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Vaza Jato – Nazismo: ‘Moro, o Russo deferiu uma busca que não foi pedida por ninguém’

Leia a íntegra da matéria

Conversas entre procuradores e delegados da PF mostram como Sergio Moro dava orientações e participava de reuniões para definir detalhes de operações.

ex-juiz Sergio Moro não somente conspirou com os procuradores e comandou a força-tarefa da Lava Jato, conforme revelado pelo Intercept, mas também, desde o começo da operação, capitaneou operações da Polícia Federal. Chats de grupos da Lava Jato no Telegram indicam que o atual ministro da Justiça de Jair Bolsonaro inclusive ordenou busca e apreensão na casa de suspeitos sem provocação do Ministério Público (o que é irregular).

“Russo deferiu uma busca que não foi pedida por ninguém…hahahah. Kkkkk”, escreveu Luciano Flores, delegado da PF alocado na Lava Jato, em fevereiro de 2016, no grupo Amigo Secreto — se referindo a Moro pelo apelido usado pelos procuradores e delegados. “Como assim?!”, respondeu Renata Rodrigues, outra delegada da PF trabalhando na Lava Jato. O delegado Flores, em resposta, avisou ao grupo: “Normal… deixa quieto…Vou ajeitar…kkkk”.

Desde o início da Vaza Jato, foram documentados inúmeros casos do então juiz conspirando em segredo e de forma ilegal com os procuradores na construção dos casos que ele depois dizia julgar de maneira imparcial. Durante os anos em que Moro esteve à frente da Lava Jato, ele chegou inclusive a influir na agenda de operações, conforme mostram as reportagens do Intercept e seus parceiros, realizadas a partir das mensagens secretas trocadas por meio do aplicativo Telegram e entregues ao Intercept por uma fonte anônima. Os diálogos a seguir, que ocorreram dias antes da Condução Coercitiva para depoimento de Luiz Inácio Lula da Silva e da tentativa fracassada da ex-presidente Dilma Rousseff de transformá-lo em ministro-chefe da Casa Civil, demonstram que Moro não conspirou somente com os procuradores, mas também com a Polícia Federal:

27 de fevereiro de 2016 – Grupo Amigo Secreto

Rodrigo Prado – 15:48:19 – Senhores: SUPRIMIDO utiliza seu email particular para receber email que seriam direcionados ao LILS. Seria interessante a quebra. Podemos obter informacoes boas
Prado – 15:49:00 – Gmail
Athayde Ribeiro Costa – 15:52:32 – Otimo
Costa – 15:52:39 – Tem o endereco ja?
Prado – 15:59:00 – Sim
Prado – 15:59:47 – Ja passo
Prado – 16:03:15 – SUPRIMIDO
Márcio Anselmo – 16:03:34 – Kct
Anselmo – 16:03:42 – Esse e-mail deve ser destruidor
Luciano Flores – 16:06:16 – Com essas informações sobre o envolvimento de SUPRIMIDO, não seria o caso de pedir apreensão do smartphone dele???
Prado – 16:07:16 – Exato. Acho que esse telefone é muito importante.
Prado – 16:07:35 – So que se apreendermos, perdemos o grampo
Prado – 16:07:47 – O LILS fala muito nesse telefone
Prado – 16:07:50 – O tempo todo
Prado – 16:07:58 – É o fone seguro dele
Prado – 16:08:16 – Fala com PEPs somente nesse
Flores – 16:10:16 – Talvez seja mais um motivo para apreendermos… se até lá ainda não tenha caído alguma prerrogativa de foro que justifique a subida dos autos… aí diminuiríamos as chances disso acontecer
Costa – 16:56:44 – Não caiu nada sobre as palestras ainda?
Flores – 17:47:27 – Prezados, temos 8 conduções coertivas. Quem tiver quesitos para serem perguntados favor me enviar para eu repassar às equipes que farão as oitivas ainda na manhã do dia D.
Flores – 17:48:24 – Procs, favor informar se vão participar de alguma oitiva dos conduzidos
Flores – 17:48:48 – Até o momento…
Roberson Pozzobon – 18:08:51 – Beleza, Luciano
Orlando Martello – 18:09:52 – Luciano, Por enquanto está mantida a data?
Costa – 18:10:44 – Ok. Vamos formular e enviamos
Flores – 18:12:08 – Sim. Mantida a data de sexta-feira, né?
Flores – 18:18:04 – Russo deferiu uma busca que não foi pedida por ninguém…hahahah
Renata Rodrigues – 18:18:20 – Kkkkk
Rodrigues – 18:18:20 – Como assim?!
Flores – 18:18:37 – Normal… deixa quieto…
Flores – 18:19:40 – Vou ajeitar…kkkk

A aprovação de Moro para a busca e apreensão e para a condução do ex-presidente não é irregular — operações desse tipo demandam necessariamente de aprovação judicial. O que os diálogos revelam pela primeira vez é que o ex-juiz ajudou também no planejamento da operação, tendo inclusive direcionado quais materiais deveriam ser apreendidos — uma violação do sistema acusatório:

4 de março de 2016 – Grupo Amigo Secreto

Márcio Anselmo – 10:50:34 –Vai pedir pra apreender as caixas do sindicato???
Roberson Pozzobon – 10:53:23 – Moro pediu parcimônia nessa apreensão. Acho que vale a pena ver exatamente o que vamos apreender
Anselmo – 10:53:45 – O pessoal lá pediu pra retificar o mandado
Anselmo – 10:53:58 – Não sei o que fazer
Anselmo – 10:54:05 – Vivo ainda continua um impasse
Igor Romario de Paula – 10:54:38 – Vai ser difícil checar isso no local
Anselmo – 10:55:58 – Aguardo decisão de vcs
Deltan Dallagnol – 10:56:20 – concordo, tudo
Anselmo – 10:56:21 – Tem coisa muito valiosa
Pozzobon – 10:56:29 – Igor, pode ligar para o Moro para explicar?
Anselmo – 10:56:33 – Moscardi disse que tem coisa que vale mais de 100 mil
Pozzobon – 10:56:41 – Ou Marcio
Anselmo – 10:56:41 – Moro tá em audiência
Pozzobon – 10:57:24 – Acho que vale a pena pedir para a equipe esperar um pouco para termos o aval do juiz
Dallagnol – 10:57:52 – boa
Renata Rodrigues – 10:58:16 – Márcio tá pedindo extensão do mandado pra possibilitar apreensão
Anselmo – 10:59:01 – Pedi
Dallagnol – 10:59:06 – Boa

O juiz federal Sergio Moro durante o seminário sobre combate à lavagem de dinheiro na noite desta quinta-feira (17), no Bourbon Convention Hotel, em Curitiba (PR)

SÃO PAULO, SP, 17.03.2016: PROTESTOS-DILMA - Manifestantes usam máscaras com o rosto do juiz federal Sergio Moro durante protesto na avenida Paulista, região central de São Paulo (SP). O ato é contra a nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o cargo de ministro-chefe da Casa Civil, contra o governo Dilma e o PT, nesta quinta-feira (17).

SÃO PAULO, SP, 04.03.2016: OPERAÇÃO-LAVA JATO - Cartaz com imagem do juiz Sergio Moro. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixa à sede diretório do PT (Partido dos Trabalhadores), no centro de São Paulo (SP) após o seu pronunciamento sobre a Operação Aletheia, deflagrada hoje pela Polícia Federal como 24ª etapa da Operação Lava Jato.

Março de 2016: enquanto o então juiz Sergio Moro rodava o país defendendo o combate à lavagem de dinheiro, sua imagem já dividia as ruas.Fotos: Paulo Lisboa/Folhapress; Danilo Verpa/Folhapress; Marcus Leoni/Folhapress

‘o russo tinha dito pra não ter pressa’

Chats mais antigos mostram que as orientações de Moro nas operações já ocorriam em 2015, como nesse caso, uma semana antes da 14ª fase da Lava Jato:

12 de junho de 2015 – Grupo FT MPF Curitiba 2

Orlando Martello – 18:57:12 – Pessoal, o russo quer q deixemos a Q.G. fora da próxima festa. Posso dar ok?
Roberson Pozzobon – 18:58:00 – [anexo não encontrado]
Deltan Dallagnol – 23:10:48 – Se ele tem reclamado de sobrecarga, é melhor concordar… Diogo, como evoluiu a Q.G.? Podemos fazê-la como próxima fase com outras mamão com açúcar como MPE e ALUSA, depois de Angra.

Na época, as reuniões entre o juiz, procuradores e policiais federais para detalhar ações da Lava Jato eram habituais. Entre 2015 e 2016, encontramos nos arquivos da Vaza Jato pelo menos nove referências a encontros envolvendo delegados da PF e Moro. O procurador Santos Lima, por exemplo, escreveu sobre uma dessas reuniões com presença de policiais federais no grupo FT MPF Curitiba 2, em 19 de julho de 2015: “Estou conversando com o Moro. Ele acha que as prisões seriam fracas e não valeria a pena adiar. Estou tentando transferir a reunião com a Érika para o gabinete dele”.

O fato de Moro comandar a estratégia e os detalhes das operações da PF era tratado com tanta naturalidade pela força-tarefa que os procuradores pediam rotineiramente orientações ao então juiz. Santos Lima falou para Deltan em 2015, no grupo PF-MPF Lava Jato 2: “Talvez seja útil uma denúncia contra ele para trazê-lo para a colaboração. Mas precisamos conversar com o Russo e fazer denúncias pequenas e estratégicas”.

30 de julho de 2015 – Grupo PF-MPF Lava Jato 2

Deltan Dallagnol – 09:34:56 – Assad poderia dar uma boa nova fase daqui a algum tempo, após as mais prementes
Roberson Pozzobon – 09:44:08 – Com o Assad tem várias novas frentes possíveis. As empresas menores da Petro como a Tome faziam nota com ele, mas também a Utc. Creio que uma denúncia com está seria mais fácil imediatamente, notadamente diante da colaboração do RP. Depois, já temos conexão para trazer falcatruas dele em pedágios, obras em aeroportos. Já encontrei inclusive algumas obras financiadas pela União.
Pozzobon – 09:44:48 – Posso te passar o laudo Renata e os procedimentos da RFB
Carlos Fernando dos Santos Lima – 09:46:32 – Talvez seja útil uma denúncia contra ele para trazê-lo para a colaboração. Mas precisamos conversar com o Russo e fazer denúncias pequenas e estratégicas. Não podemos afogar o Judiciário.

O direcionamento da força-tarefa da Lava Jato e da PF por parte de Moro era corriqueiro. Alguns exemplos-chave deixam claro que os procuradores e delegados discutiam abertamente as ordens que deveriam cumprir:

23 de outubro de 2015 – Grupo PF-MPF Lava Jato 2

Athayde Ribeiro Costa – 09:36:46 – Prezados, sabem dizer onde localizo a planilha/agenda apreendida com BARRA que descreve pgtos a diversos politicos. Lembro que o russo tinha pedido protocolo separado. Vamos precisar pra manter a prisao dele la em cima
Costa – 09:37:24 – É URGENTE
Erika Marena – 10:04:20 – Oi Athayde, o russo tinha dito pra não ter pressa pra eprocar isso, dai coloquei na contracapa dos autos e acabei esquecendo de eprocar
Marena – 10:04:38 – Vou fazer isso logo
Costa – 10:16:28 – Erika, aguarde q vou te ligar. Abs
Marena – 10:17:44 – Ok

Conforme publicado anteriormente pelo Intercept, até mesmo procuradores do MP, quando conversando entre si, comentavam que Moro ultrapassava repetidamente os limites de seu papel de juiz. Em um comentário particularmente sincero, a procuradora Monique Cheker disse que “Moro viola sempre o sistema acusatório e é tolerado por seus resultados”.

Não foram só os procuradores da Lava Jato e agentes da PF que sabiam que esse comportamento era impróprio. Moro também parecia ter consciência que seu comportamento violava as regras. É exatamente por isso que negou repetida e publicamente ter participado da elaboração das estratégias da operação Lava Jato, inclusive em um vídeo, agora notório, de uma palestra de 2016. Moro negou publicamente ter feito exatamente o que fez porque sabe que admitir a relação próxima com procuradores e delegados seria uma violação do capítulo 3 do Código de Ética da Magistratura e do artigo 25 do Código de Processo Penal brasileiro, lançando dúvidas sobre a imparcialidade.

De forma irônica, a relação que se criou entre procuradores e delegados com o ex-juiz foi suficiente para a produção de diversas arbitrariedades contra direitos constitucionais, sem que houvesse o menor indício de embaraço. Mas a possibilidade de incomodar o ex-juiz em seu momento de lazer causava receio, como é típico de uma relação hierárquica, na qual não é recomendável incomodar o superior. Na noite de 19 de julho de 2015, o procurador Athayde Ribeiro Costa fez um pedido ao colega Carlos Fernando dos Santos Lima: “Cf avise o russo do email. Vc tem mais intimidade pra incomoda-lo no domingo”. O decano da operação respondeu: “Já avisei”. E encerrou a conversa com um joinha.

A força-tarefa da Lava Jato em Curitiba disse ao Intercept que não reconhece as mensagens que têm sido atribuídas a seus integrantes nas últimas semanas. “O material é oriundo de crime cibernético e tem sido usado, editado ou fora de contexto, para embasar acusações e distorções que não correspondem à realidade. O site prejudica o direito de resposta ao não fornecer todo o material que diz usar na publicação”, respondeu a assessoria de imprensa. Ao pedir comentários de fontes, o Intercept fornece o contexto e descreve o conteúdo das reportagens, mas se reserva no direito de não antecipar trechos dos textos — seja a força-tarefa ou qualquer outra fonte.

“O momento da execução das fases da operação leva em conta vários fatores, entre estes a capacidade de trabalho da Vara Federal, da Polícia e do Ministério Público Federal. A operação envolvendo a construtora Queiroz Galvão foi realizada em agosto de 2016 (33ª fase), sendo que seus executivos foram denunciados logo depois (números das ações penais: 5045575-84.2016.404.7000 e 5046120-57.2016.404.7000)”, escreveu a assessoria de imprensa da força-tarefa.

Correção: 19 de outubro, 2h50
Uma versão anterior desse texto indicava que o primeiro diálogo em destaque havia ocorrido no dia 4 de março de 2016. Na verdade, o diálogo aconteceu em 27 de fevereiro de 2016. A informação já foi corrigida.

Correção: 19 de outubro, 8h45
Uma versão anterior desse texto identificava Rodrigo Prado como delegado da Polícia Federal. Na verdade, ele é agente da PF. A informação foi corrigida.

 

*Do Intercept

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Vaza Jato – Vazamento seletivo de grampo: Ódio e perseguição de Moro e procuradores a Lula comprovam sua inocência

PF gravou 22 telefonemas do ex-presidente após ordem para interromper escuta que revelou diálogo com Dilma em 2016.

Conversas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) gravadas pela Polícia Federal em 2016 e mantidas em sigilo desde então enfraquecem a tese usada pelo hoje ministro Sergio Moro para justificar a decisão mais controversa que ele tomou como juiz à frente da Lava Jato.

Em 16 de março de 2016, cinco horas depois de mandar interromper a escuta telefônica que autorizara no início do cerco da operação ao líder petista, Moro tornou público um diálogo em que a então presidente Dilma Rousseff tratou com Lula de sua posse como ministro da Casa Civil.

A divulgação do áudio de 1min35s incendiou o país e levou o Supremo Tribunal Federal a anular a posse de Lula, às vésperas da abertura do processo de impeachment e da deposição de Dilma. Para a Lava Jato, o telefonema mostrava que a nomeação de Lula como ministro tinha como objetivo travar as investigações sobre ele, transferindo seu caso de Curitiba para o STF.

Mas registros inéditos obtidos pela Folha e analisados em conjunto com o site The Intercept Brasil indicam que outras ligações interceptadas pela polícia naquele dia, mantidas em sigilo pelos investigadores, punham em xeque a hipótese adotada na época por Moro, que deixou a magistratura para assumir o Ministério da Justiça no governo Jair Bolsonaro (PSL).

A reportagem teve acesso a anotações dos agentes que monitoraram Lula, com resumos de 22 conversas grampeadas após a interrupção da escuta em março de 2016. Elas foram gravadas porque as operadoras de telefonia demoraram a cumprir a ordem de Moro e o sistema usado pela PF continuou captando as ligações.

Os diálogos, que incluem conversas de Lula com políticos, sindicalistas e o então vice-presidente Michel Temer (MDB), revelam que o petista disse a diferentes interlocutores naquele dia que relutou em aceitar o convite de Dilma para ser ministro e só o aceitou após sofrer pressões de aliados.

O ex-presidente só mencionou as investigações em curso uma vez, para orientar um dos seus advogados a dizer aos jornalistas que o procurassem que o único efeito da nomeação seria mudar seu caso de jurisdição, graças à garantia de foro especial para ministros no Supremo.

As anotações mostram que Lula estava empenhado em buscar uma reaproximação com Temer e o MDB e indicam que seus acenos eram bem recebidos pelo vice-presidente, na época visto como fiador da transição para o novo governo que seria formado se Dilma fosse afastada do cargo.

A PF escutou duas conversas de Lula e Temer. Na primeira, eles marcaram uma reunião para o dia seguinte, e Lula disse a Temer que a rejeição enfrentada pelos políticos numa recente manifestação pró-impeachment mostrava que o avanço da Lava Jato criara riscos para todos os partidos, não só o PT.

Na segunda ligação, após discutir a situação de um aliado do vice-presidente no governo, o petista prometeu ser um parceiro e disse que eles deveriam atuar como “irmãos de fé”. Segundo as anotações dos agentes da PF, Temer respondeu a Lula dizendo que “sempre teve bom relacionamento” com ele.

Embora os registros mostrem que os policiais prestaram atenção a todas as conversas do ex-presidente, o telefonema de Dilma foi o único que a PF anexou aos autos da investigação sobre Lula nesse dia antes que Moro determinasse o levantamento do sigilo do processo.

Mensagens que integrantes da Lava Jato trocaram no aplicativo Telegram, obtidas pelo Intercept e analisadas em conjunto com a Folha, mostram que um dos policiais na escuta alertou os investigadores para o telefonema de Dilma assim que ouviu a ligação e foi instruído a produzir um relatório.

Não foi o que ocorreu com as outras conversas. O mesmo agente usou o Telegram para avisar que Lula também falara com Temer e fez um resumo do primeiro diálogo entre eles, com duas horas de atraso. Nenhum dos investigadores que participava do grupo reagiu à informação no Telegram.

O material examinado pela Folha e pelo Intercept mostra que o grampo permitiu que a Lava Jato soubesse do convite de Dilma a Lula com uma semana de antecedência e usasse o tempo para preparar junto com Moro o levantamento do sigilo da investigação e das escutas telefônicas.

No dia 9 de março, quando havia apenas especulações sobre o assunto na imprensa, o agente Rodrigo Prado ouviu Lula confirmar que recebera o convite, numa conversa com o ex-ministro Gilberto Carvalho. O policial alertou os outros investigadores no Telegram dez minutos depois.

9.mar.2016

Rodrigo Prado16:02:49 Ela ofereceu mesmo pra ele

16:03:07 E ele esta pensando

16:03:07 Talvez aceite

16:04:01 Nao só por causa da LJ mas para salvar o Governo dela

16:04:33 Cai isso numa conversa dele com Gilberto Carvalho

O áudio anexado aos autos pela PF mais tarde sugere que Lula ainda tinha dúvidas sobre a ideia e temia que sua ida para o governo fosse associada a uma tentativa de escapar da Lava Jato. Para os investigadores, porém, não havia dúvida de que o objetivo dos petistas era exatamente esse.

Desde o início da escuta telefônica, em 19 de fevereiro, várias conversas interceptadas haviam mostrado que Lula e seus aliados estavam preocupados com o avanço das investigações, temiam que ele fosse preso e buscavam apoio de autoridades do governo e ministros de tribunais superiores.

A força-tarefa à frente do caso em Curitiba acompanhou de perto a interceptação. No dia em que soube do convite de Dilma, o procurador Deltan Dallagnol, coordenador do grupo, pediu um CD com todos os áudios. “Estou sem nada pra ouvir no carro”, disse no Telegram, em tom de brincadeira.

9.mar.2016

Deltan Dallagnol 19:25:19 Igor consegue pra mim CD ou DVD com todos os áudios do 9 e a análise dos que tiver? Estou sem nada pra ouvir no carro rsrsrs

Igor Romário de Paula 19:45:20 Sim… amanhã, ok!?

Deltan 19:59:45 emoji sinal positivo

9 Referência pejorativa a Lula, que perdeu um dedo da mão esquerda quando operário

10.mar.2016

Deltan 00:20:56 Igor falei com o pessoal e parece que recebemos só os de destaque e não temos os daqueles em volta que podem ser importante para indicar riscos à segurança e a condução… Consegue os áudios completos e relatórios por favor?

[…]

Igor 21:19:23 O cara vai ser mesmo ministro

Deltan 21:21:06 Januário vem pra cá pra discutirmos o que fazer com o procedimento em sigilo

21:21:14 ele ia te ligar creio agora

Igor 21:26:42 Chego aí em 15 minutos…

Para os investigadores, havia uma oportunidade para levantar o sigilo da investigação, revelando o conteúdo das conversas de Lula, antes que sua nomeação como ministro obrigasse Moro a encaminhar o caso a Brasília e a força-tarefa de Curitiba perdesse o controle sobre a investigação.

As mensagens obtidas pelo Intercept mostram que o assunto foi discutido com o juiz, que pediu relatórios com transcrições dos diálogos considerados mais relevantes. Em 15 de março, na véspera da nomeação de Lula, a polícia anexou aos autos da investigação três relatórios e 44 arquivos de áudio.

19:49:46 Prado e demais colegas da análise: Teríamos condições de apresentar os três relatórios de interceptação amanhã de manhã, com tudo o que tem de relevante nos dois períodos até o momento? (pergunto porque sei que vcs estavam com eles praticamente prontos)

14.mar.2016

Prado 20:24:45 Luciano: amanha de manha nao seria possivel. Sao 41 ligacoes no relatorio. Ainda faltam algumas mesmo fazendo mutirao de transcricao. Acho que conseguimos ate o final do dia de amanha.

20:25:15 Voces pensam em eprocar isso quando?

20:26:44 Se for uma emergencia, fechamos o relatorio do jeito que esta, mas muitas ligacoes so estao com resumo. E o Russo pediu expressamente que todas fossem transcritas.

20:27:16 Estamos tentando fazer o melhor possivel, porque esse relatorio vai fazer um strike em BSB

Flores 20:28:57 Estamos vendo essa questão da oportunidade… parece que já está confirmada a aceitação dele para Casa Civil

Lula aceitou o convite de Dilma na manhã do dia 16. Enquanto os dois conversavam no Palácio da Alvorada, procuradores se reuniram com Moro em Curitiba para discutir o levantamento do sigilo, e Deltan, que estava em Brasília, foi à Procuradoria-Geral da República obter aval para a iniciativa.

Moro mandou interromper a escuta telefônica às 11h12, depois que a imprensa confirmou a nomeação de Lula. Num despacho sucinto, o juiz disse que o grampo se tornara desnecessário após as buscas realizadas duas semanas antes, quando Lula fora levado à força pela PF para depor em São Paulo.

A demora das operadoras de telefonia para executar a ordem de Moro em 16 de março permitiu que os investigadores continuassem escutando as conversas de Lula por cinco horas. Com o sistema usado pela PF, as ligações são desviadas automaticamente para os computadores da polícia pelas operadoras.

A primeira pessoa com quem o ex-presidente falou após o encontro com Dilma foi sua assessora Clara Ant, segundo as anotações feitas pelos agentes na escuta. Lula confirmou sua nomeação como ministro, mas indicou que estava desconfortável com a situação.

“Diz que acabou de se foder. LILS diz que ficaram discutindo até meia-noite. LILS tem mais incerteza do que certeza. LILS diz que não tem como escapar ‘dela’”, resumiu o agente que estava na escuta, identificando Lula sempre pelas iniciais de seu nome completo.

Os registros obtidos pela Folha mostram que o ex-presidente manifestou o mesmo incômodo ao falar com seu advogado Cristiano Zanin Martins, o ex-ministro Franklin Martins, o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Vagner Freitas, e dois jornalistas de sua confiança.

O tom foi outro nas conversas com políticos. As anotações da PF indicam que Lula expressou a todos entusiasmo com sua ida para o governo, apostando em sua capacidade de recompor a base de apoio a Dilma no Congresso e promover mudanças na política econômica.

Ao deputado José Guimarães (PT-CE), então líder do governo na Câmara, avisou que estava disposto a conversar até com Eduardo Cunha (MDB-RJ), que rompera com Dilma após assumir a presidência da Casa e liderava as articulações para acelerar o processo de impeachment.

Lula iniciou a conversa com Temer dizendo que queria mudar sua relação com o Palácio do Planalto, do qual o vice se afastara após desentendimentos com Dilma. O tom foi amistoso. “[Lula] Pede para preparar o uísque e o gelo”, anotou o agente da PF, depois que eles combinaram o encontro no dia seguinte.

O líder petista compartilhou com Temer sua preocupação com as manifestações pró-impeachment que tinham ocorrido pouco antes, no domingo, 13 de março. Uma multidão fora às ruas em São Paulo para demonstrar sua insatisfação com os políticos e seu apoio a Moro e à Lava Jato.

“Ninguém ganhou com a manifestação de domingo”, disse Lula a Temer, segundo os registros da PF. “Quem ganhou foi o combate à corrupção expressado na figura do MORO. Diz que esse combate à corrupção foi sempre um alimento para golpistas no mundo inteiro.”

“Quem ganhou foi a negação da política”, acrescentou o ex-presidente. “A classe política tem que se unir para recuperar o seu espaço.”

Minutos depois, Temer telefonou a Lula para falar do deputado Mauro Lopes (MDB-MG), que Dilma nomeara ministro da Aviação Civil. O vice temia que a indicação fosse vista como afronta pelo partido, que ainda não desembarcara do governo, mas vetara a ocupação de novos cargos no primeiro escalão por seus filiados.

Lula prometeu tratar do assunto com Dilma. “LILS quer ser o parceiro de TEMER para reconstruir a relação com PMDB. LILS quer ser irmãos de fé”, anotou o agente na escuta, de acordo com os registros obtidos pela Folha. “TEMER diz que sempre teve bom relacionamento com LILS.”

12h47

Michel Temer (MDB), então vice-presidente: “Diz que vão conversar amanhã. TEMER está em SÃO PAULO. LILS quer saber se o uísque está lá ainda. Diz que TEMER tomou um pouco. LILS quer conversar com TEMER porque aceitou a CASA CIVIL. TEMER diz que precisam conversar. LILS diz que quer mudar a relação de TEMER com o PALÁCIO. Marcam às 19 horas em SÃO PAULO. Pede para preparar o uísque e o gelo. LILS diz que aceitou porque há uma possibilidade de animar o país. LILS diz que ficou preocupado com a manifestação de domingo. Diz que ninguém ganhou com a manifestação de domingo. Diz que quem ganhou foi o combate à corrupção expressado na figura do MORO. Diz que esse combate à corrupção foi sempre um alimento para golpistas no mundo inteiro. E quem ganhou foi a negação da política. O que fizeram com a MARTA, com o AÉCIO, com o ALCKMIN. Diz que a classe política tem que se unir para recuperar o seu espaço. LILS diz que vai restabelecer a relação carinhosa entre seres humanos nesse país.”

12h58

Michel Temer: “[Temer] Diz que está muito preocupado com MAURO LOPES assumir antes de resolver essas questões. Fala da história da afronta. Tem que esperar mais uns dias. LILS diz que tentou falar com ela. Ela está em reunião. LILS quer ser o parceiro de TEMER para reconstruir a relação com PMDB. LILS quer ser irmãos de fé. Se coloca à disposição. Quer harmonizar isso. TEMER quer trazer algumas pessoas para a relação deles. TEMER vai chamar PADILHA. LILS diz para chamar. TEMER diz que sempre teve bom relacionamento com LILS.”

Dilma telefonou às 13h32. Avisou Lula que mandara um assessor lhe entregar o termo de posse para que tivesse o documento em mãos “em caso de necessidade”. O ex-presidente assentiu e os dois desligaram. Lula acertara com Dilma que só tomaria posse na semana seguinte, no dia 22.

As mensagens obtidas pelo Intercept mostram que o impacto dessa conversa foi imediato entre os investigadores, ao contrário dos outros telefonemas. “Estao preocupados se vamos tentar prende-lo antes de publicarem no DOU a nomeacao do Lils”, escreveu Prado no Telegram.

O procurador Athayde Ribeiro da Costa concordou com a interpretação: “já é calro. mais isso demonstra ainda mais o desvio de finalidade da nomeação”. As mensagens foram reproduzidas com a grafia encontrada nos arquivos recebidos pelo Intercept, incluindo erros de português e abreviaturas.

A PF anexou aos autos o áudio com a conversa de Dilma e Lula e o relatório com sua transcrição às 15h37. O Ministério Público já se manifestara a favor da retirada do sigilo da investigação, antes mesmo de tomar conhecimento do diálogo. Moro ainda não tinha tomado uma decisão.

16.mar.2016

Prado 13:44:48 Senhores: Dilma ligou para LILS avisando que enviou uma pessoa para entregar em maos o termo de posse de LILS. Ela diz para ele ficar com esse termo de posse e só usar em “caso de necessidade”…

13:45:26 Estao preocupados se vamos tentar prende-lo antes de publicarem no DOU a nomeacao do Lils

Flores 14:26:31 Prado, transcreve literalmente tudo sem comentários. Faz uma informação em complemento ao relatório de pessoas com foro. Estou voltando pra SR pra carregar no eproc com áudio

[…]

Athayde Ribeiro da Costa 14:27:39 já é calro. mais isso demonstra ainda mais o desvio de finalidade da nomeação

Flores 14:29:50 Isso

[…]

Prado 14:53:26 To zerando

14:53:30 Tem muita ligacao

14:54:46 Falou com Temer… Lils Disse que ficou muito preocupado com as manifestacoes nas ruas domingo… Porque sao anti-politicas… E que ele precisa unir todos os politicos novamente para recuperarem o lugar deles…

Registros no sistema eletrônico de acompanhamento dos processos da Justiça Federal mostram que o juiz examinou com atenção os áudios anexados pela PF. Ele determinou a exclusão dos arquivos de duas conversas com advogados de Lula, argumentando que envolviam sigilo profissional.

Moro decidiu levantar o sigilo dos autos às 16h19. A GloboNews noticiou a decisão às 18h32 e revelou que Dilma fora grampeada. Uma cópia da transcrição do diálogo que a presidente tivera com Lula naquela tarde foi lida ao vivo.

Depois que a notícia entrou no ar, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima foi o primeiro a avisar os colegas, num grupo que reunia vários procuradores de Curitiba no Telegram. “Ótimo dia rs”, escreveu Deltan. “[M]Eu Deus!!!”, disse Orlando Martello. “O mundo caiu”, afirmou Athayde.

Em Brasília, manifestantes se aglomeraram na frente do Palácio do Planalto para protestar contra o governo. No plenário da Câmara, deputados da oposição pediram a renúncia de Dilma e chamaram Lula de ladrão, aos gritos, antes que a sessão fosse encerrada em meio a tumulto.

O procurador Eduardo Pelella, chefe de gabinete do então procurador-geral Rodrigo Janot, chamou Deltan para entender o que acontecera. Ele dera seu aval ao levantamento do sigilo da investigação pela manhã, mas não fora avisado de que a Lava Jato tinha grampeado a presidente da República.

“Parece que foi hoje cedo”, disse Deltan, que passara o dia em reuniões em Brasília, mas em contato com os colegas de Curitiba pelo Telegram. “Tudo que sabemos é o que está nos relatórios que te entreguei”, acrescentou, referindo-se as transcrições feitas pela PF antes da conversa de Dilma.

16.mar.2016

Carlos Fernando 18:40:09 Tá na globo news

Deltan 18:52:42 Ótimo dia rs

Orlando Martello 18:53:19 O q está na globo news? Os áudios?

Athayde 18:53:37 Tudo

Jerusa Viecili 18:53:40 Isso

Orlando 18:53:59 Eu deus!!! Rs

Athayde 18:54:11 O mundo caiu

Deltan 18:59:54 Caros vamos descer a lenha até terça

19:00:02 por cautela falei com Pelella e deu ok

16.mar.2016

Eduardo Pelella 19:17:38 Vcs sabiam do áudio da Dilma?

19:17:59 Moro não menciona na decisão. E a gente não falou sobre isso

Deltan 19:22:57 Não

19:23:04 Parece que foi hoje cedo

Pelella 19:23:12 hoje cedo?

Deltan 19:23:13 Os relatórios foram fechados ontem

Pelella 19:23:17 Putz!

Deltan 19:23:22 Ouvi alguém falar que foi hoje cedo

Pelella 19:23:27 Não estão nos relatórios?

19:23:35 Caralhooo!!!

19:23:38 Vou ler aqui

Deltan 19:23:38 Relatórios são de ontem

19:23:54 Foram revisados hoje antes de juntar

19:23:59 Para não ter nada pessoal

19:24:12 Tudo que sabemos é o que está nos relatórios que te entreguei

As mensagens obtidas pelo Intercept indicam que no fim da noite os procuradores se deram conta de que havia dúvidas sobre a legalidade das decisões de Moro naquele dia. Eles começaram a debatê-las no Telegram enquanto acompanhavam o desenrolar de manifestações contra o PT em São Paulo e outras cidades.

Dilma e os advogados de Lula questionaram as decisões do juiz, argumentando que sua conversa não poderia ter sido grampeada se Moro já tinha determinado o fim da escuta, nem os autos poderiam ter sido divulgados sem que o STF tivesse sido alertado para as citações a ela e a outras autoridades com foro especial.

“Estou preocupado com moro! Com a fundamentação da decisão”, disse o procurador Orlando Martello no Telegram. “Vai sobrar representação para ele.”

“Vai sim”, respondeu Carlos Fernando. “E contra nós. Sabíamos disso.” Para Laura Tessler, o apoio da opinião pública garantiria proteção à Lava Jato: “a população está do nosso lado…qualquer tentativa de intimidação irá se voltar contra eles”. Carlos Fernando recomendou: “Coragem… Rsrsrs”.

Após compartilhar com o grupo vídeos de uma manifestação que estava ocorrendo na Avenida Paulista, em São Paulo, Martello sugeriu que todos os integrantes da operação renunciassem aos cargos se algo acontecesse com Moro. Laura sugeriu que a melhor resposta seria mover uma ação contra Lula e pedir sua prisão.

Para Andrey Borges de Mendonça, seria difícil defender a divulgação da conversa de Dilma por causa do horário em que ocorrera, mas a maioria discordou. “O moro recebeu relatório complementar e o incorporou”, disse Carlos Fernando. “Nesta altura, filigranas não vão convencer ninguém.”

Deltan entrou tarde na discussão e se alinhou com Carlos Fernando. “Andrey No mundo jurídico concordo com Vc, é relevante”, disse. “Mas a questão jurídica é filigrana dentro do contexto maior que é político.”

Mendonça disse concordar com o chefe da força-tarefa, mas insistiu. “Isso tera q ser enfrentado muito em breve no mundo juridico”, escreveu. “O estrago porem esta feito. E mto bem feito”. Era tarde, e os outros integrantes do grupo não se manifestaram mais sobre o assunto.

16.mar.2016

Orlando 21:05:53 Estou preocupado com moro! Com a fundamentação da decisão. Vai sobrar representação para ele.

Carlos Fernando 21:06:48 Vai sim. E contra nós. Sabíamos disso.

Orlando 21:09:14 Ele justificou em precedentes stf a abertura dos áudios?

Laura Tessler 21:09:25 Acho que não…já chagaram ao limite da bizarrice…a população está do nosso lado…qualquer tentativa de intimidação irá se voltar contra eles

Carlos Fernando 21:18:01 Coragem… Rsrsrs

[…]

Orlando 21:19:20 Se acontecer algo com moro renúncia coletiva de MPF, pf e RF

[…]

Carlos Fernando 21:19:48 Por mim, ok

21:20:07 Adoro renunciar… Rsrsrs

Laura 21:20:28 Renúncia coletiva nada….denúncia é pedido de prisão!!!!

21:21:20 Hahahhahahaha

Carlos Fernando 21:21:21 Laura é xiita.. Rsrsrs

A transcrição das mensagens manteve a grafia original dos arquivos obtidos pelo The Intercept Brasil

Moro não fez nenhuma menção à conversa de Dilma e Lula na decisão que levantou o sigilo dos autos. No dia seguinte, em novo despacho, afirmou que não tinha prestado atenção no diálogo anexado aos autos. “Não havia reparado antes no ponto, mas não vejo maior relevância”, escreveu.

A resposta chegou cinco dias depois, em despacho do ministro Teori Zavascki, relator dos casos da Lava Jato no STF. Ele suspendeu as decisões de Moro e mandou que enviasse os autos da investigação sobre Lula a Brasília, observando que o sigilo fora levantado “sem nenhuma das cautelas exigidas em lei”.

Ao explicar sua conduta uma semana mais tarde, Moro disse a Teori que não tivera intenção de provocar “polêmicas e constrangimentos desnecessários” e pediu “respeitosas escusas”, mas não reconheceu nenhum erro na condução do processo.

Junto com os autos, Moro enviou a Teori um CD com todos os diálogos interceptados pela polícia, afirmando que mantivera em sigilo apenas conversas pessoais, com advogados ou que “simplesmente não têm conteúdo jurídico-criminal relevante”.

Finalmente, em junho, Teori anulou as decisões de Moro e o repreendeu, afirmando que ele usurpara as atribuições do Supremo ao tratar a conversa de Dilma e Lula como válida, divulgar diálogos dela e de outras autoridades com foro na corte e fazer juízo de valor sobre sua conduta sem ter competência legal para tanto.

Mas os efeitos das decisões de Moro eram irreversíveis. Com base nas conversas divulgadas pelo juiz, o ministro Gilmar Mendes, do STF, anulou a posse de Lula dois dias depois, em 18 de março. Com o aprofundamento da crise política, a Câmara aprovou a abertura do processo de impeachment em abril e afastou Dilma do cargo.
Lula conversa ao telefone no dia em que foi gravado pela PF, em cena registrada no documentário ‘Democracia em Vertigem’
Lula conversa ao telefone no dia em que foi gravado pela PF, em 2016, em cena registrada no documentário ‘Democracia em Vertigem’ – Reprodução

OUTRO LADO

O ministro da Justiça, Sergio Moro, disse que não soube dos telefonemas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que a Polícia Federal grampeou e manteve sob sigilo em 2016, quando era o juiz à frente das ações da Lava Jato em Curitiba.

“O atual ministro teve conhecimento, à época, apenas dos diálogos selecionados pela autoridade policial e enviados à Justiça”, afirmou o Ministério da Justiça, por meio de nota.

“Cabe à autoridade policial fazer a seleção dos diálogos relevantes do ponto de vista criminal e probatório”, afirmou. “Diálogos que não envolvam ilícitos não são usualmente selecionados.”

Embora as mensagens obtidas pelo Intercept indiquem sua presença em reuniões com integrantes da Lava Jato para tratar das escutas, Moro disse não saber se os procuradores também participaram da seleção dos áudios divulgados.

“Se o Ministério Público Federal também participou da seleção, o ministro da Justiça desconhece, mas, se ocorreu, isso seria igualmente lícito”, afirmou.

Moro disse que suas razões para tornar públicos os telefonemas de Lula estão expostas em suas decisões como juiz, e acrescentou que todo o material foi enviado depois ao Supremo Tribunal Federal.

O ministro reafirmou que não reconhece a autenticidade das mensagens recebidas pelo Intercept, cujo vazamento é objeto de uma investigação conduzida pela Polícia Federal.

Em nota, a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba disse que cabe à polícia selecionar as interceptações relevantes para as investigações e que “não houve seleção de áudios pelas autoridades quando do levantamento do sigilo” do caso de Lula.

“Havendo áudio ou qualquer outra prova de conduta ilícita por parte de pessoas com prerrogativa de foro, a Procuradoria-Geral da República ou outra autoridade competente é comunicada, sem exceção”, afirmou.

“Não havendo indícios de crimes, os áudios são posteriormente descartados, conforme previsto na legislação, com a participação da defesa dos investigados”, acrescentou. “Neste contexto pode ter havido a captação fortuita de diálogos de eventuais outras pessoas não investigadas.”

“As conversas que não revelaram, na análise da polícia, interesse para a investigação, permaneceram disponíveis para a defesa, que tem o direito de informá-las nos autos e utilizá-las”, observou.

A força-tarefa acrescentou que seu coordenador, o procurador Deltan Dallagnol, “não conseguiu acompanhar diretamente os acontecimentos daquela tarde” porque passou o dia em Brasília, com muitos compromissos.

A Polícia Federal não quis fazer comentários sobre a seleção dos áudios que anexou aos autos da investigação em 2016.

Em nota na época, a PF observou apenas que a interrupção de interceptações telefônicas depende do cumprimento da ordem judicial pelas operadoras de telefonia, e que todas as ligações gravadas foram encaminhadas à Justiça para que definisse seu destino, não só as que foram anexadas aos autos.

A polícia afirmou que as investigações sobre o vazamento das mensagens da Lava Jato ainda não foram concluídas. “A Polícia Federal analisa as circunstâncias da obtenção de dados, referentes a trocas de mensagens privadas, por terceiros”, disse. “O teor de tais mensagens não é objeto da investigação.”

O procurador Eduardo Pelella, que era chefe de gabinete do procurador-geral Rodrigo Janot, disse que “tomou conhecimento dos fatos a partir do que foi informado pelos colegas de primeiro grau”, e que Janot “aconselhou que fosse seguido o padrão de atuação da força-tarefa em casos semelhantes”.

Informado das anotações da PF sobre suas conversas com Lula em 16 de março de 2016, o ex-presidente Michel Temer disse que reconhece os diálogos, e que nunca soube que tinha sido grampeado naquele dia.

 

 

*Do ET Urbis Magna