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Curitiba sempre foi incompetente para julgar Lula, dizem especialistas

O ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, declarou a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para processar e julgar o ex-presidente Lula nos casos do tríplex do Guarujá, do sítio de Atibaia, da compra do terreno e de doações para o Instituto Lula.

.O que o ministro admitiu na decisão é que não havia conexão entre os supostos crimes que o Ministério Público Federal atribuía a Lula e a investigação de atos de corrupção na Petrobras, a não ser o fato de que a construtora OAS faria parte de um cartel de empreiteiras que atuava de forma ilícita em contratações celebradas com a petroleira.

Fachin reconhece que a acusação “não cuida de atribuir ao paciente [Lula] uma relação de causa e efeito entre sua atuação como Presidente da República e determinada contratação realizada pelo Grupo OAS com a Petrobras S/A, em decorrência da qual se tenha acertado o pagamento da vantagem indevida”.

As mensagens trocadas entre procuradores e obtidas por hackers, que integram o material de uma reclamação no Supremo, mostram que os próprios autores estavam cientes da fragilidade desse elo: o então chefe da força-tarefa Deltan Dallagnol classificou a teoria como “capenga”.

A ConJur ouviu especialistas sobre a decisão de Fachin.

Decisão tardia
Para Lenio Streck, jurista e colunista da ConJur, “Fachin reconheceu hoje o que deveria ter sido reconhecido há 3 anos”. “Ele decidiu que havia incompetência territorial e assim baixou os casos que tratam da suspeição (que contaminaria toda a ‘lava jato’ e não só Lula)”.

Considerado o “pai” da “lava jato”, o procurador Celso Tres, que na década de 1990 atuava nas investigações da CC5 do Banestado, disse que a incompetência de Curitiba para julgar Lula sempre foi evidente.

“Lá nada ocorreu. Mesmo o inspirador nome, ‘lava jato’, foi do posto de combustível localizado em Brasília. Curitiba não é sede da Petrobras, não é sede da administração pública federal, muito menos do exercício funcional dos políticos envolvidos”, afirmou.

Ele também lembrou que “a ConJur fez eloquente levantamento de cerca de mil mandados (prisão, condução, busca e apreensão), sendo que apenas 3% foram compridos no Paraná, prova inequívoca que lá só havia o processo, nada de fatos”. “Porém, esta tardia declaração de incompetência no STF é nada mais que evasiva para não declarar a também evidente suspeição de Moro.”

O criminalista Alberto Zacharias Toron disse que a decisão faz justiça, ainda que tardiamente. “Justiça tardia, mas sempre em boa hora. A melhor parte da decisão vem representada pela impossibilidade de renovação dos atos processuais, pois, com a anulação, é forçoso o reconhecimento da prescrição em relação ao ex-presidente Lula”.

Flávia Rahal, criminalista, diz que “a competência universal da 13ª Vara Federal de Curitiba sempre foi das mais evidentes ilegalidades da operação ‘lava jato'”. “A questão foi apresentada ao STF diversas vezes, mas acabou rejeitada. Agora, ainda que tardiamente, o Ministro Fachin assentou que Lula foi preso e cumpriu pena por ordem de juiz incompetente. É fundamental que os atos praticados pelo ex-juiz continuem a ser revistos pela nossa Suprema Corte.”

Priscila Pamela, advogada criminalista e presidente da Comissão de Política Criminal e Penitenciária da OAB-SP, concorda que a anulação demorou a vir.

“A decisão do Ministro Fachin é tardia, muito tardia. A incompetência do juízo vem sendo alegada pelas defesas desde o início da operação. Nunca houve elementos que pudessem vincular os casos a Curitiba, ao contrário. O posto de gasolina que deu origem à operação ficava em Brasília, os atos de ofício pelos quais o ex-presidente Lula foi acusado (nomeações de diretores da Petrobrás) foram realizados em Brasília, a própria sede da Petrobrás não fica em Curitiba, enfim, nada havia que pudesse legitimar a competência da 13ª Vara de Curitiba”, pontua.

“Destaco a morosidade da decisão, porque para além dos 580 dias em que Lula permaneceu preso, a omissão no reconhecimento da incompetência do juízo retirou o ex-presidente — candidato com maior intenção de votos — da corrida eleitoral e os prejuízos para a nossa democracia restaram evidentes. A decisão ainda reconhece a inocência do ex-presidente, pois reconhece não haver relação direta de suas ações com os desvios da Petrobras. Toda a acusação foi baseada em atos de ofício consistentes na nomeação de diretores da Petrobrás e se não houve relação direta desses atos com os desvios, não há crime a ser imputado a ele”, conclui.

Eleições
Alexandre Fidalgo, do Fidalgo advogados, diz que embora a decisão de Fachin tenha sido tomada no âmbito penal, ela terá reflexos eleitorais imediatos, uma vez que o ex-presidente volta a ter direitos políticos.

“As condenações criminais em 2ª instância produziram o óbice da candidatura do ex-presidente Lula quando solicitada. No atual momento, com a nulidade, não há mais essa condição impeditiva, porque inexiste condenação criminal proferida por órgão colegiado a atrair a incidência da Lei da Ficha Limpa”, afirma.

Já Ana Fuliaro, que atua na mesma banca, diz que “o impedimento que existia [no que diz respeito a Lula] era apenas no âmbito do sufrágio passivo, ou seja, de ser candidato”. “O sufrágio ativo sempre esteve preservado, razão pela qual podia votar e manifestar-se politicamente. Seu voto em 2018 esteve submetido a questões de execução penal e não de direito eleitoral.”

A constitucionalista Vera Chemim diz que diante da lentidão natural do andamento processual, a tendência é que Lula permaneça elegível até 2022, “até porque, mesmo que fosse condenado em primeira instância, precisaria de uma confirmação daquela condenação pela segunda instância”.

Além disso, prossegue, a decisão de Fachin “demanda um agravo por parte da Procuradoria-Geral da República, no sentido de encaminhar a questão ao Plenário do STF, por se tratar de um tema extremamente relevante e complexo, além de polêmico”.

Incompetente
Para Adib Abdouni, especialista em direito constitucional e criminal, “o decreto anulatória era medida que se impunha, haja vista que no campo jurídico processual penal restou demonstrado à exaustão pela defesa técnica que a 13ª Vara Federal de Curitiba não tinha competência para julgar processos relacionados ao tríplex do Guarujá, do sítio de Atibaia e do Instituto Lula, à míngua de sua relação direta com os crimes cometidos no âmbito da Petrobras, de sorte que a partir desse momento fica restaurado o direito constitucional público subjetivo do réu ao devido processo legal”.

Conrado Gontijo, criminalista e doutor em Direito Penal, diz que a decisão reconhece algo já afirmado pelo STF em outros processos: que a competência da 13ª Vara Federal de Curitiba não é absoluta.

“Essa decisão, todavia, não deve interferir no julgamento dos recursos que tratam da parcialidade — manifesta — do ex-juiz Sergio Moro. O tema da parcialidade, até para que o país conheça o nível de absurdo perpetrado por Sergio Moro e a força-tarefa da ‘lava jato’ de Curitiba, deve ser analisado com profundidade pelo STF”, conclui.

David Metzker, advogado criminalista e sócio da Metzker Advocacia, considerou a decisão “importante e acertada”. “Todavia, me parece que determinar arquivar os demais Habeas Corpus, mormente aqueles que estão em julgamento e com pedido de vista, não seja o caminho certo. Além disso, a amplitude dos efeitos de uma possível decisão no caso da suspeição seria maior que a atual decisão. Entendo que o julgamento sobre a parcialidade do ex-juiz Sergio Moro deva continuar.”

Fernando Parente, do Guimarães Parente Advogados, diz que “a decisão está correta do ponto de vista legal. “O Código de Processo Penal determina a competência a partir do local do fato. Constituição Federal diz que o juiz deve ser o juiz natural e imparcial.”

Leandro Pachani, do Marcílio e Zardi Advogados, diz que a decisão de Fachin “consolida um entendimento externado há temos no meio jurídico: que não existe o tal juízo universal da 13ª Vara Criminal de Curitiba”. “A atual decisão confere devida importância aos princípios do juiz natural e do devido processo legal ao estabelecer de forma didática e contundente a ausência de elementos mínimos para considerar a prorrogação de competência em feitos envolvendo a Petrobras e o ex-presidente.”

Belisário dos Santos Júnior, ex-secretário de Justiça de SP, diz que “há forte justificativa para a decisão, até porque os ilícitos não diziam respeito ou não envolviam diretamente a Petrobras”. “Nesse sentido, já havia jurisprudência para reduzir a competência de Curitiba, favorecendo a de Brasília. Mas, para o mundo político, a decisão incendeia as discussões sobre 2022.”

Ação Penal 5046512-94.2016.4.04.7000/PR (Tríplex do Guarujá)
AP 5021365-32.2017.4.04.7000/PR (Sítio de Atibaia)
APS 5063130-17.2018.4.04.7000/PR (sede do Instituto Lula)
AP 5044305-83.2020.4.04.7000/PR (doações ao Instituto Lula)

*Com informações do Conjur

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A fina ironia do procurador Celso Tres e suas verdades

Ironias podem ser armas poderosas para esclarecer coisas, como também instrumentos para desvendar pré-conceitos, que, de tanto repetidos, transformam-se em preconceitos.

Parece que a onda punitivista do lavajatismo não se cansa de produzir falsas notícias com o objetivo de distorcer a realidade dos fatos e mobilizar meios de comunicação para a consecução de seus objetivos.

No auge da operação “lava jato”, que mobilizou todo o aparato midiático possível, nasceu uma outra operação com o objetivo de investigar supostas irregularidades praticadas em fundos de pensão — a operação Greenfield. Tal nome advém dos projetos nos quais os fundos de pensão investiriam serem ainda embrionários, estarem em fase inicial, por isso necessitariam um capital inicial para que pudessem ser desenvolvidos.

E quem melhor para fazer isso? Os fundos de pensão. Afinal, possuem grande capital e precisam remunerar seus recursos para fazer frente a um pagamento futuro de aposentadoria e pensões dos funcionários que o integram. Portanto, para um fundo de pensão, esse investimento de longo prazo, faz todo sentido. É da sua essência. Claro, a depender a taxa de remuneração e da segurança do investimento. O tradicional risco x retorno.

E quais são os fundos de pensão que possuem recursos para aplicar em tais projetos? Óbvio que são os fundos com maior patrimônio e que precisam ter uma carteira de investimentos bem diversificada, para que, no cômputo geral da rentabilidade, possam arcar com seus compromissos futuros e terem uma remuneração média condizente com a meta atuarial do plano. Logo, os fundos patrocinados por empresas públicas ou sociedades de economia mista são os que mais se interessam por esses investimentos. São eles: Previ (Banco do Brasil), Petros (Petrobras), Funcef (Caixa Econômica Federal), Postalis (Correios).

Bingo! Eis a chave para uma operação nos moldes da “lava jato”! Nasce aí a operação Greenfield, que tinha como objetivo inicial investigar fraudes praticadas nos investimentos realizados pelos fundos de pensão.

Ocorre que, com o passar do tempo, a tal força-tarefa expandiu seu escopo para investigar também fraudes na Caixa Econômica Federal, com as operações Patmos, Sépsis, Cui Bono e por aí vai. Um derivativo da “lava jato”, com as mesmas táticas, passou a usar a mídia para criar situações que poderiam muito bem ser investigadas dentro da normalidade do Ministério Público. Eis aí a questão.

Ao assumir o posto de Procurador Geral da República, Dr. Augusto Aras, em live do nosso Grupo Prerrogativas, deixou muito claro o que acontecia na força tarefa da “lava jato” e o quão questionáveis essas estruturas podem se tornar. Bastou que o PGR dissesse algumas verdades para que tais forças tarefas se sentissem desprestigiadas e muitos membros pedissem desligamento.

Em episódio recente o novo chefe da operação Greenfield, o competente procurador Celso Tres, enviou ofício à PGR sugerindo — no entremeio de algumas ironias — que fossem enviadas à Polícia Federal as apurações que hoje estão com o MPF. Ora, “mutuca tira boi do mato”, como se diz. Bastou um ato sensato de um procurador para que todo o aparato midiático novamente enxergasse nisso uma tentativa de “não se investigar” os fatos ali apontados.

E lá vem a palavra mágica: impunidade, a mesma que Dallagnol usou para falar da prescrição da qual depois de beneficiou sem nenhum pudor.

Veja-se: Celso Tres, acertadamente, sugeriu, entre outras coisas, que as próprias fundações ingressassem com as devidas ações de reparação de prejuízos que tanto alegam. Até porque essas fundações tem o dever de investigar eventuais desvios internos, por meio de comissões próprias. Mais comoção generalizada! “Não quer investigar”. “Impunidade” (de novo).

Ora, nada mais natural e correto do ponto de vista funcional o que disse Tres. Ou será que o MPF está sendo instrumentalizado pelas fundações para perseguir ex-dirigentes de fundos de pensão? Ou ainda, se as ações são sabidamente corretas, porque as fundações não ingressam em defesa do patrimônio de seus associados? Será que o risco de sucumbência é um empecilho e para isso pretendem se valer de uma estrutura valiosa e caríssima do ponto de vista institucional para o Estado, como é o Ministério Público?

Aliás, o que justifica o MPF ingressar com ações de cobranças de prejuízo — improbidade, praticadas por gestores de entidade privada? Sim, estamos a falar de entidades privadas, os fundos de pensão (não importando quem são seus patrocinadores), possuem natureza privada, nos moldes ditados pelo art. 202 da Constituição Federal. Simples assim.

Não há interesse processual para atuação do MPF nesses casos. MPF não é cobrador de contas de entidades bilionárias, que contratam as melhores bancas do país. A ação civil pública é instrumento processual conferido ao Ministério Público para o exercício do controle popular sobre os atos dos poderes públicos, por meio do qual se exige tanto a reparação do dano causado ao patrimônio público por ato de improbidade, quanto a aplicação das sanções do artigo 37, § 4°, da Constituição Federal, previstas ao agente público, em decorrência de sua conduta irregular.

Já pela análise no disposto pelo artigo 1º da Lei 7347/85 depreende-se que tal ação visa a reparação por danos morais e patrimoniais causados ao meio-ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, por infração à ordem econômica, à ordem urbanística; à honra e dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos e ao patrimônio público e social.

Daí a pergunta que ninguém da mídia e tampouco alguns integrantes do MPF, críticos de Tres, fizeram: onde se encaixaria em matéria de reparação de prejuízo a atuação do Parquet nos fundos de pensão? Não se trata de patrimônio público, e sim, privado! A relação jurídica existente entre os participantes e patrocinadora do fundo de pensão é contratual e facultativa, advinda de uma relação trabalhista. Simples assim, uma relação privada.

É claro que o dever de agir de ingressar com a devida ação deve ser da parte lesada, ou seja, a própria entidade de previdência. Portanto, a fala do procurador não deveria causar tanto impacto, pois o que ele pretendeu — e isso pareceu-nos óbvio — é justamente a racionalização da atuação do Ministério Público. Sendo mais claros: Em existindo crime ou fato que justifique denúncia, que a Polícia Federal atue e investigue, para que aí sim o MPF, possa, racionalmente atuar nos limites das suas atribuições, previstas na Constituição.

O combate ao crime não pode representar um palanque permanente de criação de factoides. A grande mídia bem que poderia, primeiro, informar-se sobre os meandros de uma notícia. E também poderia fazer um pequeno esforço para compreender ironias, como as constantes no ofício do Procurador Celso Tres dirigido ao Dr. Augusto Aras. Ironias podem ser armas poderosas para esclarecer coisas, como também instrumentos para desvendar pré-conceitos, que, de tanto repetidos, transformam-se em preconceitos, a partir de chavões e enunciados performativos como “isso é impunidade” e coisas desse tipo.

Numa palavra final, já se disse que “a ironia é a expressão mais perfeita do pensamento”. E “o humor é uma tentativa de libertar os grandes sentimentos da sua parvoíce”.

Sábios pensamentos. Ou seriam aforismos?

*Por Lenio Luiz Streck e Fabiano Silva dos Santos/Conjur

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Procurador Federal Celso Três: Lava Jato pariu Bolsonaro e deveria ter a obrigação de embalá-lo

“A Lava Jato, além de não embalar, está reclusa, homiziando-se de sombrio exame de DNA que possa atestar sua paternidade desta criatura”, denuncia o procurador federal Celso Três, que responsabiliza a operação conduzida por Sergio Moro pela destruição do Brasil.

Por Celso Três, procurador federal – Glosado por Twitter e Facebook, tal qual moleque irresponsável, tachando de “gripezinha” a tragédia do coronavírus, garantindo que brasileiro mergulha incólume no esgoto, curvando-se servil aos Estados Unidos quem pirateia bens médicos que a China destinara ao Brasil, fazendo da liturgia da Presidência piadas contra dignidade sexual, atiçando a massa ignara ao linchamento de jornalistas, consoante atestam periódicos pelo mundo, presidente do nosso Brasil, tristemente, virou ícone do ridículo mundial. Pior! Bolsonaro é tudo, menos surpreendente. Sempre foi assim.

Então, quem pariu Bolsonaro? Urna foi berçário dos votos nascidos de alguns ventres. Justo e legítimo antipetismo aliado à histórica –quatro séculos de escravatura– extrema direita foi útero decisivo.

Aqui, trato apenas de quanto Têmis, aparelho de justiça, deu à luz votos em prol do capitão, em síntese, dizimando o establishment político, dando asas a outsiders populistas, quem capitalizaram com a sanha acusatória indiscriminada brandida pela espada de Dâmocles da Lava Jato.

Vítima emblemática foi o PSDB, partido dos melhores quadros técnicos, candidato Alckmin, de idoneidade mais longamente provada no comando do principal estado da federação, sucumbiu indefeso à avalanche justiceira. História sempre inexorável.

‘Ab initio’, a Lava Jato foi a maior e irrepetível investigação da história.

Nela, os procuradores perpetuaram em bronze seus nomes no memorial da justiça. Quantidade e status dos agentes públicos e capitalistas privados envolvidos, valores desviados e recuperados, prisões, condenações, confisco patrimonial e outras medidas formaram quadro de impacto verdadeiramente mundial.

O vício adveio no correr da apuração, violação nos limites da ação penal.

Rei Pirro do Epiro, após guerra contra os romanos na qual teve pesadas perdas (280 a.C.), respondeu a quem o louvava pelo sucesso: “mais uma vitória desta e estaremos completamente arruinados”. É a vitória de Pirro.

Tempo de pandemia, lembrar que a distinção entre o remédio e o veneno pode estar na dosagem. Cloroquina é remédio. Oremos pela sua efetividade! Mas a ministração ou não ao caso, dosagem dependerá da perícia do médico.

Efeitos colaterais

Se o corpo do estado está doente de corrupção –-e estava (!), o remédio, ação da justiça, não pode ter efeitos colaterais ainda piores, debacle na economia e atentado à democracia.

“A própria virtude precisa de limites”, respondeu Montesquieu a quem objetava a tripartição dos poderes com a bondade do rei. Embora bondosos, bem intencionados são desastrosos todos quem não obedecem aos limites de sua autoridade.

Início de 2017, país estupefato com o videoshow dos 78 delatores da Odebrecht, Frederico Vasconcelos honrou-me com entrevista (Folha, 17.mar.2017), quando disse que a divulgação “derrete o mundo político, o Estado, dilapida a economia, os investimentos e os empregos”.

“A lei da delação impõe sigilo até a apresentação da denúncia. Preserva a apuração e a honra do delatado até então indefeso”. Infelizmente, a sequência dos fatos provou que eu estava certo.

Bem diz o ministro Lewandowski, nossa história atesta que a messiânica cruzada contra a corrupção nunca foi causa, foi pretexto de violação à democracia, a exemplo do suicídio de Getúlio Vargas e do golpe militar de 1964. Novo nesta quadra da vida pública brasileira é que a justiça, dantes passiva, agora é protagonista no ataque à democracia.

Lava Jato teve –e ignorou!– um standard precioso para não desviar-se. Foi a persecução do mensalão. Nela, o procurador-geral da República Antonio Fernando foi cirúrgico, altivo, tempestivo, rigoroso e competente. Ação, pautada pela redução de danos, não lesou o devido processo legal, economia, tampouco a democracia.

Independência, imparcialidade é o maior atributo do juiz. Mesmo o magistrado dado aos piores vícios de honestidade, desvia-se para abdicar desse status. Honesto, mas parcial, iguala-se ao desviado na lesão à justiça. “Se o jogo não há juiz; não há jogada fora da lei” (música de Engenheiros do Hawai, “Exército de um homem só”).

Por sua vez, a imparcialidade não diz com o subjetivo, intenção do juiz em prejudicar uma das partes. Exige-se objetividade, estética de conduta imparcial. É dessa ostensividade que emana a confiança da sociedade na imparcialidade judiciária. Esse preceito de conduta da magistratura está consolidado nos diversos ordenamentos do mundo civilizado.

Isso também vale para o Ministério Público. Ele é parte imparcial. Parte porque tem atribuição da acusação. Imparcial porque a imputação está restrita aos valores republicanos do devido processo legal, entre eles, o da impessoalidade, ou seja, não tem alvo preordenado, não investiga pessoas, apura materialidade de fatos que sejam criminosos para só então identificar seus autores.

Clamor público

Nisso, pecou a Lava Jato. Claudicou, gravemente, na estética de imparcialidade. Mesmo que assim não intencionasse, tampouco houvesse qualquer vantagem, possivelmente sucumbindo ante o “tsunami” pela derrubada do governo Dilma.

É a tentação do “vox populi, vox jus” –justiça decidindo pela opinião pública, confessado pela então presidente da Suprema Corte: “STF não vai ignorar clamor por Justiça das ruas, diz Cármen Lúcia” (Uol, 30.jun.2017). O comandante das Forças Armadas, general Eduardo Villas Bôas, admitiu intervenção caso STF concedesse habeas corpus a Lula (Folha, 11.nov.2018).

A essência do atentado à democracia perpetrado pela Lava Jato esteve no ataque indiscriminado, fazendo tábula rasa do mundo político, sabido que esse, contrariamente ao Ministério Público, é ungido pelo voto, mandato de quem é o soberano do poder, o povo.

Nas cinzas da política, a democracia jamais encontrará seu berço. Daí, nascem Berlusconi na Itália e Bolsonaro no Brasil. O enxovalhamento da política é a tática comum de todos os déspotas da história.

Preciso, pontificou Reinaldo Azevedo: “Como procuradores e juízes militantes, os tenentes não gostavam de políticos” (Folha, 26.mai.2017). Nesse diapasão, editorial do Estadão “é perniciosa a tentativa de transformar a Lava Jato na grande panaceia nacional. Além de não tirar o País da crise, esse modo de conduzi-la inviabiliza a saída da crise” (10.mai.2017). Eloquente o projeto de monumento (escultura) à Lava Jato, na palavra do idealizador e também homenageado Deltan Dallagnol: “… minha primeira ideia é esta: algo como dois pilares derrubados e um de pé, que deveriam sustentar uma base do país que está inclinada, derrubada. O pilar de pé simbolizando as instituições da justiça. Os dois derrubados simbolizando sistema político…” (Folha/The Intercept Brasil, 21.ago.2019)

Medidas contra corrupção

Usurpando da iniciativa popular em legislar, instituto da sociedade civil –jamais órgão de Estado!–, Lava Jato colheu assinaturas de adesão ao seu projeto das “10 medidas contra corrupção”.

Irresignado com a rejeição parcial, Juliano Baiocchi, subprocurador, escreve artigo tachando o parlamento de organização criminosa (“A Operação Cavalo de Troia da Orcrim” – blog de Fausto Macedo, 1.dez.2016). Coerente com a linguagem da Lava Jato usada na mídia e em juízo, “quadrilhão do PT, quadrilhão do MDB, quadrilhão do PSDB, quadrilhão do PP …”

O ápice foi a solenidade, reunindo todas as unidades da Lava Jato no país, quando emitida a Carta do Rio de Janeiro, todos sob a palavra de ordem de Deltan: “2018 é batalha final para Lava Jato”, pregando que nenhum dos parlamentares fossem reeleitos (Folha, 27.nov.2017). Nisso, a campanha da Lava Jato foi exitosa, extraordinária não reeleição no parlamento e executivo.

Isso tudo no contexto de autoempoderamento absolutista da Lava Jato, cujos órgãos de correição, procurador-geral Rodrigo Janot, corregedores do Ministério Público Federal e o Conselho Nacional do Ministério Público, todos converteram-se em seus admiradores.

Carlos Fernando Lima postara na internet foto com camiseta, estampando imagens dele, Deltan e Moro, intitulado “Liga da Justiça” (Uol, 19.abr.2016).

Tudo em sintonia com a chefia, à saída da procuradoria-geral em Brasília, posando com o cartaz: “Janot você é a esperança do Brasil!” (noite de 2.mar.2015).

Tivemos, próximo ao aeroporto, duplo outdoor estampando imagem dos procuradores, “Bem-vindo à República de Curitiba … Aqui a lei se cumpre”, resultando em ação popular contra os personagens (Folha, 13.fev.2020)

Confundindo escracho com publicidade, ‘ab initio’, sob a demagógica justificativa da sociedade controlar a justiça, a Lava Jato lançou ao linchamento moral, muro da vergonha todos, não apenas os investigados, assim também testemunhas, advogados, empresas e pessoas sem qualquer relação com ilícito, jornalistas, juízes, enfim, quem opusesse embaraços aos desígnios da operação.

“… sem exposição, é impossível avançar contra poderosos, afirma Dallagnol” (Folha, 24.nov.2017).Em face de habeas corpus deferido pelo ministro Dias Toffoli, Carlos Fernando e Diogo Castor, título “Medalha de ouro para o habeas corpus … twist carpado”, é exemplo (Folha, 2.jul.2016).

Promoveram investigação clandestina contra o ministro Gilmar Mendes (The Intercept Brasil). MBL/Vem pra rua, sabidamente entusiastas da operação, na praça pública mais simbólica de Porto Alegre (RS), ao som da voz de Lula vazada pela Lava Jato, cena sinistra, trevas próprias dos fascistas, queimou 11 bonecos, cada qual representando um dos ministros do STF (vide YouTube).

O jornalista Reinaldo Azevedo, Folha, crítico dos desvios, teve conversa pessoal sua com a irmã de Aécio Neves divulgada com claro intento de retaliação. Eram vazadas informações para intimidar investigados (The Intercept Brasil, 29.ago.2019).

Paradoxalmente, quando surgiram as revelações do Intercept Brasil, alegou-se violação de privacidade, ilícito na devassa. Privacidade é do cidadão contra o estado, jamais do estado – autoridade no exercício de seu múnus.

Na função de sua competência, autoridade pode manter sigilo, sempre temporário, como condição de efetividade, a exemplo da prisão e interceptação telefônica. Devido processo legal exige que agentes públicos despidos estejam de segredos. Lava jato que pregava fiscalização da justiça para escrachar seus alvos, homiziou-se da luz às suas entranhas.

Delações veiculadas

A principal arma de abate ao mundo político foi a ilegal e irresponsável veiculação das delações. Sempre houve imposição de sigilo até o recebimento da denúncia (art. 7º, §3º, da Lei nº 12.850/13). Sequer o juiz pode afastar a reserva.

Dupla razão fundamenta a lei: a) sigilo oportuniza a produção de prova que corrobore a delação; tivemos casos de delatados, após mais de ano da divulgação, com mandados de busca domiciliar; b) sigilo protege a honra, o direito de defesa do delatado, indefeso na divulgação sem acusação formalizada.

Exemplo mais aberrante foi a Odebrecht, transtornando o país no alvorecer de 2017, Lava Jato decantando 415 autoridades mencionadas, fora particulares, empresas, doleiros, laranjas e outros.

Resultado em termos de denúncias, processos foi ínfimo. “Delação da Odebrecht gera poucos resultados em um ano” (Folha, 29.jan.2018).Adiante, constatada a inexorável previsão: “Procurador previu há dois anos insucesso de delações da Odebrecht” (Blog Interesse Público, 30.1.2019).

Emblemático do abuso foi a acusação generalizada de embaraçar a investigação (art. 2º da Lei 12.850/13).

A conduta da lei não é contrariar o interesse das autoridades na incriminação de seus alvos. O ‘embaraço’ exige conduta de per si ilícita e não diz com o interesse da acusação e sim com o devido processo legal da devida justiça.

As revelações do The Intercept Brasil, atuação do juiz Sergio Moro comandando a investigação, caracteriza obstrução da justiça.

Exemplo pitoresco foi a repetida imputação por instar investigados a não delatarem.

Em 28 de agosto de 2016, a Folha revela a “bolsa delação”, ou seja, as corruptoras Odebrecht, OAS e Andrade Gutierrez garantem até 15 anos de salários para que seus subalternos delatem políticos, salvaguardando os patrões. Apenas da Odebrecht, foram 78 delatores.

Oposto do tratamento aos políticos, foi o dispensado pela lava jato aos banqueiros. Mensagens analisadas mostram que força-tarefa de Curitiba preferiu buscar acordos a investigar acusações contra as instituições financeiras. Enquanto desenhava estratégia, Dallagnol fez palestra na Febraban (The Intercept Brasil, 22/8/2019)

Alijamento de Lula

Na eleição de Bolsonaro, sabidamente decisivo foi o alijamento de Lula –sem ignorar sua intuitiva responsabilidade na brutal corrupção desvelada!–, cuja estética da imparcialidade da Lava Jato restou brutalmente comprometida.

Lula foi alvo de condução coercitiva abusiva, sob acintosa fundamentação de ser protegido, provocação de previsto stress nacional, onde captada conversa com Dilma, interceptação clandestina, sem ordem judicial vigente, cuja divulgação foi o estopim do impeachment. Diálogo inclusive editado, suprimidos trechos que mudariam a sua interpretação (Folha, 8.set.2019). Aposentado, PGR Janot, “Nada menos que tudo”, assevera que Dilma é mulher honesta.

Todos lembram da teatral apresentação em PowerPoint da denúncia do triplex do Guarujá por Deltan Dallagnol.

Peça de imputação em que constava, entre outras aberrações técnicas, tratado sobre presidencialismo de coalizão, finalizando por pedir prioridade na tramitação em face do estatuto do idoso, em suma, na hermenêutica dos procuradores, exótico direito de Lula ser condenado mais rápido.

Em 14 de julho de 2017, desembargador Gebran Neto, já definido como relator que conduziria julgamento de Lula no TRF-4 –causa de sua prisão e inelegibilidade–, é homenageado em Curitiba pela Fecomércio (PR), quando declara que a Lava Jato promovia “viragem paradigmática”.

Após, o desembargador Thompson Flores Lenz –-então presidente do TRF-4, depois migrado à turma da Lava Jato, embora na sua longeva trajetória na corte não optasse pela área criminal, recentemente condenado Lula no processo do sítio de Atibaia– quando da solenidade de láurea da Associação Comercial do Paraná ao ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF, sentenciou: “Lula será julgado antes da eleição” (Uol, 10.nov.2017).

De forma geral, desde integrantes da Polícia Federal até a mãe do juiz Sergio Moro, todos foram homenageados pelas entidades patronais do Paraná, por razões óbvias, avessas ao governo Dilma, Lula.

Imagine-se que o presidente Bolsonaro, tal qual Lula, uma vez saído do poder, seja alvo de processos criminais.

Então, entidades dos laboristas, a exemplo de CUT/MST, façam pomposa homenagem, louvação aos seus julgadores?! Todos –e com razão!– entenderiam escandaloso.

Tão logo finalizada a eleição: “Moro me ajudou politicamente”, afirma Bolsonaro (revista Exame, 2.nov.2018). E continua ajudando, transformado que foi Sergio Moro no primeiro ministro da República.

Procurador Carlos Fernando Lima, destaque da Lava Jato, então já aposentado e advogando, entrevista à Globo News, admitiu que seus membros sufragaram Bolsonaro.

Mãos Limpas

“Veritas filia temporis”, verdade é filha do tempo. “Mãos Limpas” da Itália, assumida inspiração da Lava Jato, gerou Berlusconi, figura simétrica a Bolsonaro. “Juízes da Mãos Limpas viraram atores políticos, diz historiador italiano” (entrevista do professor Giovanni Orsina, Folha, 29.ago.2017).No âmbito econômico, a Lava Jato não agiu no Brasil conforme atuam os seus homólogos americanos: “A ideia dos americanos é punir de maneira dura, mas evitar que a indenização a ser paga coloque em risco os negócios e os empregos que eles geram.” (Folha, 20.dez.2016).

Nenhum dos acordos previu manutenção de empregos. Insensibilidade social atroz! Calcula-se em meio milhão de postos de trabalho a debacle.

Odebrecht, até a Lava Jato, empregados e terceirizados, mantinha 276 mil trabalhadores. Em 2019, imersa em recuperação judicial, foram extintos 80% dos postos de trabalho.

Em artigo de agosto/2019, jornal do Conselho dos Economistas do Rio de Janeiro, professores de nomeada calculam algo em torno de 2 a 2,5% de contribuição da Lava Jato na queda do PIB de 2015 e 2016 respectivamente, em função dos impactos nos setores metalomecânico, naval, construção civil e engenharia pesada.

Enquanto a Lava Jato municiava os americanos para autuarem a Petrobrás –vítima da corrupção!– no maior valor já pago por empresa estrangeira naquela nação, abiscoitava alguns bilhões à ridícula fundação destinada à publicidade contra corrupção, em boa hora pelo STF, ministro Alexandre Moraes, destinados a combater o coronavírus.

Lava Jato revelou elevada incidência de contaminação. Prisão do procurador Ângelo Villela, Marcelo Miller às voltas com a dubiedade de MPF e advogado da poderosa JBS/J&F, investigação em curso trata do apontamento de propina pelo doleiro Dario Messer, corregedores do MPF flagrados em conduta imprópria a quem cumpria sanar os desvios de procuradores (The Intercept Brasil), auditores da Receita Federal, atuando na operação no Rio de Janeiro, presos por extorsão a investigados e, sublimando, o chefe de tudo, Rodrigo Janot, está sob inédita Lei Maria da Penha à justiça, ou seja, cautelar que sequer pode aproximar-se do STF.

Curioso que, quando propôs projeto das 10 medidas contra corrupção ao Congresso Nacional, uma delas era o teste de integridade, espécie de purgatório da fraqueza humana, pelo qual agentes públicos seriam tentados a desviarem-se.

Procuradores são brasileiros. Em 2017, pesquisa nacional de valores, Datafolha mostra que o brasileiro vê o país corrupto, mas ele, individualmente, honesto. Brasileiro fala do brasileiro na terceira pessoa, e se dissocia.

A Lava Jato, na voz de Deltan Dallagnol aos pares do MPF, apoiou nomeação de Augusto Aras. De forma geral, quem agora tem ressalvas ao novo chefe integraram ou sempre aplaudiram a operação. O novo PGR segregou facções internas que consolidaram-se nos últimos anos, zelando pelas condições materiais e remuneratórias da instituição.

Com respaldo de todos os segmentos políticos na sua aprovação pelo Senado, não usou dos seus poderes contra adversários de quem o nomeou. Deduziu as imputações cujas provas têm solidez, marcando sua atuação pela discrição. Em suma, olhando pelo retrovisor seu homólogo Rodrigo Janot, tem plena ciência do que não deve fazer, ou seja, ser protagonista no cenário político pátrio, eis que assim agindo a Lava Jato foi desastrosa.

Provérbio diz quem pariu Mateus que o embale. A história não diz se Mateus embalou ou não. Aqui, certo é que, sim, a Lava Jato ajudou parir Bolsonaro.

Certamente, isso é motivo de orgulho a seus integrantes e de aplauso por grande parcela da sociedade brasileira, tanto que o capitão foi eleito o presidente da República.

Porém, agora, a Lava Jato, além de não embalar, está reclusa, homiziando-se de sombrio exame de DNA que possa atestar sua paternidade desta criatura.

 

 

*Com informações do 247