Procuradores do Ministério Público Federal em Curitiba queriam dar imunidade a um delator e usar a colaboração para investigar o advogado Roberto Teixeira, que integrava a defesa de Lula. A informação consta em uma nova leva de mensagens enviadas ao Supremo Tribunal Federal pelos advogados do ex-presidente.
As mensagens, trocadas em 20 de setembro de 2016, envolvem Emyr Costa, ex-executivo da Odebrecht que acusou Lula de receber R$ 700 mil do chamado “Departamento de Operações Estruturadas” da construtora para a reforma do sítio de Atibaia.
Ao MPF, Costa disse que acompanhou uma reunião entre Alexandrino Alencar, ex-diretor da Odebrecht, e Teixeira. O encontro supostamente tinha o objetivo de buscar um modo de “regularizar” a obra do sítio, fazendo com que a reforma não parecesse ter sido feita em benefício de Lula, aparentando ser contratada por terceiro.
“Na minha opinião cabe imunidade para ele [Emyr Costa], seja em colaboração seja por meio de leniência. A alternativa que precisamos negociar com ele e com a Ode [Odebrecht] (seria uma desonestidade nossa na negociação) é o descolamento dele do resto do procedimento. Do contrário somente poderíamos utilizar o depoimento dele após a homologação do STF do acordo ou da finalização e homologação da leniência (o que ainda vai levar um teeeeeeeeempo)”, disse o procurador Roberson Pozzobon aos seus colegas.
“Esse depoimento é muito útil AGORA. Em resumo, penso que precisamos dar algo que agrade a empresa (para ela não espernear), negociar imunidade com ele, colher o depoimento e utilizá-lo para busca no advogado e na nova denúncia da ODEBRECHT”, prossegue Pozzobon, em referência à denúncia do sítio de Atibaia.
O procurador Athayde Ribeiro Costa entra na conversa. “Acho que vale tb [também]. Melhor que fosse na leniência, pois lá não preciso fazer uma justificativa. Nunca demos imunidade em colaboração. Mas não é impossível. Talvez fosse melhor perdão judicial, mas não é possível, na minha opinião, colocar o perdão judicial como cláusula, pois me parece estar dentro de uma discricionariedade judicial muito grande”, afirmou.
Deltan Dallagnol discorda: “Isso tem jeito. A grande questão é a negociação com a empresa: o que pode ser prometido em troca. Tem que ver tb se nas classes de penas ele entraria no guarda chuva, pq a situação dele ficará como parâmetro. Talvez esse seja um ponto em favor da empresa: esse será um parâmetro pra situações similares se fizermos com ele – guarda chuva de imunidade da leniência. Mas tem que analisar a situação dele e falar com BSB [Brasília]”.
Delação No fim das contas, os procuradores não seguiram em frente com o plano. Mas Emyr acabou delatando e teve sua colaboração homologada para dar sustentação à denúncia do sítio de Atibaia, que gerou uma condenação contra Lula.
A alegação de que R$ 700 mil foram repassados ao ex-presidente, no entanto, sempre foi questionada pelos advogados do petista. O perito Cláudio Wagner, que atua para a defesa de Lula, chegou a apresentar ao ex-juiz Sergio Moro, então responsável por julgar o ex-presidente na 13ª Vara Federal de Curitiba, uma perícia apontando que a quantia saiu, via Emyr Costa, do Projeto Aquapolo, obras de saneamento do ABC Paulista, com destino a Ruy Lemos Sampaio, presidente da Odebrecht.
O perito entrou no sistema do chamado “Departamento de Operações Estruturadas” e rastreou o dinheiro. Lá, segundo apontou Cláudio Wagner, é possível identificar notas específicas e fazer todo o acompanhamento, desde a entrada do documento até a sua saída.
O rastreamento, diz a defesa, não deixa dúvidas sobre a destinação do valor, prova nunca contestada pelo Ministério Público Federal. Assim, a conclusão do laudo é a de que Costa mentiu para incriminar Lula.
“Os registros comprovam que ele enviou valores ao departamento de operações estruturadas, todos sem nenhum vínculo com a obra de Atibaia discutida na presente ação penal e, ainda, sem a mínima vinculação desses valores com obras e/ou contratos da Petrobras”, diz o perito.
“A ‘lava jato’ cogitou perdoar pessoa que admitiu a prática de crime — e até retirá-lo do ‘acordo’ que estava sendo negociado com a PGR por diversos executivos da Odebrecht — para dele obter uma narrativa que pudesse justificar, em 2016, invadir o escritório de advocacia responsável pela Defesa Técnica do reclamante [Lula]”, disseram ao STF os advogados do petista.
A defesa de Lula é feita por Cristiano Zanin, Valeska Martins, Eliakin Tatsuo e Maria de Lourdes Lopes.
Alvo recorrente Embora a operação de busca contra Teixeira nunca tenha acontecido, o advogado era um alvo recorrente da “lava jato” e chegou a ter seu sigilo telefônico quebrado por Sergio Moro em fevereiro de 2016, conforme mostrou a ConJur na época.
Ainda que fosse publicamente reconhecido como o responsável pela defesa de Lula, Moro disse não ter identificado “com clareza” a existência de “relação cliente/advogado a ser preservada entre o ex-presidente” e Teixeira. Escutar conversas entre advogado e cliente é ilegal.
Além de Teixeira, o Ministério Público Federal ouviu a conversa de 25 advogados do Teixeira, Martins e Advogados (hoje Teixeira, Zanin, Martins Advogados), banca que defende Lula. A revelação foi feita pela ConJur. Com isso, pelo menos 300 clientes foram grampeados.
A interceptação do número foi conseguida com uma dissimulação do Ministério Público Federal. No pedido de quebra de sigilo de telefones ligados a Lula, os procuradores da República incluíram o número do Teixeira, Martins e Advogados como se fosse da Lils Palestras, Eventos e Publicações, empresa de palestras do ex-presidente.
Moro autorizou essa escuta por entender que ela poderia “melhor esclarecer a relação do ex-Presidente com as empreiteiras [Odebrecht e OAS] e os motivos da aparente ocultação de patrimônio e dos benefícios custeados pelas empreiteiras em relação aos dois imóveis [o triplex no Guarujá (SP) e o sítio em Atibaia].
Em entrevista ao DN, a propósito do lançamento em Portugal do livro Lawfare: Uma Introdução, os defensores do antigo sindicalista que foi presidente entre 2003 e 2011 afirmam ainda que sem a prática da “guerra jurídica” Bolsonaro não seria hoje presidente do Brasil.
Os advogados de Lula da Silva acreditam numa parceria de interesses entre os líderes da Operação Lava Jato e o governo dos EUA para acusar Lula da Silva e, com isso, deixá-lo de fora das eleições de 2018, que acabaram ganhas por Jair Bolsonaro. Sem essa “guerra jurídica”, Bolsonaro, que convidaria o líder da operação Sérgio Moro para seu superministro da Justiça e da Segurança, não seria eleito, afirmam ainda ao DN Cristiano Zanin e Valeska Martins, autores, ao lado do também jurista Rafael Valim, de Lawfare: Uma Introdução.
O livro, à venda no Brasil há quase um ano, chega hoje a Portugal, editado pela Almedina e com prefácio de Francisco Louçã. A apresentação online terá a presença de Ana Rita Duarte de Campos e do deputado Pedro Bacelar de Vasconcelos, a partir das 18.00.
Eis a conversa do DN com os três autores, a propósito de Lawfare, mas também de Lula.
Lula é ou foi alvo de mais de uma dezena de ações: não fica um pouco difícil argumentar perante a opinião pública que todos esses processos são devidos apenas a uma guerra política? Cristiano Zanin: Todos os processos têm em comum o facto de serem desprovidos de qualquer materialidade. São hipóteses acusatórias construídas não com base em elementos concretos, mas com base na “convicção”, ou seja, naquilo que alguns membros do Sistema de Justiça brasileiros que não gostam do ex-presidente Lula imaginaram com o objetivo de o pôr na prisão e para o retirem da política. Tanto é verdade que até ao momento nós conseguimos a absolvição de Lula em cinco processos em que o ex-presidente foi julgado fora da Lava Jato de Curitiba. Ou seja, quando juízes imparciais e independentes analisaram as acusações à luz da defesa que apresentamos, eles absolveram Lula. Só nos processos originados em Curitiba, onde a condenação de Lula estava predefinida, é que esse resultado ainda não ocorreu. Mas temos a real expectativa de que esses processos da Lava Jato de Curitiba sejam anulados pelo Supremo Tribunal Federal diante da indiscutível parcialidade do então juiz Sérgio Moro, que fez toda a instrução e ainda julgou um deles.
Temos um habeas corpus que está pendente de julgamento desde dezembro de 2018 na Suprema Corte, que foi bastante reforçado pelos incríveis diálogos entre os procuradores e o então juiz Sérgio Moro divulgados pela série que ficou conhecida no Brasil como Vaza Jato, capitaneada pelo portal The Intercept Brasil. O facto é que, mesmo com toda a campanha mediática e as operações psicológicas realizadas pela Lava Jato, o nosso trabalho técnico, associado a alguns factos recentes, acabou escancarando o lawfare praticado contra Lula, e isso está sendo notado por parte significativa da população, com reflexos também nos processos envolvendo o ex-presidente.
Quais são então os momentos nos processos de Lula que ilustram lawfare? Cristiano Zanin: Todos os processos abertos contra o ex-presidente Lula são desprovidos de materialidade e buscavam resultados políticos, inclusive o de retirá-lo das eleições presidenciais de 2018, e por isso fazem parte indistintamente do lawfare que denunciamos desde 2016.
Por outro lado, não há dúvida de que a causa para a abertura desses processos está na atuação parcial do ex-juiz Sergio Moro, dos procuradores da Lava Jato de Curitiba e da parceria informal e estratégica que eles fizeram com autoridades norte-americanas. Moro e os procuradores usaram a lei como uma arma contra Lula, porque queriam destruí-lo.
Para viabilizar essa atuação ilegítima, como é parte do lawfare, conseguiram o apoio de uma parte significativa dos media para promover uma verdadeira campanha visando criar um ambiente artificial de culpa contra Lula. Uma parte dos media brasileiros dedicou muitas horas de televisão e muitas páginas de jornais e revistas para atacar Lula com base exclusivamente no material que era divulgado pela Lava Jato.
Os agentes da Lava Jato também utilizaram operações psicológicas, definidas em manuais, para realizar a gestão da perceção de uma parte da população em desfavor do ex-presidente e de sua defesa. Enfim, o lawfare é uma prática que possui táticas e técnicas definidas, como mostramos no livro agora lançado também em Portugal. Todas estão presentes no caso do ex-presidente Lula.
Moro e os Estados Unidos estariam então por trás dos processos contra Lula? Valeska Martins: A partir das provas que coletámos ao longo dos últimos anos, concluímos que houve uma conjugação de interesses geopolíticos dos Estados Unidos e de interesses políticos e pessoais de alguns agentes do Sistema de Justiça do Brasil que compuseram a Lava Jato.
Após ter descoberto petróleo na camada pré-sal e definido a sua partilha, o Brasil se tornou um alvo dos EUA, tanto é que em 2013 houve uma primeira investida com a espionagem da Petrobras, da então presidente da República Dilma Rousseff e membros do alto escalão de seu Governo.
Havia, da parte dos EUA, o interesse de mudar esse jogo e viram no Sistema de Justiça do Brasil o maior aliado para isso. Levámos aos processos como prova disso, por exemplo, um vídeo em que um procurador norte-americano, em uma reunião em 2017 com o então procurador-geral da República do Brasil, afirmou claramente que fez uma aliança com procuradores brasileiros baseada na “confiança” e fora dos canais oficiais para construir acusações contra Lula.
Isso somente foi possível porque o então juiz Moro e os procuradores da Lava Jato queriam fama e poder e também porque tinham a ambição de realizar muitas palestras que tinham as acusações contra o ex-presidente Lula como ponto central.
No seu entendimento, é justo concluir que, sem a prática de lawfare, Bolsonaro não seria hoje presidente do Brasil? Cristiano Zanin: Entendo que sim. Primeiro, porque Lula era o primeiro colocado nas intenções de voto nas eleições presidenciais de 2018 quando foi impedido de concorrer pelo Tribunal Superior Eleitoral do Brasil – mesmo após Valeska, eu e Geoffrey Robertson [advogado internacional de Lula] termos obtido em favor do ex-presidente uma liminar obrigatória e vinculante no Comité de Direitos Humanos da ONU, inédita no país, para que ele pudesse concorrer.
Segundo, porque a Lava Jato, com a campanha mediática e as operações psicológicas que ela utilizou para praticar lawfare, especialmente contra Lula, acabou por induzir a população à negação da política, e o presidente Jair Bolsonaro é o resultado disso. Recentemente, o professor Fábio Sá e Silva, da Universidade de Oklahoma, nos Estados Unidos, publicou uma pesquisa em que analisou 194 entrevistas do ex-juiz Sérgio Moro e dos procuradores da Lava Jato, mostrando que as ideias por eles difundidas, sobretudo de perseguição ao inimigo e de um exagerado quadro de corrupção sistémica, serviram de plataforma para a extrema-direita chegar ao poder no Brasil.
O ex-juiz Moro, segundo notícias da semana passada, vem conversando com outros protagonistas tendo a eleição 2022 em mente. Pensam que foi motivado por pretensões políticas individuais? Valeska Martins: Em 2016, quando levámos ao Comité de Direitos Humanos da ONU o comunicado individual em favor do ex-presidente Lula – o primeiro recurso dessa natureza feito por um cidadão brasileiro -, descrevemos que o então juiz Sérgio Moro estava se utilizando do cargo de magistrado para tracionar uma carreira política. Dissemos já naquela oportunidade perante a ONU que Moro queria ser um político e que ele desejava ser candidato, até mesmo ao cargo de presidente da República.
É sempre preciso lembrar que logo após ter impedido Lula de participar das eleições presidenciais de 2018, o ex-juiz foi participar do Governo do presidente Jair Bolsonaro, que foi eleito fundamentalmente em virtude dessa circunstância. Não é novidade alguma para nós, portanto, que após ter ficado 16 meses no Governo Bolsonaro, Moro esteja agora trabalhando para ser candidato ou para continuar participando da política do Brasil, inclusive com pronunciamentos que tentam polarizar com Lula.
Pessoalmente veem algum mérito na Operação Lava Jato? Rafael Valim: É comum dentro e fora do Brasil relativizarem-se os abusos da Operação Lava Jato pelo seu suposto efeito “moralizador” e por ter atingido relevantes políticos e empresários brasileiros. A verdade, porém, é que a Operação Lava Jato foi um projeto autoritário de poder cujos propósitos agora estão completamente desnudados.
A título de combater a corrupção, arruinou-se a economia brasileira e abriu-se caminho para uma profunda crise democrática, de que são exemplos eloquentes a destituição ilegítima de uma presidente da República e a ascensão de um líder de extrema-direita antitético aos nossos valores constitucionais.
Do ponto de vista económico, convém lembrar que, segundo um estudo recente, estima-se que apenas no seu primeiro ano a Lava Jato tenha subtraído cerca de 142,6 mil milhões da economia brasileira. Significa dizer que a operação produziu pelo menos três vezes mais prejuízos económicos do que aquilo que ela aponta ter sido desviado com corrupção. Some-se a isso a devastadora demissão de 2,5 milhões de trabalhadores de empresas investigadas ou das suas fornecedoras nos três primeiros anos da operação.
O lawfare é a tradução, no século XXI, das velhas guerras, com tanques e munições? Rafael Valim: O lawfare constitui um novo tipo de guerra, muito sofisticado e menos custoso do que as “velhas guerras”; não substitui os tanques e as munições, senão que se coloca como uma alternativa ou um complemento muito eficaz para a destruição de inimigos. Até pelo hermetismo da linguagem jurídica, incompreensível para a maioria das pessoas, o lawfare é uma modalidade de guerra silenciosa, discreta, porém de consequências tão ou mais devastadoras do que as guerras convencionais.
Naturalmente, não estamos com isso defendendo o uso do direito como arma de guerra. É justamente o contrário. No livro procuramos demonstrar que o lawfare é uma completa negação do direito, cujo objetivo é a construção da paz social.
No livro são referidos os casos Siemens e Ted Stevens: o lawfare não persegue apenas políticos de esquerda e nem sequer persegue apenas políticos? Valeska Martins: Exatamente. O conceito de lawfare que propusemos no livro consiste no uso estratégico do direito para fins de deslegitimar, prejudicar ou aniquilar um inimigo. O lawfare envolve, como detalhamos na obra, a utilização ilegítima do direito nas mesmas dimensões da guerra tradicional que pode resultar na destruição de pessoas e também de empresas. Políticos de todas as ideologias estão sujeitos ao lawfare, assim como empresas.
Aliás, as empresas geralmente são a porta de entrada do lawfare para atacar políticos e agentes públicos, por isso precisam estar bastante atentas ao fenómeno, necessitam fazer permanentes análises de riscos também sob essa perspetiva.
Para ilustrar essa situação, citamos no livro os casos da Siemens e do Senador Ted Stevens. A Siemens foi submetida a uma bateria de processos decisivos (bet-the-company) após os EUA descobrirem que a empresa estava vendendo produtos para o Irão.
Ted Stevens era um senador republicano que seria reeleito e poderia ser um voto decisivo no Congresso norte-americano contra o Obamacare, mas a sua candidatura foi impedida em virtude de acusações inconsistentes que foram feitas contra ele por alguns procuradores do Departamento de Justiça dos EUA. Aliás, essas acusações frívolas feitas contra o senador republicano nos EUA são parecidas com as acusações feitas contra o ex-presidente Lula no Brasil.
Pergunta em particular para Cristiano Zanin: como vê a inclusão do seu nome na Operação E$quema, com operações de busca e apreensão autorizadas pelo juiz Marcelo Bretas, da Lava Jato, no Rio de Janeiro? Cristiano Zanin: Conforme registámos no livro já na sua versão originária lançada no Brasil em 2019, uma das táticas de lawfare consiste justamente no ataque feito a advogados que denunciam a sua prática. Sabíamos, portanto, que isso poderia ocorrer. É lamentável, porém, que o Sistema de Justiça do Brasil, depois de ter ficado bastante desgastado em virtude da perseguição imposta ao ex-presidente Lula, ainda tenha protagonizado um ataque a mim por meio de acusações nitidamente infundadas, atualmente suspensas por decisão da Suprema Corte brasileira.
Acho pedagógico para quem quer entender o lawfare que assista o vídeo que está disponível na internet e mostra como uma procuradora da Lava Jato dirige o depoimento de uma pessoa para que ela fizesse acusações contra mim. A procuradora define o que deveria ser dito e escrito por essa pessoa, que, em troca, deixou de ir para prisão a despeito de ter confessado crimes e ainda ficou com o valor que havia desviado para o estrangeiro. Além disso, a essência da acusação reporta-se à cobrança de honorários por serviços jurídicos realizados pelo nosso escritório a uma entidade privada. Isso é constrangedor para qualquer Sistema de Justiça. Tanto isso é um disparate que diversas entidades brasileiras e internacionais de juristas prontamente se manifestaram para prestar solidariedade a mim e aos meus colegas de escritório e também para repudiar o ataque. Também o Relator Especial da ONU para independência do Judiciário e da Advocacia emitiu um pronunciamento cobrando explicações do Brasil, inclusive pelo facto de o juiz que autorizou as medidas invasivas contra mim e contra o meu escritório ser um notório apoiante político do presidente Jair Bolsonaro e um aliado do ex-juiz Sérgio Moro.
Infelizmente, esse jogo baixo da Lava Jatocontra advogados que cumprem o seu papel não é uma novidade. Em 2016 a Lava Jato tentou intimidar a defesa técnica do ex-presidente Lula de outras formas. O então juiz Moro chegou até a autorizar a gravação do principal ramal do nosso escritório sob a desculpa de ter-se confundido, para ficar ouvindo as conversas que nós mantínhamos entre advogados e também as minhas conversas com Lula sobre a estratégia de defesa. Quando levamos o caso do ex-presidente Lula ao Comité de Direitos Humanos da ONU sabíamos que o Sistema de Justiça do Brasil passava por grandes problemas. E está na raiz desses problemas justamente o lawfare.
Na apresentação do livro no Brasil esteve presente o ex-primeiro-ministro português José Sócrates; pelo que conhecem do seu caso, ele pode ter sido vítima de lawfare? Rafael Valim: Não tive acesso aos autos do processo que envolve o ex-primeiro-ministro José Sócrates e, portanto, não tenho elementos para opinar sobre a sua culpabilidade. Entretanto, pelo que conheço do caso, posso dizer que estão presentes típicas táticas de lawfare, tais como a figura de um “superjuiz”, a decretação de uma longa prisão cautelar, uma maciça cobertura mediática (o trial by media) e obstáculos ao trabalho dos advogados. São sinais que sugerem a instrumentalização do processo penal para deslegitimar uma pessoa que se considera inimiga.
Reproduzir, como seus, argumentos de terceiro, copiando peça processual sem indicação da fonte, não é admissível.
Com esse entendimento, a 8ª Turma do Tribunal Federal da 4ª Região acatou apelação e anulou a sentença da juíza Gabriela Hardt, substituta de Sergio Moro na 13ª Vara Federal em Curitiba. O cargo hoje é ocupada pelo titular juiz Luiz Antônio Bonat.
Em sua manifestação, o desembargador Leandro Paulsen afirmou que acompanha integralmente o voto do relator João Pedro Gebran Neto e salientou que a sentença é nula por afronta ao artigo 93, IX, da Constituição Federal, que determina que todos os julgamentos do Poder Judiciário serão públicos e fundamentadas todas as decisões.
O magistrado ainda argumenta que no caso em questão se constatou, de fato, que a “sentença apropriou-se ipsis litteris dos fundamentos das alegações finais do Ministério Público Federal, sem fazer qualquer referência de que os estava adotando como razões de decidir, trazendo como se fossem seus os argumentos, o que não se pode admitir”.
Paulsen ainda pondera que se admite as citações de alegações do MPF, mas reitera que copiar peça processual sem indicação da fonte não é admissível. O magistrado ainda salienta que decidiu se manifestar no acórdão para que em futuras sentenças o mesmo vício não seja reproduzido.
Outra irregularidade do processo é o uso de grampo telefônico de um conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Paraná que tem prerrogativa de foro, e omitiram essa irregularidade da juíza. Mesmo a defesa demonstrando essa irregularidade com base nas contas do telefone funcional do conselheiro, a magistrada proferiu a sentença e depois mandou abrir um inquérito policial. A defesa dos apelantes foi feita pelos advogados Antonio Augusto Lopes Figueiredo Basto e Rodrigo Castor de Mattos.
Similaridade O argumento aceito pelo colegiado da 8ª Turma do Tribunal Federal da 4ª Região nesse caso é muito similar ao alegado pelos advogados do ex-presidente Lula, Cristiano Zanin e Valeska Martins no caso do sítio de Atibaia (SP).
Na ocasião, a defesa do ex-presidente pediu em fevereiro deste ao Supremo Tribunal Federal que fosse juntada ao processo uma perícia feita pelo Instituto Del Picchia que sustenta que a juíza Gabriela Hardt copiou trechos da sentença do então juiz Sergio Moro no caso do tríplex do Guarujá (SP).
O argumento de Zanin é que a perícia mostra que a juíza, que substituiu Moro no julgamento da “lava jato” quando ele deixou a função, não julgou o caso e apenas formalizou uma condenação pré-estabelecida.
O parecer pericial, feito por Celso Mauro Ribeiro Del Picchia, diz que existem provas de forma e de conteúdo da cópia. No primeiro caso, paridades de cabeçalhos e rodapés, determinações das margens, a extensão das linhas, os espaçamentos interlineares e entre parágrafos, as fontes e seus tamanhos, os títulos e trechos destacados em negrito e centralizados.
Quanto ao conteúdo, ressalta a existência de trechos repetidos e até mesmo um ponto no qual a juíza Gabriela Hardt cita o “apartamento”, quando estava julgando o caso do sítio. A confusão seria com a outra ação penal em que Lula foi condenado, que envolve um apartamento no Guarujá, em São Paulo.