Um dos integrantes do núcleo que compõe o chamado “gabinete do ódio“, grupo de assessoramento e mobilização paralelo de ações prol governo, embarcou em uma viagem oficial de Jair Bolsonaro aos Emirados Árabes para comprar um programa espião. O DarkMatter estava à mostra durante o evento Dubai AirShow, realizado em novembro de 2021. Segundo reportagem dos jornalistas Jamil Chade e Lucas Valença, do portal UOL, o especialista é ligado ao vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos), filho do presidente, e teria negociado a compra da ferramenta para uso do grupo durante campanha eleitoral, informa o Congresso em Foco.
As negociações, ainda conforme a matéria, foram feitas por um perito em inteligência e contrainteligência do governo federal, que tratou diretamente com os israelenses em uma sala privativa cedida pelo governo de Israel. As tratativas não foram finalizadas. As informações foram obtidas a partir de uma fonte do governo que também integrou parte da comitiva presidencial durante a viagem.
O DarkMatter é um programa criada por um grupo de hackers de elite vinculados ao exército de Israel. A empresa tem sede em Abu Dhabi e conta com sistema que tem capacidade para invadir computadores e celulares, inclusive quando os aparelhos estão desligados.
Essa não teria sido a primeira tentativa do grupo paralelo, apontado por disseminar notícias falsas e atacar opositores ao governo, de adquirir um programa de espionagem em nome do governo brasileiro. Fontes ligadas ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e à Agência Brasileira de Inteligência (Abin), afirmaram aos repórteres que o “gabinete do ódio” mantém conversas com a Polus Tech, dona da ferramenta Pegasus, bastante reconhecida por seu potencial espião.
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Há muito chamamos a atenção aqui para o fato de que Bolsonaro tem por costume agir como os velhos punguistas, batedores de carteira que gritam, pega ladrão!
Esse golpe tem uma limitação intelectual imensa, mas também pode ter uma grande eficiência. Bolsonaro passou a vida, como deputado, utilizando essa prática punguista, daí suas sucessivas reeleições e, de lambuja, ainda enfiou três filhos na política para sugarem gostosamente as tetas do Estado e se autointitulam de nova política.
E aqui nem entraremos na questão que envolve as chamadas rachadinhas que, na verdade, não passam de formação de quadrilha e peculato. O ponto aqui é a gritaria antecipada de Bolsonaro de uma possível fraude eletrônica nas eleições.
E Janio de Freitas com muita precisão, desenha com todas as cores, o que está por trás do jogo do clã Bolsonaro, tendo Carlos como ponta de lança.
O artigo de Janio na Folha é fundamental, diria mais, decisivo, pois joga luz na tentativa de trapaça de Bolsonaro usando como arma aquilo que ele acusa os outros, como é tática de um punguista:
“Justificada suspeita reforçou a preocupação, retornada em crescendo duas semanas antes, com o golpismo anti-eleitoral. Nas formalidades, quem viajou à Rússia e à Hungria levava o título de presidente; na verdade, quem procurou Putin e Orbán foi o pretendente à reeleição.
Convidado há tempos, Bolsonaro só agora foi a Moscou por seu interesse em contar com a interferência cibernética dos russos na disputa eleitoral. Ao fascista, foi por tê-lo como seu orientador de golpismo, com intermediação mensageira de Carlos Bolsonaro.
A interferência de Moscou na derrota de Hillary Clinton para Trump, por cerrada emissão de fake news ao eleitorado americano, se feita no Brasil seria indefensável, como tem provado a indiferença do simples Telegram às restrições da Justiça Eleitoral. A ação russa nos Estados Unidos tornou-se a mais escandalosa, mas várias outras foram constatadas. Com os resultados pretendidos.
Os propósitos de transgredir a eleição brasileira ficaram comprovados com a tentativa de compra, por Bolsonaro, do equipamento Pegasus. Criado em Israel, é invasor de qualquer aparelhagem, para captar o uso ou introduzir os chamados conteúdos, mesmo que encontre as melhores defesas. Os israelenses vivem um escândalo de sustos e temores com a descoberta de que governantes, parlamentares e figuras de destaque, em número alto e ainda incompleto, estiveram invadidos desde o período de Netanyahu. O Pegasus opera equipamentos alheios com mais eficiência do que os donos.
Os israelenses disseram que a venda aos Bolsonaro foi recusada. Ao que se pode opor, primeiro, a absoluta inconfiabilidade de quem criou, produz, vende ou usa esse aparelho diabólico. Desde a promessa de mudança da embaixada brasileira para Jerusalém, Bolsonaro alimenta, não à toa, a relação com a direita extremista de Israel, sólida no poder e sem cerimônia no uso de seus recursos contundentes. E, se feita a venda em uma das investidas dos Bolsonaro, é óbvio que os dois lados a negariam. Não se sabe se o Pegasus será, ou não, disputante eleitoral em outubro. Em alguma escala, é provável que sim.
Apesar de motivo da preocupação, a interferência russa é incerta, até improvável, talvez. Para a batalha de hostilidades entre ocidentais e Rússia, os diferentes Lula e Ciro seriam melhores do que os iguais Bolsonaro e Moro. A inserção soberana do Brasil no contexto das decisões mundiais, obsessão de Lula, só não é conveniente para poucos, Estados Unidos à frente, sua serviçal Grã-Bretanha e adendos tipo Austrália. É possível que algum mais, digamos, por concorrência comercial, sabido que Bolsonaro é garantia de retrocesso em todas as atividades positivas. Marginal, cercado de ignorâncias negacionistas, ridicularizado, Bolsonaro nada significa no nível em que Putin faz sua esgrima.
Até que comece a campanha fervente, é mais a cibernética da direita extremista de Israel, e menos a cibernética eleitoreira da Rússia, que deve engrossar a expectativa de diferentes violências na disputa pela desprestigiada presidência brasileira.”
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O governo de Jair Bolsonaro está sendo criticado por delegações estrangeiras por ter esvaziado uma resolução proposta na ONU pela defesa da privacidade e contra a vigilância ilegal. Diante de escândalos como o do uso do Pegasus por parte de autoridades, a esperança nas Nações Unidas era de que o texto que será submetido à votação viesse com determinações significativa para tentar impedir o uso de tais mecanismos por parte dos estados, além de uma abertura de uma investigação.
Na condição de anonimato, diplomatas estrangeiros apontaram que uma resistência do Brasil em aceitar esse caminho levou a resolução a ganhar apenas uma versão mais suave no Conselho de Direitos Humanos da ONU, sem determinar moratórias para o uso de instrumentos de vigilância ou a abertura de processos formais de investigação.
Desde as escutas ilegais realizadas pelo governo americano contra líderes internacionais, entre elas Dilma Rousseff, Brasil e Alemanha assumiram a iniciativa de apresentar anualmente uma resolução na ONU para insistir sobre a necessidade de que a privacidade seja respeitada e tratada como um direito humano.
Neste ano, porém, a pressão de diferentes governos era de que o texto da resolução também trouxesse elementos sobre os sistemas de espionagem.
Mas quando a primeira versão do rascunho da resolução foi apresentada, negociadores e diplomatas lamentaram a ausência de qualquer tipo de referência a uma condenação contra o uso por parte do estado de instrumentos eletrônicos de espionagem. Segundo a coluna apurou, o motivo para a ausência de uma linguagem mais forte foi a recusa do governo brasileiro em defender tal medida.
Na condição de patrocinador principal da resolução, o governo brasileiro tem influência decisiva na redação do texto.
O Itamaraty explicou, em nota à reportagem, que o Brasil é coautor da resolução sobre privacidade na era da internet tanto no Conselho de Direitos Humanos na ONU, assim como na Assembleia Geral da ONU.
“O texto do projeto acordado pelo grupo central do Conselho de Direitos Humanos contém parágrafos que tratam de problemas ligados à indústria privada da vigilância e outros tópicos”, disse a chancelaria brasileira.
De acordo com o Itamaraty, o texto da resolução pede que a Alta Comissária para os Direitos Humanos faça um relatório sobre “os desdobramentos recentes no tocante ao direito à privacidade na era digital, inclusive no que concerne ao tema de “vigilância”.
“Com relação ao texto em discussão, o Brasil pondera que resoluções sobre privacidade relacionadas à ação estatal, inclusive “vigilância de estado”, deveriam ser examinadas no âmbito da Assembleia Geral da ONU.
“Desse modo, as resoluções no Conselho de Direitos Humanos e na Assembleia Geral da ONU tratariam de diferentes aspectos, igualmente importantes, relacionados à proteção do direito à privacidade”, afirma.
Dentro da ONU, a iniciativa é considerada como insuficiente. Nesta semana, o comissário de Justiça da UE, Didier Reynders, afirmou diante do Parlamento Europeu que a Comissão Europeia “condena totalmente” as supostas tentativas dos serviços de segurança nacional de acessar ilegalmente informações sobre oponentes políticos através de seus telefones.
“Qualquer indicação de que tal invasão de privacidade realmente ocorreu precisa ser investigada minuciosamente e todos os responsáveis por uma possível violação têm que ser levados à justiça”, disse. “Esta é, naturalmente, a responsabilidade de cada um dos estados membros da UE, e espero que no caso do Pegasus, as autoridades competentes examinem minuciosamente as alegações e restabeleçam a confiança”, completou.
O Pegasus, sofisticado programa de espionagem israelense, virou notícia no mundo por ter sido utilizada por governos para espionar jornalistas, ativistas e inimigos políticos dos chefes de estado. Segundo um consórcio de 17 jornais de dez países, ao menos 180 jornalistas chegaram a ser monitorados por meio do sistema Pegasus.
No Brasil, depois de revelações do UOL em maio sobre o lobby feito pelo vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) pelo sistema, a fornecedora abandonou licitação do Ministério da Justiça e Segurança Pública. O sistema também despertou interesse de procuradores da agora extinta força-tarefa da Lava Jato.
A resolução será colocada à votação no início de outubro, em Genebra.
*Jamil Chade/Uol
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Ao tentar trazer para o Brasil a poderosa ferramenta de espionagem Pegasus, da desenvolvedora israelense NSO Group, o vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos), filho “02” do presidente da República, também planejou importar um outro programa, também de Israel, conhecido como Sherlock, informou ao UOL uma fonte ligada ao GSI (Gabinete de Segurança Institucional). A informação foi confirmada por outras fontes, inclusive por um ex-representante da Candiru, empresa desenvolvedora do sistema.
Enquanto o Pegasus funcionaria para alimentar com informações externas ao governo a chamada “Abin paralela” (em referência à Agência Brasileira de Informações, responsável pelo serviço secreto do país), o Sherlock seria utilizado para monitorar o próprio governo.
Voltado principalmente para hackear celulares, o Pegasus também possui um sistema para invasão de computadores, mas há o entendimento no Ministério da Justiça de que existem programas melhores para esse tipo de tarefa.
Dentre as ferramentas para espionagem de computadores e laptops está o Sherlock, mais precisamente o submódulo do sistema apelidado de Devil’s Tongue (no português: língua do diabo). Carlos Bolsonaro, inclusive, utilizou a primeira viagem presidencial a Israel, ainda em março de 2019, para tratar do sistema com representantes da empresa em Tel Aviv.
O contato direto teria sido feito pelo senador Chico Rodrigues (DEM-RR), que utilizou um tradutor em um encontro na capital do país do Oriente Médio. Ele integrou a comitiva presidencial.
Em um discurso feito no dia 4 de abril de 2019, Rodrigues prestou contas no Senado e disse que a viagem serviu para “promover a cooperação” entre os países nas áreas de segurança pública e Defesa. “Como todos sabem, Israel tem um sistema extremamente avançado nessas questões de segurança pública e defesa”, disse o parlamentar à época.
Na viagem, o GSI também assinou um memorando de entendimento na área de “cyber segurança” com o órgão correspondente em Israel. O memorando de intenção teve o sigilo classificado e até hoje não foi divulgado.
A ferramenta Sherlock
O Sherlock, por meio do Devi’ls Tongue, aproveita falhas no Windows, utilizando-se de “bugs” do sistema operacional para invadir as máquinas. A maioria dos computadores do governo utiliza o programa da Microsoft.
Diferentemente do Pegasus, porém, o Sherlock não seria utilizado pelo governo como um “spyware” contra jornalistas, ativistas e desafetos políticos. O Sherlock serviria, sim, para municiar os Bolsonaros contra possíveis problemas internos no governo.
Desde a transição da gestão Temer, ainda no fim de 2018, a família presidencial tem desconfiado e se preocupado com servidores e funcionários públicos que atuam no próprio Planalto e nos anexos. A ferramenta espiã, então, poderia ser utilizada para monitorar funcionários que manteriam contato com jornalistas e ativistas considerados “inimigos” pela atual gestão.
O programa também é de fácil manuseio, já que bastaria plugar um simples pen drive em qualquer computador do Planalto para comprometer todo o sistema de rede da sede da Presidência da República (o que inclui o prédio principal e os anexos). Isso porque o cabeamento físico do prédio é conectado, o que permitiria, com facilidade, ao Sherlock invadir todo o sistema da Presidência.
Alvos
Os alvos da família, segundo a fonte do GSI, seriam as principais secretarias com status de ministério, sediadas no 1º, 2º e 3º andares do Planalto. Dentre elas estão a Casa Civil, o próprio GSI, a Segov (Secretaria de Governo), a Secretaria-Geral da Presidência, a Secom (Secretaria de comunicação), entre outras estruturas governamentais.
Dessa forma, a utilização da ferramenta faria a chamada “Abin paralela” monitorar servidores de praticamente todo o governo, já que todas as informações estratégicas e de relevância acabam passando pelas secretarias e pastas instaladas dentro do edifício principal.
Esse envio de informações seria ilegal, pois fragilizaria a segurança nacional, sem a possibilidade de fiscalização dos órgãos de controle.
Fontes do serviço de inteligência afirmaram à reportagem que, apesar do interesse de Carlos Bolsonaro, não houve processo para a aquisição do Sherlock. Riscos e discordância de militares
Essa concentração de informações estratégicas em um organismo paralelo, sem ligação direta com o Estado e sem controle de órgãos de fiscalização, porém, também gerou um conflito com parte da cúpula militar do governo Bolsonaro, assim como quando houve a tentativa de aquisição do Pegasus.
Militares ligados ao general Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria de Governo, entendem que, como o monitoramento feito pela “Abin paralela” ocorreria fora do Planalto, as informações obtidas também seriam guardadas fora da rede de proteção do Estado, o que fragilizaria a segurança nacional.
Em uma reunião sigilosa no Quartel-General do Exército em junho de 2019, para tratar da invasão ao celular do então ministro da Justiça Sergio Moro, foram apresentadas a militares com influência no alto comando, incluindo o general Santos Cruz, duas ferramentas de espionagem.
Segundo uma fonte que participou do encontro, uma delas se tratava justamente do sistema Pegasus. Ao se deparar com a poderosa ferramenta, Santos Cruz teria proferido críticas ao programa.
A reunião dos militares, porém, chegou ao conhecimento do filho “02” do presidente Jair Bolsonaro, Carlos. Sete dias depois, a demissão de Santos Cruz foi publicada no DOU (Diário Oficial da União).
Procurados, Carlos Bolsonaro, Chico Rodrigues, Santos Cruz e o GSI não responderam aos questionamentos da reportagem.
Questionada, a Microsoft afirmou que foi informada do malware em junho deste ano e que tem levado as ameaças ao sistema “a sério”. A empresa disse ainda que tem “interrompido o uso de certas armas cibernéticas”.
“Elas (as ferramentas) estavam sendo usadas em ataques de precisão visando mais de 100 vítimas em todo o mundo, incluindo políticos, ativistas de direitos humanos, jornalistas, acadêmicos, funcionários de embaixadas e dissidentes políticos”, afirmou.
A empresa acrescentou que a atualização lançada tem funcionado no combate à invasão pelos sistemas desenvolvidos pela Candiru. “O Microsoft Threat Intelligence Center (MSTIC) e o Microsoft Security Response Center (MSRC) passaram semanas examinando o malware, documentando como ele funciona e criando proteções que podem detectá-lo e neutralizá-lo.”
“É possível verificar que membros do MPF contrataram softwares diversos e, o que é mais relevante, negociaram a contratação do malware denominado Pegasus”, diz o texto da defesa.
Em reclamação ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, a defesa do ex-presidente Lula denunciou o fato de que membros da força-tarefa da Lava Jato tentaram comprar o sistema Pegasus de espionagem para vasculhar os dispositivos de vítimas da operação.
“É possível verificar que membros do MPF contrataram softwares diversos e, o que é mais relevante, negociaram a contratação do malware denominado Pegasus”, diz a defesa, com base em mensagens da Operação Spoofing.
Lewandowski encaminhou a reclamação ao Procurador-Geral da República e à Corregedoria-Geral do Ministério Público Federal.
O Pegasus, sofisticado programa de espionagem israelense, já despertou interesse de procuradores da agora extinta força-tarefa da Lava Jato.
Numa petição protocolada nesta segunda-feira (26) no STF (Supremo Tribunal Federal), a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva revela como os procuradores em Curitiba teriam buscado criar um sistema de espionagem cibernética clandestina. A perícia tem como base mensagens de chats entre membros da Lava Jato apreendidas na Operação Spoofing.
Documentos que não fazem parte da petição e obtidos com exclusividade pelo UOL ainda revelam detalhes das negociações entre os procuradores e representantes da empresa que vendia o sistema de espionagem.
A polêmica ferramenta virou notícia no mundo no último dia 18 por ter sido utilizada por governos para espionar jornalistas, ativistas e inimigos políticos dos chefes de estado. Segundo um consórcio de 17 jornais de dez países, ao menos 180 jornalistas chegaram a ser monitorados por meio do sistema Pegasus.
No Brasil, depois de revelações do UOL em maio sobre o lobby feito pelo vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) pelo sistema, a fornecedora abandonou licitação do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Segundo a petição ao STF a partir dos diálogos de procuradores, “a Operação Lava Jato teve contato com diversas armas de espionagem cibernética, incluindo o aludido dispositivo Pegasus”. O documento é assinado pelos advogados Valeska Teixeira Martins e Cristiano Martins.
Numa conversa no chat do grupo de procuradores em 31 de janeiro de 2018, é citada uma reunião entre os membros da “Lava Jato” do Rio de Janeiro, de Curitiba e representantes de uma empresa israelense que vendia uma “solução tecnológica” que “invade celulares em tempo real (permite ver a localização etc)”. Essa tecnologia, segundo os advogados, mais tarde seria identificada como sendo o Pegasus.
O procurador Júlio Carlos Motta Noronha escreveu naquele dia (as mensagens foram reproduzidas nesse texto exatamente da forma como foram escritas):
“Pessoal, a FT-RJ (Força Tarefa do Rio de Janeiro) se reuniu hj com uma outra empresa de Israel, com solução tecnológica super avançada para investigações.
A solução ‘invade’ celulares em tempo real (permite ver a localização,etc.). Eles disseram q ficaram impressionados com a solução, coisa de outro mundo.
Há problemas, como o custo, e óbices jurídicos a todas as funcionalidades (ex.: abrir o microfone para ouvir em tempo real).
De toda forma, o representante da empresa estará aqui em CWB, e marcamos 17h para vir aqui. Quem puder participar da reunião, será ótimo! (Inclusive serve para ver o q podem/devem estar fazendo com os nossos celulares).”
E os direitos humanos?
Nos minutos seguintes, diversos procuradores confirmam o interesse em participar da reunião. Um deles, mencionado como Paulo, é o único a identificar eventuais problemas:
“Confesso que tenho dificuldades filosóficas com essa funcionalidade (abrir microfone em tempo real, filmar o cara na intimidade de sua casa fazendo sei lá o quê, em nome da investigação). Resquícios de meus estudos de direitos humanos v. combate ao terrorismo em Londres”.
Naquele momento, as revelações dos abusos cometidos pelo sistema não tinham sido publicadas e, para muitos, seu uso potencial de fato era desconhecido. Sem uma definição jurídica, o instrumento operava num limbo em diversas partes do mundo.
Depois que o grupo compartilhou uma reportagem no chat sobre o Pegasus, alguns dos procuradores levantaram dúvidas sobre o funcionamento do sistema. “Nós não precisamos dos celulares originais para fazer a extração?”, perguntou Januário Paludo.
A resposta dada por Julio Noronha foi: “Neste caso, não; extração remota e em tempo real. Preciso ver as funcionalidades, se é possível segregar, etc., sobretudo pensando nas limitações jurídicas. De toda forma, acho q é bom conhecermos pelo menos”.
Durante a conversa, os procuradores ainda citam como outro programa —o Cellebrite— estaria prestes a chegar. Trata-se, no caso, de aplicativo para extrair dados de aparelhos apreendidos.
“Bunker” já era debatido desde 2017
Na petição, os advogados de defesa do ex-presidente Lula ainda apontam como os membros da Lava Jato revelaram, em 2017,” a intenção de criar um “bunker” no gabinete do procurador da República Deltan Dallagnol”.
“Esse “buncker” envolvia justamente a aquisição de softwares de espionagem cirbernética, como é o caso do israelense Cellebrite, e outros sistemas que permitiriam viabilizar a criação de um “big data” no gabinete do citado membro do MPF”, apontam.
Em 23 de novembro de 2017, o procurador Roberson Pozzobon faz a proposta:
“Pessoal, uma nova ideia: porque não criarmos um BUNKER de investigação no gabinete do Deltan no 14o Andar. Esse BUNKER seria um espaço estruturado com 8 computadores, sendo 4 computadores para servidores que ficarão dedicados exclusivamente às demandas do BUNKER e 4 computadores a serem ocupados, alternadamente (de dois em dois dias) por duplas de procuradores e seus respectivos assessores”.
Ao explicar como a estrutura poderia funcionar, ele sugere:
No futuro poderíamos estruturar esse BUNKER com equipamentos melhores compra de storages, celebrite, etc.). e eventualmente mais servidores (RFB, PRF, etc.). Os servidores que ficarão dedicados exclusivamente ao BUNKER, ao trabalharem com diferentes grupos e diferentes casos, ganharão gradativamente knowhow das diferentes técnicas de investigação e também conhecimento dos diferentes casos e de suas eventuais zonas de interseção”.
A acusação da defesa do ex-presidente é que os procuradores “previam criar esse “bunker” usando valores obtidos de forma escamoteada em acordos de delação premiada, por exemplo, simulando a “perda” de equipamentos na forma do art. 7º da Lei nº 9.613/98 —usando como exemplo situação concreta que já havia sido praticada pelo consórcio da “Lava Jato” do Rio de Janeiro”.
O procurador Athayde Ribeiro Costa explica numa das conversas ao procurador da República Januário Paludo a forma pela qual o Rio de Janeiro fez para viabilizar a compra de sistemas:
“Na homologação foi pedido a autorização para q o colaborador adquirisse o big data como parte do pagamento da multa, com base em preço definido em “ata de registro de preços” em vigor”.
O procurador então cita um exemplo de como o esquema foi montado. Num acordo de colaboração premiada firmado com Enrico Vieira Machado, haveria uma multa civil fixada em R$ 2.650.000. Desse total, o valor de R$ 2.175.082,33 ocorreria por meio de transferência em espécie para conta judicial. Mas o restante viria na forma da “cessão de 2 (dois) kits com equipamentos e softwares para extração e análise de dados de celulares ao Ministério Público Federal e 1 (um) kit idêntico à Polícia Federal, cujo custo equivale aos valores remanescentes da multa civil”.
Januário Paludo responde: “Pode ter dado certo, mas não está certo. hehe”. Mas apontaria que em um acordo de leniência “não teria problema”. “No cível tudo se cria”, completa.
Emails confirmam negociações nos meses seguintes entre procuradores e NSO
O que os advogados do ex-presidente Lula identificaram nas conversas de chat, porém, é apenas parte da história.
Emails obtidos pelo UOL mostram que, de fato, entre março de 2018 e o início de 2019, o procurador Júlio Noronha, que integrou a força-tarefa de Curitiba por cinco anos, manteve contato com representantes no Brasil da empresa NSO Group, dona do software Pegasus, para tentar adquirir a ferramenta.
Júlio Noronha também seria o responsável, como informou um ex-representante da empresa israelense no Brasil e evidenciado pelas correspondências eletrônicas, o meio de campo entre funcionários da NSO e a PGR (Procuradoria-Geral da República).
O órgão era determinante para a contratação do Pegasus, já que uma das condições para a conclusão do negócio era que a própria PGR batesse o martelo sobre a aquisição.
Em uma conversa trocada no fim de março de 2018, a NSO informa ao procurador Júlio Noronha, em um email intitulado “PEGASUS”, que algumas “funcionalidades” do sistema seriam incluídas na “versão 3.0” da ferramenta após observações feitas por integrantes do Ministério Público em conversas anteriores.
“Desta forma ele sugeriu que marquemos um demo desta nova versão para maio para que possamos avaliar todas as funcionalidades sugeridas”, complementa o texto.
Em 2 de abril de 2018, Noronha responde à empresa e afirma que tentará marcar o encontro. Ele ressalta, porém, que o cumprimento das exigências dos procuradores precisaria ser detalhado para que o sistema fosse incorporado ao MPF.
Quinze dias depois, os representantes da NSO no Brasil são convidados pelo analista do MPU (Ministério Público da União) Marcelo Beltrão a irem a Brasília para “uma apresentação e demonstração do Pegasus na PGR”.
“Por oportuno, observo que o contato de vocês nos foi enviado por intermédio do dr. Eduardo El Rage”, afirma o técnico. Eduardo Rage foi coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Rio de Janeiro.
As conversas transcorreram até o começo de março, mas com a posse de Augusto Aras, em setembro de 2019, as tratativas foram suspensas. Isso porque, informou uma fonte do MPF, o novo procurador-geral determinou que o software fosse auditável e que funcionasse apenas com base em autorizações judiciais, permitindo assim um maior controle sobre possíveis abusos.
Por ser uma ferramenta que permite invasões de celulares e computadores sem praticamente deixar rastros, o Pegasus impediria a fiscalização efetiva de servidores que porventura o utilizassem. Ou seja: seria impossível saber que pessoa teve quais equipamentos eletrônicos acessados por um funcionário do Ministério Público.
Alguns dos emails foram encaminhados “com cópia” ao procurador Roberson Pozzobon.
Pegasus
Em maio, o UOL revelou que um revendedor brasileiro tentava oferecer o sistema Pegasus ao Ministério da Justiça, que abriu uma licitação para a aquisição da nova “solução de inteligência em fontes abertas, mídias sociais, Deep e Dark Web”.
A licitação que visava a “aquisição de uma ferramenta de busca e consulta de dados em fontes abertas”, que contou com a possível interferência de Carlos Bolsonaro e só foi concluída na gestão de Anderson Torres, foi pensada ainda pelo ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro, na intenção de adquirir uma poderosa ferramenta de espionagem para municiar o Centro Integrado de Operações de Fronteira.
O ‘Fusion Center’, como é conhecido o modelo americano que integra informações de forças de segurança, seria instalado em Foz do Iguaçu, na tríplice fronteira no Paraná, e teve um GT (Grupo de Trabalho) criado pela Portaria nº 264, de 25 de março de 2019. A instalação ainda não se viabilizou.
A intenção era concluir ambas as licitações, para a criação do centro de controle e para a aquisição de uma ferramenta de inteligência, até 2020, mas diversos atrasos impediram que Moro concluísse o objetivo até a data de sua exoneração em 24 de abril de 2020.
Contudo, na licitação para a aquisição do programa, uma ferramenta, a Pegasus, era criticada por integrantes da cúpula militar à época. Um dos generais críticos do sistema era o então ministro da Secretaria de Governo, Carlos dos Santos Cruz.
Este edital de nº 03/21, porém, contou com dois processos de instrução distintos, um em 2020 e outro em 2021, sendo o primeiro ocorrido ainda na gestão de Moro.
A saída da empresa fornecedora do Pegasus do pregão ocorreu após reportagem do UOL mostrar o envolvimento de Carlos Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), na negociação.
O UOL teve acesso a todas as propostas encaminhadas aos dois processos de instrução e observou que algumas empresas se repetem em ambos. Dentre elas, está a proposta feita pela Verint, que passou a se chamar Cognyte no ano seguinte.
A companhia fornecia um sistema israelense, mas diferentemente do Pegasus, essa ferramenta contava com o apoio da ala militar do governo, já que informações estratégicas e dados de brasileiros poderiam ser armazenados no Brasil.
Só que a proposta da Verint de R$ 11,2 milhões apresentada no dia 13 de março ao ministério é assinada pelo gerente de contas da empresa representante no Brasil, Caio dos Santos Cruz, filho do então ministro Santos Cruz.
A proposta, porém, continha uma carta assinada no dia 20 de março de 2019 (um ano antes) por Mishel Ben Baruch, diretor do Ministério da Defesa de Israel e endereçada ao então ministro Sergio Moro.
A correspondência anexada por Caio Cruz evidencia que a licitação começou a ser construída ainda em março do primeiro ano da primeira gestão do governo Bolsonaro.
A carta é praxe em licitações que envolvem ferramentas de Defesa que podem conter informações sigilosas de outros países. Neste caso, como a Verint vendia um sistema israelense, uma das autoridades do país enviou uma carta ao Brasil para informar que a possível venda do acesso ao produto não comprometia a soberania de Israel.
O que não é comum é a carta ser endereçada diretamente a Moro e não aos responsáveis diretos pela licitação, o que sugere uma possível aproximação de Caio Cruz com o ex-ministro.
Vale ressaltar que, no processo de instrução ocorrido em 2021, quando Moro já não era mais ministro, cinco outras cartas foram encaminhadas pela Verint, nenhuma delas ao ministro. Todas as correspondências são endereçadas aos responsáveis pela licitação.
A reunião secreta
Em junho de 2019, em uma reunião sigilosa no Quartel-General do Exército, sete generais com influência no alto comando do Exército se reuniram para tratar da então suspeita de invasão que Moro havia sofrido no celular. Posteriormente a invasão resultou na Operação Spoofing.
Segundo uma fonte que esteve no encontro, dentre os militares que participavam da reunião estava o general Santos Cruz. Neste dia, duas ferramentas foram apresentadas, uma delas era justamente o sistema Pegasus. Ao olhar o poderoso programa, porém, Santos Cruz teria proferido críticas.
Santos Cruz chegou a avisar o presidente Bolsonaro sobre o perigo em trazer a ferramenta da NSO ao Brasil, já que a ala do Exército que participou da experimentação teria optado por não trazer o Pegasus ao Brasil, mesmo com um ministro sendo alvo de crime cibernético.
Após saber da reunião dos militares, Carlos Bolsonaro articulou a exoneração do então ministro. Sete dias depois, a demissão do general Santos Cruz foi publicada no Diário Oficial da União.
MPF: a compra não ocorreu
Procurado pelo UOL para comentar os emails obtidos, o procurador Júlio Noronha não respondeu aos questionamentos feitos pela reportagem.
Também sobre a troca de emails, Roberson Pozzobon disse à reportagem, por meio de nota da assessoria do MPF, que “várias empresas procuraram a Lava Jato, por meio dos procuradores, para oferecer soluções tecnológicas”. Ele acrescentou que o sistema Pegasus “não foi adquirido pelo órgão”.
A assessoria da PGR informou que não se manifestará sobre o tema. A reportagem não obteve resposta de Caio e Carlos dos Santos Cruz. Se forem enviados, os posicionamentos serão incluídos nesta reportagem.
Spyware israelense é vendido a regimes autoritários e usado para atingir ativistas, políticos e jornalistas, sugerem dados vazados.
Segundo reportagem do The Guardian, ativistas de direitos humanos, jornalistas e advogados em todo o mundo têm sido alvos de governos autoritários, usando software de hackeamento vendido pela empresa de vigilância israelense NSO Group, de acordo com uma investigação sobre um vazamento de dados de grandes proporções.
A investigação do Guardian, em conjunto com 16 outras organizações de mídia, sugere abuso generalizado e contínuo do spyware Pegasus, que a empresa NSO insiste ser destinado apenas para uso contra criminosos e terroristas.
Pegasus é um malware (vírus) que infecta iPhones e dispositivos Android para permitir que os operadores da ferramenta extraiam mensagens, fotos e e-mails, gravem chamadas e ativem microfones secretamente.
A lista vazada contém mais de 50.000 números de telefone que, acredita-se, foram identificados como de pessoas de interesse dos clientes da NSO desde 2016.
Forbidden Stories, uma organização de mídia sem fins lucrativos com sede em Paris, e a Anistia Internacional inicialmente tiveram acesso à lista vazada e compartilharam o acesso com parceiros de mídia como parte do consórcio de reportagem denominado Projeto Pegasus.
A presença de um número de telefone nos dados não revela se um dispositivo foi infectado com Pegasus ou apenas sujeito a uma tentativa de hackeamento. No entanto, o consórcio acredita que os dados são indicativos dos alvos potenciais dos governos clientes da NSO, identificados antes de possíveis tentativas de vigilância.
A análise forense de um pequeno número de telefones, que constam da relação, também mostrou que mais da metade tinha rastros do programa espião (spyware) Pegasus.
O Guardian e seus parceiros de mídia irão revelar a identidade das pessoas cujo número apareceu na lista nos próximos dias. Entre elas estão centenas de executivos de empresas, religiosos, acadêmicos, funcionários de ONGs, dirigentes sindicais e funcionários do governo, incluindo ministros, presidentes e primeiros-ministros.
A lista também contém o número de parentes próximos do governante de um país, sugerindo que o governante pode ter instruído suas agências de inteligência a explorar a possibilidade de monitorar seus próprios parentes.
As divulgações começam no domingo (18), com a revelação de que os números de mais de 180 jornalistas constam dos dados, entre repórteres, editores e executivos do Financial Times, CNN, New York Times, France 24, The Economist, Associated Press e Reuters.
O número de telefone de um repórter freelance mexicano, Cecilio Pineda Birto, foi encontrado na lista, aparentemente por interesse de um cliente mexicano nas semanas que antecederam seu assassinato, quando seus algozes conseguiram localizá-lo em um lava-jato. Seu telefone nunca foi encontrado, então nenhuma análise forense foi possível com vistas a estabelecer se ele estava infectado.
A NSO disse que mesmo que o telefone de Pineda tenha sido visado por algum cliente do Pegasus, isso não significa que os dados coletados de seu telefone contribuíram de alguma forma para sua morte, enfatizando que os assassinos poderiam ter descoberto sua localização por outros meios. Ele estava entre pelo menos 25 jornalistas mexicanos aparentemente selecionados, ao longo de um período de dois anos, como candidatos para serem vigiados.
Sem o exame forense dos dispositivos móveis, é impossível dizer se os telefones foram submetidos a uma tentativa ou efetivamente hackeados com sucesso usando Pegasus.
A NSO sempre sustentou que “não opera os sistemas que vende para clientes governamentais verificados e não tem acesso aos dados dos alvos de seus clientes”.
Em declarações emitidas por seus advogados, a NSO negou “falsas alegações” feitas sobre as atividades de seus clientes, mas disse que “continuaria a investigar todas as alegações confiáveis de uso indevido e tomaria as medidas cabíveis”. A empresa disse que a lista poderia não ser uma lista de números “visados por governos que usam Pegasus” e descreveu 50.000 como um número “exagerado”.
A empresa vende apenas para militares, policiais e agências de inteligência em 40 países, que não identificou, e diz que examina rigorosamente os registros de direitos humanos de seus clientes antes de permitir que usem suas ferramentas de espionagem.
O ministro da defesa israelense regula de perto a NSO, concedendo licenças de exportação individuais antes que sua tecnologia de vigilância possa ser vendida a um novo país.
No mês passado, a NSO divulgou um relatório de transparência no qual afirmava que sua abordagem em relação aos direitos humanos era líder no setor e publicou trechos de contratos com clientes estipulando que eles deveriam usar seus produtos apenas para investigações criminais e de segurança nacional.
Não há nada que sugira que os clientes da NSO também não tenham usado o Pegasus em investigações de terrorismo e crimes, e o consórcio também encontrou números nos dados pertencentes a suspeitos de crimes.
No entanto, a ampla gama de números na lista pertencente a pessoas que aparentemente não têm conexão com a criminalidade sugere que alguns clientes da NSO estão violando seus contratos com a empresa, espionando ativistas pró-democracia e jornalistas que investigam corrupção, bem como oponentes políticos e críticos do governo.
Essa tese é apoiada por análises forenses nos telefones de uma pequena amostra de jornalistas, ativistas de direitos humanos e advogados cujos números constavam da lista vazada. A pesquisa, conduzida pelo Laboratório de Segurança da Anistia, um parceiro técnico do Projeto Pegasus, encontrou rastros da atividade do Pegasus em 37 dos 67 telefones examinados.
A análise também revelou algumas correlações sequenciais entre a hora e a data em que um número foi inserido na lista e o início da atividade de Pegasus no dispositivo, o que em alguns casos ocorreu apenas alguns segundos depois.
A Anistia compartilhou seu trabalho forense em quatro iPhones com o Citizen Lab, um grupo de pesquisa da Universidade de Toronto especializado em estudar o Pegasus, que confirmou que eles apresentavam sinais de infecção por Pegasus. O Citizen Lab também conduziu uma revisão dos métodos forenses da Anistia e concluiu que eles eram sólidos.
A análise do consórcio dos dados vazados identificou pelo menos 10 governos considerados clientes da NSO que estavam inserindo números no sistema: Azerbaijão, Bahrein, Cazaquistão, México, Marrocos, Ruanda, Arábia Saudita, Hungria, Índia e Emirados Árabes Unidos.
A análise dos dados sugere que o país cliente da NSO que selecionou a maioria dos números – mais de 15.000 – foi o México, onde se sabe que várias agências governamentais diferentes compraram o Pegasus. Tanto o Marrocos quanto os Emirados Árabes Unidos selecionaram mais de 10.000 números, de acordo com a análise sugerida.
Os números de telefone selecionados, possivelmente antes de um ataque de vigilância, abrangiam mais de 45 países em quatro continentes. Havia mais de 1.000 números em países europeus que, segundo a análise, foram selecionados por clientes da NSO.
A presença de um número nos dados não significa que houve uma tentativa de infectar o telefone. A NSO diz que havia outros propósitos possíveis para os números serem registrados na lista.
Ruanda, Marrocos, Índia e Hungria negaram ter usado o Pegasus para hackear os telefones dos indivíduos citados na lista. Os governos do Azerbaijão, Bahrein, Cazaquistão, Arábia Saudita, México, Emirados Árabes Unidos e Dubai não responderam aos convites para comentar.
O Projeto Pegasus provavelmente gerará debates sobre a vigilância do governo em vários países suspeitos de usar a tecnologia. A investigação sugere que o governo húngaro de Viktor Orbán parece ter implantado a tecnologia da NSO como parte de sua chamada guerra à mídia, visando jornalistas investigativos no país, bem como o círculo próximo de um dos poucos executivos de mídia independentes da Hungria.
Os dados vazados e as análises forenses também sugerem que a ferramenta de espionagem da NSO foi usada pela Arábia Saudita e seu aliado próximo, os Emirados Árabes Unidos, para alcançar os telefones de associados próximos do jornalista assassinado do Washington Post, Jamal Khashoggi, nos meses após sua morte. A lista vazada também inclui o número de telefone do promotor turco que está investigando a morte do jornalista.
Claudio Guarnieri, que dirige o Laboratório de Segurança da Anistia Internacional, disse que uma vez que um telefone for infectado com Pegasus, um cliente da NSO pode efetivamente assumir seu controle, permitindo-lhe extrair mensagens, ligações, fotos e e-mails de uma pessoa, ativar secretamente câmeras ou microfones e ler o conteúdo de aplicativos de mensagens criptografadas, como WhatsApp, Telegram e Signal.
Ao acessar o GPS e sensores de hardware no telefone, ele acrescentou, os clientes da NSO também podem garantir um registro dos movimentos anteriores de uma pessoa e rastrear sua localização em tempo real com grande precisão, por exemplo, estabelecendo a direção e a velocidade em que um carro estava viajando.
Os avanços mais recentes na tecnologia da NSO permitem que ela penetre em telefones com ataques de “clique zero”, o que significa que o usuário nem mesmo precisa clicar em um link malicioso para que seu telefone seja infectado.
Guarnieri identificou evidências que a NSO tem explorado vulnerabilidades associadas ao iMessage, que vem instalado em todos os iPhones, e foi capaz de penetrar até mesmo em iPhones mais atualizados com a versão mais recente do iOS. A análise forense de sua equipe descobriu infecções bem-sucedidas e tentadas pelo Pegasus em telefones ainda neste mês de julho.
A Apple disse: “Os pesquisadores de segurança concordam que o iPhone é o dispositivo móvel mais protegido e seguro do mercado para o consumidor.”
A NSO recusou-se a fornecer detalhes específicos sobre seus clientes e sobre as pessoas que são seus alvos.
No entanto, uma fonte familiarizada com o assunto disse que o número médio de alvos anuais por cliente é de 112. A fonte disse que a empresa tinha 45 clientes para seu spyware Pegasus.
*Com informações da Carta Maior
*Créditos da foto: A investigação do Guardian e de 16 outras organizações de mídia sugere o abuso generalizado e contínuo de spyware da empresa israelense NSO. Ilustração: Guardian Design
Outros nomes incluem os de pessoas próximas ao jornalista saudita assassinado Jamal Khashoggi; lista de alvos em potencial tem mais de 50 mil números de telefone, segundo jornais.
Segundo O Globo, um dia após ser divulgado que milhares de jornalistas, ativistas, empresários e políticos foram potenciais alvos de espionagem pelo sistema Pegasus, os nomes dos alvos começam a vir à tona, e países que tiveram seus cidadãos grampeados reagiram ao escândalo. Na Índia, consta o nome de Rahul Gandhi, líder do Partido do Congresso e principal adversário político do primeiro-ministro Narendra Modi. Na Arábia Saudita, os telefones de pessoas próximas ao jornalista Jamal Khashoggi e envolvidas na investigação do assassinato dele em 2018 aparecem na lista.
As informações estão sendo publicadas por um consórcio de 17 veículos de comunicação de 10 países, criado para divulgar a lista dos alvos de espionagem obtida pela ONG Forbidden Stories, sediada em Paris. Entre eles, o britânico The Guardian, o francês Le Monde e o americano Washington Post.
O grupo teve acesso a uma lista com mais de 50 mil números de telefone em mais de 45 países selecionados desde 2016 como de “pessoas de interesse” por clientes governamentais da empresa israelense NSO Group, a criadora do Pegasus. Originalmente, o programa seria vendido para a investigação de grupos criminosos e terroristas.
A lista não identifica os clientes, mas relatórios indicam que eles estavam concentrados em 10 países, entre regimes autocráticos (Arábia Saudita, Bahrein, Emirados Árabes e Marrocos), democracias (Índia e México), um membro da União Europeia (Hungria), um país africano (Ruanda) e as ex-repúblicas soviéticas do Azerbaijão e do Cazaquistão.
Segundo a Forbidden Stories, há mais de 180 editores, repórteres investigativos e outros jornalistas entre os possíveis candidatos para vigilância. Entre eles, revelou-se nesta segunda, o da editora do Financial Times, Roula Khalaf, que na época era vice-editora do jornal. Há também jornalistas de veículos como Washington Post, CNN, New York Times, El País, Bloomberg, Washington Post, Le Monde, France Press, Associated Press e Reuters.
Em uma visita a Praga nesta segunda, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse que espionar jornalistas é “completamente inaceitável” e que as denúncias devem ser analisadas mais a fundo:
— Pelo que pudemos ler até agora, e isso precisa ser verificado, é completamente inaceitável, se esse for o caso. Vai contra todas as regras que temos na União Europeia — afirmou. — Liberdade de imprensa e uma mídia livre são valores-chave da UE .
O Meretz, partido de esquerda na coalizão governista israelense, por sua vez, afirmou que debatará na quinta-feira o assunto com o ministro de Defesa, Benny Gantz, cuja pasta é responsável por licenciar as exportações do NSO.
Opositor indiano na mira
Na Índia, foi revelado que Rahul Gandhi foi selecionado duas vezes como um alvo potencial, sendo uma das dezenas de políticos, ativistas e críticos do governo identificados. Dois de seus números constaram nas listas nos meses que antecederam as eleições nacionais de 2019 e nas semanas seguintes ao pleito. Ao menos cinco de seus amigos e outros parlamentares do seu partido também foram selecionados como possíveis alvos.
Umar Khalid, um estudante ativista da Universidade Jawaharlal Nehru, em Delhi, e líder da União Democrática de Estudantes, virou alvo de espionagem pouco antes de acusações de sedição serem movidas contra ele. O estudante foi preso em setembro de 2020, sob a acusação de organizar motins, e a polícia apresentou provas contra ele que incluíam mais de 1 milhão de páginas de informações coletadas de seu celular, sem deixar claro como esses dados tinham sido obtidos. Ele está na prisão aguardando julgamento.
O número de celulares de escritores, advogados e artistas que defendem os direitos de comunidades minoritárias também constam dos dados. Membros da rede foram presos nos últimos três anos e acusados de crimes de terrorismo, incluindo conspiração para assassinar o premier Narendra Modi. A rede incluía um padre jesuíta de 84 anos, Stan Swamy, que morreu este mês após contrair Covid-19 na prisão.
Os registros mostram que várias pessoas acusadas de serem cúmplices de Swamy, incluindo Hany Babu, Shoma Sen e Rona Wilson, foram selecionadas como alvo do Pegasus nos meses anteriores e nos anos após suas prisões.
Fotos íntimas vazadas
No Azerbaijão, alguns ativistas tiveram sua correspondência pessoal ou fotos íntimas publicadas on-line ou na televisão — ativistas mulheres, particularmente, costumam ser alvos de vazamento de material de cunho sexual. Em um caso flagrante, em 2019, fotos íntimas da ativista da sociedade civil e jornalista Fatima Movlamli, então com 18 anos, vazaram para uma página falsa do Facebook.
Não está claro como as fotos foram obtidas, e Movlamli acredita que seus dados privados foram acessados quando a polícia apreendeu seu telefone durante um interrogatório violento e a forçou a desbloqueá-lo. O número dela também constava dos autos obtidos pelo consórcio.
Sem a análise forense de um dispositivo não é possível confirmar a tentativa ou invasão bem-sucedida pelo Pegasus. Movlamli disse que reconfigura regularmente o celular ou muda o dispositivo, então a análise não foi possível.
Loujain al-Hathloul, a mais proeminente ativista pelos direitos das mulheres na Arábia Saudita, também virou alvo poucas semanas antes de seu sequestro, em 2018, nos Emirados Árabes Unidos, tendo sido forçada a retornar à Arábia Saudita, onde acabou presa por três anos e supostamente torturada. Acredita-se que Hathloul foi indicada para ser espionada pelos Emirados Árabes Unidos, um conhecido cliente da NSO e aliado próximo da Arábia Saudita.
No México, os dados mostram uma ampla seleção de ativistas, advogados e defensores de direitos humanos, incluindo Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot, um juiz que foi presidente do Tribunal Interamericano de Direitos Humanos; e Alejandro Solalinde, um padre católico defensor dos direitos de migrantes.
Solalinde disse acreditar que o governo mexicano anterior estava “procurando algo para prejudicar minha reputação e usar como chantagem” devido ao seu apoio a um rival político, e disse que havia sido avisado por um ex-funcionário da agência nacional de inteligência (Cisen) de que estava sob vigilância.
Advogados também aparecem nos dados vazados. Rodney Dixon, um proeminente defensor que atua em Londres e assumiu vários casos importantes ligados a questões de direitos humanos, virou alvo de espionagem em 2019. A análise forense de seu dispositivo mostrou atividade relacionada ao Pegasus, mas nenhuma invasão bem-sucedida.
Seus clientes incluem Matthew Hedges, um estudante de doutorado britânico, preso nos Emirados Árabes Unidos; e Hatice Cengiz, a noiva do jornalista saudita assassinado Jamal Khashoggi. Ela também foi atacada com Pegasus, com exames forenses mostrando evidências de uma infecção bem-sucedida.
A análise forense no telefone do advogado de direitos humanos francês Joseph Breham mostra que ele também foi infectado várias vezes com o Pegasus, em 2019, e os registros vazados sugerem que ele estava sendo espionado pelo Marrocos.
“Não há justificativa possível para um Estado estrangeiro ouvir um advogado francês. Não há justificativa em nível legal, ético ou moral”, disse ele.
Um porta-voz do governo indiano disse que “as alegações sobre a vigilância do governo sobre pessoas específicas não têm qualquer base concreta ou verdade associada a elas”. Os governos de Marrocos, Azerbaijão e México não se pronunciaram, segundo The Guardian.
O Grupo NSO afirmou que cortará clientes se fizerem mau uso do Pegasus. Em resposta ao consórcio, negou que os registros vazados fossem evidências de espionagem com o sistema e disse que “continuará a investigar todas as alegações de uso indevido e tomar as medidas cabíveis com base no resultado dessas investigações”.
O software Pegasus, que o clã Bolsonaro tentou trazer para o Brasil, gerou pelo menos uma lista de até 50 mil números de telefone que pode ter sido alvo do sistema nos últimos cinco anos.
“Estamos sob ataque. Há um plano e um objetivo. As vítimas não são os jornalistas. Mas sim a democracia e a liberdade”. A afirmação é do jornalista Jamil Chade em artigo no Uol neste domingo (18), se referindo à revelação de que ativistas de direitos humanos, jornalistas e advogados em todo o mundo têm sido alvos de espionagem através do sistema de software de hacking vendido pela empresa de vigilância israelense NSO Group.
Segundo investigação sobre um vazamento massivo de dados compartilhado pelo The Guardian, pelo menos 180 profissionais estavam em uma lista obtida pela imprensa internacional e que revela o interesse de clientes em espionar os telefones desses jornalistas.
O software Pegasus, que o clã Bolsonaro tentou trazer para o Brasil, gerou pelo menos uma lista de até 50 mil números de telefone que pode ter sido alvo do sistema nos últimos cinco anos.
De acordo com dados, a lista inclui profissionais de meios como “The Wall Street Journal”, CNN, “The New York Times”, Al-Jazeera, France 24, Radio Free Europe, Mediapart, “El País”, Associated Press, “Le Monde”, Bloomberg, “The Economist”, Reuters e Voice of America.
“Agora, as revelações apontam que a espionagem contra jornalistas não é uma iniciativa de amadores ou governantes isolados que, desesperados, optam por silenciar a imprensa e ativistas. Os detalhes das reportagens mostram que o trabalho é sistêmico, profissional e amplo”, enfatiza Chade, que destaca que um dos usuários do sistema estaria na Hungria, país comandando por Viktor Orban e um dos poucos aliados de Jair Bolsonaro pelo mundo.
“Ao longo de uma década, as autoridades de Budapeste conseguiram estrangular a imprensa e a guinada autoritária no país do Leste Europeu passou a ser consideradas como referências em Brasília”, completa.
Sistema Pegasus, que Carlos Bolsonaro quis trazer ao Brasil, foi usado para espionar jornalistas e autoridades no mundo inteiro
Ativistas de direitos humanos, jornalistas e advogados em todo o mundo têm sido alvos de espionagem através do sistema de software de hacking vendido pela empresa de vigilância israelense NSO Group, segundo investigação sobre um vazamento massivo de dados compartilhado pelo The Guardian.
Houve um abuso generalizado e contínuo do spyware de hacking da NSO, Pegasus, que Carlos Bolsonaro quis trazer ao Brasil. A empresa, no entanto, para se defender, diz que o sistema é destinado apenas para uso contra criminosos e terroristas.
Vazamento
Pegasus é um malware que infecta iPhones e dispositivos Android para permitir que os operadores da ferramenta extraiam mensagens, fotos e e-mails, gravem chamadas e ativem microfones secretamente.
O vazamento contém uma lista de mais de 50.000 números de telefone que, acredita-se, foram identificados como de pessoas de interesse por clientes da NSO desde 2016, segundo o The Guardian.
A Forbidden Stories, uma organização midiática sem fins lucrativos com sede em Paris, e a Anistia Internacional inicialmente tiveram acesso à lista vazada e compartilharam o acesso com parceiros como parte do projeto Pegasus, um consórcio de reportagens.
Edward Snowden, ex-administrador da Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês) dos Estados Unidos, que vazou detalhes de vários programas que constituem o sistema de vigilância global da agência, anunciou a reportagem do The Guardian na internet.
Em maio deste ano, o vereador Carlos Bolsonaro tentou trazer a Pegasus para o Brasil. Apesar de ser apenas vereador, Carlos tem grande influência no governo do pai, Jair Bolsonaro. A proposta, no entanto, gerou uma crise política entre a ala bolsonarista do governo e o alto comando militar.
Como confirma reportagem do The Guardian, o spyware foi usado por governos ao redor do mundo para invadir celulares e monitorar conversas de opositores políticos.
O Pegasus permite rastrear em segredo todas as atividades da pessoa que teve o aparelho infectado. Desde mensagens enviadas e digitadas até informações de acesso a contas bancárias, redes sociais e email.
Também é possível usá-lo para ativar remotamente o microfone do celular espionado para ouvir ligações e tirar fotos com a câmera, além de acessar a localização e monitorar os sites navegados com o tempo de acesso em cada um deles.