Jornada eleitoral na Bolívia neste domingo (18) foi marcada por votação pacífica e alta participação cidadã.
“Recuperamos a democracia e a esperança”. Essas foram as primeiras palavras do candidato do Movimento ao Socialismo (MAS), Luís Arce Catacora, após a divulgação da contagem rápida com 95% do padrão eleitoral, realizado pela empresa Unitel.
De acordo com os dados, o candidato, apoiado pelo ex-presidente Evo Morales, venceu as eleições realizadas neste domingo (18) já no primeiro turno. Os dados não são oficiais, mas uma pesquisa de boca de urna.
De acordo com o levantamento, Luís Arce obteve 52,4%; Carlos Mesa, 31,5% e Fernando Camacho, 14,1%.
Desde a Casa do MAS em La Paz, ao lado de apoiadores, Arce saudou os bolivianos e destacou a jornada pacífica realizada no país.
“Vamos governar para todos os bolivianos, vamos construir um governo de unidade nacional”, ressaltou antes de destacar seu compromisso com a retomada do desenvolvimento econômico do país.
Jeanine Añez, que se autoproclamou presidenta do país após o golpe de Estado contra Evo Morales também reconheceu o resultado eleitoral e a tendência demonstrada pela pesquisa de boca de urna.
“Ainda não temos a contagem oficial, mas pelos dados com que contamos, o sr. Arce e o sr. Choquehuanca ganharam a eleição. Felicito aos ganhadores e lhes peço governar pensando na Bolívia e na democracia”.
A demora na divulgação da pesquisa de boca de urna, que historicamente é difundida a partir do fechamento dos centros de votação, gerou indignação em todos os setores do país.
Mais cedo, em conferência de imprensa, o ex-presidente Evo Morales reafirmou a vitória do MAS e pediu que as entidades do país reconheçam o resultado da votação.
De acordo com a lei eleitoral boliviana, para vencer em um primeiro turno, é preciso ter 50% mais 1 dos votos ou ter 40% mais um e abrir dez pontos percentuais em relação ao segundo colocado.
*Do Brasil de Fato
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A revista New Yorker desta semana trouxe uma reportagem sobre como uma live do presidente Jair Bolsonaro levou à demissão de um especialista em cibersegurança da sede do Facebook, na Califórnia, Estados Unidos.
Foi a transmissão ao vivo em que o presidente disse que o índio “é cada vez mais é um ser humano igual a nós”, em janeiro, que levou David Thiel a travar uma batalha dentro da empresa para provar que a fala continha um “discurso desumanizador”, a fim de tirá-la do ar.
O primeiro passo foi mandar uma mensagem na rede corporativa para denunciar o conteúdo. O vídeo teria sido passado para especialistas em Dublin, na Irlanda, e no Brasil, e não foi retirado, já que a avaliação foi de que as diretrizes não foram violadas.
O especialista de Brasília escreveu que o “presidente Bolsonaro é conhecido por seu discurso controverso e politicamente incorreto”. “Ele está se referindo, na verdade, aos indígenas se tornarem mais integrados à sociedade (em vez de isolados nas tribos).”
Descontente com a decisão, Thiel apelou e conseguiu que quatro ou cinco membros da equipe de políticas de conteúdo o ouvissem por meio de vídeoconferência. Para isso, ele fez uma apresentação de slides explicando por que o discurso de Bolsonaro desumanizava os índios.
Em um dos slides, ele usou uma fala do próprio criador do Facebook para fortalecer o argumento. “Sabemos pela história que desumanizar pessoas é o primeiro passo para incitação à violência. […]Eu levo isso muito a sério e trabalhamos duro para tirar isso da nossa plataforma.”
Entretanto, apesar do apelo, o vídeo não foi retirado. “Em algum momento, alguém do Facebook poderia ter dito ‘nós continuares a abrir exceções sempre que os políticos violarem nossas regras'”, falou Thiel.
Em março, ele decidiu pedir demissão e postou um texto dizendo que o Facebook está se alinhando cada vez mais com com políticos e ricos poderosos para abrir exceções. Depois disso, houve uma proposta para que ele voltasse, dizendo que o vídeo seria excluído, mas ela não foi aceita.
*Com informações do Uol
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O dia 25 de setembro passado marcou os 47 anos de um fato trágico que assinala um ponto de aprofundamento na divisão da esquerda argentina, e porque não dizer continental, e que precisa ser devidamente debatido e esclarecido por todos que se empenham sinceramente pela luta dos trabalhadores e pela libertação e unidade da América Ibérica. Falo do assassinato, aos 49 anos de idade, do trabalhador metalúrgico e braço direito de Perón no movimento sindical: José Ignácio Rucci, executado por um comando ligado ao movimento Montonero.
Rucci é um típico exemplo das lideranças trabalhistas que emergiram com Perón. Ele nasceu em Alcorta, Provincia de Santa Fé, em 15 de março de 1924 e foi para Buenos Aires na metade da década de 1940. Lá começou a trabalhar numa montadora de automóveis chamada Hispano-argentina. Foi quando ingressou numa entidade sindical denominada União Obreira Metalúrgica (UOM). Embora sindicalizado, ele não tinha militância política, mas no 17 de outubro de 1945 estava na Plaza de Mayo apoiando o então Coronel Perón. Desde então ficou clara sua identidade política: nacionalista, metalúrgico e peronista.
Quando o Partido Justicialista foi proscrito como consequência do golpe sangrento articulado pela Embaixada dos EUA e que culminou na derrubada e exílio de Perón, Rucci passou a militar na chamada Resistência Peronista atuando principalmente no movimento sindical na UOM. Nessa época foi eleito delegado sindical na empresa siderúrgica SOMISA e assumiu a secretaria de imprensa da UOM. Um pouco depois chegaria a secretário geral dessa entidade sindical na seccional de San Nicolás de los Arroyos. No final dos anos 50, sob Arturo Frondizi, a militância sindical peronista de Rucci o levou à prisão.
Já fora da cadeia e descontente com antigos companheiros sindicalistas, renunciou a seus cargos de dirigente sindical, vendeu a casa que havia comprado a crédito – e ainda estava pagando – e adquiriu um automóvel para trabalhar como taxista ou chofer, como ainda se dizia na época.
Mas acabaria voltando à vida de sindicalista e com o assassinato de Vandor “El Lobo” em 1969, assumiu a Secretaria Geral da poderosa Confederação Geral do Trabalho, a CGT. Ainda como parte de sua trajetória sindical vale destacar que em 1970 foi convidado a discursar na sede da OIT (Organização Internacional do Trabalho) em Genebra. Em sua fala criticou a concepção materialista da vida, na qual o homem “está a serviço da economia e na qual os trabalhadores são um simples instrumento da riqueza de uns poucos”. Esse discurso, segundo os especialistas no tema, representa a concepção cristã de justiça social a que está vinculada a comunidade organizada que defendia Perón desde 1949.
Ignácio Rucci, do alto da direção da CGT, lutou, efetiva e consequentemente, pela volta de Perón. Sua posição era de que a nação argentina deveria se reconciliar e buscar uma convivência pacífica e que para isso era necessário o retorno do General. Rucci via com grande preocupação o crescimento da violência política e ideológica vivida pelo país e que se intensificava cada vez mais desde meados da década de 1960. “Os que nos sentimos peronistas, que nos sentimos argentinos, que estamos dispostos a oferecer nossa dignidade como homens a serviço da causa do povo, jamais deixaremos nosso profundo sentimento de nacionalidade para nos envolvermos em esquemas estrangeirizantes”, afirmou em 1973.
Discursos como esse granjearam um grande número de inimigos. Um dos setores que reagiu de forma mais virulenta foi o então recentemente criado Exército Montonero e a guerrilha de orientação marxista-trotskista, como o ERP (Exército Revolucionário do Povo). Mario Firmenich, então principal liderança dos Montoneros, afirmou: “os que ocorrem em traições e desvios estão passíveis de sofrer medidas punitivas para que se estabeleça a justiça popular”. Desde então, era comum que setores mais radicais entoassem cânticos em que Rucci era chamado de traidor e que prometiam que ele seria morto, promessa que por pouco não se cumpriu em 1972, quando escapou de um atentado.
Com o retorno de Perón e os tristes e historicamente mal explicados episódios de Ezeiza, Rucci insistiu no discurso conciliatório: “a reconstrução da Pátria é uma tarefa comum para todos os argentinos, sem sectarismos nem exclusões”. Pouco tempo depois, em 25 de setembro de 1973, foi assassinado quando saía de casa.
No primeiro momento não se soube quem executou o líder sindical mais prestigioso do peronismo, mas em junho de 1975 os Montoneros, numa revista batizada com o nome de Evita, comunicaram que Rucci havia sido executado num ato de “justiça popular”.
Hoje é consensual entre os peronistas que José Ignacio Rucci foi um líder nacional e popular, exemplo de trabalhador, patriota convencido que o justicialismo (peronismo) é o caminho para a liberdade e o progresso dos argentinos. Um texto em sua memória afirma que “desde muito jovem ele compreendeu o valor dos grupos intermediários da sociedade para a conquista do bem comum, quer dizer o bem-estar de todos e de cada um dos argentinos. Por isso dizia que a recuperação plena dos salários, a valorização do trabalho, a criação de novas riquezas, seriam necessários para a pacificação dos espíritos, requisito indispensável para encarar o processo de reconstrução e reconquista dos valores nacionais”.
Ainda segundo o referido texto, foi justamente essa busca pela concórdia em meio à radicalização exacerbada dos anos sessenta e setenta que acabou sendo fatal para Ignácio Rucci. Passados todos esses anos a história continuaria prisioneira dos discursos ideológicos. Com isso a verdade acaba sendo colocada em segundo plano e as consignas defendidas por ele com a própria vida, embora essenciais para a recuperação da nação, não prosperam.
25 de setembro: data para recordar a história, buscar a recuperação da memória de José Ignácio Rucci e reacender o debate sobre o real papel desempenhado pelas forças populares na nossa Pátria Grande que o imperialismo e nossa insistência em ocultar (e por isso repetir) nossos erros mantém fraturada.
*H. Raphael de Carvalho Professor colaborador e Pesquisador associado do Inst. de Estudos Estratégicos (INEST/UFF) e Laboratório de Política Internacional (LEPIN/UFF). Mestre em Política pela PUC/RJ. Doutor em Política pela UFF.
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Mérito é uma farsa. É assim que Daniel Markovits, professor de Direito na Universidade de Yale com um currículo invejável, começa seu livro “The Meritocracy Trap” (A armadilha da meritocracia, em tradução livre).
Se criticar a meritocracia não é novidade, o trabalho de Markovits chama atenção não só pela argumentação ao mesmo tempo profunda e acessível, mas principalmente por apontar que esse sistema não é bom nem mesmo para a elite.
De um lado, ele diz, a classe média não consegue pagar pela educação exclusiva da elite e fica excluída dos melhores salários, status e vantagens. De outro, os ricos têm enormes ganhos financeiros, mas levam vidas desgastantes e mais exigentes do que tinham as elites no passado.
Em entrevista à BBC News Brasil, Markovits explica os mecanismos pelos quais, na visão dele, a meritocracia gera desigualdade, cria ressentimento na classe média, e abre caminho para o populismo.
“A meritocracia produz uma elite que diz servir ao interesse público, mas que, na verdade, serve a si mesma. Dessa forma, o que faz é dar a todo o restante da sociedade uma razão poderosa para desconfiar das elites. E um elemento do populismo é a desconfiança em relação às elites”, diz.
Britânico, que passou os anos entre os Estados Unidos e a Inglaterra (e que conta adorar o Brasil), Markovits tem dois diplomas da Universidade de Yale, um da London School of Economics, além do doutorado na Universidade de Oxford. Entre as áreas de atuação, estão os fundamentos do direito privado, filosofia moral e política, e economia comportamental.
E o que Markovits diz sobre os constantes exemplos de pessoas que saíram de condições muito adversas e tiveram sucesso?
“A desigualdade que venho descrevendo é sistêmica, estrutural, mas não é absoluta. É sempre possível para as pessoas — ou por serem excepcionalmente talentosas ou por serem excepcionalmente sortudas — sair da armadilha”, diz. “Uma sociedade justa e eficiente não faz suas regras e políticas básicas com a exceção em mente, e sim com a maioria das pessoas em mente.”
O livro de Markovits sairá no Brasil pela Editora Intrínseca, mas ainda não tem data de publicação definida.
Leia os principais trechos da entrevista:
BBC News Brasil – A primeira frase do seu livro é: mérito é uma farsa. Como você define mérito?
Daniel Markovits – Mérito ou meritocracia é a ideia de que as pessoas devem se destacar não com base na classe social de seus pais, mas com base em suas próprias conquistas — em quão produtivas e habilidosas elas são. O problema do mérito na nossa sociedade é que se tornou um sistema fechado e auto sustentável em que ocorre o seguinte: as elites dão educação aos seus filhos de uma maneira que ninguém mais consegue pagar. Aí, as pessoas que têm acesso a essa educação incrível que ninguém mais consegue pagar, transformam o mercado de trabalho de forma que os trabalhos que pagam os melhores salários são exatamente os que exigem as habilidades que só a educação mais cara proporciona.
É um sistema fechado. Não estamos tratando das pessoas que vão bem na escola na maioria da sociedade, estamos falando de quem faz o seu melhor de acordo com um conjunto de padrões construídos especificamente para favorecê-las. É por isso que o mérito é uma farsa.
BBC News Brasil – Quais são as particularidades do ideal meritocrático em países com altos índices de desigualdade, como o Brasil?
Markovits – Tem dois pontos importantes. O primeiro é que em um país como o Brasil há muita desigualdade não-meritocrática — ou seja, uma desigualdade aristocrática antiga, em que elites herdam grandes propriedades ou outros tipos de capital. De forma hereditária, simplesmente. Ao mesmo tempo, o Brasil também tem uma classe profissional cada vez mais bem paga, como banqueiros e advogados que ganham muito dinheiro supostamente por suas habilidades. E é aqui que a meritocracia causa problema.
Em um estudo feito no Reino Unido, mas que reflete o que também ocorre em outros países, economistas mediram qual é o retorno para a sociedade de cada libra paga em salário para trabalhadores como lixeiro ou enfermeiro. O resultado é que, para cada libra paga a um professor, cuidador ou lixeiro, a sociedade tem 10 libras como retorno. Por outro lado, se olhar o advogado ou o banqueiro, o resultado é que os salários privados são maiores que os benefícios sociais. Assim, as pessoas que são supostamente super qualificadas, com salários enormes, na verdade produzem menos do que recebem. Enquanto isso, trabalhadores supostamente menos qualificados produzem benefícios sociais muito maiores que seus salários.
Em geral, você pensa que seu salário é seu mérito, mas é muito confuso e muito injusto.
BBC News Brasil – E o que você chama de herança meritocrática?
Markovits – Nos EUA, se você calcular a diferença entre o que uma família da elite investe na educação de seus filhos — taxas escolares, professores particulares, entre outros — e o que uma família da classe média investe e aplicar esse valor extra a cada ano no mercado de ações, isso dá muito mais que US$ 10 milhões por filho. No modelo aristocrático, isso seria a herança.
E é claro que esse investimento compensa. Apenas um a cada 75 americanos sem diploma de ensino médio terá ganhos ao longo da vida tão altos quanto a média de um advogado.
Todo esse dinheiro investido em capacitação dá às pessoas diplomas sofisticados, que geram enormes rendas, que, por sua vez, são investidas nos filhos e continua o ciclo em que a elite controla as vantagens.
BBC News Brasil – Mas, de tempos em tempos, vemos casos incríveis de pessoas que saem de condições muito pouco promissoras e conquistam posições consideradas de sucesso. Como você os explica?
Markovits – A desigualdade que venho descrevendo é sistêmica, estrutural, mas não é absoluta. É sempre possível para as pessoas — ou por serem excepcionalmente talentosas ou por serem excepcionalmente sortudas — sair da armadilha, partir de circunstâncias modestas e chegar a conquistas gigantes. Mas política social tem que ser feita para pessoas comuns, não para pessoas excepcionais. Uma sociedade justa e eficiente não faz suas regras e políticas básicas com a exceção em mente, e sim com a maioria das pessoas em mente.
BBC News Brasil – Você aponta que a meritocracia também prejudica os ricos. Como ela pode ser ruim para todos? E como você diferencia os efeitos para a classe média e a elite?
Markovits – A forma pela qual a meritocracia prejudica os mais pobres e a classe média é que, na hora de decidir quem entrará em uma vaga na universidade ou em um emprego, as pessoas com mais treinamento, cujos pais gastaram o que ninguém mais consegue gastar, terão os melhores resultados. Se você não é rico, não vai conseguir ter a melhor educação e será muito difícil entrar na elite por conta própria.
Por outro lado, todo esse treinamento que as crianças ricas têm não é divertido para elas, que estão sempre recebendo aulas particulares, lições de casa… Escolas particulares de elite nos Estados Unidos geralmente dão a alunos de 12 ou 13 anos até 5 horas de lição de casa. Você é constantemente testado. E a competição se tornou tão intensa que ter pais ricos não garante que você vai vencer.
Você também pode ser excluído, mesmo que tenha nascido com privilégios. Por exemplo, na década de 1990, a Universidade de Chicago admitia 75% dos candidatos. Este ano vai admitir 6%. Então, os ricos estão constantemente preocupados em serem excluídos e, quando eles conseguem esses altos empregos, os trabalhos exigem 70, 80 até 100 horas semanais de trabalho. Os ricos tornam-se uma espécie de mecanismo de sua própria exploração. É claro que eles ficam muito ricos com isso, mas não é uma vida divertida, significativa ou cheia de bem-estar. É uma corrida destrutiva, que prejudica até mesmo aqueles que a vencem.
BBC News Brasil – E quando você diz a estudantes da elite, como em Yale, que eles também estão nessa ‘armadilha’, como eles reagem?
Markovits – Uma das mudanças mais significativas na sociedade dos EUA nos últimos anos é que, há 20 anos, estudantes da elite se sentiam muito bem sobre si mesmos. Sentiam que mereciam suas vantagens e ansiavam por uma vida em que teriam admiração, riqueza e sucesso. Hoje, estudantes da elite estão incertos, com medo, e conscientes de que suas vantagens custam a exclusão de outras pessoas, e têm uma forte sensação de que pulam de desafio em desafio e não querem a vida dessa forma. Parece um pouco com 1968, no sentido de que os jovens privilegiados estão frustrados. E todas as outras pessoas na sociedade, que têm sido excluídas, estão ainda mais frustradas, com mais raiva e têm a sensação de que o sistema é prejudicial e injusto com elas. Acredito que os jovens veem o que está acontecendo e são uma força poderosa de transformação. Enquanto gerações anteriores queriam se tornar a estrutura de poder, os jovens de hoje querem desfazer a estrutura de poder.
BBC News Brasil – Nesse contexto, como você vê ações afirmativas como as políticas de cotas raciais nas universidades?
Markovits – Nesse ponto, os EUA e o Brasil têm semelhanças: são duas sociedades que foram construídas com base na escravidão e em uma incrivelmente brutal ordem de casta racial. É importante entender que essas formas de escravidão eram terríveis inclusive para os padrões de escravidão, em Roma, na Grécia antiga, na Europa medieval. Não era bom ser um servo ou escravo na França ou em Roma, mas ser um escravo nos Estados Unidos significava não ser considerado uma pessoa pela sociedade, era ser posse de uma pessoa. Era muito mais brutal. E o motivo pelo qual eu aponto isso é que os EUA e o Brasil ainda estão, necessariamente, no processo de reconhecer as formas de exploração racial que construíram esses países. E isso é separado da exploração econômica. Não é o caso de entender raça nos Estados Unidos ou no Brasil apenas pela lente de classe. E o que as ações afirmativas fazem é um pequeno passo para responder a séculos de uma brutal injustiça racial.
BBC News Brasil – O que você chama de “maternidade meritocrática”? Esse sistema afeta mulheres e homens de maneiras diferentes?
Markovits – Sim. Um exemplo específico mostra um fenômeno geral: na Faculdade de Direito de Yale, as mulheres são metade das turmas; nos mais requisitados escritórios de advocacia dos EUA, elas também são metade dos advogados iniciantes, mas se você analisa os profissionais em cargo sênior nesses escritórios, em torno de uma em seis ou uma em dez serão mulheres. Elas são metade nos primeiros anos da carreira, mas há uma grande queda nos estágios mais avançados. Por quê?
Há várias razões — assédio sexual no ambiente de trabalho, várias formas de injustiça de gênero no trabalho… Mas uma razão muito forte para isso é que em uma meritocracia, na qual a elite precisa educar seus filhos de forma intensa para manter o status familiar na próxima geração, isso exige pais extremamente qualificados para criar a criança meritocrática. Investir dinheiro não é suficiente. Você tem que direcioná-la de forma inteligente, ajudá-la quando se sentir estressada ou com incertezas, tem que ajudar na lição de casa e ensiná-la a trabalhar duro desde cedo. E essas são coisas que pais fazem melhor que ninguém — e, em um mundo sexista, quem ficará com essa tarefa será a mãe. Então o que você vê são mulheres da elite que têm uma educação tão elaborada quanto a dos homens, que começam carreiras fortes, e deixam o chamado mercado de trabalho para trabalhar como treinadoras para seus filhos. Afinal de contas, se você está em uma meritocracia, ser pai/mãe é um papel produtivo, porque produz o capital humano da próxima geração. Então essas mães são trabalhadoras meritocráticas. Essa é uma ação racional em uma sociedade meritocrática, mas tem uma gigantesca desigualdade de gênero associada.
É verdade que o período da gravidez e os primeiros meses após o nascimento são fases em que as mulheres quase que necessariamente têm um trabalho desproporcionalmente maior, mas acredito que o maior ponto aqui é o enorme esforço e atenção exigidos nos próximos 20 anos da vida desse filho. E isso é algo que poderia muito bem ser feito igualmente bem por homens ou mulheres.
Um dado interessante é que, se você quiser que a sociedade equilibre o trabalho doméstico entre homens e mulheres, uma das melhores formas de fazer isso é reduzir as diferenças salariais. Quando os profissionais mais bem pagos não têm salários tão maiores que as pessoas que recebem menos, homens ficam muito mais propensos a cuidar das crianças, porque em um mundo sexista os homens conquistam seu status com base no salário.
BBC News Brasil – O que o populismo tem a ver com a meritocracia?
Markovits – Há pelo menos duas conexões. A primeira é que a meritocracia produz uma elite que diz servir ao interesse público, mas que, na verdade, serve a si mesma. Dessa forma, o que a meritocracia faz é dar a todo o restante da sociedade uma razão poderosa para desconfiar das elites. E um elemento do populismo é a desconfiança em relação às elites. E vemos isso de forma concreta, como no exemplo dos banqueiros que colocaram a sociedade na crise financeira de 2007-2008. São pessoas que publicamente declaravam ser as mais inteligentes do mundo — que estavam empregando pessoas e construindo capital para todos, fortalecendo a economia -, mas que, na verdade, construíram riquezas gigantescas para eles mesmos e quase nada para os demais.
Outro ponto é que há uma espécie de psicologia obscura da meritocracia. O que expliquei antes, sobre a educação incomparável da elite, é uma forma de exclusão estrutural. Se você nasceu na classe média e não entrou na universidade ideal ou não conseguiu o melhor trabalho, a razão não tem a ver com você, individualmente, mas tem tudo a ver com estruturas de riqueza, poder e exclusão em uma sociedade meritocrática.
No entanto, o que a meritocracia faz é contar uma história que faz parecer que uma exclusão estrutural é, na verdade, uma falha individual. A meritocracia diz à pessoa que não passou na USP ou em Harvard que se ela tivesse sido um pouco mais estudiosa e dedicada, ela teria passado — ou seja, é culpa dela.
Há uma psicologia política muito sombria que aparentemente justifica a desvantagem. Se as suas desvantagens parecessem sem justificativas, imorais, naturalmente você procuraria argumentos sobre por que isso precisa mudar.
Mas se suas desvantagens parecem ser justificadas, isso produz raiva, ressentimento, e outros aspectos do populismo são a raiva, o ressentimento e a política destrutiva.
Dessas duas formas, a meritocracia cria as patologias que os populistas podem explorar e vemos isso nos Estados Unidos e também no Brasil, com Bolsonaro, que está jogando exatamente esse jogo.
Bolsonaro usa o ressentimento para desencadear batalhas culturais que, na verdade, não são as batalhas centrais das vidas das pessoas, a fim de conseguir apoio a uma espécie de autoritarismo em que ele vai atravessar todas essas elites e produzir quaisquer que sejam os resultados que ele se propôs.
BBC News Brasil – E para as eleições dos EUA, quais são os efeitos desse fenômeno que você descreve?
Markovits – A vitória de Trump em 2016 está muito conectada a esse fenômeno. Ele é exatamente o populista que levanta suspeita sobre as elites, que levanta a psicologia sombria das desvantagens para finalidades ainda mais obscuras. O trumpismo é um sintoma da desigualdade que eu descrevo.
No entanto, também acredito que a sociedade americana também começou a entender isso. A classe média nos EUA está entendendo que o que a prejudica não são imigrantes, não são pessoas negras, e sim uma estrutura econômica que mantém a classe média excluída dos bons empregos e vantagens. E acredito que inclusive a elite americana está começando a entender que não merece essas vantagens. Vemos isso no ciclo eleitoral.
Diferente de 2016, quando a sensação era de que Hillary Clinton não entendia por que Trump era tão popular, nesta eleição temos a sensação de que o Partido Democrata, e particularmente Joe Biden, entende o que está acontecendo e está fazendo uma campanha que fala com a classe média.
Estou otimista em relação ao futuro, de que a sociedade está cada vez mais entendendo o que deu errado estruturalmente e construindo vontade política para tratar isso. O tempo vai dizer.
BBC News Brasil – A própria palavra mérito é frequentemente citada por políticos. Neste mês, o ministro da Fazenda do Brasil, Paulo Guedes, usou o termo mérito ao defender a necessidade de maiores salários no topo do funcionalismo, como para o presidente e ministros do Supremo Tribunal Federal. Como você analisa o uso desse conceito na política?
Markovits – Isso é complicado. Há vários dados que mostram que, pelo menos para as pessoas mais ricas, salários mais altos não são necessários para que trabalhem. Elas continuarão a trabalhar mesmo que não recebam tanto assim.
Ao mesmo tempo, há um problema diferente que é o fato de a meritocracia ter criado uma diferença salarial gigante entre o que as pessoas podem ganhar no setor privado e no público. Por exemplo, na Inglaterra, em 1900, os salários mais altos eram de funcionários públicos. Se você quisesse ser rico no setor privado, tinha que ser dono de propriedades, você não ficava rico trabalhando. A forma de ficar rico trabalhando era ter um trabalho no governo.
Hoje o secretário do Tesouro dos Estados Unidos provavelmente ganha US$ 250 mil por ano, enquanto o presidente do JP Morgan talvez receba US$ 25 milhões por ano. Um juiz talvez ganhe US$ 200 mil por ano, enquanto um advogado sócio de um escritório muito lucrativo talvez ganhe US$ 5 milhões em um ano.
Os trabalhos públicos não pagam nem perto do que a iniciativa privada paga. E isso leva a uma grande migração de pessoas em empregos públicos para o setor privado e a uma questão de política de influência. Quando pessoas que trabalhavam no governo e vão para empresas privadas, grande parte do que fazem é usar suas conexões no governo para obter tratamento favorável.
Então salários mais altos para cargos no setor público que o ministro mencionou não resolveriam este problema. Não seriam altos o suficiente. Para solucionar essa diferença, seria necessária intervenção regulatória para reduzir esses salários extremamente altos no setor privado. Não há uma boa razão para um presidente de um banco receber US$ 25 milhões por ano.
BBC News Brasil – Como um homem britânico, com dois diplomas de Yale, um doutorado em Oxford, como você se vê nesse sistema que descreve?
Markovits – Eu ataco um sistema que de muitas formas me beneficiou e não escondo isso. Mas a natureza desse argumento não tem a ver com um depoimento pessoal. Não estou argumentando baseado em minha experiência. O que o meu livro faz e o que faço nesta entrevista é descrever fatos e conectá-los a causas econômicas, fazendo conclusões morais sobre eles.
BBC News Brasil – Considerando todos os danos da meritocracia que você mencionou, qual é a solução? Existe uma forma de realmente premiar esforço e dedicação de cada um?
Markovits – Temos dois pontos a serem trabalhados. O primeiro é democratizar a educação, com grandes investimentos públicos para educar mais gente e uma série de reformas para dificultar que escolas privadas se tornem tão exclusivas — ou seja, estimular essas escolas a terem mais alunos e mais alunos da classe média, dificultando que os ricos separem seus filhos no âmbito da educação.
Nos EUA, por exemplo, essas escolas privadas são organizadas como entidades filantrópicas, então elas têm isenção de imposto. Assim, o governo poderia retirar essas isenções se elas não tiverem diversidade econômica entre os alunos. Na Alemanha, Berlim proibiu creches de cobrar mais de 8 euros a mais, por mês, do que o Estado paga, então a cidade tornou quase impossível ter creches exclusivas incríveis. A melhor forma de fazer dependerá da política, Constituição e ordem social de cada país, mas é necessário pressionar a educação da elite para que essas escolas se tornem mais abertas.
O outro ponto está no mercado de trabalho: é preciso favorecer trabalhos da classe média. Isso exige inúmeras políticas diferentes, uma delas são os impostos. Nos EUA, a renda do trabalho da classe média é mais tributada do que qualquer outra renda. Outra é ter representação sindical em conselhos de empresas. Poderia inclusive haver um ministro da classe média, para promover os interesses desse grupo.
Politicamente, o ponto central é o seguinte: o sistema que temos hoje não ajuda ninguém. Não é bom para a classe média, que é excluída em termos de renda, status e vantagens. E também não é tão bom mesmo para os ricos, que têm enormes ganhos financeiros, mas não têm vidas que os tornam felizes. Politicamente, o ponto central é todo mundo perceber que todos nós temos algo a ganhar mudando esse sistema.
BBC News Brasil – O Brasil reformou a legislação trabalhista. De um lado, o governo disse que a ideia era flexibilizar as relações de trabalho. De outro, sindicatos argumentaram que seria uma precarização do trabalho. Um mercado de trabalho mais rígido ou mais flexível afeta a desigualdade?
Markovits – O que os neoliberais chamam de um mercado de trabalho flexível produz desigualdade. É realmente importante para a igualdade que os trabalhadores possam obter treinamento no trabalho e progredir dentro de suas empresas. E, quando você tem um mercado de trabalho flexível, fica muito difícil para as empresas treinarem seus trabalhadores, porque se uma faz isso, um concorrente dela vai contratar essas pessoas treinadas. Então, o que acontece é que ninguém treina e os profissionais que estão na base continuam na base.
Donald Trump anunciou no Twitter que deixará o hospital militar Walter Reed Medical Center hoje às 18h30 (19h30 no horário de Brasília).
Michael Moore talvez tenha razão quando insinuou que essa internação de Trump pode ter sido uma jogada de marketing.
Como nessa história tudo é estranho, nós brasileiros que conhecemos bem o jogo sujo da direita na base das farsas e fake news, não nos assustamos. Quem tem um presidente como Bolsonaro, colocado no poder por uma combinação de fraudes e farsas, incluindo a da facada, comporta-se como cão picado por cobra que tem medo de linguiça.
Para aumentar ainda mais as nossas desconfianças, Trump fez um discurso de super homem que vive num super país, com a seguinte fala:
“Me sentindo muito bem! Não tenha medo da Covid. Não deixe que isso domine sua vida. Desenvolvemos, sob a administração Trump, alguns medicamentos e conhecimentos excelentes. Sinto-me melhor do que há 20 anos!”, postou.
I will be leaving the great Walter Reed Medical Center today at 6:30 P.M. Feeling really good! Don’t be afraid of Covid. Don’t let it dominate your life. We have developed, under the Trump Administration, some really great drugs & knowledge. I feel better than I did 20 years ago!
O papa Francisco denunciou as desigualdades e o “vírus do individualismo” em sua nova encíclica, com o título “Fratelli tutti” (Todos irmãos) e divulgada neste domingo, na qual pede o fim “do dogma neoliberal” e defende a fraternidade “com atos e não apenas com palavras”.
Em um momento do texto, falando sobre como diferentes culturas devem conviver, Francisco fez referência à canção “Samba da Bênção”, de Vinicius de Moraes: “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro na vida”.
Segundo o papa, devemos incentivar a cultura do encontro, em que todos podem aprender algo e na qual ninguém é inútil. “Isto implica incluir as periferias. Quem vive nelas tem outro ponto de vista, vê aspetos da realidade que não se descobrem a partir dos centros de poder onde se tomam as decisões mais determinantes.”
Temas sociais
Em sua terceira encíclica, de 84 páginas, o pontífice argentino retomou os temas sociais abordados ao longo de sete anos e meio de pontificado e reflete sobre um mundo afetado pelas consequências da pandemia de coronavírus.
No documento, escrito em espanhol e que permanecerá com o título em italiano em todos os idiomas, Francisco condenou o “dogma neoliberal”, um “pensamento pobre, repetitivo, que propõe sempre as mesmas receitas diante de qualquer desafio que se apresente”.
“A especulação financeira com o lucro fácil como objetivo fundamental continua provocando estragos”, advertiu, antes de acrescentar que “o vírus do individualismo radical é o vírus mais difícil de derrotar”.
“É possível aceitar o desafio de sonhar e pensar em outra humanidade. É possível desejar um planeta que assegure terra, teto e trabalho para todos”, destacou o pontífice, um pedido que fez em várias oportunidades durante suas viagens aos países mais pobres e esquecidos.
Um mundo fechado O Papa Francisco reivindicou o direito de todo ser humano de viver “com dignidade e desenvolver-se plenamente” e recordou que a pandemia evidenciou a incapacidade dos dirigentes de atuar em conjunto em um mundo falsamente globalizado.
“A fragilidade dos sistemas mundiais diante das pandemias evidenciou que nem tudo se resolve com a liberdade de mercado”, completou.
“Vimos o que aconteceu com as pessoas mais velhas em alguns lugares do mundo por causa do coronavírus. Não tinham que morrer assim (…) cruelmente descartados”, lamentou o pontífice.
Em sua encíclica mais social, depois de reiterar sua oposição à “cultura dos muros”, Francisco pediu uma nova ética nas relações internacionais.
“Uma sociedade fraternal será aquela que conseguir promover a educação para o diálogo com o objetivo de derrotar o ‘vírus do individualismo radical’ e permitir que todos deem o melhor de si mesmos”.
Reforma da ONU, oposição à pena de morte
“O mundo de hoje é, em sua maioria, um mundo surdo”, escreveu o papa, que também defende a reforma estrutural da Organização das Nações Unidas, reitera a total oposição da Igreja à pena de morte e comenta a questão da dívida externa dos países que “deve ser paga, mas sem prejuízo ao crescimento e subsistência dos países mais pobres”.
“Hoje afirmamos com clareza que a pena de morte é inadmissível e a Igreja se compromete com determinação para propor que seja abolida em todo o mundo.”
No documento, o pontífice também pede o diálogo e defende novos caminhos para alcançar a reconciliação entre os povos.
“Não é possível decretar uma ‘reconciliação geral’ com a pretensão de fechar por decreto as feridas ou cobrir as injustiças com um manto de esquecimento”, ressaltou Francisco, que cita o Holocausto, os bombardeios em Hiroshima e Nagasaki, a perseguições, o tráfico de escravos e os massacres étnicos.
“Esta encíclica representa a síntese de seu pontificado e a apresentou sozinho, sem estar acompanhado por outras autoridades da Igreja, porque é o símbolo de sua autoridade”, comentou o vaticanista Filippo di Giacomo ao canal italiano RaiNews24.
No texto, o papa afirma que “muitos ateus cumprem melhor a vontade de Deus que muitos crentes”, em uma espécie de advertência aos muitos políticos de todos os continentes que se sentem “autorizados por sua fé a apoiar diversas formas de nacionalismos fechados e violentos, atitudes xenófobas, desprezos ou inclusive maus-tratos aos que são diferentes.”
“Com esta encíclica o papa argentino toma posições claras”, declarou Carlo Petrini, fundador do movimento internacional Slow Food, ex-comunista, ecologista e autor de um livro sobre seus diálogos com o papa sobre a ecologia integral.
U.S. President Donald Trump holds a campaign rally in Sunrise, Florida, U.S., November 26, 2019. REUTERS/Yuri Gripas - RC2FJD991RYW
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ainda não está em um caminho claro de recuperação da covid-19 e alguns de seus sinais vitais nas últimas 24 horas foram “muito preocupantes”, disse uma pessoa a par da situação a repórteres neste sábado.
A informação foi divulgada neste sábado pelas agências Reuters, AFP e Associated Press e pela emissora de televisão CNN. Segundo a fonte, as próximas 48 horas serão críticas. Nesta tarde, porém, Trump voltou a publicar mensagem nas redes sociais dizendo que estava bem.
“Os sinais vitais do presidente nas últimas 24 horas foram muito preocupantes, e as próximas 48 horas serão críticas em termos de seu atendimento. Nós ainda não estamos em um caminho claro para uma recuperação completa”, disse a fonte.
A declaração contradiz o quadro mais otimista apresentado pela equipe médica de Trump, que informou em entrevista coletiva à imprensa que ele está respirando sem o auxílio de aparelhos e melhorando.
Trump foi diagnosticado com a doença em meio à campanha eleitoral, na qual o republicano disputa a reeleição contra o democrata Joe Biden. A eleição será em 3 de novembro.
Segundo o jornal The New York Times, após a coletiva, duas fontes disseram que Trump teve problemas para respirar na sexta-feira e que seu nível de oxigênio caiu, o que levou seus médicos a darem a ele oxigênio suplementar enquanto estava na Casa Branca e decidirem transferi-lo para o hospital militar Walter Reed, nos arredores de Washington, para onde ele foi ontem.
O New York Times, ainda citando fontes, diz que Trump está sofrendo de tosse, congestão, fadiga e febre, e que alguns dos sintomas pioraram no decorrer da sexta-feira, incluindo a queda no nível de oxigênio, o que alarmou o presidente. Isso fez com que houvesse a opção pela transferência da Casa Branca para o Walter Reed.
Um dos motivos para a ida ao hospital na sexta, de acordo com um funcionário do governo, era que seria melhor para o presidente ir embora enquanto ainda pode caminhar por conta própria até o helicóptero. No hospital, Trump também pode ser monitorado com equipamentos melhores e tratado mais rapidamente em caso de problemas.
Uma das fontes das agências e do jornal disse que os médicos fizeram um esforço agressivo para tratar Trump e que ele não estava fora de perigo.
No Twitter, hoje à tarde, Trump chamou a covid-19 de “praga” e disse que, com ajuda dos profissionais do hospital, está se “sentido bem”. “Médicos, enfermeiras e todos do grande Walter Reed, e outros de instituições igualmente incríveis que se juntaram a eles, são extraordinários!!! Um progresso tremendo foi feito nos últimos seis meses no combate a esta praga.”
epa08572569 US President Donald Trump speaks to the press outside the White House in Washington, DC, USA, 29 July 2020. President Trump is scheduled to visit Texas later in the day. EPA/SARAH SILBIGER / POOL
WASHINGTON — Horas depois de ter sido diagnosticado com Covid-19, na madrugada de sexta-feira, o presidente Donald Trump apresenta sintomas leves relacionados ao novo coronavírus, conforme relato do médico da Casa Branca e pessoas próximas à cúpula do governo, ouvidas pelo New York Times. Mesmo assim, ele será levado para um centro médico próximo da capital americana, onde ficará em observação pelos próximos dias.
Em comunicado divulgado na tarde de sexta, o médico do presidente, Sean Conley, afirma que Trump está “com fadiga, mas de bom humor”, e recebeu um coquetel sintético de anticorpos produzido pela farmacêutica Regeneron, que mostrou bons resultados em testes com pacientes em estágios iniciais da doença. Ele ainda recebeu doses de zinco vitamina D, famotidina, melatonina e aspirina.
Não há menção à cloroquina ou à hidroxicloroquina, medicamentos apontados pelo presidente, no começo da pandemia, como eficazes contra a doença, mesmo sem qualquer respaldo científico.
A primeira-dama, Melania Trump, apresenta dor de cabeça e fadiga — mais cedo, no Twitter, ela disse que estava com “sintomas leves”, mas que se sentia bem e planejava uma recuperação rápida”.
Apesar de apresentar sintomas leves, como dizem os médicos, Trump será levado para um quarto especial no Centro Médico Militar Walter Reed, em Bethesda, cidade próxima à capital americana, onde permanecerá por alguns dias. Seria uma medida de precaução, caso ele necessite de cuidados médicos. A transferência foi feita a pedido dos médicos. Em comunicado, a porta-voz da Casa Branca, Kayleigh McEnany, afirmou que ele seguirá trabalhando do hospital, que é referência para o tratamento de presidentes americanos.
Conley afirma que Trump e Melania estão sendo avaliados por outros especialistas, que decidirão sobre os próximos passos.
Já o New York Times, citando duas pessoas próximas ao presidente, afirma que ele teve um quadro de febre baixa, fadiga, congestão nasal e tosse. Com 74 anos e considerado obeso, Donald Trump se enquadra nos chamados grupos de risco para a Covid-19.
Presidente americano enfrenta o cancelamento de comícios e eventos de arrecadação de fundos, além de possível revés de sua tentativa de desviar o foco da pandemia.
WASHINGTON — O teste positivo de Covid-19 de Donald Trump muda de forma drástica as últimas semanas da campanha presidencial dos Estados Unidos. O presidente agora enfrenta não apenas um problema de saúde, mas também um caos logístico e de sua equipe a cerca de um mês antes do dia das eleições.
Após a confirmação de que o teste de Trump havia dado positivo, a Casa Branca cancelou eventos políticos na sexta-feira, como um comício planejado nos arredores de Orlando, na Flórida. As viagens de campanha e arrecadação de fundos planejadas para os próximos dias — com visitas a estados-chave, como Wisconsin, Pensilvânia e Nevada — devem ser canceladas, já que o presidente permanece em quarentena na Casa Branca.
Trump se apoia em eventos políticos presenciais para arrecadar fundos e despertar entusiasmo entre seguidores, enquanto tenta ganhar terreno contra o candidato do Partido Democrata, Joe Biden, que lidera as pesquisas e a captação de recursos, em grande parte devido às políticas erráticas do presidente contra o coronavírus, que acabou por atingi-lo.
Trump esperava desviar o foco da pandemia nas semanas finais da campanha e se concentrar em sua indicada para a Suprema Corte, na recuperação econômica e nos protestos contra o racismo — questões nas quais acredita levar vantagem. Mas sem seus comícios e sem poder abordar questões que mais entusiasmam seus eleitores, fica mais difícil diminuir a distância em relação a Biden, que mantém vantagem constante de cerca de 7 pontos percentuais na média das pesquisas nacionais há algum tempo.
Agora, as próximas semanas com certeza serão dominadas por discussões constantes sobre a saúde de Trump, com foco na pandemia cuja gestão, na opinião da maioria dos americanos, foi mal conduzida pelo presidente dos EUA.
Suas preocupações políticas são agravadas pelo risco imediato do vírus para Trump, que tem 74 anos e agora luta contra uma doença que matou mais de 200 mil americanos desde fevereiro. Mesmo que o presidente permaneça assintomático, será desafiado a manter a calma no mercado financeiro durante sua recuperação.
Trump confirmou que ele e sua mulher haviam tido testes positivos horas depois de uma reportagem da Bloomberg News ter informado que Hope Hicks, uma das assessores mais próximas do presidente, havia contraído o vírus.
As implicações do diagnóstico do presidente também devem impactar seu adversário democrata, além de trazer uma nova variável importante em uma campanha já imprevisível.
Biden precisará decidir se também deve fazer quarentena, após ter participado de um debate com o presidente apenas 72 horas antes de seu teste positivo. Embora a campanha de Biden não tenha feito comentários imediatos sobre a infecção de Trump, seus assessores disseram que o democrata é testado regularmente e que anunciariam se ele contraísse o vírus.
Não está claro, mas é improvável que Trump possa participar do segundo debate presidencial, agendado para 15 de outubro. A campanha do presidente não respondeu de imediato um pedido de comentário sobre seus planos, mas, se Trump for obrigado a cancelar o debate, isso poderia privá-lo de uma de suas últimas oportunidades de destacar seus contrastes com Biden diante de uma grande audiência na TV.
US$ 2 trilhões em operações suspeitas envolveram redes criminosas mundiais, megainvestigação internacional do ICIJ.
Um vazamento de documentos secretos do governo dos Estados Unidos revela que o JPMorgan Chase, o HSBC e outros grandes bancos desafiaram as medidas legais contra a lavagem de dinheiro e movimentaram quantias ilícitas espantosas para redes criminosas e personagens sombrios que espalharam o caos e minaram a democracia em todo o mundo.
Os registros mostram que 5 bancos globais – JPMorgan, HSBC, Standard Chartered Bank, Deutsche Bank e Bank of New York Mellon – continuaram lucrando com clientes poderosos e perigosos mesmo depois que as autoridades norte-americanas multaram essas instituições financeiras por falhas anteriores em conter os fluxos de dinheiro sujo.
As agências norte-americanas responsáveis pelo combate à lavagem de dinheiro raramente processam megabancos infratores. As medidas que as autoridades tomam quase não afetam a enxurrada de dinheiro ilegal que se espalha pelo sistema financeiro internacional.
Em alguns casos, os bancos continuaram movimentando fundos ilícitos mesmo depois que autoridades americanas os advertiram que enfrentariam processos criminais se não parassem de fazer negócios com mafiosos, fraudadores ou regimes corruptos.
O JPMorgan, maior banco com sede nos Estados Unidos, movimentou dinheiro para pessoas e empresas vinculadas à pilhagem maciça de dinheiro público na Malásia, Venezuela e Ucrânia, revelam os documentos vazados.
O banco ajudou a transferir mais de US$ 1 bilhão para o financista fugitivo por trás do escândalo do fundo de investimento estatal 1MDB da Malásia, segundo os registros, e mais de US$ 2 milhões para dois jovens magnatas da energia. Uma empresa da dupla foi acusada de enganar o governo da Venezuela e ajudar a causar apagões elétricos que afetaram grandes áreas do país.
O JPMorgan também processou mais de US$ 50 milhões em pagamentos ao longo de uma década, mostram os registros, para Paul Manafort, o ex-diretor da campanha eleitoral do presidente Donald Trump.
O ex-assessor de Trump Paul Manafort foi capa em todos os jornais dos EUA ao ser preso em 2017. Na imagem acima, notícia durante seu julgamento em 2019 |reprodução Politico], o banco movimentou pelo menos US$ 6,5 milhões em transações de Manafort nos 14 meses após sua renúncia da campanha, em meio a uma onda de denúncias de lavagem de dinheiro e corrupção decorrentes de seu trabalho com 1 partido político pró-russo na Ucrânia.
As transações ilegais continuaram crescendo por meio de contas no JPMorgan, apesar das promessas do banco de aperfeiçoar seus controles contra lavagem de dinheiro como parte dos acordos feitos com as autoridades americanas em 2011, 2013 e 2014.
O JPMorgan declarou que estava legalmente proibido de responder a perguntas sobre transações ou clientes. O banco disse que assumiu 1 “papel de liderança” a favor de “investigações proativas orientadas por inteligência” e no desenvolvimento de “técnicas inovadoras para ajudar a combater o crime financeiro“.
O HSBC, o Standard Chartered Bank, o Deutsche Bank e o Bank of New York Mellon também continuaram a efetuar pagamentos suspeitos, apesar de promessas semelhantes às autoridades governamentais, revelam os documentos secretos.
A documentação à qual Poder360 teve acesso foi obtida pelo BuzzFeed nos Estados Unidos e compartilhada pelo ICIJ (International Consortium of Investigative Journalists, ou Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos), por meio do projeto chamado FinCen Files (Arquivos FinCen), a sigla em inglês de Financial Crimes Enforcement Network, 1 braço do Departamento do Tesouro dos EUA (o Tesouro norte-americano é equivalente ao Ministério da Economia no Brasil).
Embora seja uma quantia enorme, os US$ 2 trilhões em transações suspeitas identificadas nesse conjunto de documentos são apenas uma gota em um ocenano de dinheiro sujo que jorra por bancos do mundo todo. Os Arquivos FinCen representam menos de 0,02% dos mais de 12 milhões de relatórios de atividades suspeitas que as instituições financeiras protocolaram entre 2011 e 2017.
A agência FinCen e o Departamento de Tesouro dos EUA não responderam a uma série de questões enviadas pelo ICIJ e veículos parceiros há 1 mês. A agência disse ao BuzzFeed News que não comentará sobre a “existência ou inexistência” de relatórios específicos de atividades suspeitas. Dias antes da publicação deste texto, o FinCen anunciou que estava coletando sugestões para melhorar o sistema anti-lavagem de dinheiro dos Estados Unidos.
Esses relatórios, juntamente com centenas de planilhas incluindo nomes, datas e números, detalham transações potencialmente ilícitas que fluem por bancos em mais de 170 países. Junto com a análise dos Arquivos Fincen, o ICIJ e seus parceiros de mídia obtiveram mais de 17,6 mil outros registros de fontes internas e denunciantes, arquivos judiciais, solicitações pela lei de liberdade de informação e outras fontes. A equipe entrevistou centenas de pessoas, incluindo especialistas em crimes financeiros, policiais e vítimas de crimes.
De acordo com o BuzzFeed News, alguns registros vazados foram obtidos como parte das investigações do Congresso dos EUA sobre a interferência russa nas eleições presidenciais de 2016 nos EUA. Outros foram coletados após pedidos de órgãos judiciais ao Fincen.
Os Arquivos Fincen oferecem uma visão sem precedentes de 1 mundo secreto de bancos internacionais, clientes anônimos e, em muitos casos, crimes financeiros.
Eles mostram bancos movimentando dinheiro cegamente em suas contas para pessoas que eles não podem identificar, deixando de relatar transações com todas as características de lavagem de dinheiro até anos depois do fato. Eles também fazem negócios com clientes envolvidos em fraudes financeiras e escândalos de corrupção públicos.
As autoridades dos EUA, que desempenham 1 papel de liderança na batalha global contra a lavagem de dinheiro, ordenaram que grandes bancos reformulassem suas práticas, multaram as instituições em centenas de milhões e até bilhões de dólares e fizeram ameaças de acusações criminais contra eles como parte dos chamados acordos de ação penal diferida.
Uma investigação de do ICIJ e seus parceiros jornalísticos mostra que essas táticas não funcionaram. Os grandes bancos continuam desempenhando 1 papel central na movimentação de dinheiro ligado a corrupção, fraude, crime organizado e terrorismo.
“Ao falhar totalmente em barrar transações corruptas em grande escala, as instituições financeiras abandonaram seu papel de linha de frente contra a lavagem de dinheiro“, disse ao ICIJ Paul Pelletier, ex-oficial sênior do Departamento de Justiça dos EUA e promotor de crimes financeiros.
Ele disse que os bancos sabem que “operam em 1 sistema que é amplamente ineficaz“.
Cinco dos bancos que aparecem com maior frequência nos Arquivos Fincen –Deutsche Bank, Bank of New York Mellon, Standard Chartered, JPMorgan e HSBC –violaram repetidamente suas promessas oficiais de bom comportamento, como mostram os registros secretos.
Em 2012, o HSBC, com sede em Londres, o maior banco da Europa, assinou 1 acordo de ação penal e admitiu ter lavado pelo menos US$ 881 milhões para cartéis de drogas latino-americanos. Os narcotraficantes usavam caixas com formato especial que cabiam nas aberturas dos caixas automáticos do HSBC e despejavam enormes quantias de dinheiro das drogas que movimentavam pelo sistema financeiro.
Pelo acordo com a promotoria, o HSBC pagou US$ 1,9 bilhão, e o governo concordou em suspender as acusações criminais contra o banco e arquivá-las após 5 anos se o HSBC cumprisse a promessa de combater agressivamente o fluxo de dinheiro sujo.
Durante o período probatório de 5 anos, conforme mostram os Arquivos FinCen, o HSBC continuou a movimentar dinheiro para personagens questionáveis, incluindo suspeitos de lavagem de dinheiro russos e 1 esquema de pirâmide investigado em vários países.
Ainda assim, o governo permitiu que o HSBC anunciasse em dezembro de 2017 que havia “cumprido todos os seus compromissos” sob o acordo de acusação diferida –e que os promotores estavam rejeitando as acusações criminais em definitivo.
Em uma declaração ao ICIJ, o HSBC se recusou a responder a perguntas sobre clientes ou transações específicas. O HSBC disse que as informações do ICIJ são “históricas e anteriores” ao fim de seu acordo de 5 anos no processo. Durante esse tempo, segundo o banco, a companhia “embarcou em uma jornada de vários anos para revisar sua capacidade de combate ao crime financeiro. O HSBC é uma instituição muito mais segura do que era em 2012“.
O HSBC observou que, ao decidir liberar o banco da ameaça de acusações criminais, o governo americano teve acesso a relatórios de 1 monitor que revisou as reformas e práticas do banco.
O Departamento de Justiça se recusou a responder a perguntas específicas. Em nota, 1 porta-voz da divisão criminal do departamento disse: “O Departamento de Justiça defende seu trabalho e continua comprometido a investigar e processar crimes financeiros de forma agressiva– incluindo lavagem de dinheiro– onde quer que os encontremos”