Uma mensagem nas redes sociais por parte de Eduardo Bolsonaro, insinuando um apoio à invasão da embaixada da Venezuela em Brasília, causa pânico e indignação numa ampla parcela do Itamaraty.
O motivo: o Brasil ainda tem uma embaixada e um consulado operando normalmente em Caracas e, caso haja uma chancela do governo brasileiro ao ato em Brasília, a segurança dos diplomatas do país no exterior poderia estar comprometida.
Entre embaixadores e diplomatas de alto escalão do Brasil, a mensagem de Eduardo Bolsonaro foi interpretado como uma sinalização de que o governo de seu pai pode não fazer um esforço para retirar os invasores, aliados de Juan Guaidó.
O ato seguinte poderia simplesmente ser uma ação de reciprocidade por parte do governo Maduro, expulsando os diplomatas brasileiros em Caracas. Entre os cenários temidos, porém, está uma eventual ação de milícias extra-oficiais do governo Maduro, com algum tipo de ataque.
Há quem estime que Maduro não tomaria tal atitude, temendo que tal ato seja usado uma justificativa para uma intervenção estrangeira. “Mas as coisas podem sair do controle”, alertou um experiente diplomata.
Pelas regras internacionais, cabe ao governo proteger todas as embaixadas estrangeiras em seu território. A segurança do escritório venezuelano em Brasília, portanto, seria de responsabilidade do estado brasileiro. No Itamaraty, há quem preveja que o Brasil poderá ser denunciado por violar a Convenção de Viena de 1961 que regula os privilégios e imunidade diplomática.
Outros incidentes contra diplomatas foram registrados em La Paz. A embaixada da Venezuela na Bolívia foi alvo de um ataque nos últimos dias.
“Estamos bem e abrigados, mas querem nos massacrar. Ajude-nos a denunciar essa barbárie’, escreveu nas redes sociais a embaixadora da Venezuela na Bolívia, Chris González. “Tal como no caso dos incêndios de casas de familiares de membros do governo, nem a Polícia, nem as Forças Armadas protegeram [as instalações]”, disse.
As embaixadas do México, país que acolheu Morales, e de Cuba também foram alvos de ameaças.
Em Brasília, a embaixada da Venezuela também foi alvo de uma invasão por parte de simpatizantes da oposição ao presidente Nicolas Maduro.
Os ataques levaram a cúpula da ONU a se manifestar. O porta-voz da entidade, Stéphane Dujarric, emitiu um comunicado solicitando que as autoridades sob controle do governo boliviano “garanta a segurança de todos os cidadãos, funcionários governamentais e cidadãos estrangeiros” em território boliviano.
Cidade do México. O chanceler Marcelo Ebrard relatou hoje a tensa viagem que Evo Morales fez da Bolívia até o México.
Segundo Ebrard, a aeronave Gulfsteam 550, placa XC-LOK e número de registro 3916, da Força Aérea Mexicana (FAM), partiu para Bolívia para pegar Morales, por instruções do presidente Andrés Manuel López Obrador.
-O avião pousa em Lima. Tem que esperar a autorização para entrar na Bolívia, onde “não se sabe quem decide o quê”.
-Autoridades bolivianas autorizam a entrada e o avião decola.
-No espaço aéreo da Bolívia, o avião recebe o aviso de que a permissão para entrar no país já não é válido. A aeronave retorna para Lima.
-Mais horas de espera em Lima para receber a autorização. Intervêm a embaixadora mexicana María Teresa Mercado; o vice-secretário Maximiliano Reyes e o próprio Ebrard.
-O Comando da Força Aérea da Bolívia dá a permissão de entrada, “o que também diz quem é que tem o poder” nesse país.
-A aeronave chega no aeroporto boliviano onde esperava Morales. A rota prevista de retorno era a mesma da viagem de ida, ao contrário: a Lima, para abastecer combustível e depois águas internacionais até o México.
-Por volta das 19.30 horas da segunda-feira, a chanceleria peruana informou que “por questões políticas” se suspendia a escala em Lima.
-Surge uma situação tensa: nos arredores do aeroporto onde estava Morales tinha se reunido uma multidão dos seus seguidores; dentro do terminal tinha elementos das forças armadas. Foi um dos momentos de “maior tensão”. Enquanto se pensava um “plano B”, poderia ter acontecido uma situação muito difícil no aeroporto, já estando Evo Morales a bordo do avião da Força Aérea Mexicana.
-Ebrard fala com o chanceler paraguaio Antonio Rivas para procurar uma saída para o avião. Ao mesmo tempo, o presidente eleito argentino, Alberto Fernández, faz a mesma gestão com o mandatário do Paraguai, Mario Abdo Benítez.
-Rivas informa que o Paraguai aceita o pouso do avião em Assunção. O chanceler diz que entende a situação do México e que o caso pode “virar uma tragédia”. A decisão política se consegue, mas a tramitação da permissão demora.
-Nova intervenção da embaixadora Mercado para conseguir a permissão de saída do avião porque a Força Aérea boliviana ameaçava com impedir a decolagem, que finalmente se deu “por um milimétrico espaço”.
-Com o avião em Assunção, o México pede para o Peru permitir que o avião atravesse seu espaço aéreo, o que o governo de Lima autoriza.
-Também é consultado o chanceler do Equador, José Valencia, se seu governo permitiria que a aeronave pousasse em seu, no caso de precisar de combustível. Quito permite uma eventual escala em Guayaquil.
-A Bolívia comunica que já não autoriza a passagem do avião por seu espaço aéreo de volta de Assunção a caminho do Peru.
-O embaixador do Brasil em La Paz, Octávio Henrique Dias García Côrtes, oferece sua ajuda. Junto com o embaixador mexicano em Brasília, José Ignacio Piña, gestionam de madrugada uma permissão para que a aeronave voe sobre a linha fronteiriça entre a Bolívia e o Brasil. A rota seguiria para o Peru e o Equador a caminho da Cidade do México, já sem escalas.
-Com as permissões do Brasil, Peru e o Equador, o avião decola de Assunção por volta das 02:00 horas da terça-feira (hora mexicana).
-Já sobre o espaço aéreo do Equador, o avião recebe o aviso de que não tem permissão para entrar no país. A aeronave inicia um rodeio para alcançar aguas internacionais. Um segundo aviso do Ministério das Relações Exteriores do Equador confirma que tem permissão. São quase as 8 da manhã no México.
Leia mais: Evo Morales e García Linera chegam no México como asilados políticos.
No dia seguinte à renúncia do presidente boliviano, o povo reage nas ruas e La Paz amanhece com manifestações.
O dia seguinte ao golpe da direita na Bolívia, que levou à saída de Evo Morales da Presidência do país, foi de protestos nas ruas e apreensão. A capital La Paz amanheceu com barricadas e manifestações. Em Cochabamba, milhares de manifestantes marcharam pedindo a volta do líder indígena e campesino. O futuro do ex-presidente preocupa os bolivianos e também o doutor em Direito Constitucional, Gladstone Leonel, que teme pela vida de Evo.
“É muito difícil imaginar o que acontecerá com o Evo. É fundamental que ele continue vivo. É fundamental que se preze pela segurança do Evo”, afirma Leonel, que é professor do programa de Pós-Graduação de Direito Constitucional na Universidade Federal Fluminense (UFF) e que estudou a Bolívia em seu doutorado.
Para Leonel, o futuro da Bolívia será decidido nos próximos dias e Evo Morales deve ter um papel preponderante. “O povo está sofrendo e toma um susto com o que está acontecendo, mas a capacidade desse povo de reagir nos surpreenderá. Haverá muita reação. Os grupos políticos, obviamente, querem afastar o Evo, da mesma forma que fizeram com o Lula aqui no Brasil”, explicou.
Confira a entrevista na íntegra:
Brasil de Fato – Como o Evo Morales, que conduz a Bolívia a um crescimento de 5% ao ano, pode ser alvo de um golpe?
Gladstone Leonel – O governo de Evo não é impopular, tanto que foi eleito em primeiro turno, o que não é fácil para um governo que foi eleito [pela primeira vez] em 2006 e tem todo o desgaste político de uma exposição por tanto período. Recentemente, vimos isso com o PT no Brasil, também um golpe de Estado, mas, sobretudo, com um desgaste de governo, porque o PT estava no poder desde 2002. No entanto, o fato de o governo estar desgastado não pode ser motivo para um golpe de Estado.
Em 2019, se tumultuou o cenário eleitoral porque a diferença do Evo ficou pequena e eles estavam esperando ainda os votos da zona rural. Até chegar, a direita conseguiu se articular e tumultuou o ambiente político. Tanto que a OEA [Organização dos Estados Americanos] dá o ultimato para a auditoria. A meu ver o Evo erra ao aceitar a auditoria da OEA. O organismo enfrenta frontalmente as políticas da Bolívia. Ele dá a possibilidade para que a OEA legitime uma postura política, que foi o pedido de novas eleições. A partir desse momento, os golpistas ficam à vontade para derrubar o governo e derrubar as lideranças populares da Bolívia.
Qual a influência do episódio do plebiscito, que avaliava a possibilidade de um quarto mandato de Evo Morales, no golpe na Bolívia?
Esse episódio já indica um desgaste dentro de um contexto político que mostra que a liderança política não foi renovada. Isso é um problema? Sim, é um problema. Porém, não podemos esquecer que o Evo recorreu a um poder independente, que é o Judiciário. Recorreu ao Tribunal Constitucional Plurinacional, que é um poder separado e independente, que reconheceu a possibilidade de uma candidatura. A partir do momento que foi reconhecida a possibilidade da candidatura, há legitimidade para haver o pleito. Lembrando que diferentemente do Brasil, na Bolívia, os representantes dos tribunais superiores são eleitos pelo povo, há um fluxo democrático muito maior que no Brasil, por exemplo. Então, era um indício de desgaste, mas que não pode haver um rompimento com o Estado Democrático de Direito.
Qual o papel que a região de Santa Cruz de La Sierra exerce nesse golpe?
Precisamos retomar os passos históricos para compreender aquela região. Primeiro, no que diz respeito à própria geografia da Bolívia. Santa Cruz não faz parte do Altiplano Andino, que é a região associada aos indígenas. É uma região diferente, de desenvolvimento agrícola, com influência do latifúndio. Santa Cruz tem uma importância econômica, mas também é onde há a maior resistência aos processos de transformação social. Em 2008, sob a liderança dos latifundiários, há uma tentativa de golpe na Bolívia, rádios e emissoras de TV foram queimadas, mas essa tentativa foi fracassada. Com o passar do tempo, o governo faz algumas concessões à essa região, o que gerou popularidade para Evo lá, mas também gerou críticas ao então presidente, porque passou a estimular o agronegócio local. Essa elite cruzcenha ficou ali, adormecida, esperando o melhor momento para golpear. Parece-me que o momento foi agora.
Como serão os próximos dias na Bolívia?
É importante chamarmos a atenção que, no caso da Bolívia, é importante olhar para a história recente desse povo e do sujeito transformador ali, que foi o sujeito responsável pela Constituinte que eles têm. Essa Constituinte só foi possível porque teve a revolta da água em Cochabamba, quando os bolivianos expulsaram a transnacional que queria privatizar a água; teve também a guerra do gás em El Alto. O povo está sofrendo e tomou um susto com o que está acontecendo, mas a capacidade desse povo de reagir nos surpreenderá. Haverá muita reação. Os grupos políticos, obviamente, querem afastar o Evo, da mesma forma que fizeram com o Lula aqui no Brasil. No entanto, me parece que o destino da Bolívia pode ser decidido nos próximos dias.
Então você aposta em uma resistência ao golpe?
Eu acho que será difícil ter tranquilidade em curto prazo. Foi um golpe à moda antiga, o Evo foi eleito em primeiro turno. Por mais que parte das Forças Armadas tenha apoiado o golpe, outra parte tem laços estreitos com ele. Mas não é só isso, os grupos rurais e indígenas reconhecem o Evo como sua principal liderança e vão sustentar essa resistência. Porém, me parece que houve uma surpresa com o golpe e esses grupos precisam de tempo para se organizar, mas não deve demorar. Nessa madrugada mesmo, o povo de El Alto já fechou as principais vias da cidade.
Sobre o futuro de Evo, México ofereceu abrigo, mas ele decidiu permanecer em Cochabamba, de onde ele denunciou uma tentativa de prisão contra ele. Qual será o papel de Evo agora?
É muito difícil imaginar o que acontecerá com o Evo. É fundamental que ele continue vivo. É fundamental que se preze pela segurança do Evo. Quando acontece um golpe contra o Hugo Chávez [Venezuela] em 2002, eles retiram o Chávez da Presidência. Logo depois, há uma insurgência e o povo pede a volta do Chávez no Palácio de Miraflores. O maior arrependimento daqueles golpistas naquela época foi ter mantido o Chávez vivo. Essa é uma lição que fica, ele tem que ser mantido vivo e em um lugar seguro. Por quê? Porque ele tem um papel central nos próximos passos, como liderança política.
Golpe na Bolívia. Aparecem os primeiros vídeos da resistência do povo boliviano, o povo que apoia Evo Morales.
“Desde a tentativa de golpe contra Hugo Chavez em 2002, os golpes não foram mais admitidos na região (com a exceção do Brasil). Derrotada nas urnas e sentindo-se sem condições de concorrer a novas eleições contra Evo, a direita fez o que sabe fazer: deu um golpe”, diz o sociólogo Emir Sader sobre o retrocesso democrático no país andino.
Após Forças Armadas adentrarem no golpismo da direita, Evo renuncia e pede pacificação do país.
Eleito para um quarto mandato, Evo Morales acaba de renunciar ao cargo, depois que militares bolivianos sugeriram sua saída do cargo.
Golpe consumado. O presidente da Bolívia, Evo Morales, anunciou neste domingo (10) sua renúncia pouco depois das Forças Armadas e da Defensoria Pública boliviana aderirem ao golpismo promovido pela oposição, capitaneada por Luis Fernando Camacho e Carlos Mesa, segundo colocado nas eleições de 20 de novembro. O pleito, rejeitado pela direita, garantiu um quarto mandato ao ex-líder sindical cocaleiro.
Pouco antes de Morales oficializar sua saída do posto, uma série de lideranças do MAS, partido oficialista, apresentaram renúncia. Governadores, deputados, senadores, ministros e a presidenta do Tribunal Supremo Eleitoral deixaram seus postos em meio ao avanço da violência dos golpistas, que queimaram casas e perseguiram parentes dos moralistas.
Por volta das 17:54, horário de Brasília, foi feito o anúncio oficial, na cidade Chimore, província de La Paz. O vice-presidente Álvaro Garcia Linera também renunciou ao posto.
Com o objetivo de tentar pacificar o país, em conflito desde que a oposição pregou o não-reconhecimento do resultado das urnas que garantiu vitória em primeiro turno para o ex-dirigente sindical cocaleiro, Morales propôs na manhã deste domingo a realização de novas eleições gerais. A Organização dos Estados Americanos fez uma auditoria nas urnas e não declarou se houve fraude, mas também recomendou um novo pleito devido ao caos instalado pelos opositores.