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‘Aceitem a democracia’, diz o maior golpista do Brasil

O artigo surgiu no site de um dos maiores jornais brasileiros como se fosse mais um texto opinativo corriqueiro, em meio aos palpites daqueles que tentam entender a complexidade da política nacional.

Chamou atenção pela assinatura do articulista, que contrastava com o título. O autor: Jair Bolsonaro (aquele mesmo!) O título: “Aceitem a democracia”.

Nas 623 palavras seguintes, um amontoado de mentiras, distorções e manipulações de fatos é apresentado no espaço jornalístico que ao menos em tese deveria ser dedicado a perseguir a verdade.

Ao contrário: em tom de tese cívica, como se fosse uma desinteressada defesa do bem comum, a Folha ofereceu ao leitor um rosário de lorotas.

“Aceitem a democracia”, diz o homem que usou a autoridade de presidente da República para tentar desacreditar o processo eleitoral de seu próprio país.

“Aceitem a democracia”, pede o sujeito que incitou seguidores a investirem contra as instituições, invadindo as sedes dos Poderes, em Brasília.

“Aceitem a democracia”, clama o homem que incentivou um hacker a invadir o sistema de informática do Tribunal Superior Eleitoral.

Tentando simular naturalidade, o ghost writer de Bolsonaro escreveu que “quando uma ideia ganha a alma do povo, é inútil tentar matá-la simplesmente por meio da violência”. Difícil definir o sentimento de ler algo assim assinado pelo personagem inspirador de grupos que levantaram detalhes da rotina dos seguranças do ministro Alexandre de Moraes, do STF, e de Lula, para atacá-los.

Justamente o signatário que serviu de guia aos homens que planejaram e quase conseguiram concluir um atentado a bomba no aeroporto de Brasília.

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Política

Ou a justiça eleitoral acaba com a candidatura de Pablo Marçal ou Marçal acaba com democracia

A cultura do crime não anda aos saltos, nem para frente, nem para trás.

Aquele Pablo Marçal, que há 20 anos foi condenado por fraude bancária, em que roubava velhinhos aposentados direto em suas contas, graduou-se, virou um bandido profissional, no sentido mais amplo da palavra.

Agora, Marçal coloca a democracia do Brasil em risco se não tiver sua candidatura cassada imediatamente.

Seu crime contra Boulos foi repudiado até por Malafaia, que é um notório adversário político da esquerda e, consequentemente de Boulos.

Assim como Boulos, Malafaia pede prisão imediata do delinquente Pablo Marçal por vários crimes cometidos num único ato de falsificação de documento de um médico morto há 2 anos, sendo imediatamente desmascarado e amplamente divulgado para que a sociedade saiba o ripo de criminoso de crimes que ele pratica.

Lógico, todos com um mínimo de consciência querem ver um delinquente fora da disputa por se tratar de um criminoso contumaz, o que deixa claro que não tem limites na sua ambição delituosa.

Pablo Marçal, com esse crime, mostra que seu caso é de polícia, de justiça e não de política, porque, se nada for feito imediatamente contra esse sacripanta, a democracia brasileira pagará um preço incalculável. Nem o maior bandido desse país foi tão ousado e debochado com as leis vigentes.

A conferir,

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Política

As ameaças à democracia e o papel de Barroso, por Luís Nassif

Barroso sempre atuou como vírus oportunista. Foi assim no auge da Lava Jato e, agora, quando sente a volta do lavajatismo.

O futuro do Brasil corre uma série de riscos enormes. A rigor, a única âncora da democracia é o Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente o Ministro Alexandre de Moraes.

O primeiro risco é o avanço da ultradireita – expressa nas votações do Congresso – e do aumento na bancada de senadores radicais a partir das eleições de 2026. O Senado ganharia poderes até de impichar Ministros do Supremo.

O segundo risco é o ressurgimento do lavatismo – por tal, entendido a rebelião de juízes e promotores em relação aos órgãos centrais de controle, o STF, o Superior Tribunal de Justiça, o Conselho Nacional de Justiça e o inoperante Conselho Nacional do Ministério Público.

A ameaça do presidente da APJUFE (Associação Paranaense de Juizes Federais) de uma greve da categoria deveria receber a resposta mais direta possível, o afastamento do juiz, que só encabeçou essa loucura por suas aspirações a fazer carreira no Tribunal Regional da 4a Região.

O terceiro risco é a volta do parafuso da mídia, aos tempos pré-Bolsonaro.

Essa soma de fatores culmina com a ação dos chamados agentes oportunistas, aqueles que aproveitam a mudança de ventos e a vulnerabilidade do equilíbrio institucional para ações de boicote. Entre eles, nenhum se iguala ao Ministro Luís Roberto Barroso, do STF.

Sua manifestação na reunião do CNJ, rebatendo o relatório do Ministro Luís Felipe Salomão, foi de advogado, com uma virulência que transcendeu os objetivos do julgamento. Na sessão, discutia-se apenas o afastamento de desembargadores e de dois juízes, entre os quais a juíza Gabriela Hardt. Não estava em jogo a avaliação dos crimes dos quais são acusados. Mas Barroso se precipitou – talvez encantado pelos atributos jurídicos de Hardt – passando pano na tentativa de desvio das multas da Lava Jato para a tal fundação, a ser presidida pelo MPF do Paraná, orientado pela Transparência Internacional Brasil e com um orçamento superior ao da própria Procuradoria-Geral da República.

Tratou como “tentativa” de dar uma destinação legítima aos recursos numa manobra clara de desvio de recursos para fins particulares.

Barroso sempre atuou como vírus oportunista. Foi assim quando se tornou o principal arauto da Lava Jato no Supremo, quando incluiu militares na comissão incumbida de analisar a seguranças das urnas de votação e, agora, quando sente que há espaço para um renascimento do lavajatismo, expresso na insubordinação de tribunais estaduais e nos editoriais dos jornais.

É o único espaço onde ele consegue alguma relevância já que, no enfrentamento da conspiração dos militares, se escondeu atrás de Alexandre de Moraes e, no dia a dia da administração política do STF, é um ator mirim, perto da experiência de Gilmar Mendes, Moraes e Flávio Dino.

*Luis Nassif/GGN

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Política

O que revela o erro dos que não vão ao 8/1 como Lira e Tarcísio

Eles deveriam ser claros sobre motivos de não participarem de ato em prol da democracia.

O presidente da Câmara, Arthur Lira, informou hoje que não estará presente no ato pela democracia no Congresso, que marcará um ano das tentativas de golpe. Lira alegou problema de saúde na família. Tarcísio de Freitas, que comanda o maior estado do Brasil, e outros quatro governadores alegaram problemas de saúde ou viagem. Seria melhor que dissessem claramente o porque não vão, ficaria mais explícito. Evidentemente não são essas as razões.

O governador de São Paulo, por exemplo, chega hoje à noite de viagem, poderia ter antecipado o voo, claro. O que que isso indica? Indica que a direita brasileira ainda não consegue, na sua totalidade, separar o extremismo da direita democrática. Todas as correntes políticas, direita, esquerda, centro, são bem-vindas no jogo democrático. Quem não é bem-vindo é quem faz o que foi feito no dia 8 de janeiro de 2023, quando foram invadidos o Supremo, o Congresso e o Planalto, destruído o patrimônio público com o objetivo de criar um caos que levasse a uma intervenção militar.

Essas lideranças de direita precisam entender o que é defesa da democracia e o que é divergência política. Não ir ao ato é uma demonstração de falha dessas lideranças, é não perceber que esse é o momento institucional em que todas as divergências políticas deveriam ficar de lado em prol da defesa da democracia.

Esse não é apenas um comportamento das lideranças, muita gente ainda age assim. Felizmente, pesquisa da Quest, divulgada ontem, mostra que 89% dos brasileiros condenam os atos de 8 de janeiro. É importante condenar o ato em si. E também entender que a alternância do poder é do jogo democrático.

Conversei com militares e toda a informação que eu tenho aqui é que as Forças Armadas participarão do evento. Eles irão porque entendem que é um ato institucional em defesa da democracia.

Nesse sentido, a escolha do Congresso como palco central do evento é muito importante, pois mostra que não se trata de um ato do governo Lula, mas da democracia brasileira. E, justamente, o fato do Congresso ser a sede do ato torna ainda pior a ausência de Arthur Lira.

*Miriam Leitão/O Globo

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Mundo

O risco Milei: Ameaça à democracia argentina é real, diz biógrafo

Para Juan Luis González, país chega ao segundo turno em situação inédita de tensão.

que acontece quando um país instável cai nas mãos de um líder instável? A pergunta aparece no prefácio de “El Loco”, biografia não autorizada de Javier Milei. Autor do livro, o jornalista Juan Luis González confessa não ter encontrado a resposta para o enigma argentino.

“Não há uma experiência passada que permita imaginar como seria um governo Milei. Muitas ideias dele nunca foram aplicadas na Argentina, como dolarizar a economia, fechar o Banco Central e acabar com as obras públicas”, diz o biógrafo. “Além disso, há a instabilidade de Milei, um personagem que fala com seu cachorro morto e pensa que os clones do animal lhe dão conselhos políticos. É muito difícil prever o que acontecerá”, resigna-se.

Lançado em julho, o livro se tornou um best-seller instantâneo. González reconstituiu a trajetória do candidato de extrema direita: de menino solitário, que sofria bullying até do pai, a polemista histriônico, que ganhou fama com gritos e insultos na TV. A morte do bicho de estimação, em 2017, é descrita como um ponto de virada.

“Milei se convenceu de que Conan era seu filho. Quando o cachorro morre, seu discurso ganha um tom messiânico. Ele passa a acreditar que fala com Deus, que foi escolhido”, resume o jornalista. “Isso chama a atenção porque Milei se diz um libertário. Em tese, não deveria usar uma retórica tão religiosa”, observa. Não é a única contradição do deputado de primeiro mandato que pode chegar hoje à Casa Rosada.

Apesar de vociferar contra a política tradicional, que rotula de “casta”, Milei contou com ajuda até de peronistas para fundar seu partido. Ao conquistar a vaga no segundo turno, ele se aliou aos dois líderes da direita tradicional: o ex-presidente Mauricio Macri, que chamava de “covarde” e “repugnante”, e a terceira colocada Patricia Bullrich, que tachou de “montonera assassina”.

Na política internacional, a retórica agressiva permanece. Milei se refere a Lula como “comunista” e afirma que, se eleito, não negociará com o presidente brasileiro. Ele também costuma hostilizar a China, segundo maior destino das exportações argentinas.

“Alguns grupos políticos se definem por seus inimigos. Os inimigos da nova direita são o comunismo, o feminismo, o progressismo e a esquerda em geral”, diz González. Ele aponta outra semelhança com Donald Trump e Jair Bolsonaro: a tática de desacreditar o sistema eleitoral. “Milei disseminou a tese de que só perde se houver fraude. Isso está levando a democracia argentina a uma situação inédita de tensão”, alerta.

No mês passado, o país vizinho celebrou 40 anos do fim da ditadura mais violenta do continente. O peronista Sergio Massa, desgastado pela inflação galopante, repetiu o bordão “Nunca mais”. Milei preferiu questionar as estimativas que apontam 30 mil desaparecidos políticos. Sua vice, Victoria Villarruel, disse na quarta-feira que a Argentina só conseguirá sair da crise “com uma tirania”.

Para o biógrafo de Milei, o discurso da dupla representa um risco concreto, que não deveria ser subestimado. “A democracia já está ameaçada na Argentina. O perigo é real”, adverte González.

 

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Opinião

1964: Como um país dividido não soube resolver as divergências dentro da Democracia

Ou: 1964, o ano em que “Terroristas” tomaram o controle no Brasil!

Márcio Antônio Estrela*

O Golpe Militar de 1º de abril de 1964 foi um ato “Terrorista”, com o qual se derrubou um Governo Constitucional e se instalou uma Ditadura no Brasil. Foi “Um Golpe na Democracia”.

O golpe significou a vitória dos “Terroristas” no Brasil. “Terroristas” que permaneceram 20 anos no poder.

=> Sim, só pode ser chamado de “Terrorista” um grupo que tramou contra a Democracia e derrubou um Governo constitucionalmente constituído para impor um regime de terror e perseguição, ditatorial e excludente.

O golpe militar ocorreu no dia 1º de abril de 1964, mas porque seria muito ridículo comemorá-lo no “Dia da Mentira”, resolveram mudar seu aniversário para a véspera, 31 de março de 1964.[1]

Não foi contragolpe. não havia ameaça real de luta armada de esquerda antes do golpe de 1964.[2]

=> Uns poucos até podiam sonhar com uma revolução “à Cuba”, mas eram isolados, sem força nem condições de viabilizar uma ameaça minimamente real. O que se teve de tentativa de luta armada surgiu pós-Golpe, em uma tentativa (equivocada, reconhece-se hoje) de reagir à ditadura.

=> Mais, colocavam no ar o “espantalho” da ameaça de uma ditadura de esquerda que acabaria com a democracia (ameaça que não existia). Bem, para “nos livrar” da ameaça ficcional, implantaram uma ditadura real que acabou de fato com a democracia; perseguiu, torturou e matou quem pensava diferente; censurou a imprensa (não é por acaso que não existem notícias contra, denúncias de corrupção etc. – quem publicasse algo contra era preso e torturado), mergulhando o Brasil em 20 anos de “escuridão”. Metaforizando, foi algo como: “há um risco mínimo de uma pessoa ser atropelada ao atravessar uma rua e morrer; para evitar esse risco pequeno de morrer atropelado, um agente dá um tiro na cabeça dessa pessoa matando-a antes para ela não correr o risco de morrer atropelada…”

É importante, em uma análise histórica, desmistificar os “argumentos” dos Golpistas: ao contrário do que os que implantaram o golpe propagaram, o Golpe foi “Contra a Maioria”.[3]

=> Desconstruindo a manipulação de que a maioria do Brasil era contra Jango, uma pesquisa IBOPE (que de esquerdista não pode ser acusado) – tanto que foi convenientemente abafada e escondida à época e só revelada em 2014 – mostrava que Jango tinha amplo apoio popular, maior aprovação que JK.[4] O próprio FHC afirma que Jango ganharia se disputasse a eleição em 1964.[5] A popularidade do Jango foi confirmada no Plebiscito do presidencialismo. E a pesquisa do IBOPE apenas comprovava que essa popularidade se mantinha.

Jango era sim popular, mas em um país dividido.

=> Sim, a chamada “classe média” estava assustada com as diversas manifestações de um Brasil em discussão (greves, manifestações etc.). Tudo piorado pelo contexto da “Guerra Fria” e o medo de outras revoluções socialistas no “Quintal dos EUA”, nossa América Latina.

=> Mas os operários, os trabalhadores do campo, os de menor renda estavam com Jango. Até alguns industriais.

A diferença era que só as manifestações de uma metade apareciam nos jornais, rádios e TVs, dando a sensação de todos pensarem assim. Isso é perfeitamente demonstrado no livro de René Armand Dreifuss, com base na sua tese de doutorado no Reino Unido, feito somente com documentos do Departamento de Estado dos EUA.[6]-[7].

=> Alguns viram mesmo marchas imensas “com (apesar de) deus”, contra Jango. Assim como outros viram multidões na Central do Brasil, a favor de Jango.

– Não há opinião pública; há opinião publicada” – Winston Churchill.

O IPES/IBAD de Golbery foi decisivo na montagem de um clima pró-golpe militar de 1964 (algo como o instituto Millenium atual, mas com compra de parlamentares também).[8]

Propagava-se que as “reformas de base” seria a implantação do Comunismo. Mas estas nada tinham de comunismo, exceto como “espantalho” para assustar as beatas em tempos de “Guerra Fria”… Tanto que foram implantadas – parte até pela ditadura – com bons resultados.

=> No Brasil, Jango trabalhava por “Justiça Social”, algo bem distinto de Comunismo. Mas por manipulação, se colocava o “espantalho” do Comunismo para tentar inviabilizar qualquer política que beneficiasse as classes populares mesmo que os custos para os mais ricos fossem mínimos.[9]

“Ouro de Moscou” não existiu – pelo menos nunca se comprovou. Mas dólares do “Tio Sam” sim: um terço dos deputados foi eleito com dólares repassados pelos Estados Unidos com o compromisso de fazer oposição sistemática a Jango! E maletas de dólares compraram, ainda, o decisivo apoio do comandante do 2º Exército em SP. E quem revela isso não são cubanos, chineses ou soviéticos; são os EUA, com os próprios documentos do Departamento de Estado liberados para consulta…

=> Uma análise concisa de como o exército brasileiro foi sendo convertidos de “progressistas” a “reacionários” pode ser encontrada do Blog “Espasmos Reflexivos”, na postagem sobre “Realinhamentos ideológicos no Exército brasileiro desde sua criação: de popular e nacionalista, passando por anticomunista e nacionalista até o neoliberalismo atual”.

E os documentos do Departamento de Estado revelam mais: a 4ª Frota Americana foi despachada para dar apoio ao Golpe. Não apenas despacharam, como até cobraram pelas despesas – enviaram uma fatura que, obviamente, os ditadores brasileiros se recusaram a pagar. Essa manobra militar foi importante e era de conhecimento de Jango. Segundo o depoimento do senador Pedro Simon ao repórter Genetón Moraes Neto no programa “Dossié GloboNews”,[10] Jango considerou que uma reação ao Golpe levaria a uma guerra civil,[11] provocando uma intervenção direta dos EUA, que seria ainda mais prejudicial aos interesses nacionais. Assim, Jango desistiu de reagir[12].

=> Este contexto histórico da frota americana ter voltado pelo fato de o golpe ter ocorrido antes foi até utilizada como fundamentação para um filme de humor brasileiro, “Reis e Ratos”, de 2012).[13]

Mas não dá para negar que se vivia um período conturbado, um país dividido que, infelizmente, não soube resolver as divergências dentro da democracia.

=> É sempre perigoso para a democracia a inexistência de uma oposição viável eleitoralmente. Quando os grupos de oposição não conseguem se viabilizar eleitoralmente, passam a considerar o golpe como única forma de chegar ao poder. Foi o que aconteceu com a UDN desde o pós-Guerra até o golpe. Um pouco disso se repete atualmente.

Longe de mim negar que o Brasil estava conturbado em 1964. Mas a solução era democrática, tinha que ser. A opção pelo Golpe foi uma manobra de uma oposição sem voto e contra a maioria.

– “A Democracia é a pior forma de governo que existe, à exceção de todas as demais” – Winston Churchill

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Opinião

Neste carnaval, Lula nos liberou do demônio e trouxe de volta a democracia e a alegria ao Brasil

Por Ângela Carrato*

Depois de seis anos com golpista no poder e de dois sem Carnaval por causa da pandemia, o Brasil tem, nos próximos três dias, uma festa que nada deixará a dever aos melhores períodos da nossa democracia.

Foram tantas e tamanhas as maldades e perversidades de Temer e Bolsonaro que muita gente quase se esqueceu que Carnaval é alegria, mas é também tempo para debochar e escrachar os canalhas. E exaltar e aplaudir quem merece.

Foi assim no passado e já está sendo assim novamente agora.

Os presidentes campeões no carinho e na lembrança popular são Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek.

Alguns historiadores atribuem a Vargas a criação do sentido nacional em uma festa que não era nossa e tinha tudo para continuar assim.

Ao estimular e premiar as escolas de samba do Rio de Janeiro que tivessem em seus sambas-enredos temas ligados à história e à cultura brasileira, Vargas instituiu a nacionalidade no Carnaval.

Como amava os programas de auditório da Rádio Nacional, com as rainhas Marlene e Emilinha Borba, não demorou para ele próprio virar tema de marchinhas.

De todas que falam sobre Getúlio, a mais conhecida é a do refrão “tira o retrato de velho, bota o retrato do velho de novo na parede”.

Essa manchinha foi sucesso absoluto no Carnaval de 1950, quando Getúlio se preparava para deixar o “exílio” em sua fazenda em São Borja, no Rio Grande do Sul, e disputar as eleições presidenciais daquele ano.

Como se sabe, Getúlio foi derrubado por um golpe militar em 1945. Seus adversários, alojados na UDN, que comemoravam o fim de sua presença na vida pública brasileira, não poderiam imaginar que ele voltaria nos braços do povo. Aliás foi o povão nas ruas e nos improvisados blocos que exigiam que o “retrato do velho” voltasse para a parede.

Outro a merecer o carinho e o reconhecimento dos brasileiros foi JK, “o presidente bossa nova”. Sua luta para desenvolver o Brasil “50 anos em cinco” ficou eternizada em manchinhas e sambas-enredos.

Juscelino deu continuidade ao governo progressista de Getúlio, mostrando-se apoiador e amigo das artes e dos artistas brasileiros.

Para desespero da UDN (os golpistas nas décadas de 1950 e 1960), os brasileiros não escondiam o orgulho com a construção da nova capital, Brasília, e por terem um presidente que se sentava na calçada, em sua cidade natal, Diamantina, para ouvir e cantar serestas com um jovem que veio a se tornar o gigante Milton Nascimento.

Juscelino, o presidente festeiro, alegre e seresteiro, permanece no imaginário dos brasileiros como uma referência de trabalho, seriedade e modernidade.

Posso estar enganada, mas não me recordo de nenhuma manchinha de Carnaval ou samba-enredo exaltando os militares que chegaram ao poder com o golpe de 1964 e lá permaneceram até 1985.

Não me recordo, igualmente, de nenhuma canção carnavalesca que homenageasse presidentes como José Sarney, Fernando Collor ou Fernando Henrique Cardoso.

Collor, ao contrário, virou alvo de repúdio nacional pela roubalheira e

por ter que renunciar ao governo para não ser alvo de impeachment.

Já FHC, com seu ar blasé e mais interessado na vida parisiense, nunca despertou a simpatia da nossa gente sambista e mulata.

Mesmo tendo permanecido apenas dois anos no poder, os carnavais de 2017 e 2018 foram fundamentais para que a imagem de Temer ficasse associada para sempre à de golpista e à de Drácula.

Com feição que lembra caricatura, seu gosto pelas mesóclises, palavreado difícil e a traição à Dilma Rousseff estampada em seu sorriso, Temer tornou-se, com razão, sinônimo de vampiro.

Basta lembrar que os principais atos de seu governo foram a entrega do pré-sal para empresas estrangeiras, as reformas do ensino médio e a trabalhista, e a PEC do fim do mundo, que engessou as finanças e os investimentos públicos.

Não por acaso, os carnavais durante sua passagem pelo Palácio do Planalto foram marcados pelo “Fora Temer” nas ruas e nos desfiles de escolas de samba no Rio de Janeiro.

Pior que esses carnavais foram apenas os ocorridos sob o desgoverno Bolsonaro.

Como se não bastassem todas as atrocidades ditas e cometidas por ele, a pandemia impediu que as pessoas pudessem cantar e aglomerar nas ruas, nem que fosse para tentar espantar os seus males.

Bolsonaro, o imbrochável, o genocida, entra para a história do Brasil como o “pior presidente de todos os tempos”, como o inimigo das mulheres, dos negros, dos índios, dos LGBTGIA+ e dos trabalhadores.

Neste Carnaval, o primeiro após o retorno à democracia e um pouco mais de mês depois de Bolsonaro tentar dar um golpe no governo Lula, o que deve ganhar as ruas é uma espécie de acerto de contas popular com o “Inominável”.

Milhares de bloquinhos vão sair, do Oiapoque ao Chuí, detonando Bolsonaro.

Ele será retratado como o presidente vagabundo, que preferia fazer motociatas a trabalhar. Será retratado como aquele que debochou e imitou pessoas morrendo de covid por falta de ar. Será retratado como o presidente corno, que nunca conseguiu manter a “recatada” Michelle dentro do seu cercadinho e jamais deu conta de botar limites nos filhos.

Ele será retratado como o presidente vagabundo, que preferia fazer motociatas a trabalhar. Será retratado como aquele que debochou e imitou pessoas morrendo de covid por falta de ar. Será retratado como o presidente corno, que nunca conseguiu manter a “recatada” Michelle dentro do seu cercadinho e jamais deu conta de botar limites nos filhos.

Será retratado como o vilão que fugiu para Miami com medo de ser preso e lá continua tramando contra o Brasil e os brasileiros.

Engana-se, no entanto, que acha que o Carnaval 2023 será apenas o do “sem anistia” e ” Bolsonaro na cadeia”.

O Carnaval 2023 será, sobretudo, o do reconhecimento dos brasileiros e brasileiras para com a luta sem tréguas travada pelo presidente Lula.

Em menos de dois meses de governo, ele já venceu uma tentativa de golpe patrocinado por bolsonaristas e setores militares, trouxe de volta programas sociais como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida, pôs fim ao genocídio que vinha sendo cometido contra os índios Yanomami, retomou a política externa altiva e ativa, encontrou-se com Alberto Fernández, na Argentina, Biden na Casa Branca, e teve a coragem de falar, alto e em bom som, para a potência imperialista, que o mundo precisa de paz, comprou briga com os rentistas bilionários e com o Banco Central “independente” por causa dos juros estratosféricos praticados no Brasil, os mais altos do mundo.

Lula, neste Carnaval, é tema de uma infinidade de blocos. É homenageado por escolas de samba, como a Cidade Jardim, de Belo Horizonte, mas especialmente estará recebendo o carinho e o reconhecimento popular, através de refrões como “o pai está on” e o “velhinho voltou”.

A voz das ruas está certa. No fundo, ela está dando visibilidade ao que as pesquisas de opinião registram: 93% dos brasileiros são contra os atos terroristas de 8 de janeiro, 70% acham que Bolsonaro está por trás destes atos e 76% consideram que Lula está certo ao combater os juros altos.

Lula pode e deve aproveitar o Carnaval para descansar. Mas seu nome estará nas bocas e no sorriso dos foliões.

Afinal, foi ele que nos liberou do demônio Bolsonaro e devolveu a alegria ao Brasil.

*Ângela Carrato é jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG
*Viomundo

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Política

Gilmar Mendes: “Democracia não precisa da tutela dos militares”

Decano da mais alta Corte do país diz que responsáveis pelo terrorismo de 8 de janeiro devem ser punidos com rigor, mesmo que sejam fardados de alta patente. Para o ministro, STF foi fundamental para evitar a ruptura do Estado de Direito.

Lisboa — O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ainda se emociona quando fala dos ataques terroristas à Corte, em 8 de janeiro. A casa, que ele frequenta desde os tempos de estudante de direito, foi alvo preferencial dos vândalos, que apostavam na possibilidade de um golpe chefiado pelas Forças Armadas. Na visão do magistrado, todos os responsáveis pela destruição dos prédios dos Três Poderes devem ser punidos com rigor. E isso vale para os militares, independentemente das patentes e das forças que integram.

Leia a entrevista:

Diante do que se viu em 8 de janeiro, em Brasília, o Brasil ainda está na iminência de um golpe?

O que se viu em 8 de janeiro não se tratou, propriamente, de um golpe, mas de uma atitude de tumulto, de um grupo inconformado com o resultado eleitoral e com falhas graves no sistema de segurança. Como vimos, as imagens mostraram uma condescendência, quase que uma leniência, quase que uma participação ou cumplicidade de setores da polícia. Aquelas imagens que mostraram o Batalhão de Choque que não chocava ninguém, que não atuava. Em suma, esse é um elemento de preocupação. No Palácio do Planalto, também se verificou que não houve sequer arrombamento e que entraram com imensa facilidade. Esse é um dado evidente do envolvimento de forças de segurança com essa temática. Como também há erros básicos, e talvez não só erros, mas até uma certa tolerância excessiva no que diz respeito aos próprios acampamentos. Obviamente, não pode haver acampamento em frente ao quartel, como não pode haver acampamento em frente ao hospital por razões diferentes. É impróprio. Imaginemos que o MST decidisse fazer um acampamento em frente o quartel-general em Brasília, ou um grupo de índios reclamando. Não faz sentido, é de todo impróprio. Há cases na jurisprudência mundial dizendo exatamente que não se pode fazer manifestação em frente aos quartéis. Tudo é uma comédia de erros.

O senhor acredita que o país corre algum risco de ruptura institucional?

Não, e há demonstrações claras nesse sentido, um repúdio geral a esse tipo de manifestação. Mesmo apoiadores do candidato perdedor não aderem a esse tipo de prática. Mas é claro que foi um tumulto significativo aquilo que vimos. Não vamos também minimizar. Tanto é que, em outro momento, chamei o 8 de janeiro de Dia da Infâmia. Invadir os prédios-símbolos dos Três Poderes em Brasília não é algo comum.

Como se sentiu ao chegar ao prédio todo destruído do Supremo? O senhor chorou.

O Supremo já era minha casa quando estudante e como profissional, depois, como ministro. Estou lá há 20 anos e ver toda aquela destruição, todos os andares do prédio principal destruídos, vandalizados, foi difícil. E, nota-se, aqui, um sentimento impressionista, pessoal: exatamente aquilo que as redes carregam contra o Supremo acabou sendo efetivado, porque, de alguma forma, parece que a descarga de raiva se deu com maior força sobre o tribunal.

As instituições atacadas estão preparadas para que esses ataques não se repitam?

Acho que temos de rediscutir todo esse sistema de segurança. Vi, com tranquilidade e simpatia, o anúncio feito pelo ministro (da Justiça e Segurança Pública), Flávio Dino, no sentido de uma revisão do sistema de segurança, inclusive com a criação de uma guarda nacional, de rever o sistema de polícia, a própria proteção daquele ambiente geral. Se olharmos ao longo desses anos, ficamos muito dependentes das GLOs (Garantia da Lei e da Ordem). Foram mais de 150 desde 1992. E uma boa parte disso se deu por conta de quê? De greve de polícia ou de violência urbana, que, normalmente, era causada pela falência do sistema policial. Então, temos de olhar isso com muito cuidado e, talvez, ter forças suplementares que dispensem, tanto quanto possível, as GLOs. Nesse momento, temia-se muito que uma GLO pudesse ser um elemento utilizado para maiores distúrbios.

Inclusive, o presidente Lula ressaltou isso…

Acho que temos de fazer uma revisão. E, claro, despolitizar o sistema. Quem quer ser candidato, por exemplo, enquanto membro de uma força policial, tem de sair antes, desincompatibilizar-se, tirar a farda e ir para vida, como acontece hoje com os magistrados. E, certamente, deve-se ter um prazo de inelegibilidade mais alongado. Também é preciso uma ampla reestruturação da Justiça Militar. Creio que é uma oportunidade para se discutir todas essas questões. Há, ainda, uma discussão que se trava há algum tempo no Congresso Nacional em relação à própria presença de militares em cargos civis. Isso precisa ser debatido. Quer exercer uma função comissionada, que vá para a reserva ou deixe a atividade. Talvez, esse seja um aprendizado para rever o sistema de segurança, porque, se formos olhar, na causa disso tudo está a politização das forças de segurança em sentido geral.

Na sua avaliação, como deve ser essa guarda nacional? Há algum modelo em vista?

Certamente, seria uma força federal. Já houve discussão se deveria ser um segmento especializado da própria Polícia Federal (PF) ou se o caminho seria a criação de uma guarda própria. Certamente, isso terá de ser discutido. Não sei se será uma coordenação dos Três Poderes para evitar eventuais excessos. Com certeza, haverá algumas discussões nessa estruturação, mas, obviamente, é um momento oportuno para que discutamos essas questões, que estavam carentes de serem revisitadas e que acabaram por dar ensejo a abusos. Acho que, há algum tempo, vinha se cultivando essa ideia de que era preciso reunir pessoas para causar tumultos, para se ter uma GLO e, daí, sabe Deus o que seria.

Quando olhamos para a história do Brasil, há uma série de golpes ao longo de anos, e sempre com os militares na linha de frente. O senhor vê a possibilidade de liderarem um novo movimento golpista?

Não vejo isso não. A própria reação do novo comandante do Exército (general Tomás Ribeiro Paiva) repudiando claramente esse propósito é um importante indicativo. E não há clima nos segmentos organizados da sociedade civil para esse tipo de consideração. A democracia se consolidou e vemos, inclusive, posição, por exemplo, de governadores que foram eleitos com apoio do ex-presidente Bolsonaro claramente repudiando esse tipo de manifestação, casos dos governadores de São Paulo (Tarcísio Gomes de Freitas) e de Santa Catarina (Jorginho Melo). Não vejo que haja esse propósito, esse desiderato, essa viabilidade. Mas é claro que nós devemos consolidar a democracia. E a democracia não precisa da tutela de forças militares, que devem cumprir sua função constitucional. E que o façam bem, pois vinham fazendo bem, tanto é que havia esse reconhecimento.

O que houve então?

O que me parece é que, de uns tempos para cá, com o debilitamento das forças políticas, não mais partidárias, houve os escândalos de corrupção, o impeachment da presidente Dilma e toda essa evolução. Nós passamos a ter uma discussão e, talvez, algo que fosse velado passou a ser explícito sobre uma leitura do artigo 142, que, para nós, é extravagante, e coloca as Forças Armadas como poder moderador. Essa tese encontrou, inclusive, um lastro na doutrina do professor Ives Gandra. Acho que é de todo equivocado, lamentável, por todos os motivos, mas que encontrou respaldo e, claro, que foi muito bem recebida em alguns setores das Forças Armadas. Parece-me, também, que houve uma leitura, já dando seguimento a esse processo em determinados setores, de que a vitória de Bolsonaro se dá exatamente por conta da derrocada do sistema político normal, uma vitória dos militares. Os militares estavam voltando ao poder, agora, pelas urnas. Acho que houve algum tipo de teórico que deve ter elaborado esse tipo de doutrina. Infelizmente é isso.

Como deve ser a punição de militares golpistas? As imagens de 8 de janeiro mostram vários deles atacando o coração
da República.

Creio que tudo deve estar sendo verificado. Tem de punir os responsáveis e, claro, fazer as devidas distinções entre aqueles que tinham o dever de impedir que tudo aquilo acontecesse. A própria guarda do Palácio do Planalto, o Batalhão Presidencial, a polícia. Isso precisa ser devidamente verificado. As imagens da tevê têm cenas de aparente cumplicidade, que permitiu que as pessoas, por exemplo, invadissem o Supremo Tribunal Federal. Acho que tem de haver as devidas distinções, como, também, no que diz respeito à própria responsabilização dos autores materiais dos atos, aqueles que participaram como uma manada e outros que, de fato, causaram danos. Tudo precisa ser devidamente distinguido. O Senado identificou, agora, 26 pessoas que não foram investigadas nem presas. E a polícia do Senado, que teve um papel importante, mostra que é preciso ter esse segmento especializado. Acho que há um interesse das próprias instituições de que haja a devida responsabilização e punição para que se diga que isso não foi ação da polícia, não foi ação do Exército ou de qualquer força. Foi ação de alguns com conduta desviante. É fundamental que haja essa separação.

O governo trocou o comandante do Exército e o ministro da Defesa, José Múcio, vem dizendo que a página foi virada na crise entre o governo e as Forças Armadas. O senhor acredita nisso?

Tenho a impressão de que ainda haverá algum período de desconfiança em razão desses desdobramentos. E, de fato, todos foram surpreendidos de alguma forma, porque, como a posse presidencial tinha ocorrido normalmente, reinou uma espécie de calmaria e, talvez, tenha havido um certo relaxamento, típico desse tipo de situação. Por isso, a desconfiança. Além disso, há fatos que antecederam, como os acampamentos nas portas dos quartéis, em vários pontos do Brasil. Tudo isso, certamente, contribui para a desconfiança. Mas as Forças Armadas são instituições extremamente importantes, cumprem um papel relevantíssimo. Na Justiça Eleitoral, temos uma relação muito clara com as Forças Armadas, empregadas em vários locais do Brasil e também em trabalho de logística, como a colocação de urnas em locais longínquos. Se olharmos a lista de medidas especiais, de GLOs, vamos encontrar essa prestação de serviços à Justiça Eleitoral. Então, é preciso que haja um retorno dessa relação de confiança e que se encerre esse período de tumultos.

O governo Bolsonaro tem muita culpa nesse processo?

Interpreto os quatro anos do governo Bolsonaro como um certo desvio do nosso processo democrático. De alguma forma, acho que, a duras penas, nós mantivemos a democracia. Já são quase 35 anos de construção, desde 1988, de um quadro de normalidade institucional com todas as dificuldades econômicas e até políticas. Mas acredito que o próprio sistema político tem sua responsabilidade e o sistema judicial, também. Já disse, em algum momento, que a Lava-Jato é pai e mãe do Bolsonaro, pois levou à derrocada do establishment político e provocou esse cataclismo. E todos pagamos por isso.

As instituições reagiriam à altura?

Acho que sim. E reagiram bem. Acredito que (essa reação vem) desde 2019, quando o ministro Dias Toffoli determinou a abertura do inquérito das fake news e designou o ministro Alexandre de Moraes para ser o responsável. A partir dali, criamos um instrumento que, talvez, evitou uma derrapagem muito mais radical. Então, acho que esse é um exemplo. E, depois, vimos como agiu a Justiça Eleitoral, inclusive no que diz respeito às fake news. Com todo o enfrentamento que houve, muitos apontam no ministro Alexandre um certo autoritarismo, ou querem dizer que houve autoritarismo por parte da Justiça Eleitoral. Mas a Justiça Eleitoral foi extremamente eficiente para evitar as maquinações de fake news, e foi efetiva nesse sentido, dando até um exemplo ao mundo. Ao contrário de criticarmos, devemos reconhecer que as instituições funcionaram de forma cabal, como também funcionaram de forma cabal na resposta ao episódio de 8 de janeiro.

Como o senhor viu a intervenção no sistema de segurança de Brasília?

São circunstâncias que foram determinadas por conta do momento que se vivia. Sem entrar em juízo sobre a responsabilidade pessoal ou penal do governador Ibaneis Rocha, custa-me acreditar que, conhecendo como o conheço, ele estivesse envolvido numa conspirata para destruir o Supremo. Não consigo conceber. Mas é claro que ele tem responsabilidade política, inclusive a de ter escolhido o secretário de Segurança que escolheu (Anderson Torres), que, agora, está preso.

Qual será o papel do Supremo daqui por diante? A ministra Rosa Weber, presidente da Corte, retirou alguns projetos polêmicos da pauta para tentar dar uma acalmada nos ânimos.

Essas questões continuam chegando, até porque, como a gente tem dito ao longo do tempo, o tribunal não tem uma banca lá fora pedindo causas. Elas chegam a partir de movimentos da sociedade civil e do movimento político. Normalmente, são parlamentares que fazem esse tipo de provocação. Tenho dito que, não fora a ação do Supremo Tribunal Federal, o Brasil, talvez, tivesse se transformado numa grande Manaus durante a pandemia, com falta de oxigênio e coisas do tipo. Vamos lembrar que estávamos sob o signo da gestão do general Pazuello à frente do Ministério da Saúde, a mais vergonhosa da história da República. Foi o Supremo que determinou que estados e municípios estabelecessem ou pudessem estabelecer medidas preventivas, de isolamento social e coisas do tipo que o governo federal estava sendo omisso. Temos de lembrar que o próprio projeto de imunização foi determinado pelo Supremo, ao definir a questão de compra de vacina. Então, o tribunal, na verdade, atuou positivamente para evitar uma débacle ainda maior.

O Tribunal Superior Eleitoral já tem instrumentos para tornar o ex-presidente Bolsonaro inelegível?

Não conheço o processo todo. Como sabe, estou fora do TSE desde 2016.
Mas por tudo o que se vê, estou fora do TSE desde 2016.

É preciso examinar. Há notícias de que esse deve ser um dos processos na pauta e, certamente, há elementos para a discussão sobre isso. Mas não sei qual será o encaminhamento. Temos de aguardar que a Justiça Eleitoral se mova nesse sentido. Há várias ações de investigação e o corregedor do TSE, ministro Benedito Gonçalves, está se debruçando sobre essa temática como um todo.

Há a possibilidade de prisão do ex-presidente em algum momento?

Tudo depende das investigações. Não sei como isso vai se dar, nem quando e que processos vão ficar no Supremo Tribunal Federal e que processos vão, eventualmente, baixar para a primeira instância, na medida em que ele não tem mais a prerrogativa de foro. Temos de aguardar todos os desdobramentos. Acho que o fundamental é que o devido processo legal se faça sem nenhum atropelo, que as autoridades responsáveis pelas investigações cumpram bem seu papel e distingam as responsabilidades.

Nos últimos anos, o Supremo foi acusado de ativismo político, mas se sabe que o tribunal agiu muito no vácuo do Congresso, que não fez sua parte. O novo Legislativo toma posse nesta semana. O que dá para esperar do novo parlamento?

Temos muitas discussões, como eu disse, em relação, por exemplo, à temática da crise sanitária. Portugal tem uma jurisprudência da crise, que foi a crise financeira, e nós temos a nossa jurisprudência, que foi a crise sanitária. Se olharmos, o Supremo atuou por provocação, e evitou um caos ainda maior. Perdemos 700 mil vidas, um número muito alto, inclusive, para os índices mundiais. Não fora a ação do tribunal, certamente teríamos ultrapassado a marca de 1 milhão de mortos. Quem viu aquela tragédia de Manaus, em que estava faltando oxigênio, pode avaliar bem o que seria o caos se não tivesse havido essa intervenção judicial. É preciso reconhecer a importância desse trabalho. Agora, é ativismo, não é ativismo? Não, o tribunal foi provocado dentro das suas funções para suprir omissões que estavam verificadas, que haviam naquele momento. Esse é um dado importante. Agora, temos essa tragédia que se abateu em relação ao grupo indígena ianomâmi. Vamos ver várias decisões do Supremo. Me lembro de algumas do ministro Luís Roberto Barroso determinando que a União tomasse providências de proteção aos indígenas. Veja: aqui há excesso? Se o sistema estivesse funcionando razoavelmente, não precisaria de decisão do tribunal. No fundo, o Supremo tem atuado para cumprir seu próprio papel. Talvez, aqui, deveríamos ter sido até mais enfáticos, mas houve determinação por parte do tribunal a partir do momento que se apontavam falhas na proteção aos indígenas na pandemia, falta de material para vacina ou de tratamento. Aqui ou acolá, sempre pode ter algum tipo de querela.

Mas em relação ao Legislativo, efetivamente…

Tem havido falhas na própria responsabilização dos parlamentares pelos exageros que alguns dos agentes políticos cometem. As comissões de ética de Câmara e do Senado precisam funcionar. Até porque o não funcionamento acaba por onerar o tribunal. Veja episódios como o de Daniel Silveira. Seria muito razoável que o próprio Congresso resolvesse essas questões. Mas, como há muita acomodação política, acaba por gerar um protecionismo que obriga à intervenção do Supremo e, certamente, ações penais. Talvez muitos dos temas pudessem ser resolvidos na seara do próprio Congresso. Esse é um ponto que, talvez, valesse a pena o novo Legislativo refletir, a composição das comissões de ética, dos presidentes dessas comissões, porque isso é uma das razões da judicialização, inclusive em matéria penal. Vimos, recentemente, um parlamentar eleito, ainda não empossado, dizendo que não houve nenhuma lesão ao patrimônio público na Câmara dos Deputados, no 8 de janeiro. É um negacionismo diante de evidências. Esse tipo de prática não condiz com o decoro parlamentar.

O senhor falou da situação dos ianomâmis, que chocou o mundo. Fala-se em genocídio. Como vê?

É chocante. Aí, de novo, me parece que é um pouco esse colapso das esferas de administração, porque temos sistemas de proteção aos indígenas, ao meio ambiente, sistemas legais. Mas a desativação de vários setores, ICMBio, Ibama, Funai, levou a isso. Li um artigo do professor Lenio Streck que fala em genocídio. Portanto, um crime deliberado no sentido de eliminar os indígenas. Se a gente olhar para a autorização de garimpos em áreas indígenas, ou em áreas contíguas às áreas indígenas, e o não acompanhamento dessa situação, tudo parece que leva a esse tipo de situação, de avaliação.

Há alguma coisa que o Supremo ainda possa fazer em relação aos ianomâmis?

O tribunal, dentro daquelas limitações, tomou muitas decisões no sentido da proteção, mas que acabaram não sendo efetivas, tendo em vista, talvez, um propósito deliberado, em alguns casos, de não atender ou de retardar esses comandos. Se a gente olhar, determinados setores que estavam incumbidos de zelar pela saúde indígena não tinham a devida formação e competência para fazê-lo. Isso sugere, no mínimo, uma falta grave.

O que chegar ao Supremo será avaliado e os responsáveis pelo massacre dos ianomâmis, punidos?

Certamente. A partir das investigações, será fundamental que haja responsabilização, até para que isso não se repita. Há uma pergunta que certamente gravita em nossas cabeças: como chegamos a esse ponto e o que precisamos fazer para que não mais se repita? Nós estamos na segunda fase. Temos de recriar uma nova institucionalidade para evitar que isso se repita.

O presidente Lula tem dito que não pode errar, que esse é o mandato da vida dele. Como o senhor vê o atual governo do petista?

Tenho a impressão de que tem imensos desafios pela frente. Primeiro, creio que é fundamental fazer um mandato de integração. Certamente, são significativos, em termos numéricos, os apoiadores do ex-presidente Bolsonaro, mas muitos não concordam com várias das práticas dele que vêm sendo reveladas. Muitas dessas pessoas podem vir a apoiar o atual governo, como vimos na questão da depredação dos prédios em Brasília. Boa parte das pessoas disse que não concordava com aquilo. Então, me parece fundamental que se busque, apesar de a palavra estar desgastada, um ambiente de consenso básico, para não repetir a fórmula da chamada união nacional, entre pessoas que partilhem dos mesmos valores democráticos. Esse é um grande desafio que se coloca.

O senhor tem falado muito em uma Lei de Responsabilidade Social…

Temos conversado, inclusive nos ambientes aqui de Portugal, sobre a ideia de uma Lei de Responsabilidade Social. Vimos que a pandemia afetou muitas pessoas, e de maneira muito grave as pessoas mais fracas na cadeia econômica. Demoramos muito para atender as demandas, inclusive quanto ao auxílio emergencial. Apareceram, por exemplo, aquelas figuras que foram chamados de “os invisíveis”. Somos uma burocracia bastante eficiente em muitos setores, mas precisamos voltar a atenção para isso, é fundamental e, claro, encontrarmos o caminho do crescimento econômico, com a adequada distribuição de renda. Mas colocaria como questão básica a redução da polarização, da conflituosidade que imperou nesses últimos quatro anos e que, certamente, responde à primeira pergunta sobre como nós chegamos a esse estágio.

Voltando a Lula, há risco de o país assistir a um novo impeachment?

Não acredito, pelo contrário. Acho que o presidente talvez ainda não tenha conseguido montar a base parlamentar em termos definitivos, mas estruturou 37 ministérios com parcerias das mais variadas. Para usar uma expressão tão portuguesa, podemos dizer que ele montou a sua “geringonça”. Considerando esses limites, a base parlamentar inicial, que já ampliou, conseguiu algo que é que é extremamente meritório: a aprovação da PEC da Transição ainda com a composição anterior do Congresso. Acho que há vontade política no sentido de uma integração, e ajustes serão feitos ao longo do tempo, um processo de experimentalismo institucional. Tenho a expectativa de que vamos viver um ambiente de paz política.

Dá para acreditar no Brasil?

Acho que sim. O Brasil tem essa capacidade, e tenho falado com muitos interlocutores, de se reinventar. Esses dias vi um documentário sobre “O país das 12 moedas”, falando da inflação e da história do Brasil em relação à questão monetária. Fixado neste período mais recente, que envolve parte anterior e parte depois da Constituição de 1988, vemos o governo Sarney, com Dilson Funaro, tabelamento de preços, busca do gado no pasto. Tem, ainda o episódio da substituição de Bresser Pereira (no Ministério da Fazenda) pelo Maílson da Nóbrega. O presidente o chamou e disse: “Talvez vamos encerrar o governo com você como ministro da Fazenda, mas eu preciso que vá a este local e fale com esta pessoa”. Era um endereço de Brasília. O local, a Rede Globo, e a pessoa, Roberto Marinho. Maílson teria passado por uma verdadeira sabatina lá e, quando voltou para o Ministério da Fazenda, já tinha sido anunciado pela Globo que ele era o novo ministro. Só para mostrar em que estágio nós estávamos. Depois, vem o governo Collor, com a retenção dos ativos financeiros e Zélia Cardoso que não sabia explicar aquele pacote. Alguém até fez uma pilhéria dizendo que quem sabia explicar era o Ibrahim Eris, então presidente do Banco Central, que não sabia falar português. Era um quadro muito peculiar. Veio, depois, Itamar Franco, que designa Fernando Henrique inicialmente ministro de Relações Exteriores e, a seguir, ministro da Fazenda. E reencontramos nosso caminho, estabilizamos a economia com o Plano Real, que foi o pressuposto de um plano civilizatório. Temos essa capacidade de nos reinventarmos. E acredito que estamos exatamente nesse momento.

*Com Correio Braziliense

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No meio do caos, a democracia ganha um novo general Lott

Chama os militares ao brio, levanta temas esquecidos, como a honra militar, o apego à disciplina e à democracia.

A fala do Comandante Militar do Sudeste, general Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva, poderá ter a mesma relevância para a democracia brasileira que o papel histórico do general Henrique Duffles de Teixeira Lott que, ao impedir o golpe contra a posse de Juscelino Kubitscheck, garantiu dez anos a mais de democracia.

É um chamado histórico em defesa da honra militar, de um Exército apolítico, apartidário, defensor da pátria. Sua manifestação exibiu um contraste absoluto com a anomia de seus colegas, que aceitaram calados a formação do golpe sob suas barbas. Chama os militares ao brio, levanta temas esquecidos, como a honra militar, o apego à disciplina e à democracia. E, como um verdadeiro comandante, estende seu discurso a seus comandados permitindo, pela primeira vez em muitos anos, um sentimento de confiança em relação a uma corporação que se perdeu.

*Luis Nassif/GGN

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Opinião

O que a derrota de Bolsonaro e a vitória de Lula revelam é que, na democracia, a direita não volta mais ao poder

Muito do discurso golpista se dá pelo fato de os reacionários entenderem que, se depender da democracia, a direita não volta tão cedo ao poder, nem quando apela para uma ação eleitoreira como o Auxílio Brasil, como apelou Bolsonaro.

No andar da carruagem da transição, o brasileiro vai se conscientizando de como Bolsonaro cupinizou o Estado, de forma planejada, quando o assunto era políticas que promoviam o bem-estar social das camadas mais pobres da população.

Os brasileiros lembram bem dos períodos de Lula e Dilma, dos programas sociais, difícil até enumerar, que marcaram as gestões petistas.

Temos que lembrar que, desde o golpe em Dilma, a entrada de Temer, a prisão de Lula e a vitória de Bolsonaro, a fatura social desse país explodiu.

Agora mesmo sabe-se que quase metade das crianças brasileiras vive na pobreza, maior nível da série no país.

Ou seja, a direita sempre produzirá contra os pobres um terreno alagadiço, desumano. Isso abrange a própria lucratividade dos ricos e não tem como negar.

Por isso, quanto mais o Brasil aprofundar sua democracia, menos teremos os bigodes da oligarquia dando as caras no poder do Estado.

Aquelas velhas formas do tradicionalismo patriarcal, que reduzem os mais pobres a uma condição residual, esquece. Ou a direita muda ou apela para o golpe, coisa que, diante de um mundo globalizado, fica cada vez mais difícil. Pior, uma arquitetura dessa dá inevitavelmente em figuras como Temer e Bolsonaro, que representam a minoria rica desse país.

O valor real da democracia brasileira reside na percepção de que uma campanha só será consagrada se aderir a uma agenda social que contemple o equilíbrio social como política determinante do tempo atual, do contrário, a direita viverá empacada numa encruzilhada tilintando golpes, sentenciando a democracia para que a balança dos mais ricos pese sempre sobre os pobres. Porém, qualquer cabeça conservadora, com um mínimo de juízo, sabe que não pode bancar o deslumbrado de pensar que o Brasil e o mundo de 2023 são os mesmos de 1964.

Por isso os governos de Bolsonaro e Temer deram errado e ambos saíram com as maiores reprovações da história.

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