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Bolsonaro restringe gastos com a vacina da Covid-19, mas preserva projetos de militares

Decisão do presidente consta em sanção da Lei de Diretrizes Orçamentárias.

Presidente Bolsonaro vetou dispositivos da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) que blindariam gastos do governo federal com a aquisição e distribuição de vacinas contra a Covid-19, além de outros desembolsos com o enfrentamento da pandemia.

Por outro lado, Bolsonaro preservou na lei que serve como guia para a elaboração do Orçamento os principais projetos estratégicos defendidos pelo Ministério da Defesa —como a renovação da frota de caças da FAB (Força Aérea Brasileira) e o desenvolvimento de submarino com propulsão nuclear—, que com a decisão presidencial não poderão ser alvo de contingenciamento.

A LDO foi sancionada com vetos por Bolsonaro e publicada em edição extra do Diário Oficial da União na quinta-feira (31).

A Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece que o governo precisa ao longo do ano bloquear o empenho de determinadas despesas caso não esteja conseguindo cumprir a meta de superávit primário (que para 2021 é um rombo máximo de R$ 247,12 bilhões).

No entanto, a mesma redação elencava programas que deveriam ser protegidos desses congelamentos, sendo que Bolsonaro vetou parte da lista.

Entre os trechos vetados está “despesas com ações vinculadas à produção e disponibilização de vacinas contra o coronavírus (Covid-19) e a imunização da população brasileira”. O presidente também removeu da lei agora sancionada “despesas relacionadas com o combate à pandemia da COVID-19 e o combate à pobreza”.

Segundo técnicos ouvidos pela Folha, a ação do presidente deve ter pouco impacto imediato, em menos em ações diretas do Ministério da Saúde. Na pasta, a maioria dos gastos relacionados ao enfrentamento à pandemia tem sido feita via crédito extraordinário, que não é regido pelos itens vetados por Bolsonaro na LDO.

Em dezembro, por exemplo, Bolsonaro editou uma MP (Medida Provisória) que destina R$ 20 bilhões para a aquisição e distribuição de imunizantes contra o coronavírus.

O dinheiro deve abarcar a compra de doses, seringas, agulhas e toda a logística envolvida na campanha de vacinação. Segundo técnicos, por se tratar de crédito extraordinário, em tese o veto de Bolsonaro não atingiria o dinheiro já reservado.

Eles opinam que os vetos podem ser uma tentativa do Executivo de criar uma ferramenta de controle de despesas voltadas para a Covid-19 que eventualmente venham a ser incluídas por parlamentares na Lei Orçamentária, que ainda não foi aprovada.

A decisão do presidente, no entanto, pode abarcar programas que extrapolam o Ministério da Saúde, uma vez que a expressão “despesas relacionadas com o combate à pandemia da COVID-19” é ampla e a inclusão do termo “combate à pobreza” indica ações relacionadas à assistência social.

Outros itens foram barrados por Bolsonaro na LDO e, portanto, poderão ser alvo de contingenciamento em 2021.

Estão na lista: despesas com saneamento, execução de ações do programa de reforma agrária e de apoio à agricultura familiar, comunidades indígenas e quilombolas; ações de combate ao desmatamento e/ou queimada ilegais em imóveis rurais; despesas com as ações destinadas à implementação de programas voltados ao enfrentamento da violência contra as mulheres; demarcação de terras indígenas e de remanescentes de quilombos; e despesas relacionadas com o Programa Mudança do Clima, entre outros.

Para justificar o veto, o governo argumentou que a manutenção dos dispositivos vetados no rol de despesas blindadas de contingenciamento reduziria o espaço fiscal das despesas discricionárias e restringiria “a eficiência alocativa do Poder Executivo na implementação das políticas públicas”. ​

Bolsonaro também justificou que despesas não passíveis de bloqueio aumentam a rigidez do Orçamento, o que prejudica o cumprimento da meta fiscal, do teto de gastos e da Regra de Ouro (mecanismos que impede o governo federal de se endividar para pagar despesas correntes, como Previdência Social e benefícios assistenciais.) O não cumprimento dessas regras fiscais —prossegue o governo— poderia provocar insegurança jurídica e impactos econômicos negativos, como endividamento, aumento de taxas de juros e inibição de investimentos.

“Nesse sentido, entende-se que ressalvar as despesas relacionadas, da limitação de empenho, contraria o interesse público”, concluiu o governo nas razões do veto.

Bolsonaro no entanto teve entendimento diferente em relação aos projetos prioritários do Ministério da Defesa, que não foram retirados da lista de despesas blindadas de contingenciamento.

Foram preservados os projetos FX-2 (compra de caças da sueca Saab para a renovação da frota da FAB) e Prosub (programa de desenvolvimento do submarino nuclear brasileiro fruto de acordo com a França ); também estarão livres do bloqueio orçamentário despesas com aquisição do cargueiro militar KC-390 e gastos com a compra do blindado Guarani. Bolsonaro manteve ainda no anexo de despesas livres de contingenciamento a implementação do Sisfron (Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras) e do Sistema de Defesa Estratégico Astros 2020.

 

*Com informações da Folha

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Política

A política que militares negam fazer

Se não voltarem logo para os quartéis, ao final só lhes restará queimar suas fardas em nossas tantas queimadas.

Há erros que desencadeiam consequências muitos anos depois, há os irreparáveis, há os que são ratificados.

O erro do Exército ao lançar mão do jeitinho brasileiro para tirar da corporação a erva daninha chamada Bolsonaro se enquadra nas três categorias acima.

Ao apoiar seu governo e permitir que oficiais da ativa dele participem, a farda que, com muito esforço, para os distraídos, desavisados e desmemoriados, começava a se limpar do sangue das vítimas da Ditadura, volta a se sujar no convívio com o tenente a quem deram de presente uma promoção a capitão – que o povo paga.

Sua eleição criou uma situação esdrúxula ao fazer com que generais sejam obrigados a bater continência para uma patente inferior. Mas, como é o Chefe Supremo das Forças Armadas, para trabalhar em seu governo chama quem quer e vai quem tem que obedecer.

Assim, segundo o site Poder 360, em junho deste ano 2.930 militares da ativa ocupavam cargos nos Três Poderes. Destes, 2.713 integram o Executivo. Isto não aconteceu sequer durante a ditadura militar, já que os da ativa precisavam, ativamente, cuidar de seus porões.

A afirmação de que em quartel não entra política, rotineiramente feita pelos militares que da política, de forma inconstitucional, se ocupam, não passa de me engana que eu gosto. Nela atuam e muito, apenas fora dos quartéis, o que em nada altera o fato de que se dedicam à política ao invés de se aterem ao que determina a Constituição. Ou seja, militares da ativa, fugindo à sua missão constitucional, fazem política onde ela é feita: nos Três Poderes, aí incluindo o Judiciário onde não deveria jamais entrar.

Em abril de 2018, quando ainda na ativa, o General Villas Bôas, um dia antes do julgamento, pelo STF, do habeas corpus ao Presidente Lula, disse em seu Twitter: “Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do país e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?” E completou: “Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”. Foi claro, direto e objetivo, abrindo caminho para a eleição do tenente descerebrado. Militares não fazem política?

Tendo ocupado o cargo de porta-voz da Presidência de janeiro de 2019 a outubro de 2020, o General Rêgo Barros foi jogado para escanteio quando o tenente optou por lançar perdigotos diretamente na cara de seus seguidores ao falar com os mesmos na porta do Alvorada. Foi para a reserva enquanto servia ao tenente. Antes disso foi chefe do Centro de Comunicação Social do Exército e principal assessor do então Comandante do mesmo, o já citado General Villas Bôas, o que dispensa comentários.

O Ministro da Saúde, General Pazuello, protagonizou uma cena que ficará gravada em nossa vergonha nacional. Sentado, com expressão sorridentemente bovina, sem máscara e com Covid, ao lado do tenente que exibia seu costumeiro esgar, acabava de ter sido desautorizado pelo último a comprar a vacina chinesa contra o Covid-19. Bateu continência para baixo: “É simples assim. Um manda e o outro obedece. Mas a gente tem um carinho, entendeu?” Não, não entendi. Me explica, Ernesto?

A política econômica que traz uma crescente miséria, não parece envergonhá-los. Nem mesmo o extermínio dos indígenas através das práticas genocidas do tenente e seus sequazes é suficiente para que voltem para as casernas. Não percebem que a presença a seu lado os tornam, não apenas aliados, mas cúmplices em tudo o que está acontecendo no país.

Me pergunto se eles se perguntam o que fazer. Ou se vão simplesmente deixar fazer sem perceberem que suas fardas se sujam agora também com o estigma da venda de nossas riquezas, de nossa soberania e de mortes que poderiam ter sido evitadas. Se não voltarem logo para os quartéis, ao final só lhes restará queimá-las em nossas tantas queimadas.

 

* Lygia Jobim/Carta Maior

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Política

Vídeo: A queda de braço tardia dos militares com Bolsonaro

Nessa troca de farpas entre militares e Bolsonaro, ficam evidentes a falência e o naufrágio do governo e a batida em retirada das tropas militares depois de vários episódios de humilhação.

Assista:

*Da redação

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Brasil

Réquiem para os militares nacionalistas desenvolvimentistas

Breve nota introdutória
Este breve ensaio busca condensar alguns dos resultados de meus estudos e reflexões sobre o pensamento militar brasileiro. Não é um produto acabado, mas em contínuo andamento. A forma escolhida não segue o modelo acadêmico intencionalmente, a fim de permitir uma leitura mais fluida e o amplo acesso aos não familiarizados com o formalismo acadêmico. Trata-se de um esforço no sentido de compreender aquilo que considero um elemento fundamental para o entendimento da realidade brasileira e que, infelizmente, desperta muito pouco interesse junto aos setores chamados progressistas e de esquerda no Brasil. Numa singela contribuição para tentar reverter este quadro, apresento as linhas que se seguem na expectativa de incitar o debate. Cabe ainda alertar o leitor de que as Forças Armadas não são um bloco monolítico; cada uma das Forças singulares possui suas peculiaridades e tendências próprias, bem como, dentro de cada Força também há divergências e correntes específicas. O que se procurou realizar aqui foi trabalhar segundo uma visão macro, considerando as tendências que se apresentaram como predominantes do ponto de vista externo às instituições militares. Finalmente, eventuais críticas e comentários serão sempre muito bem vindos.

Desenvolvimento
No período de 1945 a 1964, as Forças Armadas (FA) possuíam em seu interior basicamente duas amplas correntes de pensamento em relação a visão de futuro do Brasil – que refletiam o debate nacional. Estas correntes assumiram na década de 50 do séc. XX as suas formas mais bem definidas. A primeira corrente, que pode ser chamada de “nacionalista”, considerava que o Estado brasileiro deveria ser o grande condutor do processo de desenvolvimento econômico e social do país. Nela entravam as vertentes nacionalistas de esquerda, genericamente chamada “nacionalista”.

A outra corrente considerava que o processo de desenvolvimento econômico e social do país deveria ser conduzido pelo capital privado e externo (marcadamente o estadunidense). Nessa vertente entravam as correntes de liberalismo pró-estadunidense de direita. Foram os chamados, depreciativamente pelos “nacionalistas”, de “entreguistas”.

Estas duas correntes permaneceram digladiando-se dentro das FA, com períodos de alternância entre elas; em dado momento a corrente “nacionalista” chegava ao topo do comando das Forças – representado pelo cargo de Ministro da Guerra – ou ao prestigiado cargo de Presidente do Clube Militar, já em outro chegava a corrente “entreguista”. O importante a ressaltar é que quando uma corrente assumia o controle da estrutura militar, ela não eliminava a outra, elas conviviam em um processo de disputa “respeitosa” – oponentes, mas não inimigos.

Cabe ainda destacar que a corrente “nacionalista” não era majoritária dentro das FA, embora integrantes dela eventualmente chegassem ao controle das Forças e da presidência do Clube Militar. Lembremos que a influência dos EUA nas FA brasileiras era muito forte, devido ao prestígio da vitória estadunidense na Segunda Guerra Mundial e à participação de oficiais brasileiros neste conflito ao lado dos EUA. Some-se a isso a crescente influência da Escola Superior de Guerra (ESG), criada nos moldes do War College estadunidense e fundada em 1949, que se tornou um polo ideológico de oposição ao pensamento varguista e divulgador da vertente liberal estadunidense.

Com o Golpe Militar de 1964, estes processos de interação entre estas duas correntes iriam modificar-se.

A chegada ao poder político da corrente “entreguista” em 1964 marca o início do “extermínio” sistemático da corrente “nacionalista” dentro das FA. Isso ocorreu por amplos processos de expurgo de militares das FA. A categoria profissional mais atingida pelos Atos Institucionais talvez tenha sido a dos próprios militares. Uma sequência de aposentadorias compulsórias (transferência para a reserva) e expulsões, acompanhadas dos famosos Inquéritos Policiais Militares (IPM). Os números são incertos, alguns autores colocam na faixa de mil expulsões, outros 5 mil. O fato é que este acontecimento ainda carece de um maior aprofundamento por parte de pesquisadores.

A partir de 1964 a ideologia hegemônica dentro das FA passou a ser a da corrente “entreguista” – o processo de desenvolvimento brasileiro passaria pelo capital privado e estrangeiro, tendo os EUA como modelo econômico e social.
Este fio condutor permanece em certa medida até os dias atuais. Mesmo hoje, não há espaço dentro das FA para outra forma de entender o mundo, que não seja dentro de uma perspectiva de bases eminentemente liberais. Perceba que após 1964 não surgiu um nome sequer de destaque intelectual dentro das FA brasileiras, que defendesse um contraponto ao receituário liberal. E podemos especular que, caso houvesse, muito provavelmente não prosperaria na carreira, não chegaria ao generalato – os peculiares dispositivos internos de controle certamente iriam incumbir-se de isolá-lo e contê-lo.

Ao longo dos anos 60, ocorreriam adaptações importantes nas linhas ideológicas da vertente que se fez hegemônica dentro das FA. A Doutrina de Segurança Nacional (DSN), importada dos EUA e disseminada pela ESG, já era trabalhada dentro das nossas FA desde o início da década de 50 e, com a chegada ao poder político da ala “entreguista” em 1964, ela passou ao status de política nacional. A característica ideológica que moldava a corrente “entreguista” sofreria uma metamorfose importante no ano de 1966. Foi neste ano que a DSN nos EUA sofreu uma mudança com a política lançada por Robert S. McNamara, marcada por um discurso feito em Montreal, em 18 de maio de 1966, com o título Security in the Contemporary World. A partir das alterações propostas por McNamara, a segurança nacional e o desenvolvimento, anteriormente conceitos dissociados, passariam a caminhar necessariamente juntos. Dito em outros termos: segurança é desenvolvimento e sem desenvolvimento não há segurança.

Não por acaso, em 1967, Castello Branco lança o binômio “segurança e desenvolvimento” em discurso na ESG. A partir deste momento os militares assumem o desenvolvimento como elemento constitutivo da segurança nacional – algo que não estava presente antes. Até então, a questão do desenvolvimento era vista com desconfiança e como competidora do tema segurança nacional – propostas como as de Juscelino, por exemplo, eram vistas com grande suspeita por parte dos militares.

Agora podemos entender com maior clareza como aquela corrente “entreguista” aderiu ao “desenvolvimentismo” de caráter nacional. Isso teria ocorrido como decorrência da continuação de aplicação da DSN criada em Washington – na verdade, foi dada continuidade a uma prática que já vinha sendo feita desde a Segunda Guerra Mundial e, mais enfaticamente, desde a Doutrina Truman: acompanhar as orientações e interpretações emanadas dos EUA para a DSN.

Entretanto, a inclusão do desenvolvimento na segurança nacional trazia um “efeito colateral” e que foi percebido pelos estadunidenses nos Estados sob sua esfera de influência: o crescimento do teor nacionalista no meio militar destes Estados. Como forma de conter e negar o avanço de um nacionalismo inconveniente aos seus interesses nos países do Terceiro Mundo, os estadunidenses buscaram inflar o sentimento anticomunista. Ou seja, o acirramento de um anticomunismo incentivado pelos EUA, nos diversos Estados dependentes submetidos a sua influência, visava conter a onda nacionalista decorrente da adoção do desenvolvimento como elemento intrínseco da segurança nacional.

O desenvolvimentismo adotado pela aplicação da DSN fez crescer a vertente de nacionalismo dentro das nossas FA (valorização da Petrobras, busca por tecnologias próprias, acordo nuclear, etc.). Como assinalamos anteriormente, o nacionalismo já existia antes de 64 dentro das FA, mas era desacoplado do conceito de segurança nacional. A vertente “entreguista”, vencedora de 64, passaria a remodelar o nacionalismo segundo seus próprios termos, os termos orientados pela DSN.

Entendemos que o tão mencionado nacionalismo do governo Geisel seria resultante da aplicação deste receituário, levando até mesmo à ocorrência de choques com as políticas e interesses estadunidenses. Não por acaso, o grupo opositor a Geisel dentro das FA era composto pelos segmentos anticomunistas mais ferrenhos, chegando ao ponto de acusar o próprio Geisel de trair os princípios da “Revolução”.

A vertente “desenvolvimentista” permaneceria hegemônica no pensamento militar até o início dos anos 2000, quando sofreria uma nova mutação.
O final dos anos 90 e início dos anos 2000 foi um período dominado por uma grave “crise de identidade” nos militares brasileiros. O fim da Ditadura Militar em 1985 e o fim da Guerra Fria causariam fortes abalos naquilo que os militares brasileiros entendiam como sendo a sua “vocação natural”, segundo o prescrito na DSN. A conjuntura internacional imposta pela Guerra Fria colocava às FA brasileiras um duplo papel: o primeiro de aspecto internacional, como força auxiliar sob a liderança das forças militares estadunidenses, num esforço de defesa do Ocidente frente à ameaça de uma eventual invasão comunista; e o segundo de aspecto interno, como força de repressão ao inimigo interno (os subversivos cooptados e controlados pelo comunismo internacional). A queda do muro de Berlin e a dissolução da URSS eliminaram o papel de aspecto internacional e o fim da Ditadura Militar retirou seu papel interno de combate à subversão.

No período de poucos anos as FA viram-se cada vez mais “perdidas” em relação a qual seria a sua destinação. A DSN seguida tão fielmente pelos militares por décadas e que preencheu as mentes militares com papéis claramente definidos, de uma hora para a outra, teve seus alicerces abalados pela mudança da conjuntura internacional e nacional. Do ponto de vista da política nacional, os governos Fernando Henrique Cardoso contribuíram ainda mais para o agravamento dessa crise de identidade, com a aplicação do ideário neoliberal. A acirrada disputa interna por verbas governamentais entre os diversos setores do Estado, sob a égide de indicadores de eficácia e eficiência, colocou os militares sob forte pressão.

Para que servem as FA? Essa era pergunta que pairava no inconsciente das chefias militares num mundo pós-Guerra Fria. Este foi um interessante período de “paralisia” dos militares no campo de sua atuação política, quando optaram por permanecer restritos aos quartéis e voltados para processos internos de profissionalização, com duras dificuldades orçamentárias. Os governos do Partido dos Trabalhadores (Lula e Dilma) ingenuamente até tentaram oferecer um caminho de destinação que desse um novo rumo às FA, assentado na Estratégia Nacional de Defesa, mas, ao que parece, isso não foi aceito e optou-se por voltar às bases anteriores. Só que desta vez sob uma espécie de condição “degradada” – uma vez que os velhos preceitos da DSN, agora, encontravam-se completamente dissociados da conjuntura internacional que a concebera originalmente.

Segundo nosso entendimento, foi sob este cenário de crise de identidade que, num esforço de adequação aos preceitos neoliberais, as FA começaram a inserir cursos de Master in Business Administration (MBA) como parte dos currículos das Escolas de Altos Estudos Militares das Forças (ECEME, EGN e UNIFA)1, ao longo dos anos 2000. A Administração começou gradativamente a dominar o espaço das grades desses cursos, o que ao longo de duas décadas acabou por transformar a forma como o militar brasileiro “entendia o mundo” – termos como empreendedorismo, desregulação, terceirização, livre concorrência e privatização foram gradativamente sendo incorporados e naturalizados no léxico do militar. O resultado deste processo foi que o ideário neoliberal foi absorvido pelos militares e mesclado com a única doutrina que eles realmente dominavam e que, como ideologia, nunca abandonaram – a DSN. Só que dessa vez, sob a égide dessa “DSN degradada” – uma composição dos preceitos neoliberais, como forma de percepção do mundo e das relações sociais, com os velhos ditames da DSN original –, a questão da segurança nacional acabou apartada da perspectiva do desenvolvimento nacional. Assim, não seria mais preciso, por exemplo, desenvolver uma tecnologia nacional para incrementar e propiciar a segurança nacional, esta tecnologia passaria a ser obtida mediante uma parceria estratégica com os EUA – onde o Brasil aceitaria a condição subalterna de parceiro fornecedor de produtos primários -, em um mundo cada vez mais desregrado, interconectado e em disputa crescente com o “Oriente” (representado, cada vez mais, pela figura da China em contraposição aos EUA).

Caso a leitura aqui apresentada se confirmasse, a visão e o comportamento dos militares passariam por todo um novo processo de significação, quando comparados com a postura esperada sob o modelo “desenvolvimentista”. A adoção da ideologia decorrente dessa “nova” DSN, agora “degradada”, implicaria num descasamento entre a realidade e o modelo adotado, onde o processo se daria de modo invertido: a realidade concreta é que necessitaria ser ressignificada para que pudesse enquadrar-se ao modelo existente.

Assim, uma nova edição de Guerra Fria (EUA versus China?) precisaria ser percebida como em andamento, bem como, um novo inimigo interno (uma nova modalidade de subversivo?) precisaria ser encontrado e combatido.
Os instrumentos nacionais que antes eram valorizados e incentivados pelos militares no modelo “desenvolvimentista” perderiam sua razão de existência, em sintonia com a necessidade de “encolhimento” do Estado. A Base de Alcântara – simbolizando o projeto espacial brasileiro –, a Embraer, a Petrobrás, os recursos do Pré-Sal, dentre outros ícones do “nacional desenvolvimentismo” da década de 70, poderiam estar agora sob controle privado e submetidos às virtuosas regras de mercado e da competição, sem qualquer tipo de preocupação por parte do segmento militar. Quanto às tecnologias sensíveis, elas seriam fornecidas pelo parceiro internacional aliado.

Todo o projeto de país idealizado pela ESG nos anos 50/60, seguindo o modelo “nacional desenvolvimentista”, não seria mais necessário, pois os processos econômico-sociais seriam agora regidos segundo as regras autorreguladas do livre mercado em escala global e o Brasil concentraria seus esforços em sua vocação natural para “alimentar o mundo”, atuando no mercado internacional de commodities.

Obviamente, nada disso possui qualquer tipo de possibilidade de ocorrer. Não é mesmo?

*Maurício B. de Sá – Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense – UFF

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Em livro, Temer revela que militares participaram da sabotagem do golpe e Dilma

Temer não quer entrar para a história sozinho como um dos principais ratos do golpe e, em um livro, revela que, no mesmo balaio, outros sabotadores como Cunha, Echtegoyen, Villas Bôas também fizeram parte do conjunto da obra. E justifica que os militares jamais reconheceram os crimes da ditadura e, por isso, eram contra a Comissão Nacional da Verdade.

Justifica ainda que eles tinham medo de que Dilma mudasse a Lei da Anistia e de outros temas que constavam no Programa Nacional de Direitos Humanos. Em função disso, Temer e militares tiverem vários encontros para conspirarem contra Dilma que, com sua derrubada, Villas Bôas se manteria no cargo e Echtegoyen seria nomeado Ministro do novo Gabinete de Segurança Nacional (GSI), recriado por Temer.

O conspirador, sabotador Temer, diz que o principal rato da ratoeira que golpeou Dilma foi Eduardo Cunha em razão do PT ter negado apoio a ele. O sabotador explica “o que aconteceu é que o PT agrediu muito o presidente da Câmara e, em face dessa agressão, ele não teve outra alternativa”.

É bom lembrar que a Lava Jato de Moro jamais buliu nas falcatruas de Cunha, ele só está preso porque o Ministério Público da Suíça enviou ao MP do Brasil farta documentação que mostrava as mais de vinte contas milionárias que Cunha tinha em vários países. Ministério Público suíço que também revelou as contas de Serra, que segue impune, assim como Temer e tantos outros amigos de Moro ou lacaios do sistema financeiro.

Em compensação, jamais o Ministério Público suíço fez qualquer acusação contra quadros do PT, que isso fique bem claro.

No livro desse chacal ainda há a confissão do loteamento de “seu governo” como forma de pagamento aos partidos que participaram do golpe. Mas o cínico acha injusto ser chamado de golpista.

É por isso que, compará-lo a um rato, chega ser um insulto ao roedor. E Temer ainda se vangloria de reunir em seu escrete de ministros o que tem mais podre na história da política brasileira.

Certamente, a grande mídia não dará destaque ao livro dessa figura desprezível, já que também foi parte do golpe.

Temer deveria estar na cadeia fazendo companhia a Cunha, pelo corrupto que é e pelo lacaio que também é.

Na verdade, seu único legado será esse livro, intitulado “A Escolha”, em que ele entrega os militares e confirma que foi um golpe baixo da escória nacional com Supremo, com tudo, como revelou Jucá em telefonema a Sergio Machado.

*Da redação

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Política

Militares caem na armadilha. Bem feito

O prazo de validade de Ricardo Salles no governo já venceu há muito tempo. Ainda que saibamos que o descalabro na política ambiental tem a digital explícita de Jair Bolsonaro, uma simples troca na pasta do Meio Ambiente já teria, há meses, melhorado o ambiente internacional a a imagem do Brasil nesse assunto. Mas Salles, espertamente, se abraçou ao bolsonarismo ideológico, e agora sua saída — ou não — virou uma batalha importante na guerra entre essa ala e os militares. Até mesmo os filhos presidenciais pegaram em armas em sua defesa neste fim de semana.

Do outro lado, os militares, sobretudo no Alto Comando do Exército, estão furiosos — e não só com o fato de Salles ter chamado o general Luiz Eduardo Ramos de Maria Fofoca. Além das trombadas do ministro do Meio Ambiente com o vice Hamilton Mourão, não estão gostando da forma como outro general, Eduardo Pazuello, foi tratado pelo chefe do episódio da vacina “chinesa”contra o coronavírus. Sem contar no vazamento gratuito de notícias de que o próprio Mourão será rifado da chapa presidencial de 2022.

Há algo de podre no reino de Bolsonaro, que depois do acordo com o Centrão está se sentindo muito seguro para cutucar e desautorizar seus generais — aqueles mesmos que, lá trás, dizia-se que iriam “tutelá-lo”. Assim como, justiça seja feita, o presidente vem fazendo com os próprios ideológicos em sua estratégia de se recompor com o establishment político e o próprio STF.

Talvez Bolsonaro tenha percebido que nem ideológicos e nem militares têm para onde ir sem ele. Uns, porque não vão encontrar, nem em 2022 nem nunca, um candidato mais à direita do que ele para apoiar. Outros, porque entraram numa canoa furada e agora não têm como sair. Ao passar por cima de valores como a lealdade ao Estado — e não a governos — os militares que correram para apoiar Bolsonaro e ocupar, aos milhares, os cargos da administração, talvez não tenham percebido a armadilha em que caíram. Ou talvez os espaços a preencher na volta ao poder tenham falado mais alto.

Agora, divididos e enfraquecidos, os militares percebem que sua imagem se colou a de um governo que contraria tudo aquilo que prometeu no quesito austeridade e combate à corrupção. O inevitável desgaste das Forças Armadas já se manifesta nas pesquisas. Bem feito.

 

*Helena Chagas, do Jornalistas pela Democracia

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Brasil militarizado: Bolsonaro nomeia três militares para autoridade de proteção de dados

O governo de Jair Bolsonaro (sem partido) nomeou nesta quinta-feira (15) os cinco diretores para a ANPD (Agência Nacional de Proteção de Dados). Três deles são militares.

Entraram na lista de militares o atual presidente da Telebras, Waldemar Gonçalves Ortunho Junior, nomeado presidente da autoridade, Joacil Basilio Rael e Arthur Pereira Sabbat, do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) e um dos autores da estratégia nacional de ciberssegurança —ele era cotado há mais de um ano pelo setor.

Os nomes foram publicados em edição extra do Diário Oficial da União desta quinta.

A reportagem fez contato com Sabbat, oficial da reserva, cotado para autoridade há mais de um ano, mas ele não quis dar entrevista.

Rael foi reformado em 2017, segundo publicação no Diário Oficial.

Também foram nomeadas Miriam Wimmer, diretora de Serviços de Telecomunicações no Ministério das Comunicações, nome também já aguardado entre os especialistas, e a advogada Nairane Farias Rabelo Leitão, única representante do setor privado. Ela é sócia de um escritório de advocacia.

Levantamento elaborado pelo Data Privacy Brasil e obtido com exclusividade pela Folha só encontrou a existência de conselheiros flagrantemente militares em órgãos responsáveis pela proteção de dados e internet na Rússia e na China, considerando o recorte das 20 economias mais desenvolvidas do mundo pelo FMI (Fundo Monetário Internacional). Da lista, 16 têm estruturas administrativas para o tema.

Só nos dois países o órgão que lida com proteção de dados e temas relacionados tem a presença de militares. Há um militar no órgão chinês e outro no da Rússia. É importante ressaltar que entidades do tipo não seguem os mesmos padrões de formação no mundo.

Em alguns casos, o tema é tratado em órgãos do governo responsáveis por temas correlacionados, como internet e comunicações em geral. No Brasil, a autoridade é ligada à Casa Civil, mas a lei determina que tenha independência técnica.

“A ANPD reproduz a mesma composição de autoridades de países que são exemplos no quesito de violação de direitos fundamentais, inclusive por meio da legitimação de regimes de vigilância em massa dos seus cidadãos”, diz Bruna Santos, uma das autoras do levantamento do Data Privacy.

Segundo ela, é preocupante que a militarização do órgão confunda duas pautas distintas: segurança da informação e proteção de dados pessoais.

Antes de a ANPD ser regulamentada, o setor privado e as organizações da sociedade civil temiam que ela ficasse no guarda-chuva do GSI, justamente porque proteção de dados e privacidade pressupõem transparência, enquanto o tema de segurança da informação nacional pressupõe estratégia e sigilo.

Os mandatos dos primeiros membros da ANPD serão de dois a seis anos. A segunda formação terá mandatos mais curtos, de quatro anos.

A autoridade tem uma série de atribuições para garantir a eficácia da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), aprovada no governo Temer e em vigor desde setembro deste ano. A entidade foi criada sem aumento de despesa para a União. Os salários dos diretores serão de cerca de R$ 13.500.

A lei diz que a natureza jurídica da ANPD pode mudar em dois anos, ou seja, ela pode vir a ter mais independência do Executivo, que é uma das principais defesas da comunidade técnica que acompanha o assunto. Apesar da vinculação ao governo, a autoridade deve ter autonomia técnica e decisória.

Os membros do conselho diretor agora devem ser aprovados em sabatina no Senado.

A ANPD deve zelar pela proteção de dados e auxiliar na interpretação da lei para os setores público e privado. Ela também tem o poder de sanção, que pode chegar a R$ 50 milhões (as multas só podem ser aplicadas em agosto de 2021).

Entre as funções da autoridade também estão a elaboração de diretrizes para a política de proteção de dados, a auditoria e fiscalização, a promoção de conhecimento à população sobre as normas, ações de cooperação com autoridades de outros países, a solicitação de qualquer informação às entidades do poder público que realizem tratamento de dados e a regulamentação da política de proteção a diferentes setores da economia.

 

*Com informações da Folha

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O contrato de vassalagem e a cegueira estratégica dos militares

Na verdade, é a insegurança generalizada e crescente em que se debate, agoniada a humanidade de hoje, o ópio venenoso que cria e alimenta estas hórridas visões, capazes, entretanto, de se tornarem uma realidade monstruosa.

Golbery do Couto e Silva, Conjuntura, Política Nacional, o Poder Executivo & Geopolítica do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 2ª ed. 1981, p. 9.

***

Nunca houve consenso ideológico dentro das Forças Armadas brasileiras, e sempre existiram militares que foram democratas, nacionalistas e comunistas. O mais famoso talvez tenha sido o capitão Luiz Carlos Prestes, que participou do “movimento tenentista” dos anos 20 e da “Revolta dos 18 do Forte” de Copacabana, e depois liderou – ao lado do Major Miguel Costa – a famosa Coluna que marchou pelo Brasil, durante 2 anos e 5 meses, antes de ser derrotada, defendendo a justiça social, a universalização do ensino gratuito e a adoção do voto secreto nas eleições brasileiras. E mesmo depois da Segunda Guerra Mundial, houve muitos que se opuseram aos golpes de Estado de 1954, 55, 61 e 64, e que tiveram participação importante na luta pelo monopólio estatal do petróleo e pela criação da Petrobras. Mais do que isto, sempre houve militares que defenderam a centralidade do Estado no desenvolvimento econômico e la luta contra a desigualdade social do Brasil.

Mesmo assim, não há dúvida de que a grande maioria dos oficiais brasileiros, sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial, foi sempre conservadora e de direita, golpista e partidária da submissão militar do Brasil aos Estados Unidos. E foi essa tendência majoritária e conservadora que sempre venceu e se impôs, dentro e fora das FFAA, em todos os momentos cruciais da história política brasileira dos últimos 80 anos. E agora de novo, foram eles que venceram com o golpe de Estado de 2016 e a instalação do atual governo; e foram eles que reestabeleceram a vassalagem militar do Brasil com relação às Forças Armadas e à política externa dos Estados Unidos. Por isso cabe perguntar-se: em que consiste exatamente a “vassalagem moderna” entre Estados nacionais soberanos? Qual é a aposta ou expectativa dos militares brasileiros, depositada neste tipo de relacionamento com os Estados Unidos, e mais recentemente, também com relação a Israel? E sobretudo, quais as consequências de curto e longo prazo, desta relação de vassalagem, para o Estado e a sociedade brasileira?

Do ponto de vista estritamente contratual, os acordos modernos de vassalagem militar garantem ao “Estado-vassalo” a venda de armas e munições mais sofisticadas, e de algumas “tecnologias de ponta” controladas pelo “estado-suserano”, em troca de recursos e minerais estratégicos do país vassalo, e da cessão de suas tropas para as guerras da potência dominante. E emm muitos casos, esse contrato também envolve – como na Colômbia – a cessão de território para instalação de soldados e bases militares norte-americanas. No período da Guerra-Fria, essas armas foram entregues ao Exército brasileiro para combater os “países comunistas”. Mas hoje não está claro quem seja o inimigo brasileiro, e o que pretendem fazer suas Forças Armadas com este armamento mais sofisticado e destrutivo que receberão dos Estados Unidos. Contra quem pretendem utilizá-las? Se for contra as Grandes Potências, serão inúteis porque elas dispõem do poder atômico que o Brasil não tem, mas se for contra seus vizinhos sul-americanos, isto acabará provocando uma corrida armamentista no continente, uma vez que não se pode supor que os outros não façam o mesmo que no Brasil. E quem pode sair ganhando com a transformação da América do Sul num grande comprador de armas? E qual o custo dessa loucura para um continente que já é pobre e que sairá ainda mais pobre da atual pandemia do coronavírus? Neste sentido, cabe perguntar aos militares brasileiros se eles já fizeram este cálculo, e se eles têm clara a herança que deixarão para seus filhos e netos, e sobretudo para a grande maioria dos brasileiros que não são militares e que não têm nada a ver com essas armas que lhes serão financiadas e favorecidas em troca de sua vassalagem?

Mas além disto, a expectativa de todo “Estado vassalo” é obter também vantagens econômicas de sua vassalagem, sob a forma do livre acesso aos mercados e investimentos da “potência-suserana”. Foi assim que de fato, durante a Guerra Fria, em particular entre 1950 e 1980, a vassalagem brasileira foi compensada pelo apoio norte-americano ao projeto desenvolvimentista dos militares brasileiros daquela época. E neste sentido se pode dizer, inclusive, que o chamado “milagre econômico” da ditadura militar” foi uma espécie de réplica latina do “desenvolvimento a convite” da Coreia, de Taiwan, do Japão ou mesmo da Alemanha, e de quase toda a Europa que foi favorecida pelo Plano Marshall. Essa situação, no entanto, não se repetiu em lugar nenhum do mundo depois da década de 80, quando os Estados Unidos abandonaram sua estratégia econômica internacional do pós-Segunda Guerra inaugurada pelos acordos de Bretton Woods, de 1944, e adotaram sua nova estratégia de desregulação e liberalização selvagem dos seus mercados periféricos, que foi experimentada depois do golpe militar chileno de 1973, mas que só chegou ao Brasio na década de 90. E agora, mais recentemente, a expectativa de que os Estados Unidos possam ajudar o desenvolvimento econômico de seus “vassalos”, já na terceira década do século XXI, não tem pé nem cabeça. Neste momento, a economia americana está sendo atropelada pela “crise epidêmica”, mas mesmo antes disto, o governo de Donald Trump já havia adotado uma política econômica “de tipo nacionalista”, com a proteção de seu mercado interno e de sua indústria, e com a defesa intransigente de seus produtores de grãos e alimentos, que concorrem diretamente com o agro-business brasileiro.

Assim mesmo, é impossível imaginar um governo que seja mais subserviente e lambe-botas de Donald Trump que o atual governo brasileiro. No entanto, nos últimos dois anos, o Brasil não logrou nenhum acordo comercial significativo com os Estados Unidos e não obteve nenhuma vantagem ou favorecimento especial do governo norte-americano. Pelo contrário, o Brasil já foi objeto de várias retaliações e humilhações econômicas do governo Trump, sem que tenha dito uma só palavra de protesto ou defesa de seus próprios interesses nacionais. E para além dos Estados Unidos, o Parlamento Europeu rejeitou recentemente o acordo comercial que havia começado a tramitar, entre a União Europeia e o Mercosul, como forma de retaliação explícita contra o o governo do Sr, Bolsonaro. E para culminar, nos últimos 12 meses, a fuga dos investidores privados estrangeiros do Brasil mais que dobrou, não havendo nenhuma expectativa de reversão dessa tendência que, pelo contrário, deve piorar ainda mais. Por tanto, até agora, a nova vassalagem militar do Brasil não trouxe nenhuma vantagem econômica, nem de mercados abertos nem de investimentos

Os bufões do atual governo não entendem nada de economia, nem sabem o que seja o capitalismo. Mas o mais grave é que seus militares não também não consigam entender que seus novos aliados econômicos – diferentemente do período da Guerra Fria – são financistas; e que, no capitalismo contemporâneo, os financistas não necessitam do crescimento econômico do PIB, para aumentar seus lucros e acumular sua riqueza privada. Basta dizer que nos últimos cinco meses em que a pandemia do coronavírus destroçou a economia mundial, a riqueza financeira do mundo cresceu 25%, para mais de US$10 trilhões, e o patrimônio dos 42 maiores bilionários brasileiros, quase todos financistas, cresceu US$34 bilhões. E enquanto os militares do governo não entenderem este aparente paradoxo capitalista, nem conseguirem perceber que sua vassalagem contemporânea não lhes trará vantagens econômicas, eles seguirão se debatendo para controlar este governo” que ajudaram a criar, que consegue ter, ao mesmo tempo, um chanceler que ataca a China e a globalização econômica, enquanto seu ministro de economia aposta todas as suas fichas exatamente na China e na globalização.

Por último, a “relação de vassalagem” moderna envolve também compromissos e consequências estratégicas que não aparecem explicitados nos acordos militares. Por exemplo, depois da Segunda Guerra Mundial, as FFAA brasileiras não precisaram mais escolher seu “inimigo externo”, que passou a ser definido diretamente pelos Estados Unidos. E durante toda a Guerra Fria, esse “inimigo” foi a União Soviética, que não tinha o menor interesse nem a menor possibilidade de atacar o Brasil, um país que estava inteiramente fora do “jogo” das grandes potência”. Além disso, esta estranha condição de “inimigo do inimigo dos outros” criou uma distorção permanente no comportamento do Exército brasileiro, que se transformou numa polícia especializada no combate aos “traidores internos”, ou seja, para começar, todos aqueles que divergissem da posição norte-americana e da vassalagem militar brasileira. Foi assim que nasceu a figura do “inimigo interno”, criada pela Doutrina de Segurança Nacional formulada na década de pela Escola Superior de Guerra, imediatamente depois da assinatura do Acordo Militar Brasil-Estados Unidos, de 1952. E foi graças a essa verdadeira “cambalhota funcional” que as FFAA passaram a espionar seu próprio povo, na busca constante e obsessiva do “ópio venenoso” e das “hórridas visões” que estariam ameaçando a paz interna da sociedade e do estado brasileiro, segundo as palavras do General Golbery do Couto e Silva, citadas na epígrafe deste texto. E foi assim que nasceu e se consolidou historicamente a relação direta entre a “vassalagem internacional” do Brasil e o “autoritarismo nacional” das suas Forças Armadas, que passaram a denunciar como “inimigos” do Estado todos aqueles que discordassem das suas próprias posições ideológicas, e da sua cegueira estratégica.

Esta distorção das Forças Armadas explica porque depois da Guerra Fria, e durante o período da uni-polaridade americana, os militares brasileiros perderam sua bússola e ficaram sem inimigos claros durante quase vinte anos. E quando tentaram definir um “inimigo externo” por sua própria conta, escolheram a França[1], o que é pouco menos que ridículo, uma vez que ela é hoje apenas uma potência intermediária declinante, que mal consegue exercer alguma influência no norte da África e que, ainda por cima, é adversária do governo venezuelano que os militares brasileiros tanto odeiam. E como consequência, para recriar o seu o “boneco de pancada” ou “inimigo interno”, tiveram que recorrer a uma invenção esdrúxula da ultradireita norte-americana: um tal de “marxismo cultural”, que eu ninguém sabe o que seja, mas que serviu para os militares brasileiros demonizarem todos os “movimentos identitários”’ e “politicamente corretos”, e em particular, a um ex-presidente da República, seu partido e seus militantes, apesar deles serem uma peça essencial de todo e qualquer jogo democrático.

Esta confusão se mantem até hoje, mas o quadro alterou-se radicalmente no momento em que o presidente Donald Trump elegeu o novo inimigo externo dos Estados Unidos, em 2019, ao declarar sua guerra comercial e tecnológica contra a China, e ao tentar polarizar o mundo em torno de seu contencioso com os chineses. O problema, entretanto, é que no momento em que Donald Trump mudou sua política externa, o Brasil já tinha se transformado numa economia primário-exportadora dependente dos mercados e investimentos chineses, e está cada vez mais difícil de transformar em inimigo estratégico do Brasil, o país que é precisamente o seu principal parceiro econômico. Além disso, como os chineses são pragmáticos e não se propõem a converter ninguém, fica ainda mais difícil transformar os admiradores da China em “inimigos internos” do estado brasileiro, como aconteceu com os comunistas durante a Guerra Fria.

No meio dessa “barafunda” ideológica e política, e do caos econômico que se acentua a cada momento que passa, o homem comum se pergunta o que afinal tem a dizer e propor os militares brasileiros com relação aos milhões de brasileiros que hoje vegetam na miséria e na fome dos campos e das grandes cidades do país, e que reclamam e protestam porque têm fome, mas não são “inimigos” do Estado brasileiro, nem muito meos de suas Forças Armadas ?

E aliás, quem deu a estes senhores o direito, e de onde vem sua arrogância de querer julgar e decidir quem são os bons, e quem são os maus brasileiros ?

 

*Carta Maior

*José Luis Fiori é Professor permanente de Economia Política Internacional do PEPI/UFRJ e do Programa de Pós-Graduação em Bioética e Ética Aplicada do PPPGBIOS/UFRJ

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A tragédia do governo Bolsonaro deve-se, sobretudo, à absoluta incapacidade dos militares de governarem o país

A Globo acaba de anunciar que a discussão sobre o tal Renda Cidadã ficará para depois da eleição municipal, ou seja, independente do desprezo do que o governo Bolsonaro, que já desabou, tem com as camadas mais pobres da população, mostra que, aquele jantar com Maia e Guedes, teve como sobremesa apenas a certeza anunciada de que ninguém vai furar teto nenhum para acabar com a fome dos pobres para deixar o mercado tranquilo.

Para os pobres, o que sobrou daquele jantar, foi somente mais um arroto, o de que ainda vai ser estudada uma forma de financiar o programa de um governo que não tem a mínima ideia de como sair dos berros e governar de fato o país.

É bom lembrar que esse governo cretino já produziu a morte de quase 150 mil brasileiros, fez a bolsa apresentar os piores resultados do mundo, assim como a moeda brasileira foi a que mais se desvalorizou no planeta e vê o dólar numa crescente galopante e, junto, a inflação dos alimentos nos devolvendo ao mapa da fome, além do recorde do desemprego. Isso não é obra apenas do capitão Bolsonaro, mas daquele amontoado de generais inúteis, nulos e caros ao país que sublinham com caneta piloto duas coisas, que essa conversa mole de patriotismo é uma falácia, tanto que vão entregar de mãos beijadas as refinarias brasileiras, fundamentais para a soberania nacional e a total e absoluta incapacidade de governar o Brasil.

Os militares podem ser bons para tutelar o STF numa espécie de ditadura cordial ou de uma ditadura concreta, como vivemos décadas atrás. Mas uma coisa não há como negar, e os resultados gritam isso, são totalmente incapazes de produzir um ato que seja de capacidade administrativa.

Quando os militares deixaram o poder após a ditadura, entregaram com uma hiperinflação, uma gigantesca dívida com o FMI, um aumento substancial da desigualdade e um favelamento generalizado nas grandes cidades como consequência dos trágicos anos da ditadura.

Essa turma adora “discutir ideologia”, porque não pode colocar números na mesa sobre o passado, mas principalmente sobre o presente, porque se o país ainda não foi para os ares é graça aos quase 400 bilhões de dólares em reservas internacionais que herdou dos governos Lula e Dilma que, aliás, aguçou a cobiça dos golpistas.

Se o país estivesse mesmo quebrado, como fogueteou a direita, jamais essa escumalha formada pela escória da sociedade, ia querer governar o país.

Quem está à frente dessa tragédia humana produzida por esse governo com quase 150 mil brasileiros vítimas fatais da Covid, é um general da ativa, Eduardo Pazuello, que foi para a reserva para ser ministro da Saúde. Antes, porém, ainda na ativa, era o timoneiro da pasta que provocou essa tragédia humanitária comandada por um presidente genocida.

A principal voz no governo Bolsonaro, todos sabemos, é o caquético general Heleno que, inacreditavelmente, vive no twitter respondendo ás pessoas que criticam o governo, como se estivesse numa arquibancada de um clube militar torcendo em um campeonato de peteca.

O chefe da Casa Civil é outro general, Braga Neto, e mais punhado de generais, além e um número incontável de militares que ocupam cargos estratégicos no governo.

Então, que não nos esqueçamos de que Bolsonaro trouxe com ele a incapacidade gerencial dos militares.

Soma-se a isso, anúncio dado agora pela Globonews, de que o governo só discutirá de onde arrancará recursos para o Renda Cidadã anunciado irresponsavelmente sem saber como financiar, só é possível quando há uma comunhão de incompetentes, de pessoas realmente muito incapacitadas para produzir um buraco n’água desse tamanho.

Essa gente foi talhada dentro da visão militar de administração, mostrando como esse governo plagia a tragédia econômica e social que os militares promoveram durante a ditadura por total e absoluta incompetência.

 

*Carlos Henrique Machado Freitas

 

 

 

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Matéria Política

Farra verde-oliva: Bolsonaro disponibilizará R$ 107,9 bilhões para os militares em detrimento da educação

Com 113 mil mortos pela Covid-19, Bolsonaro gastou menos de 8% ( R$ 22 bilhões) dos recursos destinados ao combate direto à doença, diz TCU.

Mas para a pasta militar a farra será grande.

Plano orçamentário para 2021 aumenta drasticamente os recursos para o Ministério da Defesa, em detrimento de pastas cruciais para o desenvolvimento do país.

Dos R$ 107 bilhões de reais previstos, quase R$ 90 bilhões de reais serão destinados ao pagamento de funcionários. Outros R$ 6,6 bilhões de reais serão gastos com “benefícios ao servidor”.

Para se chegar a esse montante para a farra verde-oliva, os militares de Bolsonaro vão abocanhar R$ 55 milhões de reais diretamente da área de Educação a título de pagamento dos oficiais que atuarão no programa de consolidação das escolas militares no Brasil.

 

*Da redação