Aparentemente, a maneira de parar a Lava Jato era fazê-la de otária. Nada dessa coisa da esquerda confrontá-la abertamente. Nada de tentar desmontá-la em silêncio, como tentou Temer: o negócio era se eleger como campeão da luta contra os corruptos, colocar Moro no Ministério da Justiça, prometer-lhe uma vaga no STF, convocar passeata todo domingo contra a corrupção e, enquanto isso, aparelhar os tribunais, a Polícia, a Receita, o Coaf, todos os órgãos que foram responsáveis pelas investigações de corrupção da última década.
Bolsonaro conseguiu que Toffoli neutralizasse o Coaf e não deixou que Moro nomeasse gente sua para o órgão. Fez tudo isso enquanto convocava manifestações dizendo que o Coaf era a coisa mais importante de todos os tempos, que se o Coaf ficasse com Moro, o mundo acabaria. No fim, quem tirou o poder de Moro sobre o Coaf foi o próprio Bolsonaro.
Bolsonaro já deixou claro que só nomeará para Procurador-Geral da República quem aceitar ser submisso ao presidente. A tradição de escolher o mais votado da lista tríplice, defendida pela turma da Lava Jato, acabou, não tem mais, morreu, vai ver era comunismo aquilo.
E qual vai ser a desculpa para descartar qualquer nome que não aceite acobertar esquemas? A moral, é claro.
Cada vez que um candidato der sinais de que tem alguma mínima restrição às picaretagens de Bolsonaristas, eles vão inventar algum esquerdismo para o sujeito. Lembrem-se: o perfil oficial do Presidente da República compartilhou um texto que diz que Deltan Dallagnol é tão de esquerda quanto o PSOL. Se você for honesto, não se candidate à PGR sob Bolsonaro: em 15 minutos sua tia vai receber mensagem no Whatsapp dizendo que você defende distribuir mamadeira de pinto em creche.
E deixo aqui meus parabéns para quem foi domingo protestar contra o STF: começou a dar certo, o Toffoli já parou a investigação do Flávio.
Na semana passada o desmonte se acelerou na Receita e na Polícia federal.
O superintendente da Receita no Rio de Janeiro, Mário Dehon, foi atacado por autoridades investigadas e prontamente afastado por Bolsonaro, que também declarou que a Receita persegue sua família.
O superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro, Ricardo Saadi, foi afastado por não interferir nas investigações sobre Flávio Bolsonaro. Bolsonaro achou que houve abusos na investigação, foi lá, e afastou o cara – Tudo isso enquanto seus apoiadores estão nas redes sociais pedindo para fechar o Congresso por causa da lei de abuso de autoridade.
E o Moro? Essa é a jogada mais impressionante, pela ousadia. Vários políticos tentaram neutralizar Moro, Mas só Bolsonaro foi arrojado o suficiente para neutralizá-lo, dando um cargo.
Desde então, Moro só perdeu poder, teve que silenciar sobre o caso Queiroz e é ridicularizado pelo Presidente da República sempre que possível. Pare de prestar atenção no Lula, Moro, esqueça o Greenwald: quem está te derrubando é o Jair.
Ainda não se sabe se o aparelhamento bolsonarista será bem-sucedido. A Polícia Federal, a Receita, os procuradores vão reagir. E parece cada vez menos provável que Moro termine o ano no cardo de ministro. Mas em termos de popularidade presidencial talvez não dê em nada: talvez a indignação toda tenha sido só mesmo cinismo.
*Por Celso Rocha de Barros – Folha – Servidor Federal e Doutor em Sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra)