Reinaldo Azevedo – Jair Bolsonaro arrendou o governo para o PP na esperança de continuar ao menos como síndico incompetente do edifício. Em vez de apostar no “esquema militar” de Braga Netto, vociferando ameaças golpistas, preferiu o esquema de Arthur Lira e Ciro Nogueira, numa costura feita por Fábio Faria, o crescentemente ambicioso ministro das Comunicações. Bolsonaro está de olho na reeleição? O presidente, por ora, fez um seguro para não cair. O governo acabou. Começou a gestão Ciro Nogueira-Arthur Lira. Ah, sim: como se nota, não vai mesmo ter golpe. Diria até que o centrão golpeou os generais…
A trapalhada do Fundo Eleitoral ameaçou trincar o condomínio. O governo participou de cada etapa da negociação que resultou nos estimados R$ 5,7 bilhões, logo tomados como escândalo por setores consideráveis da opinião pública. E, ora vejam!, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) saiu atirando para fazer embaixadinha para seus fanáticos. O próprio presidente veio em seguida, colocando na mira o deputado Marcelo Ramos (PL-AM), vice-presidente da Câmara, que reagiu com dureza.
Bolsonaro tonitruou: “Vou vetar”. E vai. Para negociar depois, quando o assunto der uma esfriada. Mas muita gente passou a se ver como bucha de canhão de um governo hoje moribundo. Na Presidência da Câmara, Lira mata no peito os pedidos de impeachment. O prêmio ainda compensa o desgaste. Até porque é o senhor do orçamento secreto. Mas é preciso ter mais a distribuir para uma base que tem de sustentar um governo impopular.
E então Faria — que está se mudando de mala, cuia e grandes ambições para o PP — costurou a união com o partido. Silvio Santos, seu sogro, tinha um quadro em seu programa dominical chamado “Em Nome do Amor”. O ponto alto se dava quando o apresentador perguntava aos casais que se formavam ao longo da atração: “É namoro ou amizade?”. No caso do PP, estamos assistindo a um casamento. Que será eterno enquanto durar.
Ao assumir a Casa Civil — com o general Luiz Eduardo Ramos sendo escanteado para a Secretaria-Geral —, o senador Ciro Nogueira (PI), que preside a sigla, leva bem mais do que a chave do cofre e uma lista imensa de cargos. Há uma boa possibilidade de o próprio Bolsonaro migrar para legenda. Ainda que não aconteça, é certo que o partido se torna o principal polo de negociação da candidatura à reeleição. Até porque Faria cuida hoje da sua postulação ao posto de vice na chapa. Bolsonaro até pode escolher uma outra sigla para facilitar composições, mas é certo que a agremiação comandada por Nogueira e Lira se torna o eixo do governo e do projeto reeleitoral.
VAI DAR CERTO?
Quem sabe, nas suas noites insones, decida o presidente passear pela biblioteca do Alvorada. Levado pelo acaso, topa com um volume de poemas de Fernando Pessoa. Abrindo-o ao acaso, dá de cara com o poema “O das Quinas”. E lê então: “Os deuses vendem quando dão/ Compra-se a glória com desgraça”. Matutando um pouco, acaba por concluir: “O centrão é como os deuses disso daí: vende quando dá”. E um desassossego inútil vai lhe tomar a alma porque não há o que fazer. Afinal, nada assegura que terá a glória. Quanto ao resto…
Por óbvio, nunca caí na conversa de um Bolsonaro liberal, reformador, moralizador ou qualquer outra característica que possa, sob certo ponto de vista, ser considerada virtuosa. Mas muita gente acreditou. Mesmo os fanáticos que ficariam a seu lado ainda que o vissem roubando pirulito de criança — e se fez um pouco mais do que isso no Ministério da Saúde — apelam à estridência moral para arrotar a superioridade do governo que apoiam.
O ataque ao centrão e à tal velha política foi um dos motes da campanha bolsonarista. Como esquecer o general Augusto Heleno a cantar na convenção do PSL: “Se gritar pega centrão, não fica um…” Pois é. Ele e outros generais passam agora a dividir o governo com aqueles que tanto demonizavam. O bolsonarismo mais extremado — aquelas parcelas que se deixam seduzir pelas milícias digitais — arrumará, é certo, uma desculpa. Mas Bolsonaro perde a aura de líder alheio aos arranjos de Brasília. Sempre foi uma bobagem. Mas o discurso mobilizava uma parcela considerável da opinião pública.
O centrão vende apoio, não dá. E Bolsonaro terá de pagar. O PP passa a ter o controle político do governo. Nogueira é uma pessoal hábil, com trânsito no Parlamento. Há pouco mais de três anos, dizia que Bolsonaro era um fascista desocupado e sem projeto. E Lula, então, era, a seu juízo, o maior presidente da história. Agora, terá de comandar, em parceria com Lira e Faria, a nau da insensatez e de tentar tornar viável o projeto da reeleição. E se não ser? Bem, lembrem-se de que ele achava Lula etc…
Sobrando um tantinho de bom senso a Bolsonaro, ele diminui a exposição, para de criar crispações inúteis, põe fim aos discursos golpistas, abandona o negacionismo ensandecido e se fixa na aposta de que a retomada da economia será percebida pelos mais pobres não apenas na forma de inflação de alimentos, como acontece hoje. Há ainda a reformulação do Bolsa Família. Os atuais R$ 35 bilhões se transformarão em R$ 53 bilhões no ano que vem. Há quem aposte que isso muda o humor de parte do eleitorado. A ver.
De todo modo, há algo a saudar, não é? Como sabem, eu nunca temi a possibilidade de um golpe — temo a degeneração permanente, esta sim. Creio que, agora, os receios se dissipem de vez. Já imaginaram uma quartelada para garantir o poder ao centrão? Em certa medida, é preciso admitir, o centrão é que deu um golpe nos generais.
Vai cantar o quê, agora, general Heleno?
PS – E que se note: o centrão é um aglomerado. Há particularidades por ali. O PP terá todos os instrumentos para sossegar a turma. Mas dará trabalho.
*Reinaldo Azevedo/Uol
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