Eugênio Aragão*
“O juiz Moro e o senador Moro são um só personagem”, aponta Aragão.
O grande esforço do ex-juiz e hoje senador Sérgio Moro se concentra, não em fazer política no sentido propositivo e saudável, mas em defender-se de diatribes do passado. Pudera. Sérgio Moro, qual seu parceiro do Ministério Público Deltan Dallagnol, não passa de um burocrata maçante, sem domínio da fala e muito menos da retórica e que não tem nenhum carisma social. Só conquistou o mandato parlamentar por conta de sua midiática atuação de magistrado “justiceiro” na Operação Lava-Jato.
Mas Sérgio Moro preferiu a simonia. Vendeu sua jurisdição à política partidária mais rasteira. E o plano, ainda que de forma atabalhoada bem a seu estilo, deu certo. Chegou ao Senado como “Juiz Sérgio Moro” em sua propaganda eleitoral, mesmo que juiz já não fosse, pois entregara o cargo em troca da pasta da justiça no governo Bolsonaro, numa manobra que evidenciou o objetivo pessoal: chegar ao verdadeiro poder (não aquele de mandar o meirinho notificar as partes de seus mofados e empoeirados processos).
Como senador desfruta, agora, de foro privilegiado, ou de “prerrogativa de função”, numa linguagem mais técnica. É corolário da imunidade parlamentar, pôr-se a salvo de juízes de piso que, como ele o foi, queiram conquistar notoriedade à custa da destruição da reputação de gente célebre. Rigorosamente, apenas o STF pode com ele. Não seus potenciais alter-egos.
Mas, curiosamente, Sérgio Moro dispensa a prerrogativa, como se dela pudesse dispor. Vale-se de interpretação jurisprudencial, segundo a qual o foro especial se restringiria aos atos praticados no exercício e em função do mandato, mas não os anteriores a este. Certamente também usa o argumento, o parceiro Dallagnol. E por que será?
Porque hoje, sepultada a malfadada operação-espetáculo, há juízes em Curitiba. Busca-se saber a fundo quais as motivações táticas de cada decisão tomada pelo magistrado politiqueiro. E a procura de razões táticas não podem estar dissociadas da estratégica: chegar ao poder.
Eis que surgem ao senador fantasmas do passado. O advogado Tacla Durán tem muito a dizer e quer desesperadamente reconstruir sua reputação vilipendiada. Vendo o esforço como risco a seu projeto político, Moro deseja que o Tribunal Regional Federal, onde tem amigos, confisque do magistrado correto a caneta, por sua suposta suspeição ao ter, após provocado pela parte, deferido o esclarecimento almejado.
Moro não nega ter interesse em obstar a atuação jurisdicional em prol do esclarecimento dos fatos. O certo seria ele insistir muito nesse esclarecimento, pois, se tivesse com consciência limpa, seria o primeiro interessado em afastar de si a imputação que possa lhe pesar, a de ter destruído injustamente a reputação de Tacla Durán. Mas de Moro não se pode esperar tanto. Ele quer melar.
Isso explica sua ojeriza pelo STF, para onde o juiz de Curitiba provocado por Durán remeteu o imbróglio. O mesmo STF já identificara a desastrada (para dizer o mínimo) atuação de Sérgio Moro, para declará-lo suspeito por inimizade com o Presidente Lula. Ali, o ex-juiz não engana ninguém.
Por isso mesmo que o STF deve afirmar sua competência. Afinal, o contexto é um só: para chegar a senador, Moro usou de seu cargo. Sua atuação interesseira na primeira instância é indissociável do mandato que hoje exerce.
Não há, agora, nenhum exagero em vincular potenciais mal feitos passados do ex-juiz ao presente exercício de seu mandato parlamentar. Mesmo que se acolha a limitação jurisprudencial, eventuais atos praticados pelo juiz Moro o foram teleologicamente direcionados ao mandato do senador Moro. E, declarando-se parte – só assim se legitimaria para opor exceção de suspeição contra o diligente juiz de Curitiba, deverá seu pleito ser decidido no STF.
O juiz Moro e o senador Moro são um só personagem. E o Tribunal Regional Federal, onde atua o pai do genro e sócio de Moro, deve abster-se de ajudar a melar o pedido de Tacla Durán. Agora há juízes em Brasília também.
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