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Sob Cláudio Castro, Rio registra duas das três operações mais letais da história

No início do mês, a Polícia Civil foi ao Jacarezinho e destruiu um monumento que lembrava os 28 mortos da operação mais letal da história do Rio. Dias depois, o governador Cláudio Castro visitou a favela e festejou o ato de truculência. Declarou que o memorial, erguido por ativistas de direitos humanos, fazia “apologia ao crime”.

Castro era vice de Wilson Witzel, um governador que fazia apologia da matança policial. O ex-juiz se elegeu na onda bolsonarista de 2018. A pretexto de combater o tráfico, lançou a doutrina do “tiro na cabecinha”.

O atual governador não se fantasia de Rambo, mas também confunde política de segurança com incentivo ao bangue-bangue. Seu chefe de polícia, Allan Turnowski, disse que gostaria de ocupar as favelas com tanques de guerra. O discurso tinha fins eleitoreiros: o delegado acaba de deixar o cargo para se candidatar a deputado pelo partido de Castro e Bolsonaro.

Ontem a necropolítica produziu outro banho de sangue no Rio. Uma operação liderada pelo Bope deixou ao menos 22 mortos na Vila Cruzeiro. A favela ficou tristemente famosa pela execução do jornalista Tim Lopes por traficantes, em 2002. Vinte anos depois, é palco de mais uma calamidade carioca.

Como costuma acontecer, a megaoperação aterrorizou a comunidade e deixou milhares de crianças sem aula. Ontem também matou ao menos uma inocente: a cabeleireira Gabrielle Ferreira da Cunha, de 41 anos, atingida dentro de casa por uma bala perdida.

Antes de fechar a conta das vítimas, o secretário da Polícia Militar, coronel Luiz Henrique Marinho Pires, buscou politizar a ação. Culpou o Supremo Tribunal Federal por uma suposta migração de bandidos para o Rio. A fala combina com a retórica de Bolsonaro, que transformou os ataques à Corte em arma eleitoral.

Castro assumiu a cadeira de Witzel em agosto de 2020. Em 21 meses, sua gestão já é responsável por duas das três maiores chacinas policiais registradas no Rio. Em campanha à reeleição, o bolsonarista parece buscar dividendos políticos no incentivo à violência fardada.

*Bernardo Mello Franco/O Globo

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Política

O nascedouro do ódio no Brasil está nas classes média e alta, a mídia só difunde

O que ficou claro na operação da polícia no Jacarezinho, é que quem mora em favela e, sobretudo se for negro, não é um cidadão, ou seja, não é um indivíduo dotado de direitos que lhe permitem, inclusive, afrontar o Estado.

Não entenda isso como uma cidadania capaz de trocar tiros com a polícia, até porque a cada momento que passa, revela-se que a operação não foi destinada a reprimir apenas os supostos criminosos, mas os moradores da favela de maneira generalizada, deixando claro que eles não são cidadãos e que, portanto, não têm direitos e precisava deixar isso claro humilhando toda a comunidade.

Por isso houve um maciço apoio da classe média e, consequentemente de Bolsonaro, principal representante do ódio que as classes média e alta têm das camadas mais pobres da população, justamente porque a nossa classe média nunca se preocupou com direitos, mas com privilégios. Isso tem uma explicação simples, inclusive no processo de destruição da democracia, porque a democracia amplia a prerrogativa da cidadania, consequentemente, a destruição dela é o preço que essa classe paga para impedir a difusão de direitos para a população como um todo, inclusive quem mora em favela.

Como a classe média se construiu na base dos privilégios e não dos direitos, ele sempre tentará impedir aos demais brasileiros mais pobres que tenham direitos.

Por isso, no Brasil, quase não há cidadãos, porque a classe média não tem interesse em direitos, ao mesmo tempo em que não quer que os pobres sejam cidadãos, a começar pelos negros. Como essa classe média está no primeiro plano do consumo, a grande mídia faz sua pauta a partir do que pensa essa classe para manter esse consumidor preso à programação e, com isso, poder vender aos anunciantes essa clientela.

Não é por acaso que na mídia não há debate sobre cidadania, porque os objetivos estão direcionados à individualidade para atender aos propósitos comerciais do mercado.

Então, o pensamento é localizado e a ação é decorrente desse pensamento, porque, no final das contas, é a capacidade de consumo de determinado grupo social que define qual a percepção que a classe média terá em determinada programação.

O mesmo pode ser dito das revistonas, como a Veja que, em tese, não faz parte da chamada comunicação de massa, mas que sempre usou o ódio para atrair a sua clientela de assinantes e, nesse caso, ela vende dois produtos para a mesma classe média, o primeiro, a própria revista e quanto mais vendida na banca ou por assinatura, mais caro ela cobra do anunciante para ter aquela clientela na difusão de seus produtos.

Então, buscou-se uma lógica simples, uma espécie de operação Mainardi, a de fabricar ódio com instrução superior da revista para atender às estratégias dos negócios da Veja. O próprio Civita confessou que o público da Veja gosta desse tipo de baixeza.

Ou seja, não é exatamente uma escolha jornalística, mas uma imposição dos consumidores das classes média e alta, os mesmos que não só fazem vista grossa para todos os crimes de responsabilidade, corrupção e contravenção, dos quais o governo é constantemente acusado, porque não há o menor interessa dessa parcela da sociedade em buscar um grau de consciência a partir de uma informação qualificada, um debate profundo.

O que quer essa classe média que consome a revista, é que ela seja uma das centrais do preconceito, do racismo e da discriminação para que essa questão de cidadania seja mutilada de imediato de forma objetiva e, com isso, não seja possível abrir um debate sobre o assunto.

A classe média brasileira, em última análise, acredita numa sociedade que viva constantemente em disputa entre si, sem qualquer consciência de fraternidade, comunidade e, consequentemente de país, porque é essa a percepção que ela tem da própria vida, já que não tem interesse na coletividade, porque não tem a menor ideia de sua própria identidade.

Por isso o modelo cívico brasileiro, que é herdado da escravidão, é o modelo cívico-cultural, o modelo cívico-político que marca não só os espíritos do cidadão médio, mas como ele enxerga o próprio território dentro do país a partir de suas relações sociais, porque no fundo é um modelo cívico absolutamente subordinado à economia de mercado.

Por isso, tragédias como essa que vivemos, seja pelo morticínio promovido pelo governo Bolsonaro, seja pelo apoio do presidente da República e seu vice, ao massacre que ocorreu no Jacarezinho, tem total apoio das classes média e alta que sempre colocarão venda nos olhos para que os pobres e negros sigam sem direito à cidadania e que elas mantenham seus privilégios em decorrência dessa desnaturalização da democracia.

Isso explica bem o ódio dessa gente a Lula e ao PT que, durante seus 12 anos de governo, incluiu socialmente grande parte das camadas mais pobres da população.

*Carlos Henrique Machado Freitas

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Cotidiano

Operação policial que matou 28 no Rio de Janeiro desrespeitou decisões do STF

Conjur – A operação policial que deixou 28 mortos na favela do Jacarezinho, zona norte do Rio de Janeiro, nesta quinta-feira (6/5), desrespeitou as decisões do Supremo Tribunal Federal que impuseram obrigações a ações de segurança e restringiram incursões em comunidades do estado a casos excepcionais enquanto durar a epidemia de Covid-19.

Em novembro de 2019, o PSB moveu arguição de descumprimento de preceito fundamental no Supremo contra a política de segurança implementada pelo então governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC). O partido pediu que o estado promovesse medidas de proteção aos direitos humanos e reduzisse a letalidade policial. Diante da disseminação do coronavírus, o partido reforçou o pedido.

Em 5 de junho de 2020, o relator do caso, Edson Fachin concedeu liminar para limitar, enquanto durar a epidemia de Covid-19, as operações policiais em favelas do Rio a casos “absolutamente excepcionais”, sob pena de responsabilização civil e criminal em caso de descumprimento da ordem. As ações devem ser justificadas pela autoridade competente e imediatamente comunicadas ao Ministério Público, responsável pelo controle externo da atividade policial.

Nos casos extraordinários em que ocorrerem as operações, ordenou Fachin, os agentes estatais deverão adotar “cuidados excepcionais, devidamente identificados por escrito pela autoridade competente, para não colocar em risco ainda maior população, a prestação de serviços públicos sanitários e o desempenho de atividades de ajuda humanitária”. A decisão foi confirmada pelo Plenário do STF em agosto.

No mesmo mês, o Supremo impôs restrições adicionais para operações policiais em comunidades do Rio. Os ministros limitaram o uso de helicópteros, determinaram a preservação das cenas dos crimes e proibiram o uso de escolas e unidades de saúde como bases operacionais das polícias militar e civil.

Em coletiva de imprensa nesta quinta, o delegado Rodrigo Oliveira, da Coordenadoria de Recursos Especiais da Polícia Civil, afirmou que a operação no Jacarezinho observou “todos os protocolos” estabelecidos pelo STF. Mas também disse que “por força de algumas decisões, e de algum ativismo judicial que se vê hoje muito latente (…), a gente foi de alguma forma impedido, ou minimamente foi dificultada a atuação da polícia em alguma localidades”.

O advogado Daniel Sarmento, que representa o PSB na ação, afirmou à ConJur que a operação desrespeitou as decisões do Supremo. Uma das razões diz respeito à justificativa apresentada para a incursão na favela. A Polícia Civil explicou ao MP-RJ que a operação visava cumprir mandados de prisão contra acusados por associação ao tráfico de drogas.

Contudo, o delegado Felipe Cury, diretor do Departamento Geral de Polícia Especializada, responsável por descrever a investigação à imprensa, afirmou em entrevista coletiva que as investigações mostraram crimes graves “conexos ao tráfico de drogas” como homicídios, aliciamento de menores, sequestros de composições da Supervia e roubos. Nenhum desses delitos é mencionado na denúncia, segundo o jornal Folha de S.Paulo.

A peça acusatória, conforme o veiculo, é baseada em fotos de 21 homens publicadas em redes sociais, com suas investigações. De acordo com Sarmento, investigar pessoas acusadas de tráfico na rede social não é uma situação de “absoluta excepcionalidade” que justifica uma operação durante a epidemia. Nesse período, diz o advogado, apenas situações extremas, que colocassem risco a vida ou a liberdade de pessoas (como em um sequestro), poderiam motivar uma ação policial.

Além disso, os agentes estatais não adotaram nenhuma medida para assegurar os direitos dos moradores do Jacarezinho, aponta Daniel Sarmento, que também é professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Em inspeção, a Defensoria Pública enxergou indícios de “desfazimento da cena do crime”. Com isso, houve desrespeito à primeira liminar do STF, que proibiu tal prática, mencionou o advogado.

Sarmento disse que não houve irregularidade na comunicação da operação ao MP. O problema, a seu ver, é que o órgão tem feito um controle meramente formal das ações policiais, aceitando todas as justificativas para as incursões.

Em março, o MP-RJ extinguiu o Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (Gaesp). A decisão foi criticada por defensores dos direitos humanos. No mês seguinte, a Promotoria criou um grupo temático temporário para promover ações estratégicas e coordenadas para atender às determinações de redução da letalidade e da violência policial.

O jurista Lenio Streck também entende que a operação no Jacarezinho desrespeitou as decisões do Supremo. E opina que o fato pode gerar o impeachment do governador do Rio, Cláudio Castro — ele foi definitivamente empossado no cargo no sábado passado (1º/5) após seu antecessor, Wilson Witzel (PSC), ser condenado pela prática de crimes de responsabilidade.

“Trata-se um caso de ‘desrespeito chapado’! Resta agora saber se a parte da decisão em que o ministro diz ‘sob pena de responsabilização civil e criminal’ será também desrespeitada. Com o que estará completado o quadro de explícita provocação! Resta também saber se o Ministério Público ainda controla a atividade da polícia. A ver! E se ficar comprovado que o governador autorizou ou ficou sabendo, é caso de impeachment”, declarou Lenio.

Dessa maneira, ressalta Sarmento, o Ministério Público Federal pode investigar as autoridades fluminenses pelo crime de desobediência a decisão judicial sobre perda ou suspensão de direito, estabelecido pelo artigo 355 do Código Penal. O dispositivo estabelece pena de detenção, de três meses a dois anos, ou multa para quem “exercer função, atividade, direito, autoridade ou múnus, de que foi suspenso ou privado por decisão judicia”.

Petição ao Supremo
Com esses argumentos, o PSB e 16 amici curiae na ADPF pediram nesta sexta (7/5) que o Supremo defina, de modo mais preciso, os contornos do conceito de “absoluta excepcionalidade” em que podem ocorrer operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro durante a epidemia do coronavírus.

As entidades também requereram que se apure o crime de desobediência às liminares do STF no caso, bem como de outros ilícitos penais, administrativos e delitos conexos cometido pelas autoridades responsáveis pela operação no Jacarezinho.

Edson Fachin pediu, nesta sexta-feira (7/5), que o procurador-geral da República, Augusto Aras, investigue se houve abusos policiais, inclusive execuções, na operação na favela do Jacarezinho.

Ao encaminhar a Aras ofício e vídeos enviados a seu gabinete pelo Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular, ligado à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Fachin apontou que “os fatos relatados parecem graves e, em um dos vídeos, há indícios de atos que, em tese, poderiam configurar execução arbitrária”.

“Certo de que vossa excelência, como representante máximo de uma das mais prestigiadas instituições de nossa Constituição cidadã, adotará as providências devidas, solicito que mantenha este relator informado das medidas tomadas e, eventualmente, da responsabilização dos envolvidos nos fatos constantes do vídeo”, disse o ministro.

Nota do MP-RJ
O Ministério Público do Rio informou, em nota, que instaurou procedimento para apurar violações de direitos na operação policial no Jacarezinho. A Promotoria também disse que disponibilizou equipe de médicos legistas e demais peritos para acompanharem as investigações.

O MP-RJ ainda declarou que estabeleceu mecanismos para colher relatos e outros elementos de prova. “No entanto, para se alcançar sucesso nas investigações, faz-se necessária uma efetiva participação das entidades sociais e da própria sociedade em geral, contribuindo com informações úteis à regular elucidação das noticiadas violações praticadas e fornecendo dados que efetivamente auxiliem na averiguação dos fatos e na própria identificação de seus autores”, destacou o órgão.

Entidades repudiam operação
Diversas entidades criticaram a operação policial. O Observatório de Direitos Humanos do Poder Judiciário, coordenado pelo Conselho Nacional de Justiça, se solidarizou com as famílias das vítimas da incursão no Jacarezinho.

“O Observatório acompanhará os desdobramentos das investigações no âmbito do Poder Judiciário sobre as circunstâncias em que se deu o enfrentamento. Consideramos que a perda dessas vidas deve ser apurada de maneira ampla e célere, para se assegurar uma efetiva garantia dos direitos fundamentais da inviolabilidade à vida, à liberdade e à segurança.”

A Comissão de Defesa do Estado Democrático de Direito da seccional do Rio de Janeiro da OAB repudiou “o massacre perpetrado na carente e honrada comunidade do Jacarezinho” e questionou “a letalidade e a violência dessa macabra operação policial”.

Segundo a comissão da Ordem, agentes de segurança pública do Rio de Janeiro “promoveram verdadeira carnificina” e desrespeitaram a decisão do Supremo Tribunal Federal. “O comando da segurança pública fluminense, já notificado da decisão, afrontou a autoridade do STF, impondo à população carioca, em especial, aos moradores do Jacarezinho, tragédia sem igual, sendo imprescindível a apuração, identificação e responsabilização daqueles que naturalizaram essa barbaridade, tudo em conformidade com as normas que salvaguardam os direitos e as garantias constitucionais”.

A Comissão de Defesa do Estado Democrático de Direito da OAB-RJ deixou claro que “cerrará fileiras ao lado de entidades da sociedade civil, das famílias enlutadas e da população” do Jacarezinho, visando à apuração célere e transparente dos fatos. A nota foi assinada pelo presidente da comissão, Luís Guilherme Vieira, e pelo integrante do órgão James Walker Jr.

A operação policial na favela foi classificada de “mortífera invasão”, executada por policiais que agiram como “grupo de extermínio”, pela Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, Associação Advogadas e Advogados Públicos para a Democracia, Coletivo Defensoras e Defensores Públicos pela Democracia, Movimento da Advocacia Trabalhista Independente, Coletivo por um MP Transformador e Associação Juízes para a Democracia.

Conforme as entidades, tão grave quanto a ação policial foram as justificativas apresentadas por delegados na coletiva de imprensa, negando as execuções e criticando o que entendem ser “ativismo judicial” a inviabilizar maior presença do Estado nas comunidades.

“Com tais declarações, a Polícia Civil do Rio de Janeiro assume posição de hostilidade e confronto com o Supremo Tribunal Federal, ao questionar as medidas judiciais que visam a contenção do uso da força em tempos de pandemia com o fim de, por um lado, proteger a população civil e, por outro, limitar as incursões armadas aleatórias e indiscriminadas como as que fatalmente ocorrem quando os disparos são realizados a partir de helicópteros”, disseram as instituições.

Segundo elas, os representantes da Polícia Civil menosprezaram defensores dos direitos humanos e encorajaram agentes de segurança “ao arbítrio ilimitado” contra moradores de comunidades. Assim, transmitiram “a certeza da impunidade diante dos mais variados crimes, como execuções, invasão de casas, confisco de celulares, ameaças e humilhações como as relatadas por moradoras coagidas a limpar o sangue das vítimas com água sanitária para que as provas dos crimes pudessem desaparecer”.

A OAB-RJ e o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais já haviam criticado a operação e cobrado investigações sobre as violações de direitos por agentes estatais.

*Sergio Rodas/Conjur

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Campo de mortes

O Brasil da pandemia é um campo de mortes e o Rio de Janeiro, epicentro da carnificina. O estado que forjou politicamente Jair Bolsonaro e Wilson Witzel, paladinos na brutalidade, banalizou a barbárie. Ontem, uma mal explicada operação da Polícia Civil prendeu seis pessoas e deixou 25 mortos, entre os quais um policial, na favela do Jacarezinho, Zona Norte da capital. Em um dia, o equivalente a um terço das mortes confirmadas por coronavírus na comunidade; foram 79, desde março de 2020, segundo o Painel Rio Covid-19. Foi a mais letal intervenção oficial de agentes da lei da História do estado, segundo o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni/UFF). Foi também o segundo maior assassinato coletivo já registrado em território fluminense — no primeiro, conhecido como Chacina da Baixada, criminosos executaram 29 pessoas em duas cidades, Nova Iguaçu e Queimados, em março de 2005.

Enquanto parte do planeta se ocupa da vida — não faz dois dias, o presidente Joe Biden anunciou inédito apoio dos EUA à quebra temporária de patentes de vacinas contra a Covid-19 —, o Brasil empilha corpos. Em 14 meses de pandemia, o país ultrapassou 415 mil vidas ceifadas na combinação nefasta do vírus aos atos e omissões do presidente da República, o 01 do morticínio, como já demonstrado no par de depoimentos dos ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich à recém-iniciada CPI no Senado Federal. O Estado do Rio se aproxima de 46 mil óbitos por Covid-19, com taxa de letalidade de 5,96% dos infectados, o dobro da média nacional. Na capital, onde até ontem 24.495 pessoas perderam a vida, praticamente um em cada dez doentes (8,9%) não sobrevive.

Uma semana atrás, o estado afastou em definitivo o governador eleito na onda bolsonarista de 2018. Witzel ficou 20 meses no cargo; no primeiro ano, 2019, a polícia fluminense matou 1.814 pessoas, recorde da série histórica iniciada na última década do século XX. Ano passado, com pandemia e tudo, a escalada homicida das forças policiais levou à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de suspender operações em favelas. De junho a setembro, primeiros quatro meses de vigência da determinação, as mortes por agentes da lei despencaram 71% (de 675 em 2019 para 191 em 2020), segundo dados oficiais do Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ). Tudo isso sem prejuízo dos indicadores de homicídios e crimes contra o patrimônio, que seguiram em queda no estado.

De outubro em diante, já com Cláudio Castro interinamente no Palácio Guanabara e Alan Turnovsky como secretário de Polícia Civil, os números voltaram a subir. Bateram recorde (453) no primeiro trimestre deste ano. O mapeamento do Geni/UFF para a Região Metropolitana do Rio mostra que, desde a decisão do STF na ADPF 635, operações policiais deixaram 823 mortos. “Do total, 150 ocorreram entre junho e setembro. Já o primeiro trimestre de 2021 foi o pior da série, com 404 mortes”, sublinha o pesquisador Daniel Hirata. Nos dez meses, houve 22 operações policiais com três ou mais vítimas fatais, chacinas, portanto; 14 delas foram de janeiro a março deste ano.

No Brasil e no Rio, morre-se pela peste, pela bala da polícia e do crime. Morrem policiais, civis inocentes, criminosos e suspeitos sem julgamento. Morre gente de fome, sem oxigênio, sem atendimento médico. Mulheres morrem pelas mãos de maridos, companheiros, namorados e ex. Uma criança morre espancada por padrasto e mãe, bebês perdem a vida por golpes de facão. Homens negros morrem asfixiados por seguranças de supermercados ou são entregues a traficantes por tentar furtar peças de carne.

A violência desmedida tem produzido luto de um lado, indiferença de outro. Em qualquer sociedade comprometida com o direito à vida e com o Estado Democrático de Direito, um presidente lunático, incompetente ou necrófilo já teria sido apeado do cargo diante da hecatombe social, sanitária e funerária provocada pelo enfrentamento débil à mais grave pandemia em um século. No entanto ele segue no palácio dizendo impropérios, ameaçando instituições, atacando opositores, debochando da ciência, provocando parceiros comerciais, destruindo o meio ambiente, assinando decretos de armas. Em nenhuma unidade da Federação, governador ou chefe de polícia resistiriam à maior chacina da História. Aqui, gados que somos, assistimos silenciosamente ao extermínio dos corpos, predominantemente pretos e pobres, qualquer que seja a tragédia.

*Flávia Oliveira/O Globo

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Política

Mortos na chacina do Jacarezinho sobem para 29. Ao menos 13 não eram investigados na operação

Dos 21 investigados e com mandado de prisão, três foram detidos e outros três foram mortos. Das vítimas, 11 corpos ainda não foram identificados.

Matéria publicada no El País – Considerada um “trabalho de inteligência” pelo governador Cláudio Castro (PSC) e pela Polícia Civil, a operação na favela do Jacarezinho, na Zona Norte do Rio de Janeiro, não conseguiu chegar na maioria das 21 pessoas investigadas por suspeita de aliciar menores para o tráfico de drogas, motivo que levou à entrada policial no local. Dessa lista, somente três foram detidas e outras três foram mortas. As outras 15 pessoas não constam entre os mortos já identificados e podem ter fugido.

A ação policial terminou com 28 vítimas —três a mais do que o divulgado inicialmente, de acordo com a Polícia Civil— e se tornou a mais letal da história do Rio e a segunda maior chacina já registrada no Estado. Ao menos 13 dos mortos não tinham qualquer relação com a investigação, mas o número que pode ser ainda maior porque 11 corpos ainda não foram identificados, de acordo com informações da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Entre as vítimas estava o policial civil André Farias.

O massacre ocorrido nesta quinta-feira correu o mundo e chamou a atenção de instâncias internacionais. Nesta sexta, a Organização das Nações Unidas (ONU) pediu uma investigação independente ao Ministério Público sobre a operação. O porta-voz dos Direitos Humanos da ONU, Rubert Colville, afirmou em entrevista coletiva em Genebra que existe um histórico de uso “desproporcional e desnecessário” da força pela polícia e chamou atenção para o fato de que os locais das mortes não foram preservados, dificultando os trabalhos de perícia. Em algumas imagens divulgadas pela imprensa, é possível ver policiais civis carregando corpos.

Moradores também relataram ao EL PAÍS que os mortos foram carregados, logo após o crime, para veículos blindados da polícia. Já o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou que os fatos “parecem graves” e que “há indícios de atos que, em tese, poderiam configurar execução arbitrária”. A declaração consta nos ofícios enviados para a a Procuradoria Geral de Justiça do Rio de Janeiro (PGJ) e Procuradoria Geral da República (PGR) —que, por sua vez, já solicitou esclarecimentos ao governador Castro e ao Ministério Público do Rio.

A OAB divulgou nesta sexta-feira uma lista com 16 nomes das pessoas mortas. São todos homens, e o mais jovem tinha 18 anos. São eles: Carlos Ivan Avelino da Costa Junior, 32 anos; Cleiton da Silva de Freitas Lima, 27 anos; Francisco Fabio Dias Araújo Chaves, 25 anos; Jhonatan Araújo da Silva, 18 anos; John Jefferson Mendes Rufino da Silva, 30 anos; Jonas do Carmo, 31 anos; Isaac Pinheiro de Oliveira, 22 anos; Márcio Manoel da Silva, 41 anos; Marlon Santana de Araújo, 23 anos; Maurício Ferreira da Silva, 27 anos; Natan Oliveira de Almeida, 21 anos; Rai Barreto de Araujo, 19 anos; Richard Gabriel da Silva Ferreira, 23 anos; Rômulo Oliveira Lucio, 20 anos; Toni da Conceição, 30 anos; Wagner Luis de Magalhães Fagundes, 38 anos.

Os esclarecimentos oferecidos sobre as vítimas são insuficientes. De acordo com o jornal O Globo, a polícia se limitou a dizer que 26 dos 27 moradores mortos tinham antecedentes criminais. O EL PAÍS teve acesso às investigações do Ministério Público que apuram o aliciamento de menores no Jacarezinho. Dos 21 nomes investigados, somente Richard, Romulo e Isaac estão entre os mortos na ação desta quinta —e deveriam, em respeito ao Estado Democrático de Direito, responder por eventuais delitos na Justiça.

Mesmo com poucos esclarecimentos, o delegado Felipe Curi tratou de considerar os mortos como criminosos durante a coletiva de imprensa da Polícia Civil na quinta-feira. “Não tem nenhum suspeito aqui. A gente tem criminoso, homicida e traficante. O que causa muita dor na gente é a morte do nosso colega”, afirmou. O vice-presidente Hamilton Mourão seguiu pela mesma linha ao se referir às vítimas da chacina: “Tudo bandido”, afirmou na manhã desta sexta-feira, ao chegar no Palácio do Planalto, também sem ter qualquer prova disso. Durante uma entrevista de rádio, também comparou a situação do Rio a uma guerra. “Isso é a mesma coisa que se a gente tivesse combatendo no país inimigo. Quase a mesma coisa. A partir daí houve esse combate de encontro e tenho quase que absoluta certeza, não tenho todos os dados disso, que os mortos eram os marginais que estavam lá, armados, enfrentando a força da ordem”.

A Polícia Civil afirma que seis pessoas foram detidas na quinta-feira durante a operação, e que três delas estavam na lista de investigados e tinham mandado de prisão. As outras três foram detidas em flagrante. O EL PAÍS entrou em contato nesta sexta-feira com a corporação questionando seus nomes, mas não obteve uma resposta até o fechamento desta edição. A operação foi realizada em desafio a uma determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) que proíbe este tipo de ação durante a pandemia, salvo em “hipóteses absolutamente excepcionais” e desde que devidamente justificadas ao Ministério Público do Rio. O MP foi avisado da operação às 9h, três horas depois de seu início.

Se de uma lista de 21 investigados três foram mortos e três foram detidos, o que aconteceu com as outros 15? Quem são eles? O EL PAÍS também questionou a Polícia Civil, mas não obteve resposta. Até o momento, a corporação vem se apoiando na narrativa de que existe um “ativismo judicial”, em referência à decisão do Supremo de limitar operações policiais durante a pandemia.

Os agentes presentes em uma entrevista coletiva na quinta-feira, após o crime, evitaram se referir diretamente ao Supremo —ainda que estivesse implícito que tratavam do tribunal. “A gente não tem como nominar A, B, C ou D. São diversas organizações que buscam nesse discurso impedir o trabalho da polícia. Quem pensa assim está mal intencionado ou mal informado”, afirmou o delegado Rodrigo Oliveira. E prosseguiu: “Impedir que a polícia cumpra o seu papel não é estar do lado de bem da sociedade. O ativismo perpassa uma série de entidades e grupos ideológicos que jogam contra o que a Polícia Civil pensa. E a polícia está do lado da sociedade”, prosseguiu. “É preciso acabar com discurso de pobre coitado e de vitimização desse criminoso”.

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Política

Jacarezinho – O controle social através de um mandado de execução

O Estado é o principal produtor dos bandidos que agora quer exterminar.

Essa é a primeira vez que fico sem saber por onde começar um texto. Não por desconhecer o tema, mas pelo excesso de possibilidades disponíveis para desenvolvê-lo. Excesso de possibilidades que soube ser “bem” explorado na operação realizada pela Polícia Civil do Rio de Janeiro na favela do Jacarezinho, e que resultou na morte de 28 pessoas. Para tentar começar, é preciso lembrar à sociedade que nenhuma operação policial, para qualquer que seja a finalidade ou sob quaisquer condições, pode resultar na morte de 28 pessoas. Principalmente, quando ela é realizada por uma polícia investigativa e não operacional.

Seguindo o fio, gostaria de analisar as declarações do Delegado responsável pela operação e do Secretário de Polícia Civil do RJ, que tenta nos oferecer uma narrativa extraída da polpa do bolsonarismo. O primeiro, critica o que ele chama de “ativismo judicial” da esquerda, sugerindo que tal ideologia é a responsável pela proliferação do crime no país. O segundo, apela para a mais hipócrita das abstrações sociais pregadas pelas forças de segurança do estado. A defesa do cidadão de bem. Neste caso, a defesa da infância e da adolescência que estava sendo recrutada pelo tráfico de drogas daquela comunidade.

Ao tentar polarizar politicamente a discussão em torno da legalidade da operação que comandou, o delegado usa dos mesmos argumentos simplistas que o seu “mentor” intelectual, o presidente da república Jair Bolsonaro. Se fosse inquirido a responder o porquê de as comunidades dominadas pela milícia, não sofrerem uma operação semelhante, responderia: “E o Lula?”, num lapso temporal que o seu direito penal particular classificaria de: “Jurisprudência Moroniana” Alinhar os discursos é um pacto entre o estado e suas forças de segurança. E quando o estado é fascista, essas forças tendem a servi-lo com mais fidelidade, porque foram forjadas sob um viés fascista.

O Secretário de Segurança declara que a operação foi em defesa dos direitos humanos, porque visava salvar a vida de crianças e adolescentes cujas estavam sendo roubadas pelos traficantes. Desde quando o estado se preocupa em salvar a vida de crianças pobres, pretas e periféricas? Muitas delas estão nas ruas, com fome, sem assistência e sem nenhuma perspectiva de futuro, porque o estado as ignora. E, infelizmente, o que o estado não faz, o tráfico faz por elas, oferecendo uma “oportunidade”, talvez a primeira e a única de suas vidas, para que elas garantam, da pior forma possível, a própria subsistência. Essa é a triste realidade.

Será que esta sanguinária operação conseguiu acabar com o tráfico de drogas na comunidade? Será que a partir de agora, as crianças do Jacarezinho serão acompanhadas pelo Estado e terão o seu futuro assegurado pelo mesmo? Por que, então, esse mesmo estado mantém as escolas públicas propositalmente sucateadas, sem recursos e sem investimentos, quando elas poderiam ser o principal refúgio dessas crianças contra o aliciamento do crime organizado? Quer você queira ou não queira, o Estado é o principal produtor dos bandidos que agora quer exterminar. Uma declaração dada por um então deputado federal, corrobora com o que escrevo aqui.

“Não adianta nem falar em educação porque a maioria do povo não está preparada para receber educação e não vai se educar. Só o controle da natalidade pode nos salvar do caos”. Essa declaração foi dada por Jair Bolsonaro em 2008. Dez anos depois, a sociedade o elegeu presidente da república. A chacina ocorrida no Jacarezinho passa por essa declaração e por outras mais polidas que tem o mesmo significado. É melhor matar, do que educar. Por coincidência, um dia antes do massacre comandado pela Polícia Civil, o autor desta frase esteve reunido a portas fechadas com o Governador do estado. Significa alguma coisa?

Significa que, não tendo interesse no desenvolvimento social da população pobre, preta e periférica, e sabendo que ela poderá se tornar um grave problema de segurança pública, o estado usa as forças de segurança para reprimir qualquer tentativa de reação que essa população insinue esboçar, no sentido de reivindicar os seus direitos como cidadãos. O que houve no Jacarezinho foi uma demonstração de poder. E isso é um procedimento diário, só que em proporções menores do que ocorreu. E não é só bandido que está submetido a esse procedimento. São os pobres (em sua maioria negros) de um modo geral. É um manter de cabeça baixa aqueles que o estado precisa oprimir, para não perder o controle.. Parece loucura, mas o inimigo é criado para continuar justificando o controle e a opressão social.

Defender bandido não faz parte da minha ideologia. A eles, a lei e a punição que ela manda aplicar. Mas, até onde se saiba, não há pena de morte na nossa legislação. O que nós vimos acontecer no Jacarezinho foi o cumprimento de um mandado de execução. De onde partiu a ordem, não é muito difícil deduzir. Principalmente, se considerarmos o fato de o STF ter proibido operações policiais em comunidades durante a pandemia. Quem vive às turras com o Supremo, confrontando as decisões dos ministros da corte e instigando o seu gado a atacá-los? Esquece! Deve ser apenas coincidência.

E o genocídio continua…

Ricardo Nêggo Tom/247 – Cantor e compositor

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É necropolítica que chama

Não faltam denúncias, imagens nem números a confirmar a escalada da violência de Estado nas favelas

Não há outra palavra para denominar o cotidiano de brutalidade ao qual as favelas do Rio de Janeiro estão expostas desde que Wilson Witzel aportou no Palácio Guanabara. O pensamento de Achille Mbembe, filósofo e pensador camaronês, é o que melhor resume a banalização de operações com blindados em terra, rasantes e disparos de helicópteros do céu. São ações que produzem pânico e morte nos morros — onde vive predominantemente a população negra e de baixa renda — sem traço de melhora na percepção de segurança no Estado do Rio. O nome é necropolítica.

“É basicamente uma política de morte, o poder de ditar quem deve viver e quem deve morrer. Ocorre cotidianamente em diversos territórios negros e periféricos, caso das favelas, identificados como territórios de inimigos que precisam ser combatidos. Fica estabelecido que aqueles corpos são matáveis, que essas vidas têm menos valor e são, portanto, descartáveis”, define Juliana Borges, pesquisadora em antropologia e autora de “O que é encarceramento em massa” (Pólen Livros).

A autora tratou do tema em artigo sobre as ações do então prefeito de São Paulo, João Doria, para dispersar frequentadores da cena de consumo de drogas na região central da capital paulista, a chamada Cracolândia. O raciocínio serve agora às intervenções que, no Rio, ganharam força como discurso eleitoral de um candidato desconhecido e materializaram-se no dia a dia das comunidades com a posse do governador.

Em agosto, seis jovens inocentes, cinco rapazes e uma moça, perderam a vida por bala perdida no Grande Rio. Esta semana, confrontos da polícia com traficantes interromperam por uma hora a circulação de trens e deixaram quatro mortos no Jacarezinho. Anteontem, no Complexo do Alemão, seis pessoas morreram, um policial ficou gravemente ferido e centenas de crianças não puderam ir à escola; na Maré, alunos tiveram de se abrigar no corredor de uma unidade de ensino.

De tão grave o cenário, membros da sociedade civil e representantes das comunidades estão recorrendo ao Ministério Público estadual e à Defensoria Pública. O Ministério Público Federal, por sua vez, está cobrando da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) a fiscalização dos helicópteros das forças de segurança do Rio. Seria atribuição do órgão monitorar estrutura, operação, gestão, treinamento, instalação da plataforma de tiros, transporte de armas, disparos a bordo e lançamentos de objetos.

Os números também confirmam a escalada da violência pela multiplicação dos confrontos. De janeiro a julho, houve 1.075 homicídios decorrentes de intervenções policiais no estado, informou o Instituto de Segurança Pública (ISP). Foi recorde histórico. Até agosto, a Rede de Observatórios da Segurança contou 1.697 operações com trocas de tiros.

Este ano, a plataforma Fogo Cruzado, que mapeia troca de tiros na Região Metropolitana, contabilizou 63 episódios de violência com três ou mais civis mortos; em 49 havia presença de policiais. As chacinas deixaram 235 vítimas fatais. Em relação ao mesmo período de 2018, houve aumento de 31% no total de casos, 58% na participação de agentes de segurança e 21% no número de mortos.

A partir das violências perpetradas no Rio, podemos enxergar uma política racista de extermínio e instrumentalização da vida, mobilizada pelo aparato estatal que impõe à população negra a morte e reforça a ideia de que a possibilidade de vida plena é atributo exclusivo da branquitude. A necropolítica não foi inventada no governo Witzel, mas tem na atual gestão uma exacerbação que não pode ser negligenciada ou simplificada”, resume Thula Pires, professora de Direito Constitucional da PUC-Rio.

 

*Flávia Oliveira/O Globo