resta o consolo de que ela é pior ainda para o presidente, ao menos do ponto de vista eleitoral.

Junto com os bolsonaristas raiz e setores evangélicos, os chamados “eleitores do agro” são parte do tripé que hoje sustenta Bolsonaro no patamar de 25% de aprovação, com viés de baixa.

O primeiro grupo é formado por aqueles que Nelson Rodrigues chamaria de “bolsonaristas fundamentais” — torcedores incondicionais do presidente com convicções à prova de fatos.

Abriga majoritariamente eleitores do sexo masculino, com curso superior, idade até 40 anos e moradores das regiões metropolitanas. De acordo com o instituto Ideia, eles respondem por até 5 pontos percentuais da aprovação do ex-capitão.

O segundo grupo — composto por cristãos evangélicos, principalmente de denominação neopentecostal— reúne brasileiros que vêem no bolsonarismo uma trincheira contra o que consideram uma ameaça aos valores cristãos, como a defesa do aborto e das pautas LGBTQIA+. Seus integrantes pertencem em sua maioria à classe C, têm acima de 35 anos e estão espalhados por todo o país. São responsáveis por até 10 pontos percentuais da aprovação do ex-capitão.

Já os “eleitores do agro” estão distribuídos pelas classes A, B e C. São também majoritariamente do sexo masculino e habitam cidades pequenas e médias situadas nas fronteiras agrícolas. Em julho, segundo o Ideia, em municípios do Centro-Oeste, por exemplo, a popularidade de Bolsonaro chegava a picos de 50% — percentuais diretamente proporcionais ao impacto positivo da alta do preço das commodities na vida dos moradores.

Partindo do cálculo do instituto, de que os eleitores do agro são responsáveis por até 10 pontos percentuais da aprovação de Bolsonaro, não é difícil estimar o estrago que o tombo de 8% na produção agropecuária anunciada pelo IBGE irá causar na imagem do presidente.

Hoje, a possibilidade de reeleição do ex-capitão é encarada com pessimismo mesmo dentro do Palácio do Planalto. Um ministro próximo de Bolsonaro afirmou ontem que essa hipótese, “neste momento, é muito difícil”.

O ministro disse, no entanto, que monitoramentos do Palácio indicam que “apenas na região Nordeste a rejeição do presidente é muito mais alta que a de Lula”. Nas outras, ela seria apenas um pouco maior.

O fato de a região ser a principal candidata a beneficiária do Auxílio Brasil, afirmou, alimenta as esperanças de que a criação do benefício — a ser viabilizada a partir da aprovação da PEC dos Precatórios — diminua rejeição de Bolsonaro no segundo maior colégio eleitoral do país.

Para reforçar sua tese, o ministro lembrou que Bolsonaro estava “praticamente empatado com Lula” no Nordeste há um ano, o que seria um reflexo do “auge do auxílio de 600 reais”.

As más notícias vindas do agronegócio bambeiam o tripé de Bolsonaro, mas, a depender dos rumos da economia, o ex-capitão pode tomar mais que um tombo. Pode entrar em queda livre já nas pesquisas de janeiro (considerando que os levantamentos de dezembro embutem o viés otimista do décimo-terceiro salário). Nesse caso, a aprovação da PEC dos Precatórios será para o ex-capitão seu único paraquedas.

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Política

Vídeo: Moro é recebido em Porto Alegre debaixo de protestos: “Fora juiz ladrão!”

Moro, definitivamente, não terá vida fácil. Resta saber se vai aguentar as manifestações contrárias de quem tem consciência de quem de fato ele é. Aguardemos.

O ex-juiz suspeito Sergio Moro foi recebido sob chuva de vaias e protestos em Porto Alegre na manhã deste sábado (4). Os manifestantes se concentraram no teatro Bourbon Contry Porto Alegre, local da convenção do Podemos, no Rio Grande do Sul.

Aos gritos de “juiz ladrão” e “juiz corrupto”, os manifestantes denunciavam a parcialidade de Moro. Ele foi considerado suspeito pelo STF ao julgar o ex-presidente Lula no âmbito da operação Lava Jato.

Os manifestantes também ressaltaram que Moro foi fundamental para a ascensão de Bolsonaro no poder.

Confira:

https://twitter.com/Sandroka131/status/1467120302589153280?s=20

*Com informações do 247

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