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Eduardo Moreira: ‘Boulos reúne características raras de serem vistas juntas’

Economista explica que apoia o candidato do Psol pela liderança em movimento social, por formação acadêmica consistente e caráter político “agregador”.

Economista, ex-banqueiro de investimentos e formado em Engenharia de Produção pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), Eduardo Moreira se tornou uma voz conhecida pela “acidez” contra os princípios do neoliberalismo e do Estado mínimo. O que o fez mudar de posição, em relação à sua visão da economia, foi o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). “O que abriu a minha cabeça foi o MST. As vivências que tive morando em acampamentos e assentamentos do MST me mostraram um mundo que eu não conhecia”, explica.

Moreira defende a candidatura de Guilherme Boulos (Psol) à prefeitura de São Paulo por um “entusiasmo anterior” às eleições municipais de 2020. ”Ele reúne características raras de serem vistas juntas. Tem conhecimento profundo da organização dos movimentos sociais”, diz Eduardo Moreira, em entrevista à RBA. “É muito mais difícil no Brasil você conseguir fazer um movimento social, com tudo contra os movimentos sociais, do que montar uma startup na Faria Lima.”

Signatário de documento em que empresários e executivos do setor produtivo e financeiro declaram apoio a Boulos, Moreira avalia que “a cobertura da mídia (em relação ao candidato do Psol) foi absolutamente assimétrica e, na minha opinião, vergonhosa”.

Sobre o governo de Jair Bolsonaro, eleito em 2018 com apoio direto ou indireto dos grandes jornais e emissoras de TV, avalia que “a mídia tenta separar algo que é inseparável: tenta criar um mundo em que é a favor do que Guedes defende, mas é contra o que Bolsonaro defende. Não existe isso, é tudo um projeto de poder só”.

Leia a entrevista de Eduardo Moreira:

Por que apoia Guilherme Boulos?

O meu entusiasmo é anterior, até, a essa eleição. Acho que Boulos reúne características raras de serem vistas juntas. Tem conhecimento profundo da organização dos movimentos sociais, o que é um aprendizado muito grande, que reúne uma parte prática de fazer com que as coisas saiam do papel. Quem no Brasil trabalha em coordenação de movimentos sociais é um empreendedor, muito mais do que um monte de gente que se acha empreendedor de startup. É muito mais difícil no Brasil você conseguir fazer um movimento social, com tudo contra os movimentos sociais, do que montar uma startup na Faria Lima. O Boulos é um empreendedor de sucesso como poucos no Brasil.

Afinal, estamos na era do empreendedorismo…

E, além disso, ele tem um background acadêmico muito forte, em psicologia, filosofia, psiquiatria, e tem a proximidade a áreas de São Paulo que precisam de mais cuidado. Ele mora na periferia. É muito difícil você encontrar tudo isso. E agora mostrou uma outra qualidade que nunca tinha sido testada: é um aglutinador. Conseguiu fazer, talvez, para surpresa de muita gente, o que todo mundo estava esperando de Lula, Ciro. Mas essa capacidade de aglutinar veio do Boulos, que as pessoas achavam que era o mais radical de todos. Então, mostrou uma habilidade política louvável e rara, aqui no Brasil, principalmente no campo progressista.

Como tem visto o papel da mídia na abordagem da eleição na capital?

Existe descaradamente na grande mídia uma tentativa de eleger o Bruno Covas. Isso vai desde o editorial do Estadão – e ali pelo menos existe uma honestidade intelectual de assumir uma posição –, até, por exemplo, na Folha de S.Paulo, onde o Boulos saiu no primeiro turno de 4% das intenções de voto, foi até 16%, e nunca apareceu em manchete como tendo subido. Era o seguinte: “Covas subiu, Boulos marcou”; “Covas subiu, Boulos atinge”. Ele multiplicou por quatro vezes as intenções de voto sem nunca ter subido. Nunca apareceu na manchete. Quando empatou no segundo lugar, não aparecia na manchete também.

Nos últimos dias não, mas até agora era para o Covas mostrar propostas, mostrar o que fez, e para o Boulos se explicar de ataques. A cobertura da mídia foi absolutamente assimétrica e, na minha opinião, vergonhosa.

A mídia apoiou Bolsonaro em 2018, e continua apoiando hoje, pela agenda de Paulo Guedes. Mostram indignação com as posturas absurdas de Bolsonaro, mas a agenda econômica do governo é o que a mídia quer. É isso?

Cem por cento. E a mídia tenta separar algo que é inseparável. Tenta criar um mundo a favor do que Guedes defende, mas é contra o que Bolsonaro defende. Não existe isso, é tudo um projeto de poder só. Bolsonaro faz ficar mais visível o que esse projeto de poder encerra.

Se não tiver Bolsonaro, mas, por exemplo, o Centrão com Guedes, como é o projeto de Moro, de Doria, todos os projetos que envolvem o Centrão, mesmo que a pessoa tenha um discurso contrário, você vai ter uma sociedade cada vez mais desigual, com cada vez menos Estado.

E, inevitavelmente, com menos Estado você vai ter mais racismo, vai ter mais agressão, mais violência policial. Não existe, imaginar que você vai ter um país extremamente desigual sem racismo, com as pessoas sendo bem tratadas pela polícia. Não existe em nenhum lugar do mundo.

Alguns economistas capitalistas da atualidade já entenderam que, em vez de Estado mínimo, o capitalismo precisa na verdade de um Estado forte, como têm Alemanha, França, Inglaterra?

E antes da pandemia, esses países, Alemanha, França, Inglaterra e até os Estados Unidos viviam ondas enormes de reestatização do que foi privatizado e não deu certo. A gente está falando de quase mil casos de reestatização nos últimos 15 anos no mundo desenvolvido. “Ah, mas o Boulos vai reestatizar”… Não é o Boulos, a Alemanha está fazendo isso, a França, a Inglaterra. O que ninguém está fazendo é privatizar agora. Isso é uma agenda só do Brasil, que está querendo mirar em ser terceiro, quarto, quinto mundo. A gente já foi sexta economia do mundo, e já é a 12ª. Qual nosso objetivo? Ser a vigésima? A quinquagésima?

Mas Bolsonaro, como Trump, segundo análises, não têm vida longa, politicamente, porque não têm projeto, na verdade.

Sim, mas os personagens. A dúvida é: o que vem depois de Trump e Bolsonaro? É o Centrão? Ou é um mundo mais justo, mais progressista? Essa é a dúvida, porque muitas vezes a gente tem um efeito como nas eleições municipais no Brasil. “A gente arriscou, errou, vamos agora jogar no meio do caminho, e aí a gente cai no PP, no PSD, no MDB, no PL.” O que é tão perigoso quanto um Bolsonaro.

 

*Com informações da Rede Brasil Atual

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Agora: Lula e Eduardo Moreira discutem propostas sociais e econômicas para enfrentar o coronavírus. Assista

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o economista e ex-banqueiro Eduardo Moreira conversam, por vídeo, sobre a situação da pandemia de coronavírus no Brasil. Eles analisam as medidas que foram tomadas até agora. A falta de sintonia entre governo federal e estados e municípios para promover que assegurem o isolamento – inclusive ampliar a garantia de renda para que as pessoas fiquem em casa. A necessidade de investimentos em pesquisa e ciência. A responsabilidade do Tesouro de direcionar os recursos para salvar vidas sem ampliar o endividamento com os bancos.

Assista:

 

 

*Com informações da Rede Brasil Atual

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Eduardo Moreira: “Estamos em Guerra”

As recentes declarações do ministro da Economia, Paulo Guedes, escandalizaram não apenas as pessoas de bom senso, a militância de esquerda e a classe política, como também o “venerável mercado” que viu a moeda americana disparar.

As falas de Guedes, contudo, não surpreendem Eduardo Moreira que enxerga nitidamente qual o projeto de país elaborado pelo governo atual e quem de fato tem o poder nas mãos.

O engenheiro que já atuou no mercado financeiro, estudou economia na Universidade da Califórnia de San Diego, é autor de 8 livros e uma das vozes mais ativas da atualidade contra a desigualdade social.

Eduardo Moreira recebeu o DCM em seu escritório para conversar sobre AI-5, dólar, bancos e demais bolsonarismos.

DCM: Não dá para começarmos a entrevista sem mencionar o Paulo Guedes que, além de pedir para que ninguém se assuste se for pedido um novo AI-5, declarou que é bom nos acostumarmos com o dólar alto.

Eduardo Moreira: Antes de falar do dólar quero me ater a essa frase do AI-5. O Brasil é um dos países de maior desigualdade no mundo e, quanto mais desigual é um país, mais covarde é a elite dessa sociedade.

No sistema capitalista o estado natural é um estado de guerra entre as pessoas. A gente não consegue reconhecer essa guerra, pois as propagandas, as notícias que saem no jornal, não nos deixam perceber. Mas a verdade é que estamos em guerra.

Hobbes dizia que toda sociedade tem um contrato social para garantir a paz. Não é verdade. O contrato social é para controlar a guerra. Há uma diferença brutal entre uma coisa e outra.

Uma das únicas coisas que nos mantém em grupo é o Estado. É através dele, através dos impostos que cuidamos da saúde do outro, que construímos infraestrutura para todos, cuidamos da velhice das pessoas através da seguridade social. O que esse governo está fazendo? Está diminuindo o pedaço que está em paz e quer que tudo fique em guerra, desde que ele determine as regras. Assim uma sociedade sempre vai para a ruptura, assim começam as revoltas.

Olhe para a América Latina agora. Não à toa chegamos no nível máximo de desigualdade histórica e começaram a pipocar revoltas. Não estava tudo bem no Chile? Então quando essa ameaça de ruptura se avizinha, essa turma covarde começa a dizer essas barbaridades do tipo AI-5.

E em relação ao câmbio? Já tínhamos atingido a segunda maior cotação desde a criação do Real, ontem bateu novo recorde e o ministro diz que isso não é problema, que devemos nos acostumar. Acostumar a que exatamente?

As pessoas tendem a fazer um raciocínio simplista e simplório em relação a essas variáveis econômicas. ‘Ter o dólar alto é bom porque nosso produto fica mais barato fora do país’. Calma aí.

O problema é o seguinte: quando se tem um dólar alto desse jeito, você impede que se possa ter acesso a tecnologias fundamentais para uma economia tão defasada como a nossa.

A gente parou de investir em pesquisa, a economia está deprimida, parou de ter intercâmbio com outros países, acabou com o Ciência Sem Fronteiras, cortou verba para a educação. Tudo isso num momento de mundo em que tecnologia e conhecimento nunca andaram tão rápido.

Então, com um dólar nas alturas, você fica com uma economia que nada tem a fazer senão exportar grão de milho.

Continuaremos colônia?

É o projeto. É importante a gente entender aonde esses caras querem chegar. Tem países cujo câmbio é muitas vezes mais apreciado que o nosso e exportam pra todo mundo. Como conseguem? O que é mais importante, o preço da moeda ou a produtividade que a pessoa tem?

Se eu consigo produzir 10 vezes mais sapatos do que o outro com o mesmo investimento, meu câmbio pode estar 5 vezes mais apreciado que mesmo assim sou competitivo. O que importa é quanto eu consigo entregar pela mesma unidade monetária.

Ou seja, independentemente do câmbio, se não consigo produzir muito aqui dentro porque minha competitividade é baixa e defasada tecnologicamente, eu só consigo exportar matéria prima com zero de valor agregado.

E internamente? Novembro deve ter a menor inflação para o mês desde 1998 (prévia de 0,14% pelo IBGE).

Que o governo alardeia como se fosse uma grande conquista, né. Esse é o governo que manipula informação: ‘Ah dólar alto é bom, inflação baixa é bom’. A inflação está nesse patamar porque a economia está parada, porque as empresas estão quebradas, ninguém consegue vender nada. Temos que entender os reais motivos para as variáveis econômicas estarem se comportando como estão.

Como chegamos a isso? Um levantamento da Austin Ratings afirma que o PIB só deve sair do buraco em 2022, sendo o PIB per capita só se igualaria ao período pré-crise em 2023.

Isso vem do final do governo Dilma em diante. Vamos lembrar que o Brasil viveu durante os dois mandatos de Lula e início do governo Dilma uma situação que não tinha vivido na história recente.

Mas é um perigo olhar apenas quanto cresceu o país. Exemplo: o mundo cresceu em 2017 mais ou menos 3%. Mas 87% da riqueza gerada parou nas mãos do 1% mais rico e os 50% mais pobres ficaram com zero. O que isso quer dizer? Que existem dois mundos diferentes. Num desses mundos o PIB cresceu zero, no outro cresceu uma enormidade.

No Brasil, como país desigual, não se pode olhar apenas quanto o PIB cresceu. Destrinchar essa média é importante. Até o per capita que você citou. No país a gente tem o PIB per capita em torno de 25 mil reais por ano, mas temos alguns poucos indivíduos com milhões de reais por ano e vários indivíduos com mil reais por ano. A média não quer dizer nada.

Média é um perigo…

Sim. Temos 90% da população brasileiro em péssimas condições enquanto 1% está no ar condicionado.

Retomando sua pergunta anterior: o crescimento dos primeiros anos com o PT transbordou para as camadas mais pobres, mas o PT não foi capaz de criar diques de contenção para que a riqueza que chegou nas mãos dos mais pobres ficasse nas mãos deles. Faltou tapar os buracos do barco, faltou criar barreiras para que acumulasse a riqueza.

E como se faz isso?

Com reforma tributária progressiva e com uma possibilidade dos mais pobres usarem esse dinheiro para ter acesso aos meios de produção: comprar terra, comprar máquina, investir. Assim o dinheiro não apenas ‘passa’ pelas mãos.

Nos anos Lula a gente teve a impressão de que o dinheiro havia chegado nas mãos dos mais pobres, mas ele só ‘passou’ pelas mãos, não ficou. Já foi um avanço, nunca tinha passado, mas no primeiro momento de crise, como não foram criados mecanismos estruturais de redistribuição, esse dinheiro foi embora.

Mas é só isso?

Não. No período Dilma houve uma crise política que fez o país parar. Tivemos as principais empresas de um modelo econômico centralizador envolvidas.

Nosso risco estava muito concentrado. Tínhamos um percentual muito relevante do PIB ali na OAS, Odebrecht, JBS. Todas essas empresas foram jogadas no meio desse escândalo e pararam de receber investimentos do governo, pararam suas atividades de uma hora pra outra. A economia do país brecou.

Quando surgiu a perspectiva do impeachment a insegurança aumentou e daí a iniciativa privada parou de investir também.

Nosso PIB caiu quase 8% no período do impeachment, entre 2015 e 2016.

Como as despesas sociais se mantém e as receitas tomam um baque monstruoso, daí os abutres de plantão se aproveitam e colocam o país de joelhos. Começa o discurso que ‘estruturalmente o país sempre esteve quebrado, que nossa previdência sempre foi deficitária, que o Estado sempre foi inchado’ e propõem o seguinte: temos que transformar o sistema.

Como?

Transferindo tudo que temos de ativo público para a iniciativa privada a preço de banana. Usa-se a crise política para fazer o país refém da iniciativa privada.

No começo aprofunda-se a crise para dizer ‘olha, o país está quebrado’ e isso serve de justificativa para passar a emenda constitucional 95 de teto de gastos que proíbe o Estado de investir.

Você acentua a crise. O que iria gerar milhões de empregos não gerou emprego nenhum. O que dizem? ‘Ah, mas a mão de obra é cara no Brasil’, então passa a reforma trabalhista. Vão usando a crise. É maldoso, é cruel quando temos 50% de uma população com renda que não chega a 500 reais por mês.

Então, com essa população pobre em desespero, quase escravizada, sem direito nenhum, com ministros que são ex-banqueiros e donos de empresa, aí eles dizem: ‘agora vou começar a investir’. Por isso você vê um pequeno crescimento de agora que irá parecer maior por causa do efeito base.

Explique.

Quando algo cai de 10 para 2, caiu 80%, certo? Já quando sobe de míseros 2 para somente 4, subiu 100%. Então quando dizem ‘olha quanto o PIB cresceu’, eu digo ‘calma, você está comparando com aquele que estava no fundo do poço’.

Porque mesmo com esse efeito base em condições favoráveis, estmos com um crescimento de menos de 1%. Se pegarmos o relatório do FMI de junho do ano passado, antes da eleição, o fundo previu um crescimento de 2,5%, pois estávamos no buraco.

Ou seja, se esse governo entregar o previsto 0,8%, será um terço do previsto pelo FMI. É um desastre esse governo.

Os 5 maiores bancos do país fecharam 611 agências e demitiram 5.542 funcionários num período de 12 meses…

E você acha que as ações desses bancos subiram ou caíram? Me responda.

Acho que subiram.

Subiram. Então me diga, bolsa de valores é termômetro para dizer se a vida das pessoas está melhor ou pior? Bolsa é o lucro das empresas. Você acabou de dar o exemplo aí: os bancos mandaram um monte de gente embora, fecharam um monte de agências, pegaram o dinheiro que ganharam cobrando juros escorchantes de todo mundo, fazendo gente dar tiro na própria cabeça, e batem recorde de lucro.

Daí a bolsa sobe, a vida milhões de pessoas está destruída e tem gente que comemora isso como ‘economia melhor’ porque a bolsa está acima de 100 mil pontos.

O efeito mobile dos bancos irá concentrar ainda mais dinheiro?

Tudo que é proposto pelas elites é para aumentar seus lucros. Ponto. Não existe nenhum interesse de bem social pois não existe ‘grupo’, estamos em guerra.

A elite diz ‘ah, o melhor programa social que existe é gerar emprego’. Como ela diz isso e depois demite milhares de pessoas?

É porque aquele emprego é útil para ela. Você acha que o dono do Uber, quando puder colocar carro autônomo, não irá fazer com que esses empregos sumam de um dia pro outro? Claro que vai. Ele não monta Uber para gerar emprego porque é bom socialmente, não. Ele monta para explorar a força de trabalho que está a preço de banana em função do desemprego alto, e explora pelo tempo que precisa até não precisar mais.

Dilma caiu por bater de frente com os bancos?

Acho que é um dos motivos. O outro é que para a elite é nitidamente melhor ter um governo dela do que um de esquerda.

Enquanto existia um líder de esquerda que satisfazia as condições mínimas para que essa elite continuasse ficando cada vez mais rica, tendo mais lucro, estava tudo bem. E vamos lembrar que era difícil tirar Lula, ele saiu com quase 90% de popularidade. Mas quando Dilma ficou fragilizada pela crise política instaurada, viu-se a chance de tirar a esquerda do poder para colocar uma turma que representa as elites diretamente. Foram pra cima com tudo.

Mas não é um tiro no pé os bancos provocarem isso? Uma quebradeira de empresas enormes, clientes gigantes que depois ficarão devedores, falidos. Não é uma contradição?

É que você está com uma visão de longo prazo e isso não existe mais hoje em dia no mundo corporativo.

Os executivos das empresas hoje são remunerados com stock options, com phantom stocks, com bônus que são referentes ao último ano. Então tudo que puderem fazer para garantir um bônus enorme no próximo ano sem se preocupar com os próximos 4 anos, irão fazer. Executivos não são os donos das empresas, eles não estão nem aí para o longo prazo.

Segundo ponto: o modelo brasileiro de geração de riqueza. Os bancos sabem que ainda têm muito para sugar, pois o Brasil tem uma riqueza enorme. A gente ainda tem pré-sal, minério, terra cultivável, sol pra energia, costa pesqueira, a gente tem tanta geração de riqueza que os deixa apáticos diante dessa situação desigual social.

O agronegócio…

As pessoas dizem ‘o agronegócio foi responsável por tantos por cento do crescimento do PIB’. Eu respondo: ‘você está olhando para a média de novo’.

Uma terra de milhares de hectares, que é propriedade de uma família só, que não emprega quase ninguém pois é tudo automatizado e que produz matéria prima que vai pra fora do país.

Em troca disso ele compra títulos da dívida pública que vai ser pago com os impostos pagos pelos mais pobres. Ele não reteve imposto, pois exportar é isento. Essa turma também faz investimentos livre de impostos, como LCAs. Ou seja, não matou a fome de ninguém no Brasil e tem gente super feliz porque ‘o PIB cresceu’.

Mas não se vê que também aumentou o sistema da dívida brasileira, alimentando esse monstro de transferência de renda no país.

Há uma “sabedoria popular” muito disseminada – entre os meios acadêmicos inclusive – que martela a frase “a desigualdade em si não é um problema”. Não é mesmo?

Essa frase é tão estúpida. Os economistas gostavam de bater em mim usando essa frase com o complemento ‘o problema é a pobreza’.

Claro que é um problema, porque matematicamente a conta não fecha! Se você pegar a distribuição de riqueza e de renda no mundo hoje e tentar fazer com que essa distribuição não deixe ninguém na miséria extrema, sabe quantas vezes a economia mundial precisaria crescer mantendo essa desigualdade? 175 vezes. Isso não é 175% não, é 17.500%.

Ou seja, não tem solução matemática, o sistema atual é dependente da pobreza. A conta não fecha se você não combater a desigualdade.

Então o que estão começando a falar agora? O que o Armínio Fraga está falando? ‘Temos que combater a desigualdade’, ou seja, se renderam. Estão vendo o que aconteceu no Chile, na Argentina.

Aproveitando que citou o Chile, quanto tempo leva para essas medidas neoliberais que estão sendo replicadas aqui explodirem como lá?

Depende. O mundo está próximo de um soluço. Há uma disputa entre China e EUA. Se o mundo der uma engasgada agora, o Brasil entra em convulsão muito antes do que demorou no Chile. Lá levou uma geração e meia, aqui a coisa pode estourar em 2 ou 3 anos.

A maquiagem dos números é que vai enganar a população até esse negócio estourar, então é difícil prever quando, mas que estoura não há dúvida. Não tem como não estourar. Eu te garanto que no médio prazo não tem como esse modelo diminuir a desigualdade, é matemático.

 

 

*Mauro Donato/DCM

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‘Meus dias em Curitiba’, o relato de Lula sobre o tempo na prisão

Sou muito agradecido às manifestações dos artistas. Tenho visto pelo pen drive shows no mundo inteiro. Aliás, acho que o PT e os movimentos sociais deveriam fazer da questão cultural uma das bandeiras mais importantes. A gente não pode deixar que esses caras destruam a cultura. A cultura não tem propriedade do Estado. A cultura é uma prioridade da sociedade – ela que se aproveite da cultura e a criatividade que o nosso povo tem nesse país. Não podemos abdicar disso.

Por Luiz Inácio Lula da Silva*

“Quando eu vim para cá, algumas pessoas me aconselharam a escrever um diário. Eu sinceramente não achei vantajoso escrever, eu sozinho, vivendo sozinho todo dia. Ia escrever o quê? “Hoje, fui no banheiro, acordei cedo”. Li o diário do Mandela na cadeia. Li a biografia de muita gente, do Getúlio, do Marighella, do Padre Cícero de Juazeiro, do Gandhi, do Roosevelt. Acabei de ler a Biografia a Duas Vozes, do Fidel Castro.

Uma coisa que me interessa muito é ler sobre a escravidão. Estou aprendendo porque o Brasil é do jeito que é, porque ainda existe preconceito. Sempre gostei muito de música e estou ouvindo bastante, recebo um pen drive com músicas. Gosto muito de samba, ouço Chico, ouço Caetano, o Gil, ouço muitas músicas daquelas, como chama, cânticos gregorianos. Às vezes, eu durmo com cantos gregorianos. Eu recebo muita coisa. E muito debate também.

Peço a alguns companheiros que gravem análises de conjuntura para mim. Então, às vezes o João Paulo [do MST] grava uma análise de conjuntura, às vezes o Genoíno me grava, a [Marilena] Chauí me grava, o [Luiz] Dulce me grava, a Gleisi [Hoffmann] me grava, o Jessé [de Souza], o Eduardo Moreira, o Aloizio Mercadante. Eu vou pedindo às pessoas, que vão gravando.

Como não tem o que fazer, sento para ler, ou sento e fico vendo as pessoas falarem, fico discutindo sozinho com as pessoas, discordando das pessoas. Às vezes, fico puto como as pessoas falam bobagens a meu respeito. E não estou lá para dizer: “Não é assim, rapaz”.

Assim vou vivendo. Eu vou dormir por volta de meia-noite, 1 hora da manhã. Acordo todo dia às 6h30, faço meu café, faço um café de qualidade. Acho que não tem ninguém que faça um café melhor do que eu.

Quero que vocês saibam que essa história de eu falar que vou casar é verdade. Na verdade, encontrei uma meia cara que está me ajudando a vencer essa barreira aqui. Então, não vou deixar a solidão tomar conta de mim, não vou deixar o ódio tomar conta de mim, não vou desanimar, não vou ficar deprimido. Não conheço a palavra depressão. Se já tive, não sei.

Como fui corintiano e fiquei 23 anos sem ganhar um título, perdendo para o Santos 15 anos consecutivos, vendo Pelé humilhando o Corinthians – eu ia ao estádio, chegava lá e dava 3 a 0, 4 a 0 –, então acho que não vou ter depressão. Tenho certeza, posso dizer para vocês comunicarem o pessoal lá fora, que vou sair mais maduro, mais preciso naquilo que quero fazer – vou sair mais lutador do que fui.

Estou bem fisicamente. Obviamente que sei que a natureza é implacável, mas como me decidi que vou viver até os 120 anos, que a “Caetana” não venha bater na minha porta, que não tem espaço para ela entrar [referência ao livro A Moça Caetana – A Morte Sertaneja, de Ariano Suassuna”]. Tenho muita coisa para fazer ainda.

Então, estou assim, nesse momento da minha vida. Obviamente, fico sonhando em sair daqui, decidir onde vou morar. Quando deixei a Presidência, tinha vontade de morar no Nordeste, vontade de voltar para meu Pernambuco, vontade de morar não perto da praia, mas num lugar em que pudesse ir à praia. Pensava em ir para Bahia, Rio Grande do Norte, mas a Marisa não quis ir porque ela nasceu em São Bernardo [do Campo], e o mundo dela era São Bernardo. Eu não tenho mais o que fazer em São Bernardo.

Não sei para onde ir, mas quero me mudar para outro lugar. Quero viver. Espero que o PT me utilize, espero que a CUT me utilize, espero que os sem-terra me utilizem, espero que os LGBT me utilizem, espero que os quilombolas me utilizem, espero que as mulheres me utilizem, espero que todo mundo me utilize para fazer com que eu tenha utilidade nessa minha passagem pelo planeta Terra.

Vou sair daqui tranquilo. Não vou dizer que cumpri minha missão, mas vou sair daqui tranquilo, como cidadão consciente do seu papel na história.

Sou muito agradecido às manifestações dos artistas. Tenho visto pelo pen drive shows no mundo inteiro. Aliás, acho que o PT e os movimentos sociais deveriam fazer da questão cultural uma das bandeiras mais importantes. A gente não pode deixar que esses caras destruam a cultura. A cultura não tem propriedade do Estado. A cultura é uma prioridade da sociedade – ela que se aproveite da cultura e a criatividade que o nosso povo tem nesse país. Não podemos abdicar disso.

É isso que vocês vão levar daqui. Quero que vocês digam para todo mundo que estou bem, estou muito disposto a brigar. Tenho certeza de que o Moro não dorme com a consciência tranquila como durmo. Tenho consciência de que o Dallagnol está precisando tomar remédio para dormir, talvez tarja preta, porque ele sabe que é mentiroso, ele sabe que foi canalha no meu processo. Estou aqui, para a raiva deles.

Porque acho que eles ficam com mais raiva quando eles percebem que estou bem. Então, muito obrigado. Quero que vocês transmitam um abraço a todo mundo. Quando sair daqui, espero que a gente faça uma boa entrevista – e um churrasco.

Há um livro que li que me impressionou muito, chamado Um Defeito de Cor, de uma moça chamada Ana Maria Gonçalves. Eu li Escravidão, do Laurentino Gomes, muito bom. Eu tenho lido muito. Li, da escravidão, O Alufá Rufino [de Flávio dos Santos Gomes, João José Reis e Marcus J. M. de Carvalho]. É muito bom. É um tema que me apaixonou, porque nunca consegui entender.

Não sei se vocês lembram, quando eu era presidente, a gente tentou, foi aprovada uma lei, o Fernando Haddad [então ministro da Educação] deve se lembrar disso, para ensinar a história africana no Brasil, que era umas formas que eu achava que a gente iria vencer o preconceito nesse país. Não sei se aconteceu. Pelo que estou vendo, até universidade afro-brasileira está sendo destruída lá em Redenção (CE). Acho que eles estão desmontando isso. Mas estou aprendendo muito. As pessoas são muito generosas, as pessoas mandam muitos livros, muito material importante.

Esses dias, recebi uma cartinha bonita daquela menina que está em Oxford e participou da equipe daquele médico que ganhou um prêmio Nobel de Medicina; uma menina do Rio Grande do Norte que está com ele, é brasileira. Ela mandou uma cartinha bonita. Eu recebo muita coisa bonita, muita gente generosa.

Eu não sei se vou ter força para abraçar todo mundo quando eu sair daqui. Se a minha bursite não voltar…”

* Luiz Inácio Lula da Silva foi presidente do Brasil (2003-2010). Está preso injustamente em Curitiba desde abril de 2018

Este depoimento é baseado na entrevista que Lula concedeu nesta semana ao Brasil de Fato.

 

*Do DCM