Por Marcelo Auler, de Brasília – Na noite em que a turba terrorista do bolsonarismo colocou a democracia em risco ao invadir as sedes dos três poderes da República na capital federal, o governador Ibaneis Rocha (MDB), a quem cabe zelar pela segurança da cidade, começou a desenhar uma tentativa de reverter suas responsabilidades pelo caos que o Brasil e o mundo assistiram ao vivo e a cores pela tela das TVs.
Junto com o ex-senador Luiz Estevão, empresário bem sucedido no ramo imobiliário e dono do principal site de notícias da capital federal, o Metrópoles, o governador ensaiou um script comum a novelas policiais, nas quais a vítima é culpada pelo crime que sofreu. Os dois ensaiaram um discurso para mudar a narrativa das responsabilidades pelo quebra-quebra generalizado. Passaram a responsabilizar a principal vítima do golpe: o novo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Ibaneis é apontado, no mínimo, como irresponsável e omisso pela incapacidade da Polícia Militar do DF agir com rigor. Mais ainda. Apesar de diversos alertas que lhes foram feitos sobre as possíveis manifestações bolsonaristas, empossou no dia 2 de janeiro um secretário ligado ao esquema bolsonarista, o delegado federal Anderson Torres, e em seguida lhe deu férias. No domingo da tentativa de golpe, ele estava com a família nos Estados Unidos. Partiu dia 6, três dias antes do início oficial das férias (09/01). Nos poucos dias efetivamente à frente do cargo, mesmo sabendo que ia se ausentar, substituiu todas as chefias que ajudaram a organizar o bem sucedido esquema de segurança da posse do presidente Lula, transcorrida sem maiores registros policiais.
“Não teremos problemas”
Mais ainda, no sábado à tarde, apesar de todos os alertas que tinham sido feitos, o governador confirmou à repórter Isadora Teixeira, do site Metrópoles, por mensagem de WhatsApp (15h54) sua decisão de liberar as manifestações “desde que pacíficas”. Decisão que foi mantida apesar de outros alertas enviados.
Por volta das 20h00, por exemplo, ele recebeu mensagem do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) preocup0ado: “Polícia do Senado está um tanto apreensiva pelas notícias de mobilização e invasão do Congresso. Pode nos ajudar?”
Sua resposta não correspondeu ao que se viu no dia seguinte. Em três mensagens Ibaneis ele afirmou a Pacheco:
“Já estamos mobilizados”
“Não teremos problemas”
“Coloquei todas as forças nas ruas”
Como se verificou depois, os problemas ocorreram e, conforme os próprios depoimentos de policiais militares na Polícia Federal, não houve a mobilização anunciada, tampouco todas as forças foram para as ruas.
Passava de meia noite (00h28min) foi o ministro da Justiça quem cobrou esclarecimentos do governador. Dino reivindicava o bloqueio de ônibus na Esplanada dos Ministérios – o que de fato ocorreu – e pedia explicações para a autorização de Ibaneis para as manifestações pacíficas. Além disso, expôs:
“Governador, não entendi bem qual será a sua orientação para a Polícia do DF” (00h29).
“Onde será o ponto de bloqueio e de que forma?” (00h30)
A resposta de Ibaneis só ocorreu no domingo às 11h21, quando retransmitiu o informe recebido do delegado Fernando Souza, que substituía Anderson Torres. Tentava tranqüilizar o governador pois dizia que Brasília estava calma, os manifestantes ainda no QG do Exército e a Esplanada fechada ao transito.
Dino apenas comentou: “Oremos para que tudo acabe bem”.
“Não tomaram nenhuma providência”
Apesar desses antecedentes, no domingo à noite, pelo que se percebe dos trechos de diálogos que a Perícia da Polícia Federal transcreveu no laudo da análise dos celulares do governador, ele começou a se fazer de vítima. Encontrou eco apenas na conversa com o ex-senador Estevão, que prontamente responsabilizou os ministros da Justiça, Flávio Dino, e da Defesa, José Múcio Gonçalves Filho, como demonstram as transcrições:
Estevão (23h19min) – “Cabe a pergunta: por que o falastrão ministro da Justiça não determinou à PRF, desde segunda-feira sob seu comando, que impedisse a entrada dos ônibus dos manifestantes no DF?”
Ibaneis (23h21min) – “Eles agora se colocam como vítimas como se não tivessem nenhuma responsabilidade. Cadê a inteligência da Policia Federal que não viu nada?”
Estevão (23h23min) – “Claro que têm! Por que o ministro da Defesa não determinou ao Exército que esvaziasse os quartéis para que os manifestantes não se sentissem amparados?”
Ibaneis (23h23min) – “Eles assumiram e não tomaram nenhuma providência”.
Estevão (23h24min) – “Deixaram que o circo fosse armado e cobram o GDF (Governo do Distrito Federal) e a PM? O que queriam: um massacre do Planalto para lembrar do Carandiru?”
Ibaneis (23h26min) – “Agora é ver no que vai dar essa merda”
Estevão (23h28min) – “Hora de deixar a poeira baixar; os questionamentos necessários serão feitos. Palmas para a PM que não atirou em ninguém. Abraços, meu Governador”
Em um único momento dessa conversa, Ibaneis, após destacar “a polícia nossa é muito bom” (sic), admitiu, sem maiores detalhes, que “a coordenação hj falhou”. (Ibaneis – 23:29)
Já o empresário, após minimizar os estragos lembrando que não houve vítimas – “O dano poderia ter sido maior, se a polícia tivesse agido com balas. Prejuízos materiais são recuperáveis: vidas humanas, não” – e mesmo tendo jogado a responsabilidade para o governo federal, apresentou a sugestão de o GDF, assumir o ressarcimento dos prejuízos materiais. Na conversa, Estevão propôs às 23H31:
“O GDF poderia assumir a reparação de todos os danos causados ao Congresso, STF e Planalto. O custo é baixo e o gesto é relevante”.
O governador desconversou: “Vou ver amanhã como fazer”.
“Sou um democrata”
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Naquela mesma noite Ibaneis já havia ensaiado o discurso de vítima em outra conversa, sem obter muito êxito. Foi na troca de mensagens por WhatsApp, por volta de 19h20, com a jornalista Andréia Sadi, da GloboNews. Ela foi direto nos questionamentos:
“Como o sr. não sabia desses movimentos? A segurança do DF falhou. Como o secretário Anderson…”
Ibaneis ensaiou uma divisão de responsabilidades:
“Estávamos desde ontem monitorando junto com o ministro da justiça” (19h24).
Mas a jornalista não se deu por satisfeita: ”Sei. E o secretário Anderson está de férias nos EUA uma semana após assumir, como? Ele é responsável e o sr. tb. Pela segurança do DF” (19h25)
Ibaneis ainda tentou escapulir:
“A sensação que nos passavam é que após a posse os movimentos iriam se desfazer” (19h27).
A jornalista continuou na cobrança: “Quem passava?” (19h27)
Ibaneis alegou que o acampamento estava sendo desfeito:
“O exército inclusive estava desmobilizando o acampamento do QG” (19h27)
Ela insistiu: “De quem é a responsabilidade? Pelo que aconteceu? (19h29)
Ibaneis tentou dividi-las:
“Acho que de todos” (19h30). A PRF deveria ter atuado na chegada dos ônibus”. O ministério do exército no acampamento. A PF e a polícia do Distrito Federal pela falta de monitoramento do risco (19h31). Querer culpar um só é absurdo” (19h32);
Sadi perseverou: “Mas o sr. tem responsabilidade tb? (19h32)
Ibaneis então buscou afastar-se do envolvimento com o possível golpe alegando ser um democrata:
“Eu não sou conivente com nada desses absurdos. Sou um democrata (19h32). Respeito o resultado das urnas. Agora eu trabalho com informações que me passam. E jamais poderia tomar uma decisão sem informações completas” (19h34).
Cinco dias depois, em 13 de janeiro, ao ser procurado pela jornalista Cátia Seabra, da Folha de S.Paulo, Ibaneis passou admitir sabotagem de toda “equipe de segurança”, não especificando os órgãos.
“Houve sabotagem”
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Cátia Seabra – O Sr acha que foi vítima de sabotagem, do Anderson Torres? (11h05)
Ibaneis – De toda a equipe de segurança. Que descumpriu o plano de contingências estabelecido em reuniões conjuntas ocorridas nos dias 6 e 7 (11h16).
A repórter quis detalhes, e o governador apontou para a Polícia Militar do DF.
Cátia Seabra – O Sr tem indícios de quem seriam e como agiram?
Ibaneis – Basta olha os vídeos. A polícia militar não agiu Omo das vezes anteriores. Houve sabotagem’, concluiu.
Essa tentativa de reverter o discurso e jogar a culpa no governo empossado no dia 1 de janeiro, agora vem ocorrendo por parte da oposição dentro do Congresso Nacional. Há o risco de os bolsonaristas aceitarem uma Comissão Parlamentar de Inquérito para fazer prevalecer a tese deles: o governo não agiu.
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