Luís Costa Pinto – Houve um tempo em que três patetas, um general, um brigadeiro e um almirante, ocuparam por breve período o comando político do País. Vivíamos sob a ditadura e dava-se ali um golpe dentro do golpe – facções de milícias militares não confiavam nos milicos da outra facção.
Houve um tempo, também, em que o presidente da República, um sociólogo de trajetória acadêmica à esquerda, exerceu a Presidência com uma aliança do centro à direita e não titubeou em demitir o ministro da Aeronáutica, o brigadeiro Mauro Gandra, por suspeita de corrupção e favorecimento indevido a empresas privadas na implantação do SIVAM – Sistema de Vigilância da Amazônia.
Reinando a normalidade depois da demissão do brigadeiro, meses adiante o Brasil evoluiu para a extinção dos ministérios militares, criou o Ministério da Defesa e o entregou a um senador civil.
A vida seguiu sem solavancos, bravatas ou arrepios da soldadesca até o golpe jurídico/parlamentar/classista de 2016. Tendo usurpado a cadeira presidencial e sem a legitimidade do voto popular, Michel Temer entregou a Defesa para um general da ativa, Silva e Luna, e nomeou outro ativo general, Sérgio Etchegoyen, para seu Gabinete de Segurança Institucional. Estava aberta a porta para a balbúrdia fardada.
Vestindo uniformes de gala ou de campanha, pijamas ou terninhos bem cortados cuidados pelos taifeiros que lhes servem como vassalos a senhores feudais, a milicada começou a ganhar ousadia. Passaram a se comportar como o idiota tão bem descrito por Umberto Eco depois do advento das redes sociais: sem pudor, vergonha ou limites, gostaram de ter opinião para tudo.
Sob Jair Bolsonaro, catapultado à presidência da República pelo voto dado em urnas eletrônicas, seguras e auditáveis, por 39% dos eleitores brasileiros aptos a votar em 2018 e que o fizeram com a baba elástica dos estúpidos com os olhos embaçados pela bile verde de se fígados estourados por recalques, vivemos agora o tempo em que generais, almirantes e brigadeiros se dão ao desfrute de serem biscate de um patético capitão.
Capturado por seus delírios e desvarios napoleônicos, típicos de homens frustrados pela descoberta da própria impotência sempre visível para aqueles mais críticos, Bolsonaro humilha, diminui, enxovalha, acadela e acoelha as Forças Armadas. O desfile de blindados velhos, ultrapassados e inúteis no Eixo Monumental de Brasília na manhã deste 10 de agosto envergonha e enfraquece uma instituição que deveria deter o monopólio do uso da força para a manutenção do Estado Democrático de Direito e se viu corrompida por um presidente embusteiro.
O desfile golpista desta manhã de terça na Esplanada dos Ministérios é uma intimidação do presidente Jair Bolsonaro e do ministro da Defesa, Braga Netto, para tentar fugir da polícia e da CPI da Pandemia.
O clichê marxista de que a História se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa, cai como uma luva para descrever a pantomima de exibir veículos blindados e tanques militares nas ruas da capital federal no dia em que a Câmara deve enterrar de vez a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) de recriação do voto impresso.
Em 1964, houve uma tragédia com o golpe militar de 1º de abril. Naquele tempo, havia uma conspiração dos EUA para instalar ditaduras anticomunistas na América Latina. A maior parte da sociedade civil, imprensa incluída, apoiou o golpe. A correlação de forças impediu uma reação da oposição.
Em 2021, há uma farsa em curso: a ideia de que Bolsonaro teria apoio para dar um golpe no Brasil. O genocida não tem força para jogar fora das quatro linhas da Constituição, como ele blefa. Não há apoio internacional, muito menos americano. Tampouco existe suporte da sociedade civil como um todo, inclusive de boa parte dos democratas de pandemia que contribuíram para instalar um golpista no poder.
As Forças Armadas endossaram a aventura de eleger a pessoa mais despreparada e inadequada do ponto de vista político e ético para presidir o Brasil. São sócias do desastre que é o governo Bolsonaro. A CPI da Pandemia descobriu muitos militares interessados em enriquecer ilicitamente negociando vacinas com atravessadores desqualificados.
Figuras como Braga Netto e o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, dão estímulo à pregação golpista de Bolsonaro. O primeiro comandou a resposta desastrosa à pandemia. O segundo toma vacina escondido para não contrariar o chefe. Ainda bem que o Brasil não corre risco de se envolver num conflito militar com generais dessa estirpe.
Esses militares dão corda à teoria conspiratória de Bolsonaro sobre fraude na urna eletrônica, nada mais do que a cópia do roteiro executado por Donald Trump no ano passado nos EUA ao pregar contra o voto pelo correio.
Diante da derrota, que já deveria ter sido reconhecida com a rejeição da PEC do voto impresso na comissão especial da Câmara na semana passada, Bolsonaro resolveu brincar de jogos de guerra. Para recriar uma cena típica de república de bananas, o genocida teve o aval de Braga Netto, Luiz Eduardo Ramos e dos comandantes das Forças Armadas.
A exibição dos tanques serve ao propósito de mandar um recado à classe política e aos órgãos de controle: deixem em paz e impunes Bolsonaro, os filhos introduzidos pelo pai no esquema das rachadinhas milicianas e os militares que queriam roubar no Ministério da Saúde e incrementar seus vencimentos invadindo a administração civil com o seu despreparo. A CPI já descobriu inúmeros crimes comuns e de responsabilidade de Bolsonaro e sua turma.
As instituições e a sociedade civil, inclusive a imprensa, não podem aceitar a intimidação e devem chamar as coisas pelo nome que elas têm. Bolsonaro e Braga Netto cometeram mais um crime de responsabilidade que precisa ser punido, sob pena de a democracia continuar a se enfraquecer no Brasil.
Coragem
O presidente da CPI, o senador Omar Aziz (PSD-AM), acertou ao abrir a CPI hoje com um discurso contundente contra a ameaça de Bolsonaro à democracia. Disse que o presidente “degradou as instituições” e “rebaixou as Forças Armadas”. Aziz descreveu a cena brasiliense de hoje como “patética”. “Mostra apenas a ameaça de um fraco que sabe que perdeu”, afirmou.
Na sequência, outros senadores também reagiram contra a farsa bolsonarista e endossaram as palavras do presidente da CPI.
Três patetas
Há uma coincidência que combina com o desfile golpista de Bolsonaro. A CPI da Pandemia toma nesta terça o depoimento do tenente-coronel da reserva Helcio Bruno de Almeida, presidente do Instituto Força Brasil. Essa entidade é especialista em disseminar fake news na pandemia, inclusive com teorias negacionistas sobre a vacina.
No entanto, o tal coronel Hélcio foi quem abriu as portas para o cabo da PM mineira Luiz Paulo Dominguetti chegar ao então secretário-executivo da pasta da Saúde, o coronel Élcio Franco. Dominguetti é o atravessador que tentava vender as vacinas que a Davati tinha na Lua.
O coronel Helcio com “H”, um negacionista que não rasga dinheiro, une-se a Bolsonaro e Braga Netto na pantomima encenada hoje em Brasília. São três patetas que ilustram o abismo no qual o Brasil foi atirado.
Confissão
No convite aos demais chefes de Poder para que comparecessem ao desfile golpista de hoje, Bolsonaro assina a mensagem como “chefe supremo da Forças Armadas”. O correto seria se intitular comandante supremo. Mas Bolsonaro sabe que é apenas um chefe de milícia.
Covardia
Com a decisão de remeter ao Superior Tribunal de Justiça o pedido de partidos políticos para impedir a parada militar de hoje em Brasília, o ministro Dias Toffoli continuou firme no projeto de ficar ao lado de Bolsonaro na História: a lata de lixo.
É só olhar no twitter a quantidade de memes sobre o desfile circense que Bolsonaro impôs aos militares.
Se essa foi a maneira que encontrou para mostrar que as Forças Armadas estão com ele, a percepção da sociedade foi bem outra, foi a de uma demonstração de submissão humilhante dos militares que não tiveram qualquer grau de consciência da pandemia que segue matando uma média de mil brasileiros por dia e, ao lado de Bolsonaro, expuseram-se sem máscara, justamente no dia que um oficial das Forças Armadas, o tenente-coronel Helio Bruno depõe na CPI do genocídio que acabou se transformando na CPI da corrupção do ministério da Saúde, sob o comando do general da ativa, Eduardo Pazuello.
Não dá para entender como um ex-tenente, expulso das Forças Armadas por arruaça, consegue impor uma humilhação tão constrangedora à força militar para satisfazer a objetivos pessoais, familiares, porque é disso que se trata toda essa questão que envolve até a circulação de tanques blindados na Praça dos Três Poderes.
A blindagem de uma família de corruptos que não tem sequer como listar a quantidade de acusações de crimes praticados por ela a partir de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, rachadinha e do envolvimento direto desse clã com o submundo do crime, com direito a condecorações e defesas públicas do próprio presidente a milicianos.
Essa história do voto impresso é somente mais um embuste de quem precisa ocupar as manchetes de jornais para esconder o desespero de quem, na melhor das hipóteses, sofrerá uma derrota eleitoral histórica em 2022, sendo expurgado da vida pública pela própria sociedade.
É bom deixar claro que não há garantias, e cada vez fica patente, de que ele chegará a ser candidato, já que, na medida em que os dias correm, a possibilidade de um impeachment, ganha cores cada vez mais fortes, o que significa a condenação e prisão de todo o clã, apesar de Arthur Lira.
Caso isso aconteça, esse arruaceiro não terá mais em suas mãos o controle das instituições do Estado que hoje blinda a organização criminosa.
Por isso assistimos a mais um ato de desespero, desta vez, expondo de forma vexatória as Forças Armadas que só pode ter acontecido por vingança contra uma instituição que, mesmo em plena ditadura, cuspiu essa figura repugnante cada vez mais odiada pelo povo brasileiro que, por culpa exclusiva dele, assiste à morte de praticamente 600 mil pessoas, além de 15 milhões de desempregados, 20 milhões devolvidos à absoluta miséria, uma inflação em total descontrole, os alimentos chegando à hiperinflação, o que agrava ainda mais a insegurança alimentar de metade da população brasileira.
Essa imagem de um tanque queimando óleo é apenas uma das que estão sendo usadas como chacota numa tempestade de memes ridicularizando esse teatro de horrores que se viu em Brasília hoje.
Não resta qualquer dúvida de que a maioria dos militares percebeu que, para tentar intimidar a sociedade brasileira, Bolsonaro não viu limites para ridicularizar as Forças Armadas.
Detalhe, não tinha ninguém assistindo à palhaçada.
Que tal um servidor do ministério da Saúde sair do governo em janeiro e, em fevereiro, negociar vacinas em nome do mesmo ministério? O nome disso é tráfico de influência, ou melhor, relação privilegiada em que o mercado avança sobre o poder público utilizando figuras como o coronel Marcelo Blanco.
Isso, praticamente, é uma confissão de culpa do coronel na CPI.
Na verdade, ele e o revendo Amilton Gomes, que ontem protagonizou aquele depoimento inclassificável, têm o mesmo nível ético e intelectual.
Mas quando se pensa que isso basta em termos de escancarar a corrupção no ministério da Saúde, Guilherme Amado, do Metrópoles, faz uma matéria mostrando que militares que foram do Planalto de Bolsonaro, representam empresa alvo da CPI.
General Severo Ramos e coronel Caminha ocuparam altos cargos na Presidência.
O desconforto das Forças Armadas com militares no alvo da CPI da Covid tem ingredientes para continuar. Dois militares da reserva que passaram por altos cargos no Planalto de Jair Bolsonaro têm representado a VTCLog, empresa na mira dos senadores.
No mês passado, o vice-presidente Hamilton Mourão recebeu quatro representantes da firma em uma reunião, segundo a agenda oficial: a CEO Andreia Lima, convocada pela CPI; o proprietário Raimundo Nonato; o general Roberto Severo Ramos, como consultor; e o coronel Luiz Henrique Frazão Caminha, sem função informada.
Severo Ramos e Caminha são militares da reserva. O primeiro despachou no Planalto até junho de 2019, nos governos Temer e Bolsonaro, onde chegou a ser o número dois da Secretaria-Geral da Presidência. O coronel Caminha, por sua vez, trabalhou na Presidência em 2019 e foi diretor de Integração Produtiva e Desenvolvimento Econômico, também da Secretaria-Geral.
No último dia 7, após a prisão de Roberto Dias, ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde por mentir à CPI, disse o presidente da comissão, Omar Aziz: “Os bons das Forças Armadas devem estar muito envergonhados com algumas pessoas que hoje estão na mídia”. Em resposta, uma nota do Ministério da Defesa e os comandantes das Forças Armadas afirmava que não aceitariam “ataque leviano”.
(Atualização às 21h25 de 17 de julho de 2021: Em nota, a VTCLog afirmou que “atua com governança corporativa e plena legalidade em suas relações privadas e governamentais”. Os profissionais da empresa são de referência nacional, seguiu o comunicado, e a VTCLog “está e sempre esteve à disposição de prestar todos os esclarecimentos” às autoridades.)
Não há qualquer novidade nessa notícia dada pela Folha de São Paulo.
Desde o princípio, Bolsonaro pensou nos militares de forma objetiva para ameaçar a democracia ou de fato produzir um autogolpe.
Já está claro que Bolsonaro, colocando Pazuello no nevrálgico ministério da Saúde, um general da ativa, em troca de algumas vantagens pessoais, colou nas Forças Armadas a imagem de coautora do genocídio.
A intenção dele era exatamente essa, dividir a responsabilidade com os militares e, assim, reduzir as chances de qualquer reação da sociedade ou das instituições. Mas Bolsonaro se deu mal, pior, só a primeira parte do plano funcionou e os militares acabaram por ficar associados ao morticínio por covid que já matou até aqui mais de 550 mil brasileiros, porque não tem saída, Pazuello é um general da ativa, não da reserva.
Como se sabe, contra fatos, não há argumentos. E Bolsonaro pensou agora, se os militares do meu governo não servem para me blindar, com ameaças ou com ações ditatoriais, eles não servem para nada.
E se de fato a ideia de jerico da mais recente live de Bolsonaro, foi de Ramos, aquele general da reserva, a quem muitos chamam de Maria Fofoca, dentro do próprio governo, aí é que a coisa azedou de vez para esses remanescentes do restolho da ditadura que ficam vagando como almas penadas dentro do governo, quando era para todos estarem vivendo tranquilamente jogando peteca em algum clube militar.
Na verdade, com sua última live, Bolsonaro sofreu sua maior derrota política em termos de publicidade, porque, de todos os seus pronunciamentos, esse teve unanimidade de críticas pesadas que lhe tiraram ainda mais musculatura já totalmente atrofiada.
Soma-se isso ao fato de, semanas atrás, Carluxo montar uma farsa mal-ajambrada do cocô entupido que angariou um número incontável de memes que amoleceram ainda mais o seu chão, fazendo com que o genocida caminhe agora não mais sobre um chão mole, mas sobre uma lama ainda menos espessa.
Assim, Bolsonaro, vendo-se sem saída, terceirizou seu governo para o centrão, deixando os militares do Planalto com a brocha na mão.
Para piorar e azedar de vez o sono do insano, o relator da CPI, Renan Calheiros, pede quebra de sigilo de uma rede nazista de apoiadores oficiais de Bolsonaro nas mídias digitais e tradicionais. Certamente, fazendo um pente fino nessas similistroncas carregadas de mercenários que nesses dois anos e meio mamaram gostosamente nas tetas do Estado, via Secom, como um pelotão de guerra de fake news que o Planalto montou e, agora, será totalmente alcançado e defenestrado pela CPI.
Ou seja, através da CPI, teremos uma grande evolução, o que significa uma grande derrota, possivelmente, a mais amarga de Bolsonaro, o que mudará ainda mais a sua tônica obrigando-o a dar socos no vento, fazendo com que a história de seu impeachment ou mesmo uma renúncia aperte o passo.
Uma coisa é certa, não há mais um caminho de rato para Bolsonaro apelar. Essa excomunhão dos militares de seu governo para a livre circulação do centrão no Palácio do Planalto é parte significativa de uma história que caminha a passos largos e velozes para o aniquilamento total de seu mandato.
“Mais cedo ou mais tarde, a CPI chegará à verdade sobre os negócios com vacinas, que parecem embutir um crime monstruoso, pois não se tratava apenas de roubar dinheiro público, mas de roubar vidas”, escreve a jornalista Tereza Cruvinel.
Mais importante que a prisão de Roberto Dias pela CPI da Covid foi a nota do Ministro da Defesa e comandantes das Forças Armadas, desproporcionalmente agressiva em reação ao comentário do senador Omar Aziz, de que autoridades militares devem estar envergonhadas pelo envolvimento de tantos fardados com a corrupção no Ministério da Saúde. Aziz repudiou a intimidação mas o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, não fez a defesa da soberania e da independência do Senado como tantos senadores lhe cobraram. Ontem ele se esmerou no equilibrismo.
A nota termina dizendo que as Forças Armadas “não aceitarão qualquer ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro”. E o que farão se ficar provado que alguns dos seus, ativos ou da reserva, participaram do esquema de corrupção que vai sendo desvendado no Ministério da Saúde? Vão fechar o Congresso ou dar uma prova de republicanismo, pregando a punição de todos, inclusive dos seus? O erro começou quando permitiram que um general da ativa, completamente ignorante sobre questões de saúde, assumisse a pasta em plena pandemia, militarizasse todos os departamentos e implementasse uma política irresponsável, pautada por negacionismo e incompetÊNCIA, que fez disparar os casos e mortes por Covid19.
O que temem as Forças Armadas é que seja confirmada a hipótese que vai se desenhando como realidade para a maioria da CPI: duas organizações criminosas teriam passado a disputar o mando sobre as verbas do Ministério da Saúde destinadas à compra de vacinas. Uma, vinculada ao Centrão, para a qual operava Roberto Dias. Outra, a do grupo fardado, aparentemente comandada pelo coronel Élcio Franco, secretário-executivo na gestão de Pazuello. Não por acaso, o que mais fez Roberto Dias em seu depoimento foi dizer que as aquisições foram tiradas de seu departamento e passaram à alçada de Franco, embora ele tenha mesmo negociado vacinas com a Davati. E por mentir a este respeito, apresentando como casual o encontro marcado como Dominguetti, foi preso.
Omar Aziz tem bala na agulha. Ao longo da sessão, deu algumas indicações de que sabe mais que seus colegas sobre os esquemas na Saúde. Mais de uma vez instou Dias a entregar os que teriam lhe colocado numa trampa com Dominguetti. Referiu-se a um dossiê que Dias teria feito para se defender (ou explodir os outros), e que estaria em posse de parentes, um inclusive no exterior.
Esse dossiê, se existe mesmo, na avaliação de alguns senadores, teria levado o grupo fardado a firmar um acordo com Roberto Dias: calando-se, ele terá proteção. Se abrir o bico, pode ir para a cadeia porque os fardados também têm munição contra ele. Vindo à luz, esse dossiê detonaria o grupo militar e chamuscaria as Forças Armadas.
Mais cedo ou mais tarde, a CPI chegará à verdade sobre os negócios com vacinas, que parecem embutir um crime monstruoso, pois não se tratava apenas de roubar dinheiro público, mas de roubar vidas. As que já se foram e as que ainda podem ser perdidas pelo atraso na imunização. E com a verdade provada, não haverá que se falar em leviandades.
O presidente da CPI da Covid, o senador Omar Aziz (PSD-AM), não errou ao afirmar que “membros do lado podre das Forças Armadas estão envolvidos com falcatrua dentro do governo” e que os honestos devem estar muito envergonhados.
Toda categoria profissional, todo grupo social, tem pessoas honestas e desonestas. Negar isso é encarar a si mesmo como detentor de uma natureza divina.
Ao invés de tentar intimidar o Senado Federal com uma nota indignada que ameaça o Poder Legislativo, o ministro da Defesa e a cúpula das Forças Armadas gastariam melhor o seu tempo depurando suas próprias fileiras. Pois há militares que, com sua ação e inação, foram cúmplices tanto da montanha de 527 mil mortes por covid, como o general Eduardo Pazuello, quanto da corrupção na compra de vacinas.
Aziz não fez uma generalização, como está sendo acusado, apenas deixou claro o que todo mundo está vendo com os escândalos que estão sendo revelados pela CPI. Isso sem contar o envolvimento de militares em outros problemas, como grupos de milicianos no Rio de Janeiro.
“Essa narrativa, afastada dos fatos, atinge as Forças Armadas de forma vil e leviana, tratando-se de uma acusação grave, infundada e, sobretudo, irresponsável”, diz a nota. Mostra, dessa forma, o quanto ela está afastada dos fatos, pois a CPI está nadando em terabytes de dados e provas.
O texto termina dizendo que “as Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano às Instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro”.
Melhor fariam se, ao invés disso, afirmassem que não vão aceitar que militares sejam cúmplices na promoção de necropolíticas negacionistas ou se envolvam em negociatas de vacinas.
Troca de comando e a Pazuellada
A nota é exatamente aquilo que Bolsonaro esperava do ministro da Defesa, general Braga Netto, ao coloca-lo no lugar do general Fernando Azevedo e Silva em março. E ao provocar a substituição dos três comandantes das Forcas Armadas. Desejava alguém que saísse em sua defesa e em oposição a quem o fiscaliza e o investiga.
Enquanto isso, o Exército, a maior das forças, que também assumiu um papel de enfrentamento diante do Senado Federal, abaixou a cabeça para a Presidência da República ao absolver o general Eduardo Pazuello. O ex-ministro da Saúde ignorou as regras da corporação ao participar de uma micareta eleitoral com o presidente no Rio de Janeiro. Ficou por isso mesmo.
Uma das justificativas que circularam é que ajoelhar-se a Bolsonaro foi a saída encontrada para evitar um mal-estar que levaria à substituição do comandante do Exército por outro general que, por sua vez, se ajoelharia à Bolsonaro.
Na prática, Bolsonaro jantou o Exército de olho na sobremesa: o alinhamento de grandes contingentes das forças policiais às suas necessidades e uma possível insubordinação deles em relação aos governos estaduais. Devorador de instituições, o presidente vai dobrando-as em nome de seu projeto de poder. Tudo pensando nas eleições de 2022.
Lentamente, as instituições que não podem ser domesticadas pelo bolsonarismo vão sendo consideradas inimigas, tornando-se alvo de pedidos de fechamento por parte de seguidores fanáticos do presidente, como é o caso do Supremo Tribunal Federal.
O Congresso Nacional era apontado constantemente como um desses inimigos. Em abril do ano passado, um ato golpista, realizado em frente ao quartel-general do Exército, com a participação do presidente da República, pedia um novo AI-5 contra os parlamentares.
A pancadaria contra o Congresso foi bastante reduzida após o acordo de aluguel de Bolsonaro com o centrão ser firmado com a eleição de Arthur Lira (PP-AL) à Presidência da Câmara dos Deputados. Mas a CPI da Covid é um espaço em que o bolsonarismo é minoria. E isso enfurece Jair.
Ao divulgar a nota, o comando das Forças Armadas acaba não protegendo os seus, muito menos a imagem positiva que elas têm junto à maioria da população, mas os interesses de Bolsonaro.
Poderiam atuar para evitar que os militares se tornem engrenagens na máquina bolsonarista de moer gente e caráter. Poderiam.
Absurda, golpista e mentirosa a nota do Ministério da Defesa, assinada também pelos três comandantes militares, em reação à fala do senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI da Covid.
Em primeiro lugar, Aziz não atacou as Forças Armadas, mas as defendeu.
Em segundo lugar, quem dispõe de armas não pode fazer ameaças. Ainda mais em nome da democracia. Se algum fundamento da Carta é violado, deve recorrer à Justiça, não aos canhões.
Em terceiro lugar, mas não menos importante, indago: de que trecho da fala do senador os militares discordam?
Vamos recuperar o que ele disse quando Roberto Ferreira Dias, ex-diretor de Logística da Saúde, afirmou ter sido sargento da Aeronáutica:
“Olha, eu vou dizer uma coisa: as Forças Armadas, os bons das Forças Armadas, devem estar muito envergonhados com algumas pessoas que hoje estão na mídia. Porque fazia muito tempo, fazia muitos anos, que o Brasil não via membros do lado podre das Forças Armadas envolvidos com falcatrua dentro do Governo. Fazia muitos anos”.
E acrescentou: “Aliás, eu não tenho nem notícia disso na época da exceção que houve no Brasil, porque o [João Baptista] Figueiredo morreu pobre; porque o [Ernesto] Geisel morreu pobre; porque a gente conhecia… E eu estava, naquele momento, do outro lado, contra eles. Uma coisa de que a gente não os acusava era de corrupção. Mas, agora, Força Aérea Brasileira, coronel [Gláucio Octaviano] Guerra, coronel Élcio [Franco], general [Eduardo] Pazuello… E haja envolvimento de militares”.
Como se pode perceber claramente, o senador distingue as instituições de eventuais maus militares. É tão generoso que poupa até próceres da ditadura de acusações de malfeitos. A nota de Braga — e não é a primeira vez que o vemos flertar com respostas heterodoxas —, com o endosso dos três comandantes, acaba, na prática, por misturar os maus e os bons porque todos unidos pelo uniforme.
E olhem que Aziz poderia ter citado outros tantos. Vamos à resposta, que traz embutida a ameaça de uma intervenção, também chamada de golpe:
O Ministro de Estado da Defesa e os Comandantes da Marinha do Brasil, do Exército Brasileiro e da Força Aérea Brasileira repudiam veementemente as declarações do Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito, Senador Omar Aziz, no dia 07 de julho de 2021, desrespeitando as Forças Armadas e generalizando esquemas de corrupção.
Essa narrativa, afastada dos fatos, atinge as Forças Armadas de forma vil e leviana, tratando-se de uma acusação grave, infundada e, sobretudo, irresponsável.
A Marinha do Brasil, o Exército Brasileiro e a Força Aérea Brasileira são instituições pertencentes ao povo brasileiro e que gozam de elevada credibilidade junto à nossa sociedade conquistada ao longo dos séculos.
Por fim, as Forças Armadas do Brasil, ciosas de se constituírem fator essencial da estabilidade do País, pautam-se pela fiel observância da Lei e, acima de tudo, pelo equilíbrio, ponderação e comprometidas, desde o início da pandemia Covid-19, em preservar e salvar vidas.
As Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano às Instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro.
Walter Souza Braga Netto – Ministro de Estado da Defesa Almir Garnier Santos – Comandante da Marinha Gen Ex Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira – Comandante do Exército Ten. Brig. Ar Carlos de Almeida Baptista Junior – Comandante da Aeronáutica.
RETOMO A nota é mentirosa porque tudo o que Aziz não faz é generalizar. Ao contrário. Quando diz que os bons das Forças Armadas têm motivos para se envergonhar, evoca aqueles que, então, seriam os princípios dos chamados setores castrenses.
A propósito: há ou não um excesso de militares envolvidos com o governo? Essa foi uma escolha. Quem se dedica à “fiel observância da lei” não faz ameaças só porque, afinal, dispõe de armas, não é mesmo? Jornalistas, caminhoneiros e açougueiros devem se zangar quando se aponta a existência de maus jornalistas, maus caminhoneiros e maus açougueiros?
Onde está o “ataque leviano” na fala de Aziz? Em apontar que há um excesso de militares comprometidos com um mau governo?
Se Braga Netto e os três comandantes já se esqueceram, eu lembro. Quando Pazuello assumiu a Saúde, a 16 de maio de 2020, os mortos por Covid-19 no país eram 14.962. Quando deixou a pasta, no dia 15 de março deste ano, a montanha de cadáveres somava 295.425 pessoas. Esse é o balanço dos 10 meses de um general da ativa à frente da Saúde. E ele continua no governo. Não foi para a reserva.
As lambanças que estão em apuração — a demora para fazer o acordo com a Pfizer, ações vergonhosas para a compra da Covaxin, esquema mirabolante que poderia ter resultado numa fraude bilionária no caso da Davati, negacionismo lunático — se deram sob as barbas de um general da ativa, que tinha como braço direito um coronel da reserva, ex-membro das forças especiais.
BÔNUS SEM ÔNUS
O que quer dizer “as Forças Armadas não aceitarão”? Significa que recorrerão à Justiça ou que botarão os tanques nas ruas, os aviões no céu e os barcos ao mar para dizer quem manda? Significa que tentarão se desvencilhar dos maus em nome dos bons princípios ou que a eles vão se grudar numa reação de caráter corporativo, que ignora os fatos? Significa que vão se pautar, então, pela lei que dizem defender ou que, em nome da ordem legal, darão um golpe?
O que, exatamente, esses caras imaginavam? Que poderiam atuar como governo sem prestar contas? Que poderiam fazer o que bem entendessem, estivessem ou não os atos de acordo com a lei? Que poderiam ignorar padrões elementares de governança, e ninguém se atreveria dizer que são o que são? E, afinal, eles são… militares!
Aliás, seguem militares mesmo quando na reserva, como eles mesmo gostam de lembrar, razão por que têm o mais caro sistema de inatividade, bancado pelos cofres públicos — pelo conjunto dos brasileiros. Também por aqueles que morreram sufocados por falta de oxigênio em Manaus; e no Brasil inteiro, por falta de bom senso e decência.
Dizer o quê, senhores? É fácil ameaçar com um golpe. Nem é tão difícil dar um golpe. Impossível seria manter o golpe. Em nome de quais princípios? Quais heróis se alevantariam para dar a cara ao regime? Nessa prefiguração, que tamanho teria a montanha de cadáveres?
Militares brasileiros serviram no Haiti, como sabemos.
Antes de fazer a nota conjunta com o comando das Forças Armadas, Braga Neto deveria observar que, sob o comando de Pazuello na Saúde, o general da ativa, morreram quase 300 mil brasileiros por covid. Isso, sem falar que Pazuello participou de um ato político de Bolsonaro e não sofreu qualquer punição como reza o próprio estatuto militar.
Soma-se a isso o fato de que foi o próprio Bolsonaro que disse que nem na ditadura teve mais militares que seu governo, governo este que, a começar pelo próprio presidente e seus filhos, está empencado de acusações de grossa corrupção.
Por isso, bastou sair nota conjunta do Ministério da Defesa e as Forças Armadas rebatendo o presidente da CPI Omar Aziz, que recebeu o imediato repúdio da sociedade, da imprensa e de políticos como segue abaixo, mostrando que a nota saiu pela culatra.
2. O senador Omar Aziz não desrespeitou os militares. Quem desrespeita as Forças Armadas é o presidente Bolsonaro e Eduardo Pazuello, general da ativa que comandou o Ministério da Saúde e é cúmplice pelas quase 530 mil mortes. São esses crimes que as FFAA deveriam repudiar.
Intimidatória a nota do ministério da defesa e das forças armadas contra o Senador Omar Aziz. Os militares envolvidos em escândalos de corrupção é que deveriam ser repudiados pelos integrantes das forças armadas.
Quando as Forças Armadas se envolvem com um governo, como não deveriam, passam a ter que responder por isso. Depois, não adianta reclamar das críticas. Muito menos tentar controlar a fala de congressistas. Esse, definitivamente, não é papel das Forças Armadas.
— Alessandro Molon 🇧🇷 (@alessandromolon) July 8, 2021
Sou só eu ou mais alguém acha absurdo as Forças Armadas criticarem abertamente o Congresso Nacional?
A nota do Ministério da Defesa repudiando as declarações do presidente da CPI Omar Aziz – consideradas desrespeitosas – confirma o preço que se paga por termos hoje 6 mil militares no governo. O presidente transformou as Forças Armadas em vidraça. Estão expostas. Lamentavelmente
Com integrantes envolvidos em corrupção, Forças Armadas lançam nota. Contra a corrupção? Contra integrantes corruptos? NÃO. Leia: https://t.co/l5hT0FzK1b
Foi lamber bota de militares e tomou nota golpista, na qual Forças Armadas vêm com lorota de fiadoras da democracia. Militares apoiaram aventura e agora chafurdam na lama do genocida e corrupto. https://t.co/pYT5stsjtn
Auditores afirmam que reajustes recentes não foram concluídos no cálculo do passivo e que números foram inflados no caso do regime próprio dos servidores públicos.
Uma auditoria financeira feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU) sobre estimativas contábeis do passivo da Previdência Social afirma que o governo de Jair Bolsonaro subavaliou os valores do regime dos militares, minimizando eventual rombo futuro. E superavaliou os números relativos ao regime dos servidores civis da União, dizendo que gastará mais do que de fato desembolsará.
A auditoria subsidia o parecer sobre as contas do presidente da República, que precisam ser aprovadas pelo órgão. Ela foi enviada ao ministro do TCU Bruno Dantas, relator dos números do Ministério da Economia em 2020.
“É curioso observar essa diminuição artificial do impacto dos benefícios militares e o aumento do dos demais servidores”, resume texto sobre o tema. “As falhas alinham-se à forma como o governo conduziu a discussão das reformas do setor público, administrativa e previdenciária.”
De acordo com os auditores, o governo subavaliou o passivo atuarial do regime dos militares em R$ 45,5 bilhões. Ele deixou de colocar na conta, por exemplo, reajustes recentes de vencimentos das Forças Armadas que vão impactar no pagamento futuro dos benefícios de seus integrantes, quando eles virarem inativos.
Deixou também de calcular a evolução da expectativa de vida no país. Militares que vão viver mais, no futuro, passarão mais tempo recebendo recursos do sistema quando se retirarem da ativa. E isso deveria ter entrado no cálculo do passivo do Sistema de Proteção Social dos Militares das Forças Armadas.
Já com o regime dos servidores civis (Regime Próprio de Previdência Social) ocorreu o contrário, segundo os técnicos do tribunal. O governo inflou as despesas, que foram superavaliadas em R$ 49,2 bilhões.
Segundo os auditores, foram colocadas no cálculo despesas com gratificações, abonos, adicional de insalubridade e férias, que não integrariam a base de cálculo dos benefícios previdenciários dos servidores civis.
O trabalho foi feito sobre as contas previdenciárias do Balanço Geral da União, que traz a valor presente tudo o que o governo terá que desembolsar no futuro com os pagamentos de benefícios (aposentadoria e pensões).