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Vídeo: Mangueira dá uma chinelada no bolsonarismo

“E se fôssemos ensinados, desde criança que Jesus também poderia ser uma mulher, será que o Brasil estaria no topo do feminicídio?” (Evelyn Bastos)

Muito mais do que uma disputa política, do ponto de vista eleitoral, a Mangueira produziu, na maior manifestação cultural do mundo, os temas que são especialidade da escola, as várias formas de segregação que as camadas mais pobres da população estão sofrendo com um governo que nega cidadania aos negros, aos índios, aos gays e às mulheres, o que sintetiza a própria imagem de Bolsonaro, mas sobretudo do bolsonarismo, que consegue ser muito pior do que a criatura que ele pariu, porque, antes de qualquer coisa, não se pode perder de vista que o bolsonarismo é um vírus que sofreu mutação política depois de ter o PSDB como nascedouro dessa onda de ódio que conduziu uma pessoa inclassificável como Bolsonaro à Presidência da República.

Talvez seja esse o grande problema a ser enfrentado pela sociedade, a imposição de limite ao ódio de classe que, potencializado pela grande mídia, principalmente pela Globo, contra qualquer causa social que ameace o poder das oligarquias.

Baianas da Mangueira vieram fantasiadas como orixás crucificados

A Mangueira, com um dos sambas enredo mais bonitos de 2020, tem autoridade para colocar esse tema tão urgente na avenida, porque sua história se confunde com as marcas de um modelo de civilização herdado da escravidão e que marcou o próprio território e que marca até hoje as relações entre o Estado e a comunidade.

O cálculo político da Mangueira foi perfeito, Jesus, a quem os hipócritas bolsonaristas rogam e do qual Bolsonaro faz uso político, foi apresentado de várias formas em seu sentido mais profundo, mostrando que a situação dos negros, dos índios, dos gays e das mulheres, no Brasil, é idêntica ao que Jesus sofreu por ser pobre e ter levantado a voz contra as injustiças, pagando com o próprio martírio da crucificação.

Quando o Presidente da República chama de herói Adriano da Nóbrega, um miliciano que assassinou um flanelinha por ter denunciado a milícia, no dia seguinte da denúncia, ele sublinha a questão central da crítica que a Mangueira trouxe, assim como todos os Cristos representados pelos oprimidos que a Mangueira soube muito bem destacar na avenida, respaldada em dados reais, do aumento significativo da violência contra esses Cristos, com a chegada de Bolsonaro ao poder e o esgoto bolsonarista que cerca essa visão de mundo baseada no ódio ao outro.

O que não se pode esquecer é que os governadores Dória e Witzel, que promoveram os maiores massacres, com suas PMs, nas favelas e periferias de São Paulo e Rio de Janeiro, são frutos do  bolsonarismo e se elegeram na carona do fascismo tropical e, logicamente, da hipocrisia cordial, baseada numa falsa legalidade inspirada nas práticas de Moro e de seus comandados da Lava jato. Por isso, não por acaso, ele é o Ministro da Justiça e Segurança Pública do governo Bolsonaro.

A Mangueira sintetizou, de forma precisa e organizada, o desfile que denuncia os elementos característicos do bolsonarismo que condena as pessoas consideradas socialmente inferiores, a partir de sua régua, respaldado na ideia de que o governo precisa organizar o país na base do racismo, do preconceito e da discriminação para se chegar à condição celeste de ser a pátria do evangelho, na ótica dos opressores contra os oprimidos.

https://twitter.com/GeorgMarques/status/1231907007449444352?s=20

 

*Carlos Henrique Machado Freitas

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Professor negro agredido diz: “As pessoas perderam a vergonha de serem racistas”

No Dia da Consciência Negra, Juarez Xavier, 60 anos, foi chamado de macaco e golpeado duas vezes com um estilete por um desconhecido.

O professor universitário Juarez Xavier, 60 anos, dá aulas no curso de Jornalismo na Unesp (Universidade Estadual Paulista) desde 2011. Querido por estudantes e colegas da universidade, Juarez é aguerrido na militância da luta antirracista, tanto que coordena o Núcleo Negro da universidade. Nesta quarta-feira (20/11), Dia da Consciência Negra, o professor foi vítima de racismo e de agressão de um desconhecido.

Juarez foi chamado de “macaco” na rua. Ao tirar satisfação, ele levou dois golpes de estilete e cinco pontos nos dois ferimentos (três nas costas e dois no ombro). Mais do que os ferimentos físicos, o professor conta que o caso evidencia a “intolerância tirada das cavernas”.

“É um ato absurdo e estimulado pelas eleições passadas. As pessoas perderam a vergonha de serem racistas e preconceituosas”, define Juarez à Ponte.

Pergunta. Em qual momento aconteceu a ofensa e a agressão?

Resposta. Eu estava voltando do médico, fui marcar uma consulta. Vinha andando para casa em Bauru e esse homem estava apontando algo para mim, parecia uma chave de carro ou controle de portão. Fiquei aguardando ele passar por mim, estava sendo muito ofensivo, fiquei olhando para ele. Em seguida, atravessou a rua, levantou as mãos e me chamou de macaco. Minha reação foi a de tirar satisfação para saber por qual motivo ele tinha me chamado daquela forma. Aí ele já virou com a faca na mão. Veio para me agredir, tentei contê-lo, joguei no chão e segurei as mãos, só depois vi que tinha sido acertado no ombro esquerdo e do lado direito das costas. Na hora não consegui ver. Chegaram as pessoas, ele foi contido, preso, e eu fui para a UPA fazer todo o tratamento e, em seguida, registrar o boletim de ocorrência.

P. Qual a gravidade dos ferimentos?

R. Uma surpresa ele não ter me atingido dessa forma, não foram profundos, coisa de dois centímetros. Pegou no músculo do braço e na parte superior nas costas, perto de áreas de vulnerabilidades. Um palmo para cima e era no meu pescoço. Seria algo mais grave. Os médicos classificaram as lesões como de porte médio. O tratamento é tranquilo, ontem [quarta-feira] fizeram ponto, três nas costas e dois no braço, estou tomando medicamento e aplicaram vacinas antitetânicas e outras. É um procedimento básico feito com feridas de armas brancas. Passei por tudo, as pessoas foram super atenciosas. Não estou tendo dor, mas quando baixou a adrenalina tive desconforto.

P. É mais impactante a agressão ter acontecido no Dia da Consciência Negra? Juarez logo após notar que havia sido ferido com um estilete.

R. Foi grave e na data… Foi mais emblemático por isso. Tive uma surpresa. Quando ele me xingou, pensei que se tratava de provocação banal no Dia da Consciência Negra. Eu tinha postado uma palavra de ordem internacional nas redes sociais, que diz: “macaco é macaco, banana é banana, e racismo é crime”. Não era uma pessoa que eu conhecia nem nada. Houve série de reportagem dizendo que chamar negros de macaco é ofensivo, o que pode ter estimulado ele a fazer o que fez. Foi um ato de provocação ostensiva em pleno dia. Ele sabia a natureza do dia, sabia como poderia ser ofensivo. Chamou a atenção como aconteceu e eu agi como qualquer militante antirracista agiria: fui tirar satisfação. Não imaginei que ele pudesse estar armado. Não quis ficar de costas, poderia ser pior. Lembrei do que aconteceu com o Mestre Môa [morto por um eleitor de Jair Bolsonaro na Bahia]. Tentei conter, pensei que tivesse sido bem sucedido, mas não senti absolutamente nada. E, quando fui tomar um copo d’água, vi que estava sangrando. É uma situação de grande estranhamento, mas entendendo a natureza do racismo do Brasil, essa coisa estrutural, isso tem afetado negros no país todo.

P. O que aconteceu com seu agressor?

R.Teve audiência de custódia. Fui informado que o rapaz pagou fiança e saiu. É algo extremamente grave estar em liberdade e nós vamos manter o argumento de que foi uma tentativa de homicídio atrelada ao crime de racismo, que é um crime inafiançável. Ele respondeu por lesão corporal e injúria racial, pagou um salário mínimo [R$ 998,00] e está de volta às ruas.

P. Você considera que o discurso de ódio e ataques que dominou o período eleitoral e se manteve em seguida incentiva este tipo de atitude?

R. Não tenho dúvida! É um fenômeno mundial desde 2008: a Alemanha tem tido isso com partido nazifascista, aconteceu na Itália e foi assim no Brasil. O tratamento dado pela imprensa foi ruim em captar essa extrema direita da forma como fez. Estimulou as pessoas a perderem a vergonha de serem racistas e preconceituosas. Tem um artigo na Folha de São Paulo, do deputado federal Hélio Lopes (PSL-SP), negando racismo no Brasil. Isso só mostra como é necessário haver o enfrentamento da questão racial. As eleições estimularam esse grupo, deram argumentos e criaram coragem para saírem das cavernas. É uma intolerância tirada das cavernas. É um ato absurdo e, sem dúvida, estimulado desde as eleições presidenciais. É fundamental para a defesa do estado democrático de direito garantir os direitos da população negra. O combate ao racismo é importante com políticas públicas que assegurem, também, as lutas de enfrentamento ao machismo, mantenham todas as conquistas dos negros, mulheres, LGBT+, etc. Precisamos manter e alcançar mais conquistas.

 

 

*Do El País