Um artigo do site Behind Back Doors, conhecido por suas revelações sobre a ingerência norte-americana na América Latina, apresenta uma lista dos mais importantes agentes da CIA que participaram do golpe contra o ex-presidente da Bolívia, Evo Morales. Anuncia também que a operação na Bolívia continua e que há outros governos “não amigos” nos planos de desestabilização política do continente. O próximo alvo pode ser Manágua.
Em sinal de que a ofensiva contra a esquerda na Bolívia de fato continua, na quinta-feira a Justiça Eleitoral do país barrou a candidatura de Evo ao Senado nas eleições marcadas para maio, alegando que ele não provou residir no distrito eleitoral pelo qual se candidataria.
O artigo “Os mais importantes agentes da CIA em La Paz, Bolívia (parte I)” expõe a identidade de alguns dos principais agentes do golpe, tanto de americanos como de bolivianos cooptados, como o general Willian Kaliman Romero, ex-comandante das Forças Armadas, que gozava da inteira confiança de Evo Morales, que o colocou no cargo em 2018. Foi Kaliman que, no calor do golpe, pediu publicamente a renúncia de Morales em 10 de novembro passado, seguindo as instruções Bruce Williamson, encarregado de negócios dos Estados Unidos na Bolívia. A instrução foi passada a Kaliman por Luis Fernando Camacho, o líder político de Santa Cruz, devidamente integrado ao grupo conspirador.
Segundo o site, o golpe começou a ser planejado no território norte-americano, em parceria com políticos bolivianos que vivem nos Estados, como Gonzalo Sánchez de Lozada, Manfred Reyes Villa, Mario Cossio e Carlos Sánchez Berzain, que fizeram a ponte inicial com os militares cooptados para o golpe, criadores da “coodenação nacional militar”, entre eles o general Rumberto Siles e os coronéis Julius Maldonado, Oscar Pacello e Carlos Calderon.
Milhões de dólares teriam sido investidos pelos EUA no golpe. Só a Fernando Camacho, para organizar a insurgência em Santa Cruz de La Sierra, foram entregues dois milhões de dólares.
Já dispondo de quadros baseados na embaixada ou atuando clandestinamente na Bolívia, em setembro, um mês antes da eleição de outubro, mais 38 agentes entraram no país, disfarçados de turistas, empresários ou dirigentes de ONGs.
O golpe teve êxito porque a CIA conseguiu cooptar não apenas os políticos de direita como também militares, dividindo as Forças Armadas. Entre os militares, muitos eram próximos de Evo e o traíram miseravelmente, como o general Kaliman.
Cooptado pela CIA, o general cumpriu duas tarefas decisivas para o golpe. Primeiro, fornecendo informações sensíveis sobre Evo e seu governo aos agentes. E depois, desinformando o então presidente sobre o que estava se passando no país, evitando que pressentisse o golpe e tentasse abortá-lo, quando ele já fora planejado e tudo estava pronto para sua execução dentro das Forças Armadas.
Segundo o artigo, Kaliman foi cooptado ainda antes de assumir o comando das Forças Armadas, a partir da identificação de seus “pontos fracos”, como o fato de que todos os seus filhos vivem nos Estados Unidos e o de sua filha ser casada com um alto oficial do Exército americano. Em La paz, durante todo o tempo, o general manteve contatos com agentes disfarçados que operavam no país. Pouco antes do golpe, ele exigiu que sua esposa fosse tirada do país e levada para os Estados Unidos.
Na fase pré-golpe, ele conseguiu convencer Evo a autorizar a presença de tropas de inteligência do Comando Sul do Exército americano em território boliviano, e que a Bolívia integrasse a Surnet (Rede Sudamericana), um mecanismo regional para intercâmbio de inteligência militar.
Outro cooptado pela CIA, segundo Behind Back Doors, foi o general Vladimir Yuri Calderón, comandante da polícia, que havia servido durante vários anos como Adido Militar da Bolívia nos Estados Unidos. Nos preparativos do golpe, seu interlocutor na embaixada americana era o major Matthew Kenny Thompson, também adido militar. Por sua socialibilidade, Thompson atuou fortemente junto às Forças Armadas bolivianas, cooptando oficiais para o plano golpista.
Até mesmo a partir da Argentina a CIA atuou no golpe, através do adido militar da Bolívia, general Rômulo Delgado, que facilitou a infiltração junto a militares bolivianos. Da Venezuela, teria atuado o coronel Juan Carlos Jaramillo, onde é ligado a Juan Guaidó e tem notória parceria com a CIA em ações contra o governo Maduro, como no ataque ao aeroporto de Carlota, em 2019.
Entre os cooptados o site cita ainda os coronéis Clamente Silva Ruiz, chefe do comando de La Paz, e Erick Millares Luna, da área de inteligência.
Outro que traiu Evo foi seu amigo (ex-amigo) Panchito, apelido de Ramiro Flores Montano, cooptado pela CIA quando servia, indicado por Evo, como adido militar no Chile. Voltou para participar ativamente dos preparativos e da execução do golpe, fornecendo armas e treinamento militar ao grupo Yunga Cocaleros, um dos que tomou as ruas.
Traidor notável foi também o empresário Edwin Saavedra, que era muito amigo do então vice-presidente Álvaro Garcia Linera, através de quem obtinha informações que passava à CIA.
Entre os americanos, um dos mais importantes algozes de Evo Morales foi Rolf Olson, agenda CIA disfarçado de conselheiro econômico da embaixada. Outra agente citada é Annette Dorothy Blakeslee, que atuou no “golpe suave” na Nicarágua como médica da USAID. O Olson é atribuído o completo “manejo” do principal líder político boliviano no golpe, Luiz Fernando Camacho Vaca, orientado a criar o tal “Comitê Cívico de Santa Cruz de La Sierra”, plataforma civil que atuava em sintonia com a “Coordenação Militar Nacional”.
A embaixada americana entregou a Camacho, segundo o artigo do site, dois milhões de dólares para ele organizar a insurgência em Santa Cruz. O site diz que Brasil e Argentina (ainda governada por Macri) teriam ajudado no repasse do dinheiro mas não fornece detalhes.
Camacho comandou as ações mais violentas contra a população civil antes do golpe. Durante meses, sob supervisão da CIA, ele teria recrutado, organizado e treinado os membros da organização neofascista Unión Juvenil Crucenista, que teve atuação agressiva nos conflitos.
Ele teria participado de várias reuniões com George Eli Birnbaum, agente americano que chegou antes de outros 38 americanos que entraram no país disfarçados, em setembro, um mês antes das eleições de outubro, fazendo-se passar por turistas, empresários e dirigentes de ONGs. Com eles foram planejadas as ações para incitar protestos contra supostas fraudes no processo eleitoral em que Evo disputava a quarta reeleição. Estes 38 agentes integram as Tropas Operacionais Especiais do Comando Sul dos EUA. Três destes 38 agentes incógnitos, segundo o site, foram Cason Benham, Luis Manuel Ribero Ibatta e Diego Santos Sardone, que se fizeram passar por advogados.
A estação da CIA na Bolívia valeu-se também, segundo o site, da colaboração de José Sánchez, chefe da AFI, a Agência Federal de Inteligência argentina, no levantamento de dados sobre membros do governo Evo e também sobre todos os funcionários cubanos, venezuelanos e nicaraguenses residentes na Bolívia, incluindo os diplomatas, buscando associá-los ao narcotráfico e à corrupção.
Outro argentino, Gerardo Morales, governador da província de Jujuy, no norte do país, teria tido participação importante na triangulação do dinheiro injetado no golpe pela embaixada norte-americana. Em setembro de 2019, um mês antes do pleito, a filha de Donald Trump, Ivanka, fez uma visita relâmpago à província, onde se reuniu com Fernando Camacho e com o governador Morales.
As revelações de Behind Back Doors soam rocambolescas, e alguns fatos parecem incríveis, como esta visita de Ivanka a um cafundó da Argentina. Mas os golpes são assim mesmo: inverossímeis mas acontecem.
Para nós que vivemos num país em trepidação constante, onde se louva a ditadura e se fala em volta do AI-5, é bom aprender um pouco sobre eles acontecem.
*Tereza Cruvinel – Brasil 247