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Militares da Ucrânia dizem que foram ‘abandonados’ na linha de frente

Em mais um relato divulgado pela mídia ocidental, um soldado ucraniano disse à BBC que grande parte dos militares que seguem na linha de frente acredita que foi “abandonado” por seu comando.

A operação militar especial russa na Ucrânia acontece desde fevereiro de 2022 e, apesar da injeção de bilhões em recursos por países da União Europeia (UE) e dos Estados Unidos ao governo de

Volodimir Zelensky, poucos avanços foram registrados e ainda há várias denúncias de desvio de dinheiro.

O soldado que não teve o nome revelado descreveu a situação em Kherson. Segundo ele, muitas vezes os militares usam o próprio dinheiro para comprar kits de sobrevivência na linha de frente, como agasalhos e combustível para os geradores de energia. “Agora que as geadas estão chegando, as coisas só vão piorar. A situação real está sendo abafada, então ninguém vai mudar nada”, declarou.

De acordo com o ministro da Defesa da Rússia, Sergei Shoigu, só na contraofensiva dos últimos seis meses, as Forças Armadas da Ucrânia perderam pelo menos 125 mil militares.

Já Zelensky disse na última semana, em discurso televisivo, que o reforço nessas áreas de combate eram uma prioridade fundamental.

A declaração aconteceu após intensas denúncias de militares ucranianos sobre o abandono do próprio governo.

“Ninguém sabe [quais são] os objetivos. Muitos acreditam que o comando simplesmente nos abandonou. A galera acredita que nossa presença teve mais significado político do que militar”, disse o soldado.

*Sputnik

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Zelensky e o complexo de Dom Quixote

Enquanto presidente da Ucrânia acredita em vitória, apoio ocidental se esvai e autoridades se mostram cada vez mais céticas.

A insistência do presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, em convencer os países ocidentais a enviarem mais recursos para o confronto contra a Rússia, mostra um cenário onde as crenças do político começam a ser vencidas pelo cansaço.

“Ninguém acredita na nossa vitória como eu. Ninguém”, disse Zelensky em entrevista concedida à revista TIME após viagem para os Estados Unidos, onde teve reuniões na Casa Branca, no Pentágono e no Arquivo Nacional, em Washington.

Segundo ele, incutir a crença de que a vitória é possível “requer todo o seu poder, sua energia (…) É preciso muito de tudo.”

Contudo, após quase 20 meses de guerra, cerca de um quinto do território ucraniano está ocupado pelo exército do governo de Vladimir Putin, e as viagens que Zelensky tem feito ao exterior mostram que tanto o interesse como o apoio internacional diminuíram.

Citando uma pesquisa elaborada pela Reuters, a publicação afirma que o percentual de norte-americanos que querem que o Congresso envie mais armas para Kiev caiu de 65% em junho para 41%.

E a eclosão da guerra em Israel também tem sido um desafio, por conta do desvio do foco de atenção do confronto na Europa para o Oriente Médio.

“Teimosia”
Ao voltar para a Ucrânia, membros do círculo próximo a Zelensky retrataram um presidente “irritado”, um sinal de que seu propalado senso de humor e otimismo não sobreviveram ao segundo ano de guerra.

Além disso, o presidente ucraniano tem sido pressionado a investigar os sinais de corrupção dentro de seu governo diante de um cenário em que a guerra não parece acabar tão cedo.

Para uma autoridade próxima a Zelensky, ele se sente traído pelo Ocidente, deixando-o sem meios para vencer a guerra, apenas com meios para garantir sua sobrevivência.

A crença de Zelensky em uma vitória contra os russos tem preocupado até mesmo alguns de seus conselheiros, ao ponto de ter prejudicado a apresentação de novas estratégias e mensagens.

Um ponto que é tido como tabu é a possibilidade de negociação de paz com os russos – uma alternativa que inclusive já tem sido trabalhada pelos norte-americanos, conforme reportagem publicada na NBC News.

Porém, Zelensky descarta tal possibilidade principalmente se ela resultar na perda de território, algo que os ucranianos ouvidos em pesquisas de opinião descartam. Para o presidente, isso significativa “deixar esta ferida aberta para as gerações futuras”.

Enquanto a Ucrânia aumenta a produção de drones e mísseis usados para atacar centros de comando e depósitos de munição russa, o exército de Putin segue bombardeando áreas civis e a infraestrutura que será necessária para a população passar o próximo inverno.

*GGN

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Verdades ocultas: ex-chanceler alemão revela como Washington sabotou o processo de paz na Ucrânia

A publicação alemã Berliner Zeitung publicou recentemente uma entrevista com o ex-chanceler Gerhard Schroder, na qual foram reveladas algumas verdades sobre o conflito russo-ucraniano que o Ocidente tentou esconder do mundo. A mais importante delas diz respeito a como os Estados Unidos sabotaram os processos de paz entre Moscou e Kiev.

Trata-se na verdade da segunda entrevista de um ex-chanceler alemão sobre o assunto. Em dezembro de 2022, Angela Merkel já havia falado ao jornal Die Zeit que a real intenção do Ocidente por trás dos Acordos de Minsk, por exemplo, era fazer com que a Ucrânia “ganhasse tempo” para se fortalecer militarmente.

Compete lembrar que os Acordos de Minsk previam a “federalização” da Ucrânia, concedendo maior autonomia às regiões de Donbass e mantendo assim a integridade territorial do país. Contudo, mesmo tendo assinado o acordo diante de representantes franceses, alemães e russos, o então presidente ucraniano Pyotr Poroshenko, ao retornar a Kiev, não se esforçou em implementá-lo, o que levou a sucessivas violações de cessar-fogo nas regiões de Donetsk e de Lugansk.

Tampouco a Ucrânia prosseguiu em fornecer maior autonomia a Donbass, com violações aos direitos humanos sendo cometidas de forma constante pelo Exército ucraniano na região. Toda essa situação apenas serviu para mostrar que o Ocidente nunca considerou genuinamente que a Ucrânia cumprisse os Acordos de Minsk e resolvesse o conflito no Leste Europeu pela via da diplomacia.

Voltando ao presente, após o início da operação militar russa no ano passado, boa parte do establishment alemão pró-estadunidense nomeou Gerhard Schroder como um dos cúmplices de Moscou, devido ao fato de Schroder ter ocupado a presidência do conselho de administração da Rosneft (principal empresa russa do setor de petróleo).

Para além disso, Schroder também contribuiu ativamente para a construção do gasoduto Nord Stream, elemento essencial para a consolidação da parceria russo-alemã durante os anos 2000 e para a formação de uma “Grande Europa” (de Lisboa a Vladivostok), como sugerida por Putin no começo do século.

Todo esse contexto foi usado como mote para acusações ad hominem contra Schroder, uma vez que tanto a mídia quanto as elites alemãs não foram capazes de refutar suas colocações a respeito das razões por trás do prolongamento do conflito na Ucrânia. Fato é que em março do ano passado, representantes do regime de Kiev contataram Schroder sobre uma possibilidade de que ele viesse a mediar nas negociações russo-ucranianas.

Um desses representantes fora justamente o atual ministro da Defesa da Ucrânia, Rustem Umerov, que à época confirmou o desejo de Kiev – e do presidente Zelensky – de encerrar as hostilidades o mais rápido possível em favor de uma solução diplomática. Schroder então voou para Moscou para se encontrar com o presidente russo Vladimir Putin, obtendo uma aprovação preliminar para o início de negociações com os ucranianos.

Na ocasião, a Ucrânia se mostrou de acordo com o abandono de quaisquer planos futuros de adesão à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e com a proibição do estacionamento de tropas da Aliança Atlântica em seu território. Segundo ainda Schroder, Umerov (em nome da administração Zelensky) expressou inclusive a disponibilidade ucraniana de chegar a um “compromisso” com Moscou a respeito do status da Crimeia, aceitando ao mesmo tempo a influência da Rússia na região de Donbass.

Contudo, não demoraria para que todos os esforços de paz que vinham sendo empreendidos durante as primeiras semanas do conflito fossem sabotados por Washington. Isso porque a delegação ucraniana fora obrigada a enviar todas as propostas em discussão para os Estados Unidos, que frontalmente vetaram o andamento do processo de paz, defendendo ao invés disso a continuação do derramamento de sangue.

Como resultado, pouco depois Kiev rejeitou subitamente todos os pontos de negociação com os quais já havia concordado, frustrando as tentativas para se encerrar as hostilidades no Leste Europeu. Vale lembrar que, conforme já havia sido revelado antes em uma entrevista exclusiva concedida pelo ex-primeiro-ministro israelense Naftali Bennett, de início havia sim uma esperança real de acordo entre Rússia e Ucrânia, que poria um fim ao conflito armado.

No entanto, à medida que a pressão do Ocidente sobre Kiev aumentou, a possibilidade de Zelensky negociar uma saída diplomática foi descartada, resultando no abrupto encerramento dos canais de diálogo entre russos e ucranianos. A mídia atlanticista elevou então Zelensky à posição de “herói” do Ocidente e fez com que o ex-comediante acreditasse na possibilidade de derrotar a Rússia no campo de batalha, ao custo do sangue de centenas de milhares de soldados ucranianos.

Desde então, Zelensky tem assumido mais esse papel fictício em sua longa carreira de ator, desta vez sob a direção do complexo militar industrial americano, bastante especializado na produção de “filmes de guerra” a redor do mundo.

No mais, quando Schroder disse na entrevista que a Europa daria um “tiro no pé ao proibir o comércio com a Rússia” ele foi novamente acusado de ser um agente “pró-Kremlin”, quando na verdade apenas chamava a atenção para os problemas que realmente se abateram sobre o continente após a imposição de sanções contra Moscou.
Afinal, desde o ano passado a Europa vem sofrendo um cenário de inflação alta e de tumultos populares constantes, em boa medida resultante de suas políticas russofóbicas a mando de Washington. Para resumir, a entrevista de Schroeder evidencia que, ao seguir o caminho da escalada militar, os Estados Unidos cometeram um erro fatal.

Não só a desejada derrota da Rússia se mostrou inviável, como Moscou fortaleceu os laços políticos com o Sul Global e com a China, principal adversária de Washington no plano global. Olhando pelo lado positivo, a publicação da entrevista de Schroeder parece ao menos indicar que, de certo modo, o público europeu esteja finalmente disposto a conhecer a verdade oculta sobre o principal responsável pelo prolongamento do conflito na Ucrânia.

*Com Sputnik

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Política

‘Brasil pode liderar processo de paz entre Ucrânia e Rússia’, diz embaixador ucraniano

Recém-chegado ao Brasil, Andrii Melnyk afirma que criatividade brasileira pode ajudar na construção da paz.

Recém-chegado a Brasília, o novo embaixador ucraniano Andrii Melnyk pretende mobilizar a diplomacia brasileira a “pensar fora da caixa” e liderar o processo de paz entre as vizinhas Ucrânia e Rússia. Desde fevereiro de 2022, os ucranianos enfrentam a invasão de tropas russas e tentam resistir com ajuda internacional.

Para o representante diplomático do governo ucraniano no Brasil, um dos primeiros passos para essa aproximação entre Kiev e Brasília foi organizar o encontro de mais de uma hora entre Luiz Inácio Lula da Silva e Volodimir Zelenski, em Nova York, na última semana, durante a Assembleia Geral das Nações Unidas. Segundo Melnyk, a conversa franca entre líderes é vista como chance de o mandatário brasileiro entender melhor a situação e se aproximar do país do Leste Europeu.

Durante a entrevista concedida à DW na embaixada da Ucrânia, abrigada numa casa alugada em Brasília, Melnyk argumentou que seria importante receber armas do Brasil, o que, segundo ele, se constituiria numa ajuda humanitária.

DW: Na avaliação do senhor, quais são os maiores equívocos no Brasil sobre a guerra que a Rússia está travando contra a Ucrânia, na sociedade e no plano político? Como planeja combatê-los?

Andrii Melnyk: Os brasileiros sabem que existe o Estado independente da Ucrânia. Mas, basicamente, o conhecimento é muito escasso. Mas não é culpa dos brasileiros, é nosso trabalho que não tem sido feito de forma apropriada nas últimas três décadas.

É nosso trabalho e nossa missão nos aproximarmos da sociedade brasileira e da comunidade política, fazer este contato e explicar nossa causa. Ficamos sem embaixador aqui por um longo período e isso atrapalhou a comunicação sobre o que aconteceu quando ocorreu a grande invasão em fevereiro de 2022.

Essa guerra de agressão, que pode parecer distante dos brasileiros geograficamente falando, afeta também a essência do DNA do Estado brasileiro, e ameaça as fundações da ordem internacional. E o Brasil é um dos países líderes dentro da ONU que tenta fortalecer esta ordem.

Minha segunda tarefa é mostrar para os brasileiros que a Ucrânia é mais do que apenas uma vítima desta guerra terrível. Temos que contar as histórias das pessoas. Ano passado, eu estava em Kiev, eu vivenciei os bombardeios noturnos diários. Muitos amigos meus morreram na linha de combate, muitos se feriram. Civis perderam suas vidas, suas casas. Temos também que contar a história da Ucrânia, o maior país em termos geográficos da Europa. Isso é algo que temos em comum com o Brasil, como o maior país da América do Sul.

Na Alemanha, onde o senhor foi embaixador da Ucrânia de 2015 a 2022, ganhou a reputação de ser franco e de criticar abertamente a classe política do país, incluindo a liderança do governo. O senhor pretende adotar a mesma postura no Brasil?

Honestamente, eu não sei ainda o caminho que eu devo escolher. É fato que não haverá um cenário de ‘copia e cola’, cada situação é única. Eu me sinto honrado por ter servido na Alemanha, tive o privilégio trabalhar lá por sete anos antes da grande invasão russa.

Eu era muito franco quando a guerra começou. Era um apelo sincero meu. Eu não conseguia entender por que a Alemanha, que se envolveu tanto nas negociações de Minsk e que tentava nos ajudar a resolver a primeira agressão russa com a anexação da Crimeia, em 2014, sabendo de todos os riscos, não nos forneceu armas. Minha convicção pessoal é que isso teria prevenido a atual invasão russa, iniciada em 2022. Tendo esse enorme peso geopolítico e econômico, a Alemanha poderia ter desempenhado outro papel para conter a Rússia ou mesmo evitar a guerra, pelo menos naquele momento. Isso não aconteceu.

No Brasil, a tarefa é diferente porque a conexão, por assim dizer, não é tão forte. Há uma comunidade de imigrantes ucranianos aqui de mais de 130 anos no Paraná, existem mais de 600 mil brasileiros com raízes ucranianas. Mas, basicamente, para a maioria das pessoas aqui, a Ucrânia ainda não parece ter um grande significado por enquanto.

Minha meta aqui é contar a história da guerra. Há muitas coisas que precisam ser faladas. Podemos começar com o sequestro de crianças ucranianas: milhares delas foram levadas à força para a Rússia. Elas são dadas para adoção forçada a famílias russas para serem reeducadas. Isso está acontecendo agora, no século 21. É pura barbaridade. Há prisioneiros de guerra ucranianos sendo torturados.

“Pode-se até permanecer neutro de alguma forma”

Há muitos assuntos práticos que têm significado para nós, não só do ponto de vista político e diplomático. A diplomacia brasileira faz parte das mais fortes do mundo, com grande tradição. O Itamaraty é um templo da diplomacia, com todas as pré-condições para ter orgulho dessa tradição, mas a sociedade, o jornalismo, ativistas políticos, ONGs – todos podem desempenhar um papel para influenciar a liderança russa a libertar crianças, na troca de prisioneiros de guerra.

São questões humanitárias. Pode-se até permanecer neutro de alguma forma. Há muito o que pode ser feito aqui para nos ajudar a aliviar as consequências desta guerra terrível. Há áreas enormes na Ucrânia que estão cheias de minas. O Brasil também poderia ajudar a liberar essas áreas, enviando especialistas que podem ajudar a tornar possível o retorno seguro dos moradores.

Na área de meio ambiente, o Brasil também pode ajudar. Nós estamos falando de crimes de guerra em escala industrial que foram cometidos desde o primeiro dia. Quase ninguém fala sobre os danos ecológicos: florestas destruídas, campos que não podem mais ser cultivados nos próximos anos ou décadas.

Como o Brasil, a Ucrânia é um celeiro mundial importante. Então não é só uma guerra nossa, é uma guerra que tem repercussão em outros países, [é uma] ameaça à segurança alimentar.

Liderança do Brasil e obrigação moral

O Brasil pode nos ajudar a garantir que haverá um julgamento de todos esses crimes humanitários. Todos aqueles que perpetraram crimes de guerra, estupro, tortura, que mataram civis, devem ser julgados. Se isso não for feito, se não recuperarmos as áreas ocupadas, haverá um problema, um mau exemplo ficará para outros países, que poderiam cometer os mesmos crimes de guerra, genocídio, crimes contra a humanidade.

O Brasil tem esta ambição de ter um papel de liderança, que é ancorada em seu tamanho geográfico, demografia, em sua economia, em sua cultura. Acho que é uma obrigação moral estar mais engajado e mostrar esta liderança para que outros possam seguir.

Em abril, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que a decisão de iniciar a guerra foi tomada tanto pela Rússia quanto pela Ucrânia. Na semana passada, durante seu pronunciamento de abertura na Assembleia Geral das Nações Unidas, ele optou por adotar um tom distante em relação à guerra na Ucrânia, segundo analistas ouvidos pela DW. Ele não mencionou especificamente a Rússia, apenas a guerra na Ucrânia, num contexto de outros conflitos no mundo – segundo os especialistas, não houve ênfase no conflito. Isto pode não ter agradado ao presidente ucraniano Zelenski, que não aplaudiu Lula. Como o senhor vê a posição do Brasil em relação à guerra na Ucrânia? Essa posição é equivocada?

Eu não diria isso. Em sua posição oficial, o Brasil pertence ao grupo, agora composto por 141 países, que, em fevereiro, na Assembleia Geral da ONU, condenou a invasão, condenou a violação das leis internacionais, além de fazer parte da ampla comunidade internacional que tenta nos ajudar a encontrar uma solução pacífica.

Eu estou muito contente e orgulhoso que pudemos organizar este primeiro encontro entre Lula e Zelenski em Nova York na semana passada. Até então, os dois haviam se falado apenas uma vez por telefone em março. Depois disso, houve muitas declarações, muitas emoções, e isso não foi útil. Ninguém se beneficia disso e ninguém conseguia entender o que estava acontecendo – tomando por base a posição oficial do Brasil, segundo a qual o Brasil está a bordo conosco.

Não foi fácil organizar este encontro devido a esse volume de emoções que foram criadas de forma artificial. Eles conversaram cerca de uma hora e dez minutos. Foi uma conversa franca e honesta entre dois líderes muito ambiciosos, sem grandes expectativas, mas com o desejo de entender melhor a posição de cada um. Foi um bom começo. Podemos chamar de grande avanço, depois deste círculo vicioso de concepções e interpretações equivocadas vividas no passado.

“Iniciar negociações agora faria pouco sentido”

Não temos um processo de paz. Nós só temos uma guerra brutal porque Putin não está disposto a negociar. E isso foi um dos tópicos do encontro. Meu presidente tentou explicar para Lula por que iniciar negociações [de paz] agora faria pouco sentido. Não há uma mínima confiança sobre o que o chefe do Kremlin diz ou faz. As promessas que ele faz são palavras vazias.

Nós queremos paz. O Brasil pode ajudar a preparar o terreno para essas negociações. Chegar a um cessar-fogo não é o suficiente para atingir uma paz duradoura. Poderia acontecer o mesmo que ocorreu com o Acordo de Minsk, que não foi implementado, e muitos países negligenciaram as consequências e uma grande guerra se instalou no nosso território.

O senhor então acredita que o Brasil poderia liderar este processo das negociações de paz?

Certamente. Para mim, o Brasil é predestinado a ter um papel mais ativo por diferentes razões. Este tem que ser um processo muito criativo, já que não há um exemplo similar no passado recente. Pela primeira vez, há um membro permanente do Conselho de Segurança da ONU atacando, agredindo, invadindo um país vizinho e com um direito de vetar qualquer decisão política.

É um dos principais problemas da ordem legal atual que está ameaçada pela Rússia e não há um instrumento para forçar o país agressor a parar a invasão. Nosso apelo a todos os amigos e parceiros brasileiros é pensar fora da caixa, pensar de forma criativa. Esse é o maior desafio que a humanidade enfrenta depois da Segunda Guerra, um trauma que continua vivo para nós: na Segunda Guerra, perdemos cerca de 10 milhões de ucranianos.

Como na Segunda Guerra, os civis são os que mais sofrem, porque a Rússia usa táticas sinistras de colocar os civis como alvo, atacando vilas, hospitais, escolas, museus, empresas, portos. No campo de batalha, a Rússia não se mostra como um país com um grande Exército. Parece que, para compensar isso, eles atingem os civis para criar terror, forçar os ucranianos a deixar o país, ou ir para outras regiões mais distantes do conflito.

Atualmente, as estruturas existentes dentro da ONU não oferecem soluções para nos ajudar a parar a guerra por meio diplomático. Estamos pedindo ajuda para pensar nesta solução não só ao governo brasileiro, mas também a think tanks, ONGs, universidades.

O Brasil deveria fornecer armas para a Ucrânia?

Primeiro, é uma decisão de total soberania do governo brasileiro, que tem que cuidar de seus interesses e formular sua própria agenda. Sob o nosso ponto de vista, podemos falar apenas da perspectiva de vítimas, de civis. Gostaria de ressaltar isso novamente, pois uma coisa que não é sempre compreendida aqui é a natureza maligna desta guerra. A propaganda russa diz todo o tempo aqui que se trata de um conflito menor, quase uma guerra civil, que a Rússia está lutando contra o Ocidente, contra a Otan – que seria má – que desejaria invadir o território dela.

E gostaria de repetir esse dado: esta é uma guerra que está sendo travada contra alvos que são 94% civis. Drones, foguetes e todas as outras armas que eles usam são direcionadas para civis em 94% dos casos. Isso muda tudo.

É uma guerra que está sendo travada contra idosos, crianças, mulheres. Se não fosse o sistema de defesa aéreo, fornecido por países como a Alemanha, que abate os drones e foguetes que voam literalmente sobre nossas cabeças na Ucrânia, mais escolas e casas teriam sido destruídas e mais pessoas teriam morrido.

Desse ponto de vista, são um pedido e uma expectativa justos por parte da sociedade ucraniana. O Brasil poderia ter um papel de liderança também aqui na América Latina nesse sentido. Enviar munição para sistemas de defesa como os Gepard, enviados pela Alemanha em 2022, poderiam salvar vidas, não seria participar das hostilidades, ou assumir um lado ou outro do conflito. Eles ajudam os nossos militares a “fechar o céu”, deixar as cidades mais seguras.

“Ninguém espera que o Brasil se envolva nas zonas de conflitos”

Ninguém espera que o Brasil se envolva nas zonas de conflito, mas que ajude de outras maneiras, como, por exemplo, com a retirada de minas, fornecendo munições para o sistema de defesa aéreo e veículos para transporte de feridos nas cidades bombardeadas. O Brasil também poderia nos ajudar na questão da energia, com geradores e outros equipamentos que poderiam ser enviados às cidades e que ajudariam os ucranianos a sobreviver ao próximo inverno [no Hemisfério Norte], que será uma estação muito difícil.

Por que a Ucrânia até agora praticamente não conseguiu mobilizar um apoio significativo no Sul Global?

É uma pergunta difícil, e ainda não temos uma resposta apropriada. Há muitos fatores que, infelizmente, nós deixamos de lado nestas três décadas depois de termos conquistado novamente a nossa independência.

Nós não investimos muito tempo e atenção em todos os países que agora são chamados de Sul Global, um termo do qual eu não gosto muito porque coloca países muito diferentes numa mesma denominação. Em parte, foi um erro nosso.

*Com Brasil de Fato

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Guerra na Ucrânia escancara “incapacidade” de países da ONU, diz Lula

Lula fez seu oitavo discurso na ONU, nesta terça-feira (19/9), após 14 anos. Tradicionalmente, Brasil é o primeiro país a discursar.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defendeu, durante discurso na 78ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), nesta terça-feira (19/9), que a guerra na Ucrânia demanda “espaço para negociações”, e voltou a condenar o que classificou como excesso de investimentos em armas e pouco em desenvolvimento.

“A guerra da Ucrânia escancara nossa incapacidade coletiva de fazer prevalecer os propósitos e princípios da Carta da ONU. Não subestimamos as dificuldades para alcançar a paz. Mas nenhuma solução será duradoura se não for baseada no diálogo”, declarou o mandatário durante tradicional discurso de abertura entre os chefes de Estado presentes.

O pronunciamento de Lula foi acompanhado pelo presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, que está em Nova York presencialmente para a assembleia, pela primeira vez desde a invasão russa ao território vizinho, em fevereiro de 2022. Vladimir Putin, da Rússia, não participa do evento.

esde que assumiu o governo, o mandatário manteve a tradicional posição brasileira neutra no conflito – ao condenar a invasão de um país soberano, sem adotar um posicionamento mais duro com relação ao país liderado por Putin. Nesse sentido, Lula busca se colocar como um dos possíveis negociadores da paz; no entanto, alega que os dois lados do conflito relutam em aceitar negociar.

Durante o discurso desta terça, o mandatário brasileiro voltou a condenar as sanções unilaterais a Moscou, impostas por nações ocidentais como Estados Unidos e países da União Europeia, em razão do conflito. “As sanções unilaterais causam grande prejuízos à população dos países afetados”, prosseguiu.

Lula fala de negociações na ONU
Lula também reiterou que “é preciso trabalhar para criar espaço para negociações”. “Investe-se muito em armamentos e pouco em desenvolvimento”, avaliou o mandatário.

Na oportunidade, o chefe do Estado brasileiro citou números para colaborar com a tese. “No ano passado, os gastos militares somaram mais de US$ 2 trilhões. As despesas com armas nucleares chegaram a US$ 83 bilhões, valor 20 vezes superior ao orçamento regular da ONU.”

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Brasil vai participar de nova negociação sobre paz na Ucrânia

Jamil Chade*

O Brasil vai participar de uma reunião pela paz na Ucrânia, que ocorrerá na Arábia Saudita em agosto. Diplomatas do Itamaraty confirmaram ao UOL que negociações neste sentido foram realizadas nos últimos dias.

De acordo com a agência Associated Press, a reunião deve ocorrer na cidade de Jeddah, no Mar Vermelho. Cerca de 30 países devem participar — inclusive alguns dos principais membros dos Brics e o governo norte-americano de Joe Biden.

A esperança é que o encontro possa conduzir o grupo a pensar em certos princípios que deveriam ser considerados em um eventual plano de paz.

Fontes do Palácio do Planalto confirmaram a participação do Brasil e o governo ainda avalia quem representará o país — já que a reunião coincide com o encontro que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva convocou para a Amazônia.

Desde que tomou posse, o presidente tem insistido em se apresentar como um possível interlocutor entre russos e ucranianos. Mas o projeto tem sofrido resistência, principalmente por parte de americanos e alguns europeus.

O governo Lula enviou seus emissários tanto para Kiev como para Moscou, mas o próprio presidente brasileiro chegou a alertar ao presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, que não existe uma negociação de paz com base na tentativa de Kiev de impôr seu plano como a única saída para a crise.

No fim de junho, o Brasil já havia participado de uma iniciativa semelhante, com representantes dos países do G7, emergentes e os ucranianos.

Durante o encontro, realizado na Dinamarca, o governo de Kiev tentou aprovar uma declaração final na qual os participantes sinalizavam apoio a trechos do plano de paz dos ucranianos. Mas a ideia não prosperou, em especial diante da resistência dos países emergentes. O Brasil também adotou a mesma postura.

Naquele momento, o representante do Brasil, Celso Amorim, indicou que a aprovação do documento “não seria produtivo” e qualquer ideia de paz precisa nascer de conversas entre russos e ucranianos.

Ainda assim, o brasileiro destacou que o encontro foi concluído com a decisão de manter o diálogo, o que já seria considerado um avanço diante da crise internacional.

Segundo Amorim, porém, esse processo terá de incluir a China e a Rússia. “Não há como fazer um acordo com eles mesmos”, disse o negociador brasileiro, em referência aos ucranianos.

Por enquanto, o processo ainda não será transformado em uma reunião de cúpula de chefes de Estado. Mas não se descarta que, no futuro, o grupo possa ganhar tal dimensão.

No encontro na Dinamarca, a ausência de Jake Sullivan, conselheiro nacional de Segurança dos EUA, acabou prejudicando a ambição da reunião. O norte-americano optou por permanecer em Washington diante do motim que se registrava na Rússia naqueles dias e liderado por grupo Wagner.

*Uol

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Casa Branca diz querer terminar guerra na Ucrânia e expressa confiança na relação com Brasil após comentários de Lula

“Estamos confiantes na relação com o Brasil”, disse Karine Jean-Pierre

A porta-voz da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, destacou que o Brasil é um parceiro dos Estados Unidos, mesmo tendo rejeitado que Washington compartilha responsabilidade pela guerra na Ucrânia. Ela foi questionada sobre a posição do Brasil sobre o conflito e os comentários do presidente Lula, que afirmou que tanto Washington quanto Bruxelas incentivam a guerra ao enviarem armas para Kiev sem se preocuparem em negociar a paz.

Segundo a porta-voz, os EUA também desejam terminar a guerra. “Acreditamos, e é verdade, que [as declarações] estão completamente erradas”. “Claro que queremos que a guerra termine, é claro. O que escutamos, o tom não foi neutro, e não é verdade”, continuou.

“Estamos confiantes na relação com o Brasil, mesmo que não concordemos com algumas coisas que o presidente Lula disse”, destacou.

*Com 247

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Vazam documentos secretos de inteligência dos EUA sobre Ucrânia, Oriente Médio e China

Um novo conjunto de documentos secretos que revelam os segredos de segurança nacional dos Estados Unidos em temas que vão da Ucrânia ao Oriente Médio e à China apareceu em sites de mídia social nesta sexta-feira (7).

Segundo o jornal The New York Times, os documentos classificados detalham planos estadunidenses e da OTAN para fortalecer as forças armadas ucranianas antes de uma ofensiva planejada contra as tropas russas.

Analistas ouvidos pelo jornal dizem que mais de 100 documentos podem ter sido obtidos. Junto com a sensibilidade dos próprios documentos, podem ser extremamente prejudiciais, disseram autoridades americanas.

“Um alto funcionário da inteligência chamou o vazamento de ‘um pesadelo para os Cinco Olhos’, em uma referência aos Estados Unidos, Grã-Bretanha, Austrália, Nova Zelândia e Canadá, as chamadas nações dos Cinco Olhos que compartilham amplamente inteligência”, afirmou o NY Times.

*247

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Um ano depois

Por JOSÉ LUÍS FIORI*

No dia 24 de fevereiro de 2022, a Rússia invadiu o território da Ucrânia e infringiu uma norma básica do Direito Internacional consagrado pelos Acordos de Paz do pós-Segunda Guerra Mundial, que condenam toda e qualquer violação da soberania nacional feita sem a aprovação ou consentimento do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Exatamente da mesma forma como a Inglaterra e a França violaram esse direito, quando invadiram o território do Egito e ocuparam o Canal de Suez, em 1956, sem o consentimento do Conselho de Segurança, violação que ocorreu também quando a União Soviética invadiu a Hungria, em 1956, e a Tchecoslováquia, em 1968. Da mesma forma, os Estados Unidos invadiram Santo Domingo, em 1965, e de novo, invadiram e bombardearam os territórios do Vietnã e do Camboja durante toda a década de 60; o mesmo voltou a ocorrer quando a China invadiu uma vez mais o território do Vietnã, em 1979, apenas para relembrar alguns casos mais conhecidos de invasões ocorridas sem o consentimento do Conselho de Segurança da ONU.

Em todos esses casos, as potências invasoras alegaram “justa causa”, ou seja, a existência de ameaças à sua “segurança nacional” que justificavam seus “ataques preventivos”. E em todos esses casos, os países invadidos contestaram a existência dessas ameaças, sem que sua posição jamais tenha sido tomada em conta.

Ou seja, na prática, sempre existiu uma espécie de “direito internacional paralelo”, depois da Segunda Guerra – e poderia se dizer mais – durante toda história do sistema internacional consagrado pela assinatura da Paz de Westfália, em 1648: as “grandes potências” desse sistema sempre tiveram o “direito exclusivo” de invadir o território de outros países soberanos, tomando em conta apenas seu próprio juízo e arbítrio, e sua capacidade militar de impor sua opinião e vontade aos países mais fracos do sistema internacional.

O que passou, entretanto, é que depois do fim da Guerra Fria, esse “direito à invasão” transformou-se num monopólio quase exclusivo dos Estados Unidos e da Inglaterra. Basta dizer que, nos últimos

30 anos, os Estados Unidos (quase sempre com o apoio da Inglaterra) invadiram sucessivamente, e sem o consentimento do Conselho de Segurança da ONU: o território da Somália, em 1993 (300 mil mortos); do Afeganistão, em 2001 (180 mil mortos); do Iraque, em 2003 (300 mil mortos), da Líbia, em 2011 (40 mil mortos); da Síria, em 2015 (600 mil mortos); e finalmente, do Iêmen, onde já morreram aproximadamente 240 mil pessoas.

O que surpreende em todos estes casos é que, com exceção da invasão anglo-americana do Iraque, em 2003, que provocou uma reação mundial e teve a oposição da Alemanha, as demais invasões iniciadas pelos Estados Unidos nunca provocaram uma reação tão violenta e coesa das elites euro-americanas, como a recente invasão russa do território da Ucrânia. E tudo indica que é exatamente porque nesta nova guerra, a Rússia está reivindicando o seu próprio “direito de invadir” outros territórios, sempre e quando considere existir uma ameaça à sua soberania nacional.

É óbvio que as coisas não são feitas de forma nua e crua, e é neste ponto que adquire grande importância a chamada “batalha das narrativas”, segundo a qual se tenta convencer a opinião pública mundial de que seus argumentos são mais válidos do que os de seus adversários. E neste campo a Rússia vem obtendo uma vitória lenta, mas progressiva, na medida em que vão sendo divulgadas informações fornecidas por seus próprios adversários, que caracterizam a existência de um comportamento de cerco e assédio militar e econômico à Rússia, que começou muito antes do dia 24 de fevereiro de 2022, com o objetivo de ameaçar e enfraquecer sua posição geopolítica e, no limite, fragmentar o próprio território russo.

No dia 8 de fevereiro de 2023, o famoso jornalista norte-americano Seymour Hersh, ganhador do prêmio Pulitzer de Reportagem Internacional de 1970, trouxe a público, através de um artigo publicado no portal Substack, (How America Took Out The Nord Stream Pipeline), a informação de que foram mergulhadores da Marinha norte-americana que instalaram os explosivos que destruíram os gasodutos Nord Stream 1 e 2, no Mar Báltico, no dia 26 de setembro de 2022, com autorização direta do presidente Joe Biden. Uma operação feita sob a cobertura dos exercícios BOLTOPS 22 da OTAN, realizados três meses antes, no Báltico, quando se instalaram os dispositivos que foram ativados remotamente por operadores noruegueses. E depois desta revelação inicial de Seymour Hersh, novas informações vêm sendo agregadas a cada dia, reforçando a tese de que o atentado foi planejado e executado pela Marinha Americana, e que a destruição dos gasodutos Nord Stream 1 e 2 do Báltico foi de fato, uma das causas “ocultas” da própria ofensiva americana na Ucrânia.[1]

Na mesma direção, algumas semanas antes dessas revelações do jornalista americano, a ex-primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, declarou em entrevista concedida ao jornal alemão Die Zeit, no início do mês de dezembro, que os Acordos de Minsk estabelecidos entre Alemanha, França, Rússia e Ucrânia, em 13 de fevereiro de 2015, não eram para valer, e que só foram assinados pelos alemães para dar tempo à Ucrânia de se preparar para um enfrentamento militar com a Rússia. O mesmo declarou o ex-presidente da França François Hollande, ao admitir numa entrevista para um meio de comunicação ucraniano, duas semanas depois, que os Acordos de Minsk tinham como objetivo apenas ganhar tempo enquanto as potências ocidentais reforçassem Kiev militarmente para fazer frente à Rússia.

Os dois governantes mais importantes da União Europeia reconheceram abertamente que assinaram um tratado internacional sem intenção de cumpri-lo; e que além disso, a estratégia dos dois (junto com EUA e Inglaterra) era preparar a Ucrânia para um enfrentamento militar direto com a Rússia.

Declarações inteiramente coerentes com o comportamento dos Estados Unidos, que boicotaram as negociações de paz entre russos e ucranianos, realizadas na fronteira da Bielorrússia, em 28 de fevereiro de 2022, cinco dias depois de iniciada a operação militar russa no território ucraniano. E da Inglaterra que boicotou diretamente a negociação de paz iniciada em Istambul, no dia 29 de março de 2022, e que foi interrompida pela intervenção pessoal do primeiro-ministro inglês, realizada numa visita-surpresa de Boris Johnson a Kiev feita no dia 9 de abril de 2022.

São declarações e comportamentos que só reforçam a “narrativa” dos russos de que o conflito da Ucrânia começou muito antes da “invasão russa” do território ucraniano. Mais precisamente, quando o governo americano do democrata Bill Clinton se desfez da promessa feita por James Baker, secretário de Estado do governo George Bush, ao presidente russo Mikhail Gorbatchov, de que as forças da OTAN não avançariam na direção da Europa do Leste depois de desfeito o Pacto de Varsóvia. Porque foi exatamente a partir daquele momento que se sucederam as cinco ondas expansivas da OTAN de que fala Hua Chunying (diplomata chinesa citada na epígrafe deste artigo), e que chegaram até as fronteiras russas da Geórgia e da Ucrânia.

Em 2006, o presidente George W. Bush avançou ainda mais e propôs diretamente a inclusão da Georgia e da Ucrânia na OTAN, provocando a resposta do presidente Vladimir Putin na reunião

anual da Conferência de Segurança de Munique, em fevereiro de 2007, quando Putin advertiu explicitamente que era inaceitável para os russos o avanço da OTAN até suas fronteiras, em particular na região da Ucrânia e do Cáucaso. E de fato, no ano seguinte, em agosto de 2008, pela primeira vez depois do fim da URSS, a Rússia mobilizou suas tropas para derrotar as forças georgianas comandadas por Mikheil Saakashvilli e ocupar em seguida e de forma permanente os territórios da Ossétia do Sul e da Abecásia, no norte do Cáucaso. Depois disto, começou o conflito na Ucrânia, com a derrubada de seu presidente eleito, Viktor Yanukovych, pelo chamado Movimento EuroMaidan, que contou com o apoio direto dos Estados Unidos e de vários governos europeus.

O restante da história é bem conhecido, desde a incorporação da Crimeia ao território russo, até o reconhecimento russo da independência das repúblicas de Donestsk e Lugansk, passando pelos fracassados Acordos de Minsk e pela proposta apresentada pelo governo russo às autoridades da OTAN e do governo americano, em 15 de dezembro de 2021, solicitando uma rediscussão aberta e diplomática da questão de Donbass e de todo o equilíbrio estratégico e militar da Europa Central. Proposta que foi rejeitada ou desconhecida pelos norte-americanos, e pelos principais governos da União Europeia, dando início ao conflito militar propriamente dito, já no território da Ucrânia.

Um ano depois do início da invasão russa, a guerra hoje já é direta e explicitamente entre a Rússia e os Estados Unidos e seus aliados europeus, e tudo indica que os Estados Unidos decidiram aumentar ainda mais seu envolvimento no conflito. Mas neste momento, do ponto de vista estritamente militar: (i) Os russos já consolidaram uma linha de frente consistente e cada vez mais intransponível para as tropas ucranianas, e com isto conquistaram o território e a independência definitiva de Donbass e Crimeia, zonas ucranianas de população majoritariamente russa. (ii) Desde essa conquista consolidada, os russos passaram a ocupar uma posição privilegiada de onde atacar ou responder aos ataques das forças ucranianas com suas novas armas americanas e europeias, podendo atingir as regiões mais ocidentais da Ucrânia, incluindo Odessa e Kiev.

(iii) Além disso, as forças ucranianas não têm mais a menor possibilidade de manter- se em pé sem a ajuda permanente e massiva dos EUA e da OTAN. E as forças americanas e da OTAN se encontram cada vez mais frente à disjuntiva de um enfrentamento direto com os russos, que poderia ser catastrófica para toda a Europa. (iv) Por último, mesmo que a guerra não escale até uma dimensão europeia ou global, as Forças Armadas russas sairão desse confronto mais poderosas do que entraram, com o desenvolvimento e aprimoramento de armamentos que lhe entregam de forma definitiva a supremacia militar dentro da Europa, na ausência dos Estados Unidos.

Assim mesmo, do ponto de vista estratégico e de longo prazo, a vitória mais importante da Rússia, até agora, foi colocar os Estados Unidos e a Inglaterra numa verdadeira “sinuca de bico”. Se as duas potências anglo-saxônicas prolongam a guerra, como querem fazer, cada dia que passa a Rússia estará dando mais um passo na conquista do seu próprio “direito à invasão”.

Mas ao mesmo tempo, se os Estados Unidos e a Inglaterra aceitarem negociar a paz, estarão reconhecendo implicitamente que já perderam um “monopólio” que foi fundamental para a conquista e manutenção do seu poder global, nos últimos 200 anos: o seu direito – como grandes potências – de invadir o território dos países que considerem seus adversários. Direito este que já foi reconquistado pela Rússia, depois de um ano de guerra na Ucrânia, pela força de suas armas. E esta é a verdadeira disputa que está sendo travada entre as grandes potências, na sua competição pelo “poder global”, como sempre, de costas para todo e qualquer juízo ético e crítica da própria guerra, e do seu imenso desastre humano, social, econômico e ecológico.

*José Luís Fiori é professor Emérito da UFRJ. Autor, entre outros livros, de O poder global e a nova geopolítica das nações (Boitempo).

*A Terra é Redonda

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Política

Lula veta envio de munição do Brasil para tanques na Ucrânia

Para manter neutralidade e não provocar os russos, presidente nega pedido da Alemanha.

De acordo com a Folha, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) negou um pedido do governo da Alemanha para que o Brasil fornecesse munição de tanques que seria repassada por Berlim à Ucrânia em guerra com a Rússia.

A decisão ocorreu no último dia 20, na reunião do petista com os chefes das Forças Armadas e o ministro da Defesa, José Múcio. Foi a véspera da demissão do comandante do Exército, Júlio Cesar de Arruda.

O general levou a proposta para discussão, mostrando que o esforço do premiê Olaf Scholz para montar um pacote de ajuda na área de blindados pesados a Kiev é mais amplo do que vem sendo divulgado.

Após semanas de pressão dos EUA e de aliados ocidentais, Scholz decidiu nesta semana enviar um contingente de 14 tanques Leopard-2 e, mais importante, liberou a reexportação dos armamentos para quem quiser doá-los à Ucrânia —12 países na Europa operam cerca de 2.300 blindados do tipo.

De acordo com militares e políticos com conhecimento do episódio, Arruda afirmou que o Brasil embolsaria cerca de R$ 25 milhões por um lote de munição estocada para seus tanques Leopard-1, o modelo que antecedeu o tanque desejado pelo governo de Volodimir Zelenski. Ele levantou a hipótese de exigir de Berlim que não enviasse o produto para Kiev, o que não faria sentido.

Lula disse não, argumentando que não valia a pena provocar os russos. O Brasil, apesar de ter condenado na ONU a invasão iniciada em 24 de fevereiro de 2022, mantém uma posição de neutralidade por motivos econômicos, recusando participar de sanções contra a Rússia do presidente Vladimir Putin.

O pedido por munição de Leopard-1 sugere que Berlim está disposta a ofertar o antigo modelo, do qual a fabricante Rheinmetall dispõe de 88 unidades em estoque. Elas precisariam ser preparadas para uso, o que o presidente da empresa diz que pode levar o ano todo, mas o problema principal hoje é a munição.

O Leopard-1 só é operado por Brasil (261 unidades, segundo o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, de Londres), Chile (30), Grécia (500) e Turquia (397) —os dois últimos, membros da Otan, aliança militar ocidental, assim como a Alemanha. O tanque tem um canhão com calibre de padrão antigo, de 105 mm, enquanto o Leopard-2 usa munição de 120 mm.

Não foi a primeira tratativa do gênero. No ano passado, a Alemanha sondou extraoficialmente o governo para comprar munição do blindado com canhões antiaéreos Gepard que tirou da aposentadoria para enviar à Ucrânia, sem sucesso. O Brasil ainda opera o modelo.

A Folha procurou Itamaraty, Ministério da Defesa e Exército, operador das munições, para comentar e especificar a natureza do pedido: se foi oficial ou uma sondagem. A Defesa disse não ter recebido pedido de autorização de exportação, o que passa primeiro pelas Relações Exteriores —que, como o Exército, ainda não respondeu. O detalhamento apresentado por Arruda na reunião sugere que o assunto teve andamento.

O Brasil não está sozinho na sua negativa. Os EUA pediram ao novo governo colombiano de Gustavo Petro que o país cedesse antigos helicópteros soviéticos Mi-8 e Mi-17 para Kiev, que opera esses modelos.

Levaram um não, relatou Petro nesta semana, assim como o aliado americano Israel negou a liberação de um lote de mísseis antiaéreos Hawk. Tel Aviv deu a desculpa de que o material é velho e inconfiável, mas pesou o fato de o governo ter relação próxima, embora nem sempre amigável, com Moscou.
Fertilizantes motivam o Brasil

Já a motivação central da posição de Lula tem nome: fertilizantes, vitais para o agronegócio do país e que têm de ser majoritariamente importados. A Rússia é, há anos, a líder desse mercado —de 2018 a 2022, vendeu em média 22% do produto consumido pelos brasileiros.

No ano passado, com os embargos ocidentais, seguradoras e transportadoras marítimas pararam de fazer negócio com embarques russos, e rotas alternativas foram criadas até um acordo para a exportação de grãos da Ucrânia durante a guerra em tese reabrir o mercado para Moscou —a Rússia reclama, contudo, que o Ocidente não faz sua parte.

O resultado foi um salto nos preços internacionais, visível no Brasil: apesar de ter importado 8 milhões de toneladas de fertilizantes de Moscou, 1,3 milhão de toneladas a menos do que em 2021, o lucro dos russos cresceu 58,8% no período, um recorde de US$ 5,6 bilhões vendidos para brasileiros.

Esse cenário puxou o resultado da balança comercial com a Rússia em favor do Kremlin, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior. Em comparação com 2021, o Brasil comprou ao todo 37% a mais de Moscou em 2022, totalizando US$ 7,8 bilhões. Os russos estão em sexto no ranking de países que mais venderam ao Brasil. Em relação a exportações, compraram meros US$ 1,9 bilhão de produtos brasileiros.

A Rússia, apesar da pressão das sanções, conseguiu navegar a crise em 2022. Com a venda de petróleo e gás com desconto, a partir do gradual fechamento do mercado prioritário da Europa, viu China e Índia multiplicarem o comércio com o país.

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